segunda-feira, 25 de setembro de 2017

(Continuação 8)




O Palácio do Conde do Bolhão, imóvel classificado pelo IPPAR, é considerado um dos edifícios mais notáveis da arquitectura civil do Porto oitocentista e fica na Rua Formosa, próximo do mercado do Bolhão.
Mandado construir em 1844 por António de Sousa Guimarães, casado em 1835 com Francisca Fausta do Vale Pereira Cabral (1808-1888), um dos comerciantes mais ricos do país, em 1876, já estava nas mãos de José Pereira Loureiro, visconde de Fragosela, credor daquele.
O palácio expressava o vigor político e financeiro da orgulhosa burguesia portuense do séc. XIX, sendo a sua decoração de estuques, pintura e talha, assinada pelos artistas mais relevantes da época. No entanto, o palácio deve ainda a sua reputação à faustosa vida social que o Conde do Bolhão promovia e que Camilo Castelo Branco, seu protegido, descreveu detalhadamente.
No Palácio do Conde do Bolhão realizaram-se algumas das festas mais animadas da cidade, no século XIX, com Camilo Castelo Branco como assíduo partici­pante.
No seu último piso, era dotado de uma capela.
Durante toda a tarde do dia 3 de Maio de 1852, uma 2ª Feira, o barão (14 de Agosto de 1851) e baronesa do Bolhão iriam ser os anfitriões, no seu palacete, da rainha D. Maria II e da restante comitiva real, que se encontravam de visita à cidade do Porto.
Este ano seria de desavenças conjugais.
A baronesa Francisca Fausta sai de casa acusando o barão de maus tratos.
O caso apaixona a opinião pública, originado um exército de partidários.
Camilo Castelo Branco que, dois anos antes tinha feito o elogio público de António Alves de Sousa Guimarães, dado como apoiante de Saldanha, numa série de artigos publicados em “O Nacional” faz a defesa do barão, tentando provar serem as acusações, falsas e motivadas pela rivalidade política do igualmente rico e poderoso cunhado, Constantino António do Vale Pereira Cabral, firme apoiante de Costa Cabral.


«A edificação do seu palácio - considerado uma das mais luxuosas residências da cidade, com um grande quintal e jardim, que alcançava a Rua de Fernandes Tomás, onde o seu proprietário também possuía algumas casas - custou mais de 70 contos de reis, uma quantia apreciável para a época. O título de Barão do Bolhão foi-lhe concedido em 1851 por D. Maria II, a qual, no ano seguinte, juntamente com a respectiva comitiva, se hospedou no palácio, por ocasião de uma visita ao Norte do país. A hospitalidade então prestada à real figura terá constituído o motivo pelo qual veio a ser recompensado com o título de conde do Bolhão, por decreto de 1855, assinado já por D. Fernando - em virtude de a rainha ter morrido em 1853, apenas com 34 anos, durante o parto do seu décimo primeiro filho, regente na menoridade do futuro D. Pedro V. Ao mesmo tempo que conquistava a sua nobilitação, Sousa Guimarães perdia no terreno familiar. Tendo casado em 1835 com Francisca Fausta do Vale Pereira Cabral, irmã de um grande capitalista e negociante do Porto, vê o seu casamento desfeito em 1852, quando aquela abandona o lar, acusando o marido de tirania conjugal e maus tratos físicos. A "questão conjugal do barão do Bolhão", denominação pela qual ficou conhecido este escândalo, dividiu a sociedade portuense da época tendo o barão, no entanto, conhecido a solidariedade de algumas figuras célebres, como Camilo Castelo Branco, seu amigo pessoal. O conhecido "gazetilheiro" saiu em defesa de Sousa Guimarães, com a publicação no "Nacional" de um extenso artigo, intitulado  "Revelações", o qual lhe acarretou a fúria dos sobrinhos da baronesa, os irmãos Sousa Guedes, traduzida numa agressão ao romancista, à porta da sua residência na rua de Santo António.  
(...) Após a separação da mulher, as festas desapareceram do palácio do magnata, o que levou Camilo, em 1857, a lamentar-se nas páginas do "Nacional", declarando que, "depois que se fecharam os faustosos salões do Sr. conde do Bolhão, esmoreceu aquele ânimo largo dos anfitriões que engrandeciam a terra. Quem conheceu, há dez anos, o Porto, pasma dos sintomas de decadência em que hoje está". É, aliás, Camilo Castelo Branco quem, num artigo publicado em 1851 no "Jornal do Povo", nos descreve, do seguinte modo, a faustosidade oriental do palácio do conde do Bolhão: "Para os que a observam de longe, a fachada do edifício é pelas proporções grandiosas e formas de capricho uma dessas criações de Sufflot, no reinado de Luís XV, em que a arquitectura, depurada da insipidez italiana, ostenta um carácter entre o severo e o risonho - entre a face de um templo grego e o frontispício gracioso de um castelo na França de Francisco I". E, prossegue o romancista, numa elogiosa referência ao co-proprietário da vizinha fundição do Bolhão, que nessa época se encontrava envolvido na luta pela legalização da Associação Industrial Portuense: "Sobre os cinco arcos que constituem as cinco entradas, ergue-se o primeiro andar de cinco janelas rasgadas, terminando em ogivas com os seus parapeitos de gradaria dourada, é de si tão perfeita obra, que faz gosto admirar ali até que progresso as nossas fábricas podem ser alteadas, quando as administrações forem presididas por homens de talento artístico como o Sr. José Vitorino Damásio". Passando à discrição dos interiores do palácio, Camilo detém-se na sala de visitas - "Um belo sonho com palácios de fadas; um dourado quiosque para sultanas na hora da sesta" -, salientando que "o Sr. Resende, distinto pintor deste país malfadado para o mérito, concebeu e executou na tela que fecha o fogão desta sala, um grupo de aldeões, que em torno da fogueira, parecem conversar em santa paz nos trabalhos rústicos do dia seguinte. [...] A sala de baile é adornada por móveis que reúnem riqueza, simplicidade e delicadeza no gosto. Antes dos emblemas de dança e música, que portentosamente decoram os excelentes estuques, é muito para captar o belo fantástico que o Sr. João Baptista Ribeiro personalizou em alegorias adaptadas ao uso daquele recinto". Referindo-se à capela do palácio, Camilo destaca "os quatro velhos quadros de muito valor", embora considere que, contrariamente à opinião do seu amigo Sousa Guimarães, que atribui um deles a Grão Vasco, "ser talvez muito duvidoso julgá-lo tal, mas por isso, não é menos incontestável o seu grande valor". Quanto ao quintal, Camilo estima que a "estufa de ferro é a primeira deste país", salientando que o "asseio nas menores coisas do serviço doméstico, como cisternas e capoeiras, é mais parte a quinhoar da ideia luminosa que transluz no todo". No que respeita à história do conde do Bolhão, desgraçadamente - para além do abandono da mulher e de ter de encerrar o salão de festas do seu palácio - ver-se-á também a contas com a justiça. Em 1860 foi acusado de traficar moeda falsa para o Brasil, processo do qual veio a ser despronunciado, não obstante o escândalo permanecer bem vivo na opinião pública da cidade durante anos. Apesar de ilibado, o conde do Bolhão nunca mais conheceu os tempos faustosos que o rodearam no passado. Algum tempo depois a falência bateu-lhe à porta, obrigando-o a ceder o palácio - então avaliado em 27 contos de reis -, incluindo o jardim, quintal e os prédios da rua Fernandes Tomás, ao seu principal credor, José Pereira Loureiro, visconde de Fragosela, que em 1876 já era o seu proprietário.»
Com a devida vénia a José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal Público, 04/04/1999




Júlia, filha de António Alves de Sousa Guimarães; Pintura no tecto do Palácio do Bolhão - Fotografia de Luís Ferreira Alves

 
 
O Palácio que, à época, seria conhecido como Palacete de Mercúrio, por ter na sua platibanda uma estátua daquele deus Romano, teria sido inaugurado com um grandioso baile oferecido a 800 convidados, dos quais 250 eram senhoras, no dia 12 de Fevereiro de 1851, celebrando também um aniversário do futuro barão.


 

A estátua do Deus Mercúrio na platibanda do Palácio do Bolhão

 
 
Deste dia, nos deu conta o cronista José de Sousa Bandeira (1789-1861), no jornal “Periódico dos Pobres” de 18 de Fevereiro.
Camilo Castelo Branco também escreveria sobre o tema numa crónica do periódico político “O Portugal” que tinha vindo para substitui um outro do mesmo cariz – “A Pátria”.
“O Portugal” dizia ser um periódico miguelista, católico e anticabralista.

 
“Notícias Diversas – ‘Um baile famoso’ – O baile dado pelo sr. António Alves de Sousa Guimarães, em a noite de quarta feira, continua ainda, e continuará por muito tempo a ser o assunto geral de todas as conversações: é que a impressão que deixou aquela noite de encantos não é das que morre e desfalece à luz do dia seguinte.
Ninguém houve talvez ainda, que se esmerasse com tão diligente e infatigável cuidado em regalar todos os seus convidados, e que lograsse a boa fortuna de o conseguir tão completamente.
De toda a parte brotavam prazeres tão variados a embriagar os sentidos, que pensamento que ali entrasse, não tornava a sair.
O sr. António Alves até conseguiu que o delicado gosto da elegância chegasse onde não podiam chegar os seus cuidados: foi tão mimoso o ramalhete, que reuniu, de ‘formosas’ e ‘elegantes’, que nos seus olhos e primores deixaram muitos, por gosto, perder a liberdade.
O que ali passou e se sentiu não o podemos nem sabemos contar:
“Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pôde experimentá-lo.””
In “O Portugal”



Uma festa que, disseram, teve início pelas 8 e 30 da noite, quando a banda de música anunciou a entrada no portal das primeiras senhoras e terminou às oito horas da manhã, quando os músicos declararam não poderem mais.
Em 1890, Emílio Biel (1838-1915), fotógrafo da Casa Real e um dos grandes pioneiros da fotografia portuguesa, comprou o edifício e instalou ali o seu estúdio.
Biel morreu, em 1915, amargurado por ter sido atacado no início da I Guerra por ser alemão.
O palácio foi depois arrendado, em 1917, por Raul de Caldevilla, pioneiro da publicidade, aqui chegado vindo da Rua de Santo António, onde geria a “Organizações de Propagandas de Raul Caldevilla & Cia, Lda.” e fundador, com outros sócios, em 1921, da empresa cinematográfica “Empreza Técnica Publicitária Film Gráfica Caldevilla” ou “Caldevilla Film”, da qual se viria a demitir dois anos depois.
Serão os sócios de Raul Caldevilla que irão continuar a firma sediada no Palácio do Bolhão, agora como “Empreza do Bolhão, Lda.”, conhecida também como Litografia do Bolhão que ali funcionou durante anos, até à década de 1990, tendo sido, para o efeito, construído um anexo de dimensões consideráveis cobrindo o antigo jardim.



Publicidade à “Empreza do Bolhão, Lda”, in revista “O Tripeiro” de Janeiro de 1990



A Câmara do Porto acabaria por comprar o edifício em 2001, cedendo-o, por 50 anos, à ACE (Academia Contemporânea do Espectáculo) /Teatro do Bolhão, visando a sua recuperação e reconversão em Teatro do Bolhão, edifício sede da escola e companhia.
As obras da 1ª fase de adaptação do palácio, sob o comando do arquitecto José Gigante, decorreram entre 2005 e 2009 com o apoio da DREN, CMP, CCDR-Norte e com o apoio do Ministério da Cultura, concluindo-se a 2ª fase em 2014 e tendo a inauguração ocorrido em Março de 2015.




Interior do Palácio do Bolhão – Ed. Jornal Público



Quarto do Palácio do Bolhão – Fonte: “ovoodocorvo.blogspot.pt”




Palácio do Conde do Bolhão encimado na platibanda por estátua representando Mercúrio

domingo, 24 de setembro de 2017

(Continuação 7)



Na Rua da Restauração existe um palacete conhecido como Palacete do Conde Silva Monteiro.
Mobilado com a sumptuosidade que a fortuna do conde permitia, uma das salas do palacete era considerada uma verdadeira “maravilha, ornamentada com mobílias, estofos e porcelanas da China de grande preço e delicadíssimo gosto".
Hoje e desde 1945 a casa é a sede da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (“A Casa do Vinho Verde”), sendo um dos mais ricos exemplares da permanência do brasileiro de torna-viagem após o seu regresso à cidade do Porto, chegando a ser considerada como “a mais luxuosa da cidade” e denominada desde então, Palacete Silva Monteiro.
Localizada no centro da cidade e numa encosta voltada a sul, sobre o rio Douro, a Casa do Vinho Verde foi edificada em meados do século XIX, pela família Ferreira de Moura. Apresenta três pisos e, no seu interior, um trabalho de arquitectura ricamente decorado, do qual se destaca a escadaria nobre, iluminada por uma clarabóia ornamentada de frescos, bem como um conjunto de infra-estruturas ideais para a realização de qualquer tipo de eventos ou iniciativas.
No seu último piso, o dos quartos, possuía ainda uma capela.
Esta característica, encontrámo-la também, no Palácio do Bolhão.


Palacete Silva Monteiro – Ed. JPortojo



Jardim do Palacete Silva Monteiro e a Fonte das Três Graças – Ed. “oportoencanta.com”



Sala Dourada com estuques e pinturas do francês Le Fèvre em 1873 

Clarabóia decorada com estuques e pinturas

Pormenores dos estuques – Ed. “oportoencanta.com”

Vista sobre o rio Douro a partir do palacete – Ed. “oportoencanta.com”

António da Silva Monteiro, o Conde da Silva Monteiro, (Lordelo do Ouro 16 de Agosto de 1822 — 15 de Janeiro de 1885) recebeu o título de conde em 22 de Dezembro de 1875 com decreto de Dom Luís I, rei de Portugal.
Era filho de pais comerciantes abastados, que entretanto perderam toda a fortuna, após se terem tornado simpatizantes da causa liberal.
Este facto obrigou a que, ainda jovem, tivesse emigrado para o Brasil e a tornar-se na cidade do Rio de Janeiro, um próspero capitalista e negociante, proprietário de importante casa comercial, que ainda estava em actividade no tempo de sua morte, mesmo com ele a residir em Portugal.
No retorno à sua terra, o "seu coração compassivo e seu ânimo generoso, não ficaram inertes" quando sua ajuda filantrópica foi requisitada, e desta maneira contribuiu para a criação das escolas primárias das freguesias de Lordelo do Ouro e de Miragaia.
Em 1871 adquire a casa da Rua da Restauração e terrenos contíguos pertencentes à quinta da Bandeirinha e amplia o próprio edifício com um acrescento pentagonal com as suas janelas de estilo neo-gótico.
No terreno por trás da casa, em socalcos, são edificados o jardim, com a sua Fonte das Três Graças, e espécies exóticas de botânica e , ainda, em patamares mais baixos a horta e o pomar. Tudo com uma vista deslumbrante sobre Miragaia e o rio Douro.
Apaixonado pela jardinagem, Silva Monteiro tinha um espaço imenso em V. N. de Gaia, que transformou numa propriedade agrícola e de recreio, pertencente também a seu irmão, onde a praticava e que, é hoje, o Parque Municipal da Lavandeira, à data confinando com a Quinta do Sardão.
Estas duas propriedades tinham pertencido, anos antes, ao avô de Almeida Garrett.
Silva Monteiro acaba por comprar a Quinta da Lavandeira a Joaquim da Cunha Lima Oliveira Leal (1800-1856), um ilustre gaiense, negociante da prça do Porto, que foi director da Companhia de Seguros Segurança, director na década de 1830, durante quatro anos, da Associação Comercial do Porto e presidente da Câmara de V. N. de Gaia entre 1840 e 1841.
Aí viveria com a esposa, a condessa D. Carolina Júlia Ferreira Monteiro, que nessa quinta morou até 1921, muito para além da morte do conde ocorrida em 1885. Por essa razão, a propriedade também é conhecida por Quinta da Condessa.
Nessa propriedade mandou construir Silva Monteiro entre 1881 e 1883, na fundição do Ouro, uma estufa monumental em ferro e vidro, tendo dessa sua paixão pela jardinagem, chegado a receber alguns prémios em exposições efectuadas no Palácio de Cristal.
Ao longo dos anos, essa estufa foi sujeita a vandalismos e roubos necessitando, actualmente, de atenção para a sua reabilitação.
Importa referir que se encontra classificada como Imóvel de Interesse Municipal, sendo um exemplar importante na arquitectura do ferro em Portugal.



Estufa em V. N. de Gaia – Fonte: “aarquiteturadoferro.blogspot.pt”


Estufa no Parque da Lavandeira actualmente - Fonte: “aarquiteturadoferro.blogspot.pt”


A actividade do Conde Silva Monteiro na cidade, nas últimas décadas do século XIX é marcante.
Por ocasião da Guerra Franco-Prussiana impulsionou com sua iniciativa a festa do Palácio de Cristal, em benefícios dos feridos desta campanha e, mais tarde, tratando da organização da junta central de ajuda aos flagelados da enchente de 1877, prestou na qualidade de vice-presidente, assinalados serviços, e contribuiu com a quantia de 200$000 réis para a subscrição que promoveu.
Foi presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários e da Associação Comercial.
Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto de 1876 a 1877, assumindo a presidência nas ausências do titular.
Foi presidente da Sociedade Palácio de Cristal. Teve o seu nome associado a diversas empresas e empreendimentos como a Companhia do Caminho-de-Ferro à Póvoa e Famalicão, Tanoaria a Vapor, Fábrica de Papel de Ruães, Companhia Aurífera, Companhia de Navegação a Vapor, Companhia Mineira e Metalúrgica do Braçal, entre outras. Foi um grande incentivador dos projectos do Porto de Leixões e do Caminho-de-Ferro para Salamanca.


Companhia Aurífera na Rua dos Bragas

A Associação Comercial do Porto tinha nos seus corpos gerentes, invariavelmente, vários brasileiros e um deles, o Conde de Silva Monteiro, foi presidente da Direcção no difícil período de 1875-1877.
Amador apaixonado por horticultura e jardinagem possuía na grande e graciosa estufa de ferro e vidro, instalada na sua quinta da Lavandeira, em Vila Nova de Gaia, de cerca de 38 toneladas, construída pela fundição do Ouro, que custou 10 contos de réis, preciosa e variada colecção de plantas. Nas exposições do Palácio de Cristal foi diversas vezes, expositor premiado.
Era Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, Comendador da Ordem da Conceição. Foi director do palácio de Cristal, fundador do Hospital de Crianças, Vogal do Conselho de Beneficência do Distrito, Mesário da Santa Casa da Misericórdia, accionista e sócio de quase todos os estabelecimentos Bancários e Grémios Científicos, nomeadamente a Sociedade de Instrução.
A ele se deve, em grande parte, os trabalhos do Porto de Leixões.
Faleceu inesperadamente, de uma hepatite complicada, no seu palacete da Rua da Restauração, no dia 15 de Janeiro de 1885 e sepultado no cemitério da Lapa, sendo a sua sepultura, executada pelo canteiro Bernardo Marques da Silva, o pai do arquitecto Marques da Silva. 



sábado, 23 de setembro de 2017

(Continuação 6) - Actualização em 16/01/2019, 26/03/2020 e 01/04/2021

21.7 Palacete Balsemão ou Palacete do Visconde da Trindade ou Palacete do Barão do Valado




Palácio do Visconde de Balsemão - Desenho de Carlos Alberto Nogueira da Silva, In «Archivo Pittoresco», 4, 1861, p. 393



Perspectiva actual da gravura anterior – Fonte: Google maps



A propriedade onde está implantado este palacete, na Praça de Carlos Alberto e que, antes, foi chamada de Largo dos Ferradores, em 1718, pertencia a Diogo dos Santos Mesquita e, alguns anos depois, surge na posse do negociante portuense Luís Correia dos Santos. Em 1762, o filho deste homem de negócios, Luís Correia Pacheco, sem herdeiros, deixa a casa nobre e seus terrenos à Santa Casa da Misericórdia, que a vende em hasta pública a D. Maria Manuel de Azevedo e seu filho Carlos Alvo Brandão Perestrelo Godinho Pereira de Azevedo, permanecendo nas mãos desta família até cerca de meados da década de 1840.
A casa passa a ser conhecida como Palacete Balsemão, a partir de 1800, quando Maria Rosa Alvo Brandão Perestrelo de Azevedo casa com o 2.º visconde de Balsemão, Luís Máximo Alfredo Pinto de Sousa Coutinho (Falmouth, 30 de Maio de 1774 — Lamego, 2 de Outubro de 1832).
Esta personalidade ficaria conhecida por franquear à população uma rica biblioteca que possuía no seu palacete no Largo da Feira das Caixas, facto realçado, em 1874, por Pinho Leal, na sua obra “Portugal Antigo e Moderno”.
 
 


 
 
Face às lutas liberais e ao Cerco do Porto, o 2.º visconde de Balsemão retira-se para Balsemão onde, entretanto, falece e a sua biblioteca é confiscada.
Em 1834, decorreram no palacete, as aulas da Academia Real de Marinha, já que, as instalações próximas do Colégio dos Órfãos estavam a ser recuperadas da destruição que sofreram com o cerco do Porto.
Na década de 1840, António Bernardino Peixe alugou o palacete, transferindo a hospedaria que tinha na Rua do Bonjardim, para este local. O que celebrizou esta hospedaria, conhecida como Hospedaria do Peixe, foi a estadia, entre 19 e 27 de Abril de 1849, do exilado rei Carlos Alberto da Sardenha, antes de ir para a Quinta da Macieirinha (ao Palácio de Cristal), onde viria a falecer, em 28 de Julho de 1849.



Casa da Quinta da Macieirinha e rio Douro, In “Revista Popular”- Semanário de Litteratura e Industria – Ed. Imprensa Nacional, 1849



Em 1854, o palacete foi adquirido por José António de Sousa Basto, 1º Visconde e, mais tarde, 1º Conde da Trindade, grande proprietário e capitalista, que introduziu profundas alterações no edifício, vindo a casa a atingir o maior esplendor que se lhe conhece. 
A famosa hospedaria vai estabelecer-se, então, na Rua da Porta de Carros, nº 12, troço inicial da Rua do Bonjardim e, mais tarde, o início da Rua de Sá da Bandeira, facto que Alberto Pimentel relembre na sua obra "O Porto há 30 anos".
José António de Sousa Basto (Cabeceiras de Basto, Refojos de Basto 19/03/1805 ; Porto, Vitória 21/05/1890), partiu para o Brasil em 1823, com dezoito anos, em busca de fortuna, tendo-se dedicado à vida mercantil e criado com outros sócios a firma "Amorim & C.ª", que duraria até 1846 e, com a qual, obteve rápida e crescente prosperidade.
Regressa a Portugal, aportando em Lisboa, a 16 de Julho de 1850, tinha 45 anos. Vinte e sete anos de trabalho persistente aliados a uma série de empreendimentos felizes, permitiram-lhe amealhar considerável fortuna.
No mês seguinte fixou residência no Porto vindo, algum tempo depois, a comprar um palacete na Praça Carlos Alberto que pertencia aos Viscondes de Balsemão, que tinham transferido residência para Lisboa.
Segundo uma carta do Barão de Forrester ao Jornal Commercio, antes de 1854, o Visconde da Trindade habitava, ainda, o palacete que tinha sido do Barão de Forrester, na Ramada Alta. 
Proprietário e capitalista, Fidalgo da Casa Real, José António de Sousa Basto foi presidente da câmara, entre 2 de Janeiro de 1852 e 31 de Dezembro de 1855, num período muito delicado para a cidade.
De facto, a cidade viveu uma situação de cólera associada a uma crise alimentar provocada pelo aumento exagerado do preço do pão.
Para obstar a esta situação, a Câmara comprou algumas toneladas de milho que distribuiu a um preço acessível pelas camadas mais desfavorecidas da população.
Apesar da crise económica, o seu mandato ficou marcado pela abertura de algumas ruas.
Assim, a Rua da Boavista foi prolongada até à rotunda; a Praça da Batalha foi embelezada e a Rua da Restauração chegou à Cordoaria; foram criadas escolas primárias e as posturas municipais foram coligidas numa só legislação municipal.
Seria ainda demolido o Arco de Vandoma considerado um empecilho no avanço urbanístico da urbe e, em 1855, foi construído o Cemitério de Agramonte, para servir o lado ocidental da cidade.
De um 2º casamento com Josefa Rosa de Amorim, José António de Sousa Basto, entre outros, tem uma filha, Josefina Henriqueta de Sousa Basto, que viria a casar com Augusto Correia Pinto Tameirão, 3º Barão do Vallado.
Decorrente desta união, o palacete é por vezes designado como Palacete do Barão do Vallado, já que, o casal, fixou aí residência.
No palacete, haveria de nascer alguém que se viria a tornar uma figura típica da cidade (devido a uma característica física) e que na transição do século XIX para o século XX, pontificava no Porto – Jaime Valado.
Jayme Augusto Teixeira Correia Pinto Tameirão Valado, de seu nome completo, tinha nascido na freguesia de Santo Ildefonso, Porto, a 21 de Agosto de 1874, sendo funcionário da Direcção-Geral dos Caminhos-de-Ferro do Minho e Douro, distinto desportista, cavaleiro tauromáquico amador, e que acabaria por falecer, ainda em vida de seu pai, o 3º barão do Valado, a 10 de Março de 1913. 
Na gíria do povo, era: O Valado da cabeça ao lado!
Este epíteto era devido ao facto de a dita personagem ter a cabeça um pouco inclinada para um dos lados, embora isso, não o impedisse de apresentar um porte, segundo apreciação de Arnaldo Leite,
“dum verdadeiro gentleman, vestindo com distinção. Viam-no à tarde de fraque de cor e luvas amarelas; nessa mesma noite, se fosse inverno, chapéu mole e luvas brancas, a saírem das mangas dum varino avivado a vermelho; se ia aos touros, na sua charrette lustrosa e asseada – que dois cavalinhos levavam como um brinquedo de luxo – como bom aficcionado que era, colocava na cabeça o seu mazantini, de abas largas brunidas. Passadas duas ou três horas, o mesmo Jaime Valado,estava no teatro S. João a ouvir ópera, elegantemente vestido, correctíssimo na sua casaca impecável. Vestia bem.”
Como curiosidade, diga-se que o 2º Visconde da Trindade, José António de Sousa Basto Júnior, que nasceu a 5 de Julho de 1843, filho primogénito varão do segundo casamento de seu pai, casaria no Rio de Janeiro com D. Mariana Rochedo, actriz do teatro Baquet.
Em 1887, o palacete é arrendado ao Centro Comercial do Porto e, a partir de 1896, passa também a albergar, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Em 6 de Julho de 1906, a filha do Visconde da Trindade, Josefina Henriqueta e o 3.º Barão do Valado, Augusto Correia Pinto Tameirão, arrendam o palacete da Praça Carlos Alberto, à Companhia de Gás do Porto, que tinha sido constituída em 1900 e, mais tarde, receberia os Serviços Municipalizados de Gás e de Eletricidade e a EDP.




Anúncio da “Companhia do Gaz do Porto” dando conta de mudança de morada – In jornal “A Voz Pública”, de 10 de Abril de 1907



Em 1959, a câmara Municipal do Porto compra o palacete, que a partir de 1995, passa a albergar a Direcção Municipal de Cultura.
Assim, está instalado desde 2010 no Palacete Viscondes de Balsemão, o “Banco de Materiais” que se destina a recolher e expor os mais variados exemplares decorativos e construtivos provenientes da arquitetura portuense como azulejos, estuques, ferros, etc, provenientes sobretudo de demolições, e que constituiu um verdadeiro museu.



Estantes de exposição de azulejos, no Banco de Materiais, instalado no Palacete Balsemão






Palacete Balsemão e estátua de Humberto Delgado – Ed. JPortojo



Escadaria de entrada - Ed. JPortojo


Estuques do tecto - Ed. JPortojo

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

(Continuação 5) - Actualização em 18/06/2018

21.6 Reitoria da U. P. e antiga Faculdade de Ciências (Colégio dos Meninos Órfãos e Igreja de Nossa Senhora da Graça)


O edifício situado na Praça de Gomes Teixeira e ocupado pela reitoria da U. P., foi construído durante o século XIX, segundo projecto de José da Costa e Silva, alterado depois por Carlos Amarante tendo, em termos da sua ocupação como estabelecimento de ensino, aí começado por funcionar a Academia Real da Marinha e do Comércio a partir de 1803, tendo passado em 1836 a Academia Politécnica, e a Faculdade de Ciências em 1911.
Foi construído no espaço do antigo Colégio dos Meninos Órfãos de Nossa Senhora da Graça.
De arquitectura neoclássica, revela a influência do estilo introduzido pela construção do Hospital de Santo António.
As vicissitudes do edifício foram incontáveis, nele coexistindo, numa ou noutra época, o Colégio dos Órfãos, a Academia Real de Marinha e Comércio, Hospital militar (durante o Cerco do Porto), a Academia Politécnica,  a Academia Portuense de Belas Artes, o Liceu Nacional, o Instituto Industrial (antecessor do ISEP; até 1933), a Faculdade Técnica (antecessora da FEUP; até 1937), a Faculdade de Ciências desde 1911 e a Faculdade de Economia (até 1974).



Vista aérea do Edifício da Reitoria. À esquerda, é visível o Mercado do Anjo
 
 
 
Nos sótãos, visíveis na foto acima, do Edifício da Reitoria, se instalou a Faculdade de Economia do Porto, a partir de 1953, sucedendo ao Centro de Estudos Económicos e Financeiros, da alçada da Associação Comercial, que funcionava no Palácio da Bolsa desde Dezembro de 1947.
O professor Fernando Seabra seria o primeiro director da Faculdade de Economia.




Edifício visto da Cordoaria na actualidade



Edifício visto actualmente da Praça Gomes Teixeira – Ed. “o_tripeiro.blogs.sapo.pt”



Em baixo, temos uma fotografia tirada do Largo do Viriato. Vê-se a torre sineira e parte cimeira da fachada da Igreja de Nossa Senhora da Graça e do Colégio dos Meninos Órfãos, edifício demolido para a construção da actual Reitoria da Universidade do Porto.
 
 
 
 

Ao fundo a igreja de Nossa Senhora da Graça e à esquerda o Hospital Santo António – Ed. Engº João Allen (Colecção de Alfredo Ayres de Gouvêa Allen)




Vista da Praça dos Leões (Escola Politécnica em construção) – Gravura de J. Villanova em 1833



Vista do Largo do Carmo (Escola Politécnica em construção) – Ed. J. Villanova em 1833



Como se pode observar das gravuras anteriores, a fachada principal da Igreja de nossa Senhora da Graça, estava voltada para o actual Largo de Parada Leitão (antigo Largo do Carmo).
Em 1 de Abril de 1909, os moradores no Largo Sousa Avides, naquele que tinha sido o Largo do Carmo e, antes, Passeio da Graça, solicitam ao Município para que atribua o antigo topónimo ao local.




Planta da zona do Carmo

Legenda:
1. Oficina do Lopes, ferrador
2. Igreja de Nossa Senhora da Graça
3. Praça Carlos Alberto
4. Jardim da Cordoaria
5. Conjunto habitacional que seria demolido e onde surgiu a Praça da Universidade, hoje Praça Parada Leitão
6. Conjunto habitacional que seria demolido e onde surgiu o Largo da Escola Politécnica, hoje o Largo Abel Salazar
7. Colégio dos Orfãos
8. Viela do Assis
9. Casa do Assis



“Em frente das igrejas do Carmo e do seu terreiro, interposta a rua que daqueles templos recebeu o nome, havia um largozinho com uma casa térrea ao sul (a oficina do Lopes ferrador); e à ilharga ocidental desse recinto e da oficina abria-se, para o Campo da Cordoaria, a Viela do Assis — atalho estreitíssimo(…)
Em 1861, quando eu fiz exame de instrução primária funcionava o Liceu Nacional no antigo casarão dos Órfãos.
Fonte: Alberto Augusto de Almeida Pimentel (1849-1925), Praça Nova Edição da Renascença Portuguesa, na Tipografia da Renascença Portuguesa, rua do Mártires da Liberdade, 178. Porto 1916. (pág. 80, 81 e 82)



O escritor Alberto Pimentel recorda a zona e descreve a sua evolução na transição dos séculos:


As casas que desde a esquina da rua do Carmo contornavam a oeste aquele insignificante largo, incluindo a do médico Assis, ainda hoje estão de pé, e leves modificações teem experimentado.
Tudo o mais é diferente. Foi demolida a igreja da Graça, completaram-se as fachadas norte e poente da Academia Politécnica, desapareceram as casas dos Passeios da Cordoaria e a que, em frente das igrejas do Carmo, era a oficina do Lopes. A Viela do Assis sumiu-se sem deixar saudades a ninguém. Diante do largo do Carmo (muito ampliado) rasgou-se a clareira que patenteia as árvores e canteiros do jardim da Cordoaria.”



Foto do início do século XX, com a Praça da Universidade, depois, Parada Leitão



São visíveis na frente do quarteirão, à esquerda, a Tipografia e Papelaria e o Hotel Portugal.



Vista da Cordoaria (Escola Politécnica em construção) – Ed. J. Villanova em 1833



Nos anos 80 do século XIX o edifício da Academia apresentava do lado Sul (virado para a Cordoaria) e Nascente, o aspecto da gravura seguinte, com a respectiva fachada ainda incompleta.



João Barbosa de Lima, João Batista Coelho Júnior (?-1900) e José Pedroso Gomes da Silva (1823-1890), Academia polytechnica do Porto in Archivo Pittoresco, n.º 9, 1886. (pág.249)



Poucos anos mais tarde, estava já construído, o corpo central da fachada Sul, que, na gravura abaixo, está em execução.



Pormenor de uma das gravuras do Álbum de fotogravuras do Porto. Editor Leopoldo Wagner. Lisboa 1900


Como se pode apreciar a seguir, ainda faltava avançar para ala poente do edifício.


Perspectiva da fachada Sul do edifício da Universidade actualmente – Fonte: Google maps




O local onde seria erguida a Faculdade de Ciências era, à data do começo da sua construção, ocupado pela Igreja de Nossa Senhora da Graça e por um edifício anexo onde funcionou o Colégio dos Meninos Órfãos e, também, em parte da sua superfície, pela Real Academia de Marinha e Comércio.
Durante o período do Cerco do Porto (1832/1833), o edifício foi ocupa­do por um hospital militar.
Entretanto, as au­las da Academia do Comércio e Marinha decorreram no palácio do visconde Balse­mão, na praça então chamada dos Ferradores e hoje de Carlos Alberto.
À Aula de Comércio e Marinha sucederia a Escola Politécnica, em 1836, mas eram praticamente inexistentes os avanços na construção das novas instalações do complexo.
Entretanto, em meados do século, o projecto de Carlos Amarante seria reformulado para atender a uma nova ocupação da área a construir, em que teria uma acção de destaque o engenheiro Gustavo Adolfo.





Real Colégio de Nossa Senhora da Graça ou Colégio dos Meninos Órfãos




O Colégio dos Meninos Órfãos de Nossa Senhora da Graça ficou a dever-se ao padre Baltasar Guedes (1620-1693), que obteve autorização em 1649 da Câmara do Porto, para o instalar junto da Ermida de Nossa Senhora da Graça.
Em 25 de Março de 1651, foi o colégio inaugurado e, a partir desse momento, não mais parou Baltasar Guedes de percorrer o País e até por intermédio de um seu irmão, o Brasil, angariando donativos para a obra de bem-fazer. Registe-se a curiosidade relativamente ao tal irmão, Pantaleão da Cruz, de ser surdo-mudo de nascença, o que não o impediu de durante anos, no outro lado do Atlântico, de ter recolhido imensas esmolas e donativos que transferia para o Porto.
À data da inauguração, o colégio abriu com sete meninos, mas, pouco depois, já eram doze.
Em 25 de Novembro de 1651, já Baltazar Guedes lançava a primeira pedra para edificação da nova igreja, que teria inauguração em 1681.
Os proventos da instituição aumentariam quando o Cabido da Sé autorizou os meninos do colégio a serviram com cruz processional em enterros e festas religiosas.
Em 1671, o colégio era ocupado por 35 alunos.
In “O Tripeiro”, Volume 2, sobre o padre Baltasar Guedes escrevia-se: 


“Todos os domingos e dias santificados fazia práticas públicas, para instrução e moralidade do povo.
Saía com os meninos pelas ruas da cidade, já a pedir esmolas para eles, já a buscar água que trazia às costas. Com os órfãos ia aos hospitais varrer as enfermaria e cuidar dos pobres repartindo com eles as esmolas que se davam aos seus pupilos. 
Criou no seu aposento dois enjeitados – um de dois anos de idade, outro de 9 meses (este com leite de cabra). Com as mãos trabalhava em franjas, e com o pé embalava a criança, cuidando de ambos, como poderia fazer uma extremosa mãe. À sua caridade e diligência deve a idade do Porto a Casa dos Expostos". 



O prestígio do padre, ordenado em 1644, era imenso e veio a morrer com a maior consternação dos portuenses em 1693.
Durante a sua vida, o padre Baltazar Guedes viu sair do seu colégio para servir a sociedade 212 religiosos, 39 sacerdotes, 8 mestres de teologia, 6 doutores de Cânones e Leis, 2 qualificadores da Inquisição e um Bispo.
Durante a sua vida, reedificou ainda a Igreja do hospital de S. Lázaro e instituiu três confrarias: uma de clérigos, de S. Pedro; outra de clérigos de S. Filipe Nery; e outra de seculares, da Senhora da Boa-Morte.
Em 1803, numa ala do colégio foi instalada a Aula da Academia do Comércio e Marinha, quando era reitor do colégio o Padre Bernardo Joaquim Gomes de Pinho.
Com projecto do engenheiro Carlos Amarante o novo edifício destinava aos orfãos um andar superior, o que nunca veio a acontecer. Então, os orfãos foram relegados para uma área interior, com condições muito precárias e o projecto do renomado engenheiro avançava muito lentamente.
Trinta anos depois, em 1832, devido ao estado de ruína em que se encontrava a igreja, já não foi possível realizar a festa a Nossa Senhora da Graça.
No relatório da Câmara de 1873, lia-se que “os órphãos vivem em casa sem ar e sem luz, parecendo que estão num cárcere ou numa penitenciária!”.
Em 1881, o mesmo vereador da Câmara afirmava “este estabelecimento, edificado em terreno pertencente aos órphãos, e que, segundo o decreto de 9/2/1803, devia ser construído com o fim principal de os beneficiar, tornou-se, no tempo actual, o seu maior inimigo”. Isto 80 anos depois do início das obras!
Tendo sido, o colégio, indemnizado pelo estado, num valor de 58.755$200 reis, mudou para a Rua dos Mártires da Liberdade, até que fossem para casa própria.
Em 1903, o Colégio deixou as suas instalações na Cordoaria e, depois, da passagem pela Rua dos Mártires da Liberdade, n.º 237, onde, actualmente, estão sedeados os “Albergues Nocturnos do Porto”, foi ocupar o edifício do antigo Seminário de Santo António que tinha ardido durante o Cerco do Porto, no Monte do Prado do Bispo, hoje Largo do Padre Baltasar Guedes que nessa época foi Avenida do Padre Baltasar Guedes e no local no antigo Olival, viria a ser construído o edifício da Universidade.
O Monte do Prado ficou célebre na história do Porto, além de outros motivos, por ter sido por ele que as tropas anglo-lusas entraram na cidade, em 12 de Maio de 1809, para expulsar os soldados franceses do general Soult, que abandonaram o Porto em fuga desordenada. A escalada do monte foi o culminar de uma hábil manobra das tropas portuguesas e inglesas, em que colaboraram, com entusiasmo e muita dedicação, os próprios habitantes da cidade.
Sabe-se, por exemplo, que na véspera da chegada do exército anglo-luso à margem esquerda do Douro, um barbeiro do Porto saiu da cidade, ainda noite cerrada, dentro de um barquito que foi deixar no outro lado do rio, junto da Capela do Senhor de Além. Horas mais tarde, o mesmo barbeiro, mais dois outros indivíduos, vieram naquele barco ao cais do Porto buscar mais três barcos maiores, que viriam a ser utilizados pelos oficiais e soldados anglo-lusos para atravessarem o Douro.
O Monte do Seminário tem este nome porque, no edifício onde agora estão os Salesianos e, antes, esteve o Colégio dos Órfãos, funcionou o Seminário Diocesano de Santo António, velha pretensão do bispo D. João Rafael Mendonça, desde 1783.
Seria fundado em 21 de Julho de 1804, pelo então bispo do Porto, D. António de S. José de Castro, que conseguiu a provisão para a sua construção em 29 de Dezembro de 1800.
As obras de construção prosseguiram mesmo durante a ocupação francesa. O edifício era grandioso. Ainda hoje, domina o cume do monte com a sua imponência. O primeiro ano lectivo do seminário foi o de 1811/1812. Em 1832, ano da entrada no Porto das tropas liberais, ainda tinha aquelas funções e funcionava em pleno.
Completamente em ruínas, após as lutas do Cerco do Porto, este edifício seria o destino do Real Colégio de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos da cidade do Porto, com a planta da nova obra a ser apresentada a 30 de Novembro de 1899 e o projecto aprovado a 13 de Setembro de 1900, após o que aquela instituição, fundada por Alvará Régio de D. João IV, datado de 30 de Janeiro de 1650, ter passado por outros locais da cidade.
Assim, para o prédio da Rua dos Mártires da Liberdade (antiga Rua da Sovela), nº 237, foi o colégio em 1901 até que, em 1903, rumou ao Seminário, no Prado do Repouso.
Naquela morada, na antiga Rua da Sovela, se acabariam por estabelecer os Albergues Nocturnos do Porto, pois, em 1911, sob a acção do benemérito Arnaldo Ribeiro de Faria, o prédio seria adquirido e restaurado para o efeito pretendido.




O antigo edifício do Seminário de Santo António, em 1910, no monte a que deu o seu nome – Ed. Foto Guedes


Bairro de lata no Monte do Seminário, na década de 1940



O edifício do antigo Seminário à esquerda e o Areinho à direita da Ponte Maria Pia


A capela do Seminário seria inaugurada em 1906, pelo Bispo do Porto D. António Barroso.
Estava dotada de quatro altares em talha, transferidos da antiga Igreja de Nossa Senhora da Graça.
O colégio, por sua vez, estava dotado de espaços oficinais para servir a aprendizagem dos alunos.
De entre muitos alunos que, mais tarde, se destacaram, uma referência especial para o arquitecto Rogério de Azevedo.
Em 1951, por proposta da Câmara Municipal do Porto, a Direcção e Administração do Colégio foi entregue aos Salesianos que dão continuidade à obra e às intenções do P. Baltasar Guedes, cujo método educativo e destinatários estão em perfeita sintonia com os de S. João Bosco, seu fundador.



Vista aérea, actual, do Monte do Seminário e do edifício onde funcionou o Seminário





Igreja de Nossa Senhora da Graça



A Igreja de Nossa Senhora da Graça teve a sua primeira pedra lançada em 21 de Novembro de 1651, levantada no lugar em que há muitos anos se encontrava uma pequena ermida da mesma devoção, tendo a Câmara Municipal contribuído com vinte mil reis para o arranque das obras.
A igreja tinha onze altares e, num deles, encontrava-se a Senhora da Conceição, pertencente ao regimento dos militares da cidade, numa irmandade instituída em 1697, pelo coronel António Monteiro de Almeida, tendo a sua celebração própria no quarto Domingo de Agosto, «com todos os cultos eclesiásticos militares».
A igreja e o colégio recebiam água vinda de Paranhos.

 

 

“Baltasar Guedes, morreu a 6 de outubro de 1693, e foi sepultado «no pavimento da porta travessa que sai da igreja, do colégio para o claustro». Numa parede próxima, gravou-se o singelo epitáfio: Aqui jaz o primeiro reitor e fundador deste colégio dos órfãos Baltazar Guedes a seis de Outubro de mil seiscentos e noventa e três. Como legado perpétuo, aos seus sucessores deixou a obrigação de se cantar «uma missa de requiem pelas almas dos justiçados, com cinco responsos no lugar de suas sepulturas, que é de fora da porta do Olival, abaixo da primeira torre do muro à mão direita da parte do sul, onde os vão rezar em comunidade os mesmos meninos órfãos com o seu padre vice-reitor em uma capela que está junta ao mesmo cemitério»”

Cortesia de Nuno Cruz

 

 

Alguns anos antes do começo efectivo da demolição da igreja, já ela vinha sendo paulatinamente desmantelada.
Assim, em 1885, três dos sinos das suas torres, pois o quarto, pelas suas dimensões, não caberia no campanário de destino, foram arrematados, em hasta pública, por 323.600 rs, e seguiram para o serviço da nova igreja de S. Paio de Oleiros que estava a ser edificada.
Na época constou que esta transacção teve a intervenção de D. Antónia A. Ferreira…
A Igreja de Nossa Senhora da Graça, começou a ser demolida em Maio de 1899, tendo a arte sacra nela existente sido transferida a título provisório para o edifício dos Paços do Concelho.
Naquela Igreja de Nossa Senhora da Graça, entretanto demolida, além da imagem da padroeira oferecida pela rainha D. Mafalda, existia, também, uma imagem de S. Sebastião que tinha pendente da seta que atravessava o coração da imagem, uma chave de ouro que, segundo a lenda, pertencera à Porta do Sol da muralha Fernandina. Supostamente, a chave estaria ali, para que o santo protegesse a cidade da peste.
Todas a relíquias acabariam por desaparecer sem deixar rasto, à excepção do cruzeiro. 
Este cruzeiro, conhecido por “Senhor dos Assobios”, que tinha já uma atribulada existência, encontra-se no cemitério Prado do Repouso, na parte voltada para o rio Douro, numa espécie de miradouro.
Houve no Porto dois calvários. Um no local onde em 1704 se levantou o convento das carmelitas e outro junto da Porta do Olival, denominado Calvário Novo.
Coroava o Calvário Velho um antigo Cristo de granito, velhinho de séculos, que foi transferido para o Recolhimento do Anjo em 1701 e, que quando este foi extinto, passou para o Colégio dos Meninos Órfãos do Padre Baltasar Guedes. A imagem foi para qualquer canto e a coluna talvez para travejamento do edifício.
Quando em 1901 o colégio teve que abandonar as instalações que vinha ocupando e enquanto não eram albergados na sua casa actual, ocuparam, provisoriamente, instalações alugadas em edifício pelo Município, tendo a imagem do Cristo sido levada para o mausoléu das freiras de Santa Clara no cemitério do Prado do Repouso e, posteriormente mudado para outro local, continuando dentro do próprio cemitério.


“Com a vi­tória do Liberalismo, depois do Cerco do Porto, os mosteiros foram extintos e al­guns demolidos, como foi o caso dos con­ventos de S. Bento da Ave-Maria e de San­ta Clara, embora deste tivesse sido salva a igreja, um das mais belas do Porto. Dos claustros dessas casas conventuais, fez-se a inumação dos restos mortais das religio­sas que lá estavam sepultadas. E para reco­lher essas ossadas, digamos assim, a Câ­mara mandou construir dois mausoléus no cemitério do Prado do Repouso: um para as ossadas das monjas beneditinas, outro para os restos mortais das clarissas. O primeiro ainda existe. Fica ao lado di­reito de quem entra no cemitério pelo lado do Largo do Padre Baltasar Guedes, quase em frente à igreja, e está ornamen­tado com uma porta manuelina levada também do convento. O outro ficava um pouco mais adiante, era diferente, e tinha a ornamentá-lo, imaginem, a cruz com o venerando Cristo do Calvário Velho.
Mas, um dia, o vereador municipal com o pelouro dos cemitérios, Alfredo Cunha, o célebre Cunha da Rasa, foi ao Prado do Repouso e pareceu-lhe que o mausoléu das freiras de Santa Clara ocupava um espaço demasia­do grande. E tomou uma resolução: man­dou demolir o túmulo, se assim se pode di­zer, ordenou que as ossadas que ali se guar­davam fossem enterradas noutro local do cemitério e o espaço que ficou livre foi aproveitado para a construção de vários ja­zigos.
A antiga cruz do campo do Calvário Ve­lho saiu incólume da destruição que atin­giu o mausoléu das freiras de Santa Clara e foi colocado na parte superior do mais novo talhão do cemitério do Prado do Re­pouso. Está em destaque numa espécie de' varandim em forma de meia laranja e pas­sou a ser conhecido (sabe-se lá porquê), por Senhor dos Aflitos. A história milená­ria desta veneranda relíquia portuense foi contada, pormenorizadamente, pelo pa­dre Francisco Patrício, nas páginas de "O Comércio do Porto" de 22 de novembro de 1903”. 
Com a devida vénia a Germano Silva



Aquele cruzeiro, também chamado do “Senhor dos Assobios” terá pertencido, segundo a lenda, à capelinha mandada construir por D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques, em louvor de Nossa Senhora da Graça, em 1160, dizem alguns, sem quaisquer provas.




O Senhor dos Assobios actualmente



O Cristo do Calvário Velho ou Senhor dos Assobios