terça-feira, 30 de abril de 2019

(Conclusão)


Uma mentira muitas vezes dita


Aqueduto da Serra do Pilar – DGPC


O aqueduto da Serra do Pilar destinava-se a abastecer de água o mosteiro da Serra do Pilar desde o século XVI.
Em 1834, mercê dos ferozes combates acontecidos, nesse local, entre as tropas de D. Pedro IV e D. Miguel, a igreja e o mosteiro da Serra do Pilar ficaram com marcas de destruição que, só muitos anos mais tarde, seriam reparadas.



As marcas dos confrontos resultantes do Cerco do Porto exibidas pela igreja e mosteiro da Serra do Pilar



Pela clareza com que é apresentado um tema que importa ser conhecido, dadas as imprecisões como costuma ser abordado normalmente, em muitas publicações, se dá conta a seguir de um texto, cortesia de António Conde.


“O mosteiro da Serra do Pilar, cuja fundação remonta ao ano de 1527, no reinado de D. João III, situa-se nos lugares antigamente chamados Monte de Quebrantões ou da Meijoeira, uma eminência rochosa onde não seria fácil encontrar água em quantidade suficiente e que corresse pela lei da gravidade. A solução foi encontrada, logo no ano seguinte, nas proximidades da igreja de Mafamude, no manancial do Agueiro.
Assim, em 20 de Fevereiro de 1538, resolveu-se a questão de propriedade do chão em que assentaria o mosteiro tendo sido adquirido, por escambo, o casal de Cimiel e as pesqueiras da Ponta dos Guindães, no Douro. Cerca de 3 meses volvidos, Frei Brás de Braga, o religioso incumbido da construção do mosteiro, foi ao monte da Meijoeira acompanhado de Diogo de Castilho e João de Ruão e, segundo as suas palavras se traçou o mosteiro e se abriram os alicerces em a igreja e o claustro, e à tarde veio o Bispo e se lançou a primeira pedra.
Por instrumento de escambo, de 23 de Maio de 1538, celebrado entre o dito Frei Brás de Braga e Diogo Leite, senhor de Gaia pequena e da Casa de Campo Belo, o segundo outorgante em cumprimento de uma provisão régia cedeu ao dito clérigo “a água dos seus casais do Agueiro, e casal de Trancoso, e do casal que traz Gonçalo Rodrigues, que todos estão sitos na freguesia de Mafamude do Julgado de Gaia, os quais pertencem a sua terra de Gaia, pequena, e que ele Diogo Leite por fazer serviço ao dito Senhor, e por a dita água vir para o mosteiro que o dito Senhor manda ora fazer ao dito Padre Frei Brás no monte e outeiro da Meijoeira”.


O traçado do aqueduto e os vestígios existentes


Como foi referido o aqueduto tinha o seu manancial no lugar do Agueiro. Existem ainda na Quinta do Marques do Agueiro três respiros em terreno agrícola e um, de maior grandiosidade, no jardim da Praceta Adelino Amaro da Costa. A mina depois de receber água destes pontos atravessa a rua D. Pedro V e recebe água de outros pontos situados no lugar de Trancoso, junto ao Colégio de Gaia. Entre a Rua D. Pedro V e a via de cintura existem dois respiros, nas traseiras dos prédios, que foram preservados aquando das obras de construção daquela via.
De seguida a mina atravessa a Avenida da República em direção à Travessa Particular Honório Costa onde ainda existe um respiro, de grandes dimensões que foi louvavelmente integrado em condomínio de prédio. Daí o aqueduto seguia até ao sítio da atual praceta 25 de Abril onde existiu um pequeno outeiro chamado das Pedras de Pé de Azeite onde, antes da construção da praceta, existia a casa da família Cal Brandão. A partir daí o aqueduto seguia à superfície e em arcadas pela rua 14 de Outubro, passava junto à Fonte do Casal (que abastecia) e depois pela atual Alameda da Serra do Pilar, onde faz a separação entre as freguesias de Santa Marinha e Oliveira do Douro. A entrada no atual Quartel da Serra dava-se junto ao portão nascente. A meio da Alameda da Serra do Pilar ainda existe, integrado numa habitação, parte dum arco do aqueduto, cuja imagem aqui se reproduz. Ao longo do percurso há ainda algumas estruturas de apoio à mina que ainda abastecem o quartel, porém de construção atual e de reduzido valor arquitetónico.


A ruína do aqueduto


Nos finais do séc. XIX era visível o estado de degradação de alguns arcos do aqueduto, havendo reclamações de particulares para que os mesmos fossem apeados considerando-se que, para além da segurança, eram um entrave ao progresso. O jornal “A Luz do Operário”, de 3 de Junho de 1926 dá-nos conta da preocupação dos moradores, temendo pela sua segurança e alertando para a necessidade de por fim a tal “pesadelo”. Foram os últimos arcos a ser derrubados.
Curiosamente o Estado que nada fez pela preservação deste monumento, em 20.08.1946, pelo Decreto-Lei nº 35.817 procedeu à classificação como imóvel de interesse público do troço existente do aqueduto da Serra do Pilar (lugar do Sardão, freguesia de Oliveira do Douro)". Tratou-se de classificar um monumento já inexistente e confundi-lo como parte de um outro que nada tem de comum. Esta incongruência ainda hoje se mantém na página eletrónica do IGESPAR onde o aqueduto dos Arcos do Sardão é referido como “troço existente do aqueduto da Serra do Pilar”.
Quisemos aqui evocar este monumento hoje desaparecido cuja memória perdura nas imagens que ficaram e nos vestígios de que aqui damos conta que faziam parte da mesma estrutura.
Cortesia de António Conde



Respiro do aqueduto da Serra do Pilar na Rua engenheiro Adelino Amaro da Costa, ao Agueiro - Ed. António Conde



Estrutura de antigo arco do aqueduto da Serra do Pilar, integrado na construção, na Alameda da Serra do Pilar – Ed. Graça Correia


Aqueduto e Festa da Senhora do Pilar no Campo de Manobras c. 1930


O arraial da Senhora do Pilar, de que a foto acima é testemunho, era das mais concorridas das redondezas.
O dia 15 de Agosto é dedicado no calendário religioso à Assunção de Nossa Senhora ao Céu. O culto a Nossa Senhora do Pilar teve origem em Espanha, em pleno séc. XVII e terá sido trazido para Portugal depois da Restauração. 

“Foi ontem o arraial da Senhora do Pilar, no sítio da Serra.
A concorrência àquele local, tão povoado de recordações e tão assinalado pelas devastações do tempo e da guerra, tocam as raias de extraordinária.
Na Serra achava-se um número de pessoas, talvez não inferior a 28 ou 30.000.
Tão extraordinário foi o arraial que tudo ficou literalmente vazio, vindo muitas das vendedeiras de novo à cidade abastecer-se de pão e outros géneros para ocorrer à enorme procura que eles ali tinham.
Toda a qualidade de fruta, especialmente as melancias, tiveram grande extracção.”
In jornal “O Comércio do Porto”, 17 de Agosto de 1865 – 5ª Feira



Vista do convento e igreja da Serra do Pilar através do aqueduto



Ao longe, na linha do horizonte, o aqueduto do mosteiro da Serra do Pilar


Rua de Rocha Leão contornando o maciço rochoso da Serra do Pilar e que durante 2 décadas constituiu o acesso Sul ao tabuleiro superior da ponte Luís I



Vista sobre o rio Douro obtida em 1950 a partir do adro da igreja da Serra do Pilar


Igreja da Serra do Pilar em 1950 ainda muito danificada, com vista obtida da Rua Rocha Leão


Vista parcial da igreja da Serra do Pilar obtida a partir do Jardim do Morro, na segunda metade do século XX

segunda-feira, 29 de abril de 2019

25.44 Aquedutos gaienses e outros temas


“Eu passei os primeiros anos da minha vida entre duas quintas, a pequena Quinta do Castelo, que era de meu pai, e a grande Quinta do Sardão que era, e ainda é, da família do meu avô materno, José Bento Leitão; ambas eram ao sul do Douro, ambas perto do Porto, mas tão isoladas e tão fora do contacto da cidade que era perfeitamente do campo a vida que ali vivíamos(…).”
Almeida Garrett (04 Fev 1799 - 09 Dez 1854)

Sobre uma criada, trazida do Brasil por seu avô, diz Garrett:

 (…) uma parda velha, a boa Rosa de Lima, de quem eu era o menino bonito entre todos os rapazes, e por quem ainda choro de saudades apesar do muito que me ralhava às vezes, era a cronista-mor da família, e em particular da capela e da quinta do Sardão, que ela julgava uma das maravilhas da terra e venerava como um bom castelhano o seu Escurial. Contava-me ela, entre mil bruxarias e coisas do outro mundo que piamente acreditava, que também naquelas coisas “se mentia muito”; que, de meu avô, por exemplo, diziam que tinha aparecido embrulhado num lençol passeando à meia-noite em cima dos arcos que trazem a água para a quinta: o que era inteiramente falso, porque “ela estava certa que, se o Sr. José Bento pudesse vir a este mundo, não se ia embora sem aparecer à sua Rosa de Lima” – E arrasavam-se-lhe os olhos de água ao dizer isto, luzia-lhe na boca um sorriso de confiança que ainda agora me faz impressão quando me lembra.”


"Nasci no Porto, mas criei-me em Gaia".
Almeida Garrett


Em 1799, Garrett nasceu no Porto, na Rua do Calvário (hoje a Rua do Dr. Barbosa de Castro), numa casa que arderia em 27 de Abril de 2019.


Ataque ao fogo ocorrido na casa onde nasceu Garrett – Fonte: JN


O prédio de propriedade particular, estava em vias de ser declarado edifício de Interesse Municipal, tentando o Município adquiri-lo, para aí vir a instalar um polo do Museu do Liberalismo.
Em 2020, comemorar-se-ão 200 anos sobre a ocorrência no Porto da Revolução Liberal.
Em 1804, com 5 anos de idade, Almeida Garrett, foi viver para Vila Nova de Gaia, onde a família tinha propriedades. Numa primeira fase, habitou a Quinta do Castelo, no lugar do Candal, freguesia de Santa Marinha, sita nas proximidades das ruínas do Castelo de Gaia e que tinha origem nos ancestrais do seu pai.



“Diante da Invasão islâmica da península Ibérica a partir do século VIII, e posteriormente, no contexto da Reconquista cristã da península, por volta do ano 1000, a fronteira entre muçulmanos e cristãos fixou-se no rio Douro. Diante das oscilações da linha de fronteira, a povoação de Cale (Gaia), perdeu a sua população cristã, que se refugiou na margem norte do rio.
O primitivo castelo terá sido erguido pelas forças muçulmanas, uma vez que é referido em uma das antigas lendas associadas a Gaia, que se refere ao confronto entre o rei cristão D. Ramiro e o rei mouro Alboazer.
Com a conquista definitiva e subsequente pacificação dos territórios a sul do Douro por volta de 1035, registou-se um repovoamento da antiga Gaia, incentivado por foral passado pelos novos senhores das terras conquistadas. A nova povoação denominou-se "Vila Nova de Gaia", florescendo ao abrigo dos muros do antigo castelo de Gaia.
O nome das duas povoações - do Porto e de Gaia - era usualmente referida em documentos coevos como "villa de Portucale", e o condado do Reino de Leão no qual se inscreviam, denominado de "Portucalense".
Após a fundação do reino de Portugal, as duas povoações - Gaia e a Vila Nova - mantiveram-se autónomas. Gaia recebeu carta de foral passada pelo rei D. Afonso III em 1255 seguindo-se Vila Nova, por D. Dinis, em 1288.
O castelo foi conquistado pelo príncipe D. Afonso, filho de D. Dinis, em 4 de Janeiro de 1322. Poucos anos mais tarde, o príncipe D. Pedro, ao saber que seu pai, D. Afonso IV, tinha autorizado a morte de D. Inês de Castro, entrou em guerra aberta contra o pai e saqueou a região do Entre-Douro-e-Minho (1355-1357), tendo também se apoderado de Gaia e seu castelo. Data deste período o primeiro alcaide conhecido do castelo, Rodrigo Anes de Sá, nomeado por D. Pedro, já rei, em 29 de Julho de 1357.
Nesse período, o castelo sofreu obras de reparação ou reforço, uma vez que, em 1366, o abade do mosteiro de Pedroso forneceu vinte carros de lenha para o Castelo de Gaia, também tendo sido cedidos pela mesma instituição carros e bois para esses trabalhos.
Ainda nesse século, em 1383, ambas as povoações foram integradas no julgado do Porto, perdendo a sua autonomia. Talvez por esse motivo, em 1385 os cidadãos portuenses, a pretexto de desacordos com o alcaide Aires Gomes de Sá, assaltaram o castelo e o danificaram de tal modo que o mesmo deixou de ter alcaide.
 In Fortalezas.org
 
 
 

A meio da foto, o morro do Candal
 
 
João de Barros, no reinado de D. João III, na sua crónica escreveu sobre o castelo de Gaia:
 
 
"Tem a cidade o arrabalde de Vila Nova, cuja paróquia é Santa Marinha e junto dela está o Castelo de Gaia em um lugar alto e mui aprazível. Este castelo é já derribado, que a cidade já derribou. É tão antigo que, dizem, que o fundou Caio Júlio César. E nele estavam umas pedras com o nome de Caio César."
Crónica de João de Barros





Nas imediações do morro da foto acima onde esteve erguido o Castelo de Gaia, se situava a Quinta do Castelo, pertença da família do pai de Almeida Garrett, António Bernardo da Silva Garrett (1740-1834), selador-mor da Alfândega do Porto.
Em baixo apresenta-se uma gravura do morro do Candal (ou morro do Castelo de Gaia), 1849 - Cesário Augusto Pinto (1825-1896), Gaia in As margens do Douro, collecção de doze vistas e uma mesma perspectiva actual da gravura, obtida no Google maps, onde é possível visualizar algumas construções que se mantêm.
De notar que para poente (não visível) se encontrava o Mosteiro do Vale da Piedade.






No blogue Memórias Gaienses da Biblioteca Pública Municipal de V. N. de Gaia, sobre a gravura acima, de Cesário Augusto Pinto refere-se:


“Na actualidade mantêm-se a maior parte das construções, a saber: o Lar Pereira Lima, ao alto que pertence à Misericórdia do Porto, a capela de Nossa Senhora da Bonança (ou do Bom Jesus de Gaia), os armazéns do vinho do Porto, a casa junto às escadas da Rua do Salgado. 
Na cota baixa, de nascente para poente, ainda existem as paredes e belas janelas dos dois primeiros edifícios e todo o casario ribeirinho do Cais de Gaia que aqui parte com o Cais da Fontinha, bem assim o Oratório e escadas da Boa Passagem (Era aqui que se situava o pelourinho de Vila Nova de Gaia que foi derrubado e semidestruído na cheia de 1909).
A poente, na cota média, pode ver-se o edifício da Quinta da Bela Vista onde existia a cerâmica do Vale da Piedade.”


Cruzeiro do Senhor da Boa Passagem, à direita - Fonte: Google maps






Capela do Bom Jesus ou Capela de Nossa Senhora da Bonança, na Rua Viterbo de Campos




Interior da capela - Foto de “O Porto Encanta”
 
 
Em tempos recuados existiram, junto ao castelo de Gaia, diversos templos: a capela de São Marcos, que a tradição considera ter sido a primeira Sé, a capela de Nossa Senhora do Castelo, a capela de Nossa Senhora da Piedade e a capela de São Lourenço mártir.
Por outro lado, a Quinta do Sardão e o respectivo palacete, de que fala o poeta, no texto acima, viram a luz do dia por acção do sargento-mor de Ordenanças, José Bento Leitão, em Oliveira do Douro, onde criaria os seus filhos, nomeadamente, D. Ana Augusta de Almeida Leitão, mãe do poeta Almeida Garrett.
Gomes de Amorim, autor das Memórias Biográficas de Garret, descreve a Quinta do Sardão, do seguinte modo:


"Magnifica e muitas vezes maior que a do Castello. Compõe-se de pomares, terras de pão e matas. Além de outras nascentes, recebe agua com abundancia de um aqueducto, formado por vinte e três arcos, assentes em outros tantos pilares, de estylo romano, semelhantes aos que levam agua para a Serra do Pilar. O arco mais alto terá uns doze ou quatorze metros de altura. São erguidos na extremidade sul da quinta, à beira da estrada de Villar de Andorinho, e fornecem água para um grande depósito, onde concorrem muitas lavandeiras. A água canalisada por baixo do chão, desde o pinhal, entra na mina d'onde passa para o cano do aqueducto, a uns duzentos metros do primeiro arco, vindo de Villar de Andorinho. É deliciosa, fresca e leve como a da fonte da Sabuga, em Cintra. Na parte superior da base do terceiro pilar, contando da mina, está, do lado da estrada, esta data, grosseiramente aberta na pedra, e quasi apagada já pelo tempo"177U”. Supponho ser a data da fundação. Desenhei fielmente os caracteres".
Cortesia: Isabel Sereno e João Santos, 1994, In: “monumentos.gov.pt”


No último cartel do século XIX, em 1879, a família de Almeida Garrett ofereceu a quinta às Irmãs Doroteias, onde instalaram um colégio.
Aquela Congregação Religiosa foi fundada em Quinto-Génova, em 1834, por uma genovesa, Paula Frassinetti.
No início, o colégio tinha uma organização escolar de três tipos: uma escola masculina, uma feminina para alunas externas e outra, também feminina, para alunas internas.
Após um interregno devido à alteração do regime político português – de 1910 a 1921 o Colégio reabriu com uma organização de dois tipos: uma escola para alunas externas e outra para alunas internas (ambas femininas).
Em 16 setembro de 1923, a Junta de Freguesia manda tirar a planta do terreno baldio dos Arcos do Sardão para o colocar em praça pública.
A partir de 1969, com a introdução do Ensino Infantil, em regime de co-educação, depois estendido à Primária, a estrutura do Colégio foi tendo sucessivas alterações.
Neste momento, a população escolar abrange o Jardim de Infância e o 1° Ciclo do Ensino Básico.
Uma característica arquitectónica que identifica esta quinta é a que se prende com a sua ligação a um aqueduto.
Para o abastecimento de água à quinta, seria construído, algures, durante século XVIII, um aqueduto que levava água de Vilar de Andorinho para a Quinta do Sardão.
A estrutura do aqueduto, em aparelho rusticado, era constituída por arcada de vinte e três arcos de volta perfeita, assentes em pilares, de diferentes cérceas. 
Este aqueduto (parcialmente demolido, em várias fases, ao longo dos anos) foi atravessado pela estrada nacional 222, para Avintes, pelo que seria, nesse trecho, interrompido em 1966.
Convém salientar que a data que é mais divulgada para o começo do levantamento do aqueduto é a de 1720 e que o obreiro teria sido o avô de Almeida Garrett.
Não nos parece que tal seja possível.
José Bento Leitão, nascido em Vila do Conde, em data indeterminada, por não ser consensual, fez fortuna no Brasil, em Pernambuco, onde enviuvou e concebeu durante esse primeiro casamento duas filhas.
Voltou para Portugal viúvo, muito rico, acompanhado da criada “parda velha”, Rosa de Lima, que foi presença referenciada nos escritos do poeta.
Em 1766 já era membro da Ordem de Cristo.
Em 1771, José Bento Leitão voltaria a casar, agora, com a que seria a avó de Almeida Garrett.
D. Ana Augusta de Almeida Leitão (1776-1841), mãe de Almeida Garrett, era irmã de João Carlos (1777-1824) e ambos filhos daquele segundo casamento de José Bento Leitão.
Portanto, se a data para levantamento do aqueduto fosse 1720 e o seu autor José Bento Leitão, ele já estaria em Portugal naquele ano, depois de um período a fazer fortuna no Brasil.
Isso implicaria que aquando do 2º casamento já tivesse uma provecta idade. Algo não bate certo e seria essencial saber, com certezas, a idade do nascimento do sargento-mor de Ordenanças.



“Feito pelo Marquês de Pombal Deputado da poderosa Companhia dos Vinhos do Alto Douro (cuja sede era no Porto), [José Bento Leitão] se entregara a espaventosos atos de “brasileiro” com fortuna: construção da quinta e palacete do Sardão, doações à Misericórdia de Vila do Conde, vida farta de grande senhor, rodeado de criadagem numerosa, como a querer reproduzir na Metrópole o bulício da casa grande do Brasil das patacas.”
Cortesia de Ofélia Paiva Monteiro


Excerto extraído da obra de Virgínia de Jesus Fontoura, “Pedro Gomes Simões: Homem de negócios do Porto: Século XVIII”


Do texto acima pode-se inferir que José Bento Leitão em 1761 ainda mantinha negócios com a colónia brasileira.



Palacete da Quinta do Sardão


Aqueduto da Quinta do Sardão


Aqueduto dos Arcos do Sardão – Fonte: Google maps



(Continua)

sexta-feira, 26 de abril de 2019

25.43 Porta Nova ou Nobre - Entrada dos ilustres na cidade


Não haverá muitos estudiosos desta parte antiga da cidade que, como Nuno Cruz, a descrevam de modo tão entendível, no seu blogue denominado, precisamente, “Porta Nobre”. Diz ele, então:


“A Porta Nova ou Nobre era uma das entradas medievais na cidade do Porto situada grosso modo a meio da atual rua Nova da Alfândega, ainda que a uma cota inferior. Inicialmente um simples postigo da muralha que abraçava a cidade, foi supostamente alargada e elevada à categoria de porta durante o reinado de D. Manuel I. Por diversas vezes por ela entraram os mais altos dignitários que demandavam esta cidade, vindos da outra banda, atravessando o rio e acostando os barcos de passagem no areal que desapareceu com a construção do edifício da alfândega (fazendo a sua entrada no burgo pela rua dos Banhos). Existiu até 1871, ano em que foi sacrificada em nome do progresso e com ela um pouco mais da história e da memória da cidade”.


Para a construção da nova Alfândega foi necessário proceder a demolições importantes na zona ribeirinha de Miragaia, bem como para abertura do acesso àquela estrutura, o que viria a ser a Rua Nova da Alfândega.


Construção da Alfândega Nova, junto da Porta Nobre, em 1860


A entrada na cidade pela muralha no que tinha sido o Postigo da Praia e depois foi Porta Nova e finalmente Porta Nobre, continuando já intra muros pela Rua dos Banhos, há muito que desapareceu.
Duma passagem adjacente à muralha e que daí corria para nascente, denominada Rua de Cima do Muro, só sobrou um pequeno troço que hoje se chama Muro dos Bacalhoeiros.
O Bairro dos Banhos não resistiu também ao progresso.
O edifício da Alfândega Nova, responsável pela intervenção urbanística de fundo, foi mandado edificar a 25 de Setembro de 1859, na praia de Miragaia, segundo projecto do arquiteto francês Jean-François Colson e devido às características do terreno, assentou sobre estacaria de madeira.
A Alfândega viu o seu primeiro núcleo edificado, inaugurado em 1869 e a construção terminada dez anos mais tarde, apresentando uma área de 36.000 metros quadrados e sendo composto por três corpos principais, com uma disposição de fachadas claramente demonstrativa das suas funções.
A fachada principal está voltada para o rio.


As caves da Alfândega Nova com os seus arcos característicos denominados de Furnas


Em 1888, foi construído um ramal de caminho-de-ferro ao qual se deu o nome de Ramal da Alfândega e que tinha como objectivo a ligação da Alfândega à Estação de Campanhã. Desembocava onde é hoje o parque de estacionamento. 


Estação ferroviária da Alfândega


Aquela faixa ribeirinha seria revolvida na segunda metade do século XIX, impossibilitando o trânsito que passou a ser feito pela Calçada da Esperança, hoje a Rua Tomás Gonzaga.
A abertura da Rua Nova da Alfândega de ligação da Alfândega Nova à Rua do Infante D. Henrique estaria em uso pleno c. 1880, pois, há documentos que nos dão conta disso a propósito duma contenda toponímica, na transcrição de um artigo inserto em O Tripeiro, série V, ANO XIII, escrito por António Sardinha a páginas 63 e no qual é dito que em 1875, apenas uma porção da rua estava construída.
Segue o texto.

“A nova alfândega construída na praia de Miragaya, reclamava uma communicação fácil e condigna da grandiosidade do edifício; houve differentes alvitres, pensando-se em communica-la pela parte baixa da cidade, posta já em contacto fácil pela rua de S. João ou de Ferreira Borges; e também se pensou em abrir uma nova rua por detraz de Monchique a entroncar na Restauração (calçada de Monchique, rua de Sobre-o-Douro). Prevaleceu porém o primeiro alvitre, adoptando-se o projecto, em verdade arrojado, e que se levou já a seu termo. A nova rua, parte da dos inglezes, e fazendo uma curva defronte do antigo convento de S. Francisco, corre depois um alinhamento parallelo á alfândega, entroncando com a rua marginal de Miragaya. A construcção foi feita a expensas do municipio, que já gastou com ella 318:519$573 réis, a maior parte absorvidos em expropriações (Abril de 1875). Com a abertura da nova rua desappareceu o bairro dos Banhos, um dos mais immundos da cidade; a Porta Nobre, o postigo dos Banhos, a maior parte da rua de Cima do Muro e uma parte da Reboleira. A rua está ao abrigo das cheias e absorveu enorme volume de terras, pela maior parte extrahidas do corte feito para o alargamento da rua de Ferreira Borges. A porção construída pela camara é desde a rua dos Inglezes até um pouco adiante da antiga Porta Nobre. Não está empedrada ainda, havendo, porém, já em depósito grande porção de parallelipípedos (pedra de esteio, de Canellas). Na parte direita da rua estão-se construindo já novos prédios, subordinados na fachada a um typo apresentado pela câmara.” 
Pinho Leal (1816-1884) — Portugal Antigo e Moderno


Rua Nova da Alfândega – Ed. Luís Santos


Miragaia e as demolições para a construção da Alfândega junto da Porta Nobre – Fonte: Arquivo Histórico Municipal Porto




Legenda:

1. Casa actualmente ocupada pelo Mirajazz (nas escadas do Caminho Novo)
2. Casa actualmente ocupada pelo Grupo Musical de Miragaia (na antiga Rua das Barreiras, hoje incorporada na Rua da Arménia)
3. Última casa a ser demolida, já no século XX, que se encontrava encostada à muralha, onde actualmente a mesma faz o seu último cotovelo e finaliza
4. Casa actualmente ocupada pela Escola de S. Nicolau, no topo das escadas do Recanto (aquele pequeno correr é o que resta da antiga Rua do Forno Velho de Baixo)
5. Fortim de S. Filipe
6. Terreno terraplanado e proveniente da demolição de prédios que se estendiam até à muralha contígua ao rio
7. Praia de Miragaia
8. Largo de Artur Arcos após demolição das construções existentes




Perspectiva aproximada à anterior – Fonte: Arquivo Histórico Municipal Porto


Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):

4. Escola de S. Nicolau
5. Fortim de S. Filipe
6. Área terraplanada resultante de demolições de prédios que confinavam com a Rua dos Banhos (dava acesso em linha recta com a Porta Nobre)
12. Postigo dos Banhos
13. Igreja de S. Francisco



Publicidade dando conta de que a 8 de Janeiro de 1856, o topónimo “Praia de Miragaia” ainda existia – In jornal “O Commércio do Porto”




Largo de Artur Arcos e completamente à direita observa-se uma entrada de uma estreita viela (à direita do 1º prédio) que é o começo das Escadas do Caminho Novo – Fonte: Google maps




As Escadas do Caminho Novo eram exteriores à muralha e projectavam-se ao longo de um correr de casas encostadas a ela.


A meio da foto as Escadas do Recanto ligando pelas traseiras dos prédios à Calçada do Forno Velho – Fonte: Google maps



Planta de Joaquim Costa Lima de 1839 da zona de Miragaia


Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):

4. Casa actualmente ocupada pela Escola de S. Nicolau, no topo das escadas do Recanto (aquele pequeno correr é o que resta da antiga Rua do Forno Velho de Baixo)
5. Fortim de S. Filipe
7. Praia de Miragaia
8. Rua do Forno Velho de Baixo (Corria onde hoje é o passeio a Norte da Rua Nova da Alfândega
9. Rua dos Banhos
10. Calçada do Forno Velho
14. Rua das Barreiras


Zona interior à muralha junto da Porta Nobre antes da demolição


Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):

P. Porta Nobre
5. Fortim de S. Filipe
6. Centro da área a demolir
11. Edifício à entrada da Porta Nobre



Porta Nobre – Fonte: Nuno Cruz, “aportanobre.blogs.sapo.pt/”

Legenda:

P. Porta Nova ou Porta Nobre
11. Prédio à entrada da Porta Nobre


Sobre a edificação com a referência 11, na foto anterior, diz Sousa Reis:

“Consta a Porta Nobre de um edifício fortemente construído com toda a solidez, quasi quadrado em forma de torre feita de pedra assente: é alta e nela praticado está um elegante arco liso e sem adornos ou maineis; olha ao poente para onde é voltada a fachada principal exterior, e sobre ele se vêm duas ordens de janelas de peitoris (sic), que correspondem aos andares, de que esta torre se compõem, contendo cada um deles duas janelas, e no espaço das primeiras lá se encontra no centro o escudo com as reais quinas portuguesas.
Na face interna deste primeiro andar, e logo sobre a porta estava aberto um oratório, aonde se venerava a imagem de «Nossa Senhora das Neves» que todo era voltado para a rua dos Banhos; acha-se hoje (c. 1865) tapado de pedra e cal (...). 
O segundo andar desta torre era reservado para residência de alguma autoridade civil ou militar, ou finalmente para qualquer repartição pública, como demonstra a grande porta inferior a outro escudo real que sobre a sua padieira se conserva, e é voltada para o lado do sul, e tem comunicação pela escada de pedra fabricada para o cimo da muralha, e próximo ao fortim (...).
Para o mesmo lado do sul corre, desta torre, um pouco mais recuado da linha do frontispício dela, um lanço de muralha lisa, que sobe até à altura da soleira da porta do segundo andar, de que já falei, e pelo lado superior do mesmo lanço foi delineada através de toda a sua grossura a escada, que facilita a entrada para esse andar, mas só por cima do muro de defesa da cidade ao qual se sobe por outro lanço de escadaria também de pedra praticada pela face externa da muralha, de encontro à parede das costas do fortim (...).”


Sobre o oratório referido no texto anterior, Sousa Reis refere que, «primitivamente esteve sobre o arco de S. Domingos, e depois foi transferido para cima do arco da Porta Nobre, onde ainda pelo lado da rua dos Banhos, se vêm os restos».


Segundo Pinho Leal a imagem do oratório colocado por cima da Porta Nobre seria da Nossa Senhora do Socorro.
O texto seguinte dá-nos conta do começo dos trabalhos de demolição da Porta Nobre.


“Arco da Porta Nobre - Conforme já informamos os leitores, anda-se procedendo à demolição do antigo arco da Porta Nobre e do edifício que lhe ficava por cima para a abertura da rua da nova alfândega. No edifício a que nos referimos havia umas armas e uma inscrição que a Exma. Câmara, com louvável desvelo, fez remover para o Museu Municipal da rua da Restauração. A inscrição diz o seguinte: GOVERNANDO AS ARMAS DESTA CIDADE E SEU PARTIDO, O CORONEL ANTONIO MONERO DE ALMEIDA, SE FEZ ESTA OBRA NO ANO DE 1731. No andar que ficava ao nível do pátio do mesmo edifício, apareceu também um letreiro toscamente feito em uma pedra, a qual, segundo se pode entender, diz: 17 DO 6º DE 1410. No espaço que ia de uma a outra janela conhecia-se que havia brechas iguais às de inclinar as peças.”
In “O Comércio do Porto” de 28 de Abril de 1871