Sociedade do Calhau Provisório
Os fundadores do grupo foram homens com mais de 30 anos de idade, todos do Bonfim e de várias condições sociais.
Proprietários, negociantes e industriais que, terminado o labor quotidiano, gostavam de passar algumas horas, em convívio, em agradável passatempo.
Foram desde o início sócios: José Maria Ferreira, Alfredo José Pinto Osório, António Araújo Corrêa, Francisco Pereira de Loureiro Barboza, Manuel d’Almeida Machado, José Alves Netto, José Coelho Vital, Francisco Jorge Gonçalves d’Oliveira Torres, João Francisco d’Oliveira Guimarães, João José Pinto Osório e António Peres Dias Guimarães.
A assembleia de organização da sociedade, acontecida em 8 de Novembro de 1901, determinou que o número de associados poderia atingir os dezanove.
Em casa do José Maria Ferreira, o Zé Maria, decorreu o acto solene que determinou, que a sociedade se chamasse, “Sociedade do Calhau Provisório”.
Tal nome ficou a dever-se ao Zé Maria que, quando instado a liderar a formação dum grupo de lazer, respondeu: “vamos lá tratar de assentar o primeiro calhau no alicerce da sociedade”.
A primeira deliberação, para além do nome, foi a construção de um palco para actuações musicais e de teatro.
A ocupação dos tempos livres assentava muito, naqueles anos, na exibição de amadores em representações teatrais e musicais.
Levantado o palco por quem dominava a arte da trabalhar a madeira, depois do Loureiro Barboza forrar os cenários e do Francisco Torres exibir os seus dotes de pintura, no dia 7 de Dezembro de 1901, realizou-se uma brilhante sessão solene e um sarau dramático-musical a que assistiram as famílias dos associados.
A partir daí, todas as noites, era a jogatina que tinha lugar de destaque.
Por essa altura, já com os Estatutos, em forma de letra, o Zé Maria incumbiu o Loureiro Barboza, para junto do merceeiro José Alves Leite, com estabelecimento na Rua do Bonfim, n.º 216, o convencer a apresentar-se no clube de manto de arminho, coroa real e ceptro, para ser aclamado como rei Hilário I e avalizar os referidos Estatutos.
Aliás, nos fundos daquela mercearia, o grupo vinha-se juntando, desde há tempos, em reuniões que iam pela noite fora em amena cavaqueira e para uns jogos de cartas.
No dia 2 de Fevereiro de 1902, o rei Hilário compareceu e munido com uma pena de pato, assinou aquele importante documento.
A 11 daquele mês, aconteceu um baile de máscaras, que deu brado, mas seria no dia em que foi cumprido o 1º aniversário da sociedade que foi feita história, com um magnífico repasto servido na sala da secretaria e que terminou pelas três horas da madrugada.
A seguir se dá conta do menú.
O grupo de amigos divertia-se como podia e a imaginação grassava.
Então, o divertimento supremo era pregar partidas a quem calhava, principalmente a indivíduos ingénuos, mas, ao mesmo tempo, ambiciosos.
Uma delas radicava na habilidade do Zé Maria, para a carpintaria, pois era essa a sua profissão.
Na sua oficina, construiu uma caixa de fazer dinheiro, em notas.
Na caixa, introduzia sorrateiramente algumas notas de banco por meio de dois rolos, que enrolava em pano preto ficando ocultas.
Introduzindo papéis brancos em sentido contrário, estes entravam e, pelo outro lado, saíam as notas verdadeiras.
Numerosos ingénuos, os quais eram apelidados de “Porta” (burro que nem porta, estúpido que nem porta), foram apanhados na armadilha, pois a partir da primeira demonstração a que assistiam, prestavam-se a obedecer a todas as tropelias que, entretanto, eram montadas, de modo a adquirir a famosa máquina.
Da tramoia, que era montada, destacava-se um juramento de sigilo, sobre a máquina e o seu funcionamento.
O juramento de sigilo de um “Porta” ficou para a posteridade, na foto abaixo.
Juramento de um “Porta”
O “Porta” era recolhido por dois mascarados, encerrado numa viatura, no Jardim do Campo 24 de Agosto, em encontro marcado previamente e, depois de várias voltas ao jardim, ensaiando uma grande viagem, conduzido à Rua do Bonfim, n.º 198, onde os sócios do Calhau, na penumbra, aguardavam a sua chegada. Sendo-lhe tirada a máscara, começava o ritual, com uivos e sons vindos do “outro mundo”, beijos no Cranéu (uma caveira preparada para o acto, que o iniciado tinha que beijar) e com a chegada triunfal do Barão que, na realidade, era a presença viva neste mundo, dos que, no outro, se manifestavam, tentando a comunicação.
O Barão, representado pelo associado, Alfredo Coutinho, que exercia a presidência da colectividade, chegava à sala ao som abafado de cornetas, que diziam procediam da passagem da sua comitiva pelo túnel secreto sob o rio Douro, sacudindo o pó do seu capote e barafustando: Nunca mais arranjam o maldito túnel!
O “Porta” tinha, então, possibilidade de assistir à resolução de alguns assuntos atinentes à vida da colectividade.
Lida a correspondência por dois secretários da mesa, o “Porta” continuava a ser enredado na trama.
Por um telefone (que ligava com lugar nenhum) colocado na mesa da presidência, por solicitação do Barão, um dos secretários estabelecia contacto para Paris solicitando o envio urgente de papel e tinta para o fabrico das famigeradas notas, mas, previamente, já tinha sido obtido, pela mesma via, o aval do Presidente do Ministério (chefe do governo) Afonso Costa.
O “Porta” ia assistindo fascinado.
Do lado de lá, iam chegando e sido anunciadas chamadas telefónicas de membros do governo pedindo remessas de dinheiro.
Por vezes, questões menores eram tratadas, como a fixação do montante para reparação do prejuízo sofrido pelo dono do restaurante do Palácio de Cristal, alvo de roubo do banquete de um casamento, protagonizado pela macaca Isabel (atracção, à data, numa jaula do Palácio) após ter fugido da jaula. Para o "Porta", ali, qualquer assunto da cidade era resolvido. Estava no centro do mundo.
O Barão, representado pelo associado, Alfredo Coutinho, que exercia a presidência da colectividade, chegava à sala ao som abafado de cornetas, que diziam procediam da passagem da sua comitiva pelo túnel secreto sob o rio Douro, sacudindo o pó do seu capote e barafustando: Nunca mais arranjam o maldito túnel!
Alfredo Coutinho, “O Barão”
Lida a correspondência por dois secretários da mesa, o “Porta” continuava a ser enredado na trama.
Por um telefone (que ligava com lugar nenhum) colocado na mesa da presidência, por solicitação do Barão, um dos secretários estabelecia contacto para Paris solicitando o envio urgente de papel e tinta para o fabrico das famigeradas notas, mas, previamente, já tinha sido obtido, pela mesma via, o aval do Presidente do Ministério (chefe do governo) Afonso Costa.
O “Porta” ia assistindo fascinado.
Do lado de lá, iam chegando e sido anunciadas chamadas telefónicas de membros do governo pedindo remessas de dinheiro.
Por vezes, questões menores eram tratadas, como a fixação do montante para reparação do prejuízo sofrido pelo dono do restaurante do Palácio de Cristal, alvo de roubo do banquete de um casamento, protagonizado pela macaca Isabel (atracção, à data, numa jaula do Palácio) após ter fugido da jaula. Para o "Porta", ali, qualquer assunto da cidade era resolvido. Estava no centro do mundo.
Jaulas para macacos, no Palácio de Cristal, c. 1910
Seguia-se a sessão final de perguntas que visavam a privacidade do “Porta”.
Então, por vezes, era quase impossível conter os risos. Com as respostas às questões de cariz sexual era de ir às lágrimas.
O ambicioso “Porta” a tudo respondia com a maior sinceridade, razão essencial para ter acesso ao dinheiro fabricado pela máquina fantástica ou até, quem sabe, a ter a possibilidade de a adquirir.
No fim, após o juramento e os avisos de que, aqui nada se passou, eram as despedidas: o caso vai ser decidido brevemente, vá em paz.
Por volta de 1916, a actividade do “Calhau” quase cessou: alguns elementos abandonaram e outros faleceram.
Mas, pela mão do Zé Maria, novamente a colectividade se reanimou.
Cartões de associado foram emitidos, em substituição dos “calhausinhos” (uns emblemas que eram dependurados na lapela do casaco, aquando dos passeios da agremiação) e, para além dos passeios de camioneta e das sessões dançantes, foi dada continuidade às sessões extraordinárias quando, à entrada do salão da sociedade era anunciado: Hoje, há “Porta”!
Sociedade da Ervilha
Esta colectividade tinha a sua sede na esquina das
desaparecidas ruas de D. Pedro e Cancela Velha, no prédio onde tinham
consultório os Drs. Figueirinhas, Mendes Correia, Henrique Maia e Godinho
Faria.
João Baptista de Lima Júnior, Presidente da Câmara do Porto,
entre 20/01/1898 e 26/07/1900, sensivelmente os mesmos anos em que existem
documentos da ‘Sociedade da Ervilha’ (1895 a 1901), presidiu também à Sociedade
da Ervilha.
Funcionava como uma tertúlia. Jogavam baston, conversavam, e quando algum sócio fazia anos ou entrava um
novo elemento, faziam uma sessão solene, durante a qual serviam o punch (Ponche da Ervilha), um preparado de vários licores.
Nessas ocasiões, os sócios tinham que usar uma casaca de
chita, às flores, com um crachat de
ervilhas e todos faziam um discurso de cariz humorístico.
Faziam teatro e todos os anos davam uma récita, no dia do
aniversário do presidente, em V. N. de Gaia, na sua Quinta do Vale da Glória.
“A Quinta do Vale da
Glória, localizada entre a Ponte do Infante D. Henrique e a Ponte Maria Pia,
destaca-se pela sua posição sobranceira ao Rio Douro e pela presença de uma
extensa mina cavada no granito, que se divide em dois ramais, denominada “Fonte
da Gruta”. Outrora, a água desta fonte era comercializada como “Água da Gruta”.
Nos seus terrenos armados em socalcos, evidencia-se para além de folhosas, um
conjunto de Palmeiras das Canárias - Phoenix canariensis.”
Fonte: “cm-gaia.pt/”
Casa da Quinta do Vale da Glória – Cortesia de Helga Nair,
2010
Ponte Maria Pia
Sabe-se que, Mendes Corrêa, João Figueirinhas, Manuel
Rodrigues da Silva Pinto, Engº Júlio Portela, comendador António Joaquim de
Morais, Abel Brandão, Zeferino de Serpa Quaresma, António Patrício (pai do
poeta), etc, faziam parte do grupo.
Ao palco subiu a comédia “Viriato”, a tragicomédia de
Francisco Palha “A morte de Catimbau” e a paródia “As três graças”,
desempenhada em travesti pelos sócios
Dr. Narciso Carvalho, Engº Júlio Portela e comendador Morais, sendo que, o
papel de guarda ficou a cargo do Dr. Maximiano Lemos.
O jornal da tarde “A Província” encarregava-se de dar conta
da actividade da colectividade.
Mais tarde, foi fundada a “Sociedade dos Ervilhinhas”, de que faziam parte os filhos de
alguns sócios.
Estes, também faziam teatro, tendo levado à cena em casa do
presidente Lima Júnior, na Foz do Douro, algumas comédias e até uma revista
escrita por Maximiano Rica, com música de Júlio Moutinho, que era o ensaiador e
com a caracterização das personagens a cargo do padre Francisco Patrício.
Postal de aniversário dirigido ao presidente da “Sociedade
da Ervilha”
Club Bay-Boden
Com uma existência efémera de uma época balnear, cerca de
1879, nasceu o clube numa casinha da Rua da Senhora da Luz e faleceu numa casa
da Avenida de Carreiros.
Grupo composto por banhistas, integrantes da fluorescente
burguesia portuense, juntavam-se à noite para recitarem, cantarem, tocarem e
mostrarem as suas habilidades artísticas.
Outros, sem qualquer dote naquelas áreas, contavam anedotas
ou improvisavam palestras.
O encerramento da época balnear, nesse ano, para os componentes
do grupo, aconteceu num prédio da Avenida de Carreiros, que ficava junto ao
portão de ferro do banheiro Magalhães, e foi servido pelo restaurante de
Cadouços.
Os presentes no jantar, devidamente enfarpelados, eram
recebidos a toque de sineta à porta do prédio, o qual tinha sido cedido para
esse efeito pelo seu proprietário, ao membro do grupo, João Vieira da Silva.
Com a casa profusamente iluminada e de portas cerradas, os
aldeões comentavam que o “mafarrico”
tinha tomado conta do espaço, pois o rebentar das garrafas de champagne e o hip-hip-hurrah, da praxe, montaram o cenário perfeito.
No dia seguinte, os factos ocorridos na noite anterior eram
tema de conversa.
E, assim, se encerrava mais uma época balnear na Foz do
Douro.
Membros do Club Bay-Boden, In revista “O Tripeiro”, 2º Ano,
nº 49, 1 de Novembro de 1909










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