terça-feira, 19 de junho de 2018

(Continuação 2)


Os naufrágios de 1862 e 1882


Os anos sucediam-se e os meios de socorro aos frequentes naufrágios continuavam a ter pouca eficácia. 
Em 14 de Janeiro de 1862 um patacho português de nome “Abalizado” naufraga na barra morrendo 3 tripulantes e, ainda, 2 escunas inglesas de nomes “Agnes” e “Edith”, em que se salvaram as tripulações.



Um patacho semelhante ao “Abalizado”


Uma escuna semelhante à “Agnes” e  à “Edith”


Como os acidentes continuassem, 10 anos depois, em 1872, Eça de Queiroz, em As Farpas, que escrevia em parceria com Ramalho Ortigãocontou num irónico e, por isso, violento texto, em que criticou a incapacidade do salva-vidas existente na Foz do Douro, bem como, da comissão que o dirigia, o naufrágio de uma lancha no qual morreram 14 homens.
Terminava descrevendo uma bela e romântica Foz, que contrastava com as perdas de vidas causadas pelos frequentes naufrágios. 


 Na Foz, há pouco, voltou-se uma lancha. Morreram 14 homens. 
Os socorros foram dados por uma lancha de pilotos, que se apressou corajosamente, e por outro barco, que veio, num risco agudo, da praia do Cabedelo. Conseguiram salvar 10 homens: 14 morreram. A 10 passos do mar, repousava placidamente o salva-vidas. O salva-vidas não desceu ao mar podia descer, molhar-se, navegar um instante: não; conserva-se agasalhado na sua habitação onde, dizem rumores gloriosos, ele está embrulhado em algodão, num cofre. 
A areia do Cabedelo reluz ao sol, as senhoras passeiam na Cantareira, as gaivotas voam, e os que naufragam morrem.”
Eça de Queiroz, Julho de 1872; Fonte: Prof. Ricardo Figueiredo (blogue “doportoenaoso”)


Dez anos passados, Oliveira Martins, em requerimento (que nunca teve resposta) dirigido ao Rei D. Luís e significativamente datado de 22 de Agosto de 1882, antevéspera do dia de São Bartolomeu, exprimia a sua preocupação pela comunidade piscatória da Foz do Douro, descrevendo mais um naufrágio. 


“Ao tempo em que no Porto corria um delírio de embriaguez enthusiastica, ao que os jornaes dizem, lá para além, a seis léguas da cidade triumphante, havia um grupo de mulheres soluçando, e um bando de crianças espantadas, com os olhos mudos que as crianças tem diante das grandes afflicções. Eram viúvas e órfãos na praia dura e negra.
(…) Foi uma lancha que se virou. Era de noite. O mar banzeiro espreguiçava-se em ondas maciças. Uma d’essas ondas, tomando de lado um barco, invade-o, quebra-se, e devora-o. 
Foi o que succedeu. Uma lancha sobre o mar é como um desafio a um monstro. O bruto estende a garra, e por desenfado esmaga e engole…Era de noite. Soprava apenas um vento pesado e quente. Sob um ceu negro, o mar como breu tinha malhas lívidas quando na encosta de uma onda vinha outra desmanchar-se. Dir-se-hiam alvas mortuárias sobrepostas na abobada de um carneiro sepulchral – liquido, falso, oscilante, onde a lancha vasou a gente que a gente que a tripulava.
A praia é só: a villa fica distante. Estavam na praia as mulheres da companha esperando o barco, para o ver sossobrar… Então o silencio despedaçou-se em gritos lancinantes, como o ranger de velas quando no meio dos temporais o vento furioso as despedaça em fitas. Era um rasgar de almas afflictas, soando em ais selvagens, que o mar livido, impassível, não escutava. 
(…) Que laços os ligam à comunidade nacional? Que lhes dá o estado? Nenhuns. Nada. Authoridades conhecem apenas duas: a Senhora da Lapa que os socorre nos temporaes, e a Sant’Anna, ou outra vareira, que lhes compra o peixe e lhes dá dinheiro sobre as redes, de inverno, nos dias de fome. 
Oliveira Martins; Fonte: Prof. Ricardo Figueiredo (blogue “doportoenaoso”)

Com referencia a este districto maritimo (Porto), diz o chefe do departamento maritimo do norte , ha na foz do Douro os precisos meios de soccorro para naufragos, e constam elles de: hospital  com tres enfermarias devidamente montadas, guarda-roupa com vestidos de agasalho, barretes, calçado proprio, etc., casa de banhos quentes, botica com os medicamentos mais necessários aos naufragos, escovas e outros utensílios para fricções, machinas electrica, pneumática, e objectos de cirurgia. 
Fóra do armazém estão dois barcos salva-vidas e um saveiro também salva-vidas, competentemente resguardados. Os tripulantes para estas embarcações engajam-se na ocasião em que são precisos, pagando-se-lhes depois com generosidade os seus serviços”. 
José Cândido Correa, In catálogo enviado à Exposição Industrial Portuguesa; Fonte: Prof. Ricardo Figueiredo (blogue “doportoenaoso”)





A tragédia de 27 de Fevereiro de 1892


Tragédia ocorrida no mar, mas que atingiu, sobremaneira, a comunidade piscatória da Póvoa de Varzim e, entre outras, a população de pescadores da Afurada.
Tiraria a vida a 105 dos 900 pescadores que estavam em faina no mar, no dia 27 de Fevereiro de 1892.
Dos 105 pescadores que pereceram, 35 eram da Afurada e de 51 embarcações naufragadas 6 eram da Afurada.
Sobre esta tragédia Gervasio Lobato (1850-1895) escreve no “O Occidente” n º 475 de 1 de Março de 1892: 



No Sábado de Carnaval de 1892, dia 27 de Fevereiro o mar fora da barra do Porto tomou um aspecto medonho, terrível, e ameaçando de morte horrorosa os mil e tantos pescadores da Povoa de Varzim, da Affurada, de Mathosinhos, de Buarcos que nas suas companhas andavam arrancando ao mar traiçoeiro o pão de cada dia para si e para os seus. (…) À hora em que escrevemos faltam-nos ainda notícias minuciosas da colossal catastrophe que veiu encher de lucto, de lagrimas e de miséria as povoações mais sympathicas, mais trabalhadoras, mais heroicas de Portugal, mas o que se sabe já pelos últimos telegramas é que o numero de mortos ascende já a 108 e que parece que não ficará por ali.
(…) S. M. El-Rei e Sua M. a Rainha a Sr.ª D. Amélia apenas souberam da terrivel desgraça que cahiu sobre as povoações marítimas do norte mandaram chamar o sr. Presidente do Conselho de Ministros para que lhes desse notícias minuciosas da catástrofe declarando suas Magestades a S. Ex.ª que queriam contribuir, quanto lhes fosse possível para minorar a desgraça das famílias dos infelizes pescadores”.
Fonte: Prof. Ricardo Figueiredo (blogue “doportoenaoso”)




O número seguinte de 11 de Março de “O Occidente” continuaria a ser dedicado à tragédia com gravuras e opiniões de poetas e escritores entre estes Ramalho Ortigão.
Uma onda de solidariedade para com as famílias enlutadas, haveria de se estender a todo o País.
A rainha D. Amélia passou a ser a frente daquela onda.
No culminar das acções de angariação de fundos para beneficiar as famílias dos náufragos, a rainha iria promover, em 24 de Abril, um torneio equestre, em Lisboa, no hipódromo de Belém, que contaria com cerca de 25000 assistentes, dos quais 19000 eram de bilhetes para o lugar de peão, os mais baratos.
Na ocasião, entre os diversos jogos, constituíram-se duas equipas: uma de cor verde comandada pelo duque do Porto, o infante D. Afonso e outra de cor azul, que teve à sua frente D. António de Siqueira, conde de S. Martinho.
As verbas arrecadadas vieram a constituir um fundo que, na generalidade, cumpriu os objectivos traçados e que seria extinto em 1918.


 

Torneio Equestre no Hipódromo de Belém, em 24 de Março 1892

 
 
A tragédia viria a determinar uma melhoria das condições de salvamento existentes na barra do rio Douro.
Assim, o rei D. Carlos e a rainha D. Amélia começariam a dar os primeiros impulsos para que viesse a instituído (21/04/1892) o Real Instituto de Socorros a Náufragos, com uma cobertura mais aceitável do território e reforço dos meios e organização.




A tragédia de 27 de Fevereiro de 1892 num desenho




  
Gravura da Afurada de Domingos Cazellas, publicada no “O Occidente” de 11 de Março de 1892, extraída de foto de Emílio Biel (1838-1915); Fonte: Prof. Ricardo Figueiredo (blogue “doportoenaoso”)





A tragédia que envolveu quatro traineiras de Matosinhos, em 1947


 
O dia 2 de Dezembro de 1947, ficou marcado como uma das datas mais tristes da comunidade piscatória de Matosinhos - naufrágio de quatro traineiras que vitimou 152 pescadores.
O dia anterior tinha nascido encoberto e sombrio, embora não chovesse nem houvesse grande vento.
Durante a manhã, começaram a chegar ao porto de Leixões as traineiras que tinham andado na pesca, durante a noite. A dada altura, entrou uma carregada de sardinha e, embora, o tempo mostrasse “má cara”, os pescadores decidiram fazer-se outra vez ao largo e rumaram para a área da Figueira da Foz, 103 traineiras.
Entretanto, o tempo mudou radicalmente, vendo-se as traineiras envolvidas num imenso temporal. As ondas fortíssimas chegaram a subir aos 10 metros, enquanto o vento rodava para Noroeste e o ar arrefecia drasticamente.
Começou, então, a procura desesperada por um porto de abrigo.
Entre a Aguda e o Senhor da Pedra, porém, quatro traineiras a navegar em situação aflitiva, muito perto da costa, acabariam por naufragar, na madrugada de 2 de Dezembro de 1947, apesar dos esforços desenvolvidos em terra. Pereceram todos os tripulantes das embarcações com a excepção de seis deles.

 
 
Diário de Lisboa (2ª edição) de 2 de Dezembro de 1947




Assim, as traineiras “D. Manuel”, “Rosa Faustino”, “Maria Miguel” e “S. Salvador”, foram para o fundo tendo perecido na tragédia um total de 152 marinheiros entre os que se encontravam nas traineiras naufragadas e os que caíram ao mar, deixando 71 viúvas e mais de 100 órfãos.


 
 
Familiares dos náufragos

 
 
 

No adro da igreja de Matosinhos o Início da formação da romagem até à praia, a propósito da tragédia de 2 de Dezembro de 1947
 
 
 
 

Viúvas e familiares dos pescadores rezando e contemplando o mar, junto ao Castelinho de Leça
 
 
 
 
“Em 2005, foi inaugurado na praia de Matosinhos o monumento "Tragédia do Mar", uma escultura homenagem ao naufrágio de 1947 com cerca de três metros de altura, composto por cinco figuras de órfãos e viúvas cujas faces transparecem a tragédia ocorrida em 1947. Foi esculpido por José João Brito que se baseou, para o efectuar, na tela do mesmo nome criada pelo Mestre Augusto Gomes”.
Fonte: pt.wikipedia.org/


 
 

Escultura “Tragédia do Mar”
 
 
 
Em 2007, 60 anos após a tragédia, a Câmara Municipal de Matosinhos decidiu lembrar a fatídica história publicando o livro "Naufrágio de 1947 – Toda a Saudade é um Cais de Pedra" que apresenta um relato pormenorizado dos acontecimentos.

 



sexta-feira, 15 de junho de 2018

(Continuação 1)


O naufrágio do brigue Diana em Novembro de 1864

Apesar das medidas que vinham a ser tomadas ao longo dos anos os naufrágios, com perdas de vidas, continuavam a ser frequentes. 
E proliferavam os críticos da incapacidade do salva-vidas, motivo da curiosidade dos que iam à Foz. 

Tudo quanto havia rico e elegante no Porto reunia-se na Foz. A curiosidade, n’aquelle tempo, era o salva-vidas, uma casita com um pequeno jardim de entrada, situada de modo que ouvia de um lado as queixas do rio, e do outro as iras do Oceano; não tinha sahida para o mar: havia apenas uma portazinha, e, quando o barco devesse ser empregado no serviço dos náufragos, chamava-se povo, e era arrastado pela areia até à beira-mar; essa operação levava uma hora, hora e meia: o suficiente a um salva-vidas para poder salvar os mortos”. 
Júlio César Machado, escritor (Lisboa, 1 de Outubro de 1835 – idem, 12 de Janeiro de 1890);
Fonte: Prof. Ricardo Figueiredo (blogue “doportoenaoso”)


Exemplo da inépcia dos salvamentos foi o naufrágio de um brigue relatado no Annuario do Archivo Pittoresco, em que apenas se salvaram três tripulantes que foram recolhidos na casa do salva-vidas. 

“No dia 26 do mez ultimo naufragou no Porto o brigue sueco Diana. Da participação do intendente da marinha extrahimos a seguinte curiosa noticia:
No dia 26 appareceu ao SO. Da barra, sendo o vento N; às 4 horas e meia da tarde deitou em cheio para terra, vindo com todo o panno largo, e com a bandeira a pedir socorro: a distancia a transpor ate ao logar onde encalhou seria de 7 a 8 kilometros. Entre o acto do navio deitar para a terra e desfazer-se nas pedras, decorreram poucos momentos; entretanto logo acudiram ao Cabedello parte da corporação dos pilotos e remeiros das catraias, e alguns que se poderiam adiantar salvaram o capitão do brigue, o carpinteiro, e um moço, que a nado tinham vindo para cima das pedras. Estes náufragos seguiram logo para o Cabedello, não havendo tempo para chegar ao logar do naufrágio o tenente Crespo e mais pessoas que iam acudir, porque às 6 horas estava tudo concluído.
A lancha que o brigue trazia a reboque, virou-se com a arrebentação do mar submergindo um homem que vinha dentro. 
Dos outros três náufragos que faleceram, ainda foi visto um que nadava, e para o salvar deitou-se ao mar o vareiro Manuel Branco, atado a um cabo que outro segurava em terra; porem n’esta ocasião, trazendo o mar sobre elle grande parte dos destroços do navio, mergulhou, e quando voltou à superfície, já não viu o naufrago, que provavelmente foi morto pelos mesmos destroços. 
Os três náufragos salvos, foram recolhidos na casa do salva-vidas, prestando-se-lhes todos os socorros, actos a que tem sempre comparecido o benemérito cidadão Eduardo Mozer, como membro que é da comissão do salva vidas.” 
Annuario do Archivo Pittoresco, n.º12, Dezembro de 1864 (pág. 95);
Fonte: Prof. Ricardo Figueiredo (blogue “doportoenaoso”)



Brigue idêntico ao “Diana”

quarta-feira, 13 de junho de 2018

24. Marcos Históricos - Actualização em 28/10/2020




O naufrágio do vapor “Porto” em 1852


São conhecidas desde sempre, as dificuldades que as embarcações enfrentaram, independentemente da sua envergadura, para vencerem a barra do rio Douro.
Os desastres sucederam-se e, entre muitas das medidas tomadas para os minimizar, esteve a construção de cais nas suas margens, para conter e encaminhar as suas águas em direcção à sua foz.



“Os cais da margem direita do rio Douro foram sendo construídos, em várias fases, da Ribeira para a Foz. Em 1601, por exemplo, foi autorizada a imposição de três réis em cada rasa de sal, para serem aplicados nas obras da construção do cais da Ribeira. Em 1787, prorrogou-se por mais dez anos o imposto de um real em cada quartilho de vinho de consumo, para ser aplicado nas obras públicas, mencionando-se o cais até à Foz. Em 1790, uma carta régia de 15 de fevereiro determinava que "meio real do imposto sobre o vinho fosse aplicado na continuação do cais de Massarelos, para resguarda de navios na respetiva enseada no tempo das grandes cheias". E em 23 de agosto deste mesmo ano, resolveu-se pedir 5500 cruzados como adiantamento para continuar a construção dos alicerces do mesmo cais de Massarelos da altura de cinco palmos.”
Com o devido crédito a Germano Silva




Apesar da construção desses cais, em que a pedra necessária saiu da pedreira da Arrábida, ali bem perto, e de outras medidas, como a construção do molhe de Felgueiras, ou a destruição de alguns rochedos e pedras que escondidas no leito do rio se apresentavam como um perigo para a navegação, os naufrágios sucediam-se, determinando a institucionalização também de medidas de ajuda e socorro aos náufragos.
Entre estas, em 1828 tinha sido começada a edificar à saída da barra do rio Douro, a Real Casa d’Asylo dos Naufragados e mandado construir um barco salva-vidas que substituiria um outro do género, construído em 1807 e entretanto deslocado para Lisboa.
A ligação do Porto a Lisboa em meados do século XIX era feita pela burguesia em barcos a vapor.
A linha do Norte de comboio só seria acabada entre Lisboa e V. N. de Gaia em 7 de Julho de 1864 e por terra a viagem em diligências da Mala-Posta só seriam inauguradas entre Porto e Lisboa em 1855.
Assim, no dia 28 de Março de 1852 dirigido pelo piloto António Pinto, o vapor “Porto” largava do cais da Estiva em frente à Alfândega, rumo a Lisboa, apesar do mau tempo que já se adivinhava.
O vapor «Porto» pertenceu à “Empresa do Barco a Vapor”, sedeada na cidade do Porto, que o utilizou no transporte de carga e passageiros. 
Era de bandeira, portuguesa, construído (com o casco em madeira) num estaleiro de Plymouth (Inglaterra), no ano de 1836 e, a sua propulsão, era assegurada por uma máquina de 150 cv, que accionava duas rodas laterais de pás.
Sobre aquelas condições meteorológicas, na hora da partida, um artigo de “O Tripeiro” dizia:
"No momento da largada havia cerrado nevoeiro, e fora da barra soprava vento desabrido, forte, a bater inclemente contra o costado do velho barco, cuja maquinaria, já muito gasta, logo se revelou impotente para resistir ao vendaval. Dentro ouvia-se o ranger lúgubre do cavername, parecendo que tudo se desmantelava, e o balanço era de monta a ninguém resistir ao enjoo".
Durante a noite, já em frente à Figueira da Foz, devido à inclemência duma enorme tempestade e perante as súplicas dos passageiros o comandante decide regressar ao Porto.
Na manhã do dia 29 de Março o navio fazia-se à barra depois de içada a respectiva bandeira no castelo da Foz, que determinou a indispensável permissão de entrada.
Há quem diga que o comandante tinha pensado aportar a Vigo, mas que os passageiros o forçaram a entrar no rio Douro, tendo-se então consumado a tragédia, perante a qual, os parcos meios disponibilizados foram como que inexistentes.




Naufrágio do vapor PORTO em 1852, em painel de azulejos do Instituto de Socorros a Náufragos na Foz do Douro




“As más condições atmosféricas - a chuva caía incessantemente - tinham provocado uma forte alteração do mar, com enormes e ameaçadoras vagas, e acabaram por provocar o inevitável. Um inesperado solavanco, o vapor foi arrastado para uma restinga de areia, o leme saltou fora e, já sem governo, foi embater contra a "pedra da Forcada", imobilizando-se. Ali irá permanecer durante algumas horas, durante as quais passageiros e tripulação gritavam desesperadamente por socorros, praticamente impossíveis de prestar, dada a alterosa agitação marítima.
À medida que o tempo passava, a situação agravava-se cada vez mais. Segundo Horário Marçal, que descreveu este infausto acontecimento no "Boletim da Biblioteca Municipal de Matosinhos", "a chegada da noite aumentou o horror e dificultou os meios indispensáveis de salvamento, porquanto os furibundos escarcéus de encontro aos penedos não permitiram a aproximação de barcos salva-vidas. Contudo, numa vã tentativa, saíram para o mar duas catraias: uma do piloto-mor e, outra, do piloto efectivo Francisco Soares de Lima que, diga-se, não ultrapassaram a denominada 'Meia Laranja'. Além destas saiu ainda uma outra do arrais Manuel Francisco, que conseguiu aproximar-se do vapor; e deste, lançaram-lhe um cabo que seria a redenção dos naufragados, caso estes não tivessem puxado violentamente a corda e com ela a catraia. Assim, o arrais vendo-se em risco iminente de soçobrar, largou o cabo e lá se foi toda a esperança de salvamento!...".
O vapor lutava desesperadamente com o violento impacte das ondas e as terríveis condições atmosféricas, até que, pelas quatro horas da manhã, um golpe de mar mais violento levantou-o em peso e, partindo-se em dois, ao cair, afundou-se de imediato, sepultando no fundo da barra os 37 passageiros e 29 tripulantes, para além da perda de toda a mercadoria que transportava. Entre os passageiros, quase todos portuenses, contavam-se algumas figuras de destaque da sociedade da época.
Ao tomar conhecimento desta tragédia, a cidade do Porto, assim como todo o país, foram percorridos por uma intensa comoção. No Porto, em sinal de dor, a actividade comercial paralisou e as pessoas vestiram-se de luto. A 29 de Abril desse ano - quando passava um mês da data da catástrofe -, a própria rainha D. Maria II decidiu visitar o Porto, acompanhada por D. Fernando e pelos príncipes D. Pedro e D. Luís, a fim de apresentar pessoalmente condolências à cidade. A data escolhida, que coincidia com a da outorga da Carta Constitucional por D. Pedro IV, em 1826, reforçou ainda mais a importância e o significado solene do acto.
A ocorrência deste trágico acontecimento veio a influenciar a decisão governamental de prosseguir os estudos referentes à barra do Douro, que, ao longo dos tempos, tinha sido - e continuaria a ser - um autêntico cemitério de embarcações. Logo no dia 5 de Abril, o "Diário do Governo" publicava uma nota do Ministério dos Negócios do Reino, nomeando uma comissão "encarregada de proceder aos trabalhos necessários para a formação de um porto artificial ao norte do rio Douro, na localidade mais conveniente...". Contudo, a resolução do problema, para além de não ser pacífica, exigia algum tempo e, também, os indispensáveis meios financeiros. Não obstante os sucessivos projectos para a construção do porto artificial, a solução só haveria de chegar quatro décadas mais tarde, com a inauguração do porto de abrigo de Leixões”.
José Manuel Lopes Cordeiro, 31 de Março de 2002, In Jornal Público



“De bordo os passageiros faziam-se ouvir em terra. O banqueiro José Allen oferecia toda a sua fortuna a quem salvasse as duas filhas que estavam com ele. À medida que as horas passavam, aumentava o perigo de o barco se desintegrar. De terra os esforços que se faziam no sentido de lançar cabos para bordo eram infrutíferos porque a agitação do mar não permitia que os pequenos botes e aproximassem do “Porto“.
A bordo estava também António José Plácido Braga, pai da Ana Plácido e de Antónia Cândida Plácido Vieira. A primeira, depois de ter saído do lar, em 1859, abandonando o marido, o rico comerciante portuense, Manuel Pinheiro Alves, viveria, desde então, com o romancista Camilo Castelo Branco. A segunda casara, havia pouco tempo, com António Bernardo Ferreira, filho de D. Antónia Adelaide Ferreira, a célebre “ Ferreirinha” da Régua. Mas este casamento realizou-se contra a vontade da “Ferreirinha“ que andava a tentar anula-lo. Nesse propósito já havia conseguido que o bispo da diocese suspendesse o pároco de Nossa Senhora da Vitória, padre António de Sousa que, naquela paróquia, unira canonicamente os dois apaixonados.
A presença de António José Plácido Braga no vapor “ Porto” tinha uma explicação: ele ia a Lisboa tentar, junto do cardeal, que o casamento da filha com António Bernardo Ferreira se mantivesse válido. Essa era, afinal, a vontade dos noivos.
António Plácido Braga acabou por morrer no naufrágio. Um jornal da época, o “ Nacional “ publicou, junto à reportagem do trágico acontecimento, um caixilho com uma mensagem dirigida, naturalmente, à “Ferreirinha”, embora sem citar nomes, apelando à concórdia. E o casamento manteve-se, como é do conhecimento geral.”
Com o devido crédito a Germano Silva


O banqueiro José Allen, acima referido, que viajava com as suas duas filhas Ermelinda Allen e Camila Allen, era irmão de de Alfredo Allen que viria a ser, mais tarde, o 1º Visconde de Vilar d’Allen.
Os dois irmãos eram filhos de João Allen, cujos progenitores foram Duarte Guilherme Allen, súbdito britânico e cônsul do Reino Unido, em Viana do Castelo, e de sua esposa, D. Joanna Josepha Mazza.

 
 





O naufrágio do vapor Porto em 29/3/1852 - desenho da época



“A cidade chorou como nunca esta tragédia, que varreu algumas das melhores famílias da burguesia, cujos elementos se deslocaram a Lisboa. Não era uma das habituais tragédias de marítimos, de pescadores que, arrostando quotidianamente com o perigo, se viam de vez em quando devorados por águas revoltas. Tratava-se agora de passageiros, incluindo velhos e crianças, que, julgando-se a salvo num novo transporte, acabavam por sucumbir ali, junto à margem, aos olhos de toda a gente e perante a incapacidade de socorro de terra. Esta impotência era a face visível da incapacidade da sociedade para aplicar os meios capazes de diminuírem os perigos que se adivinhavam, apesar de há mais de meio século se cobrarem impostos para estas obras — o imposto de tonelagem específico para as obras da Barra, mas cujas verbas acabavam por ser desviadas da sua aplicação principal.
Para além da comoção geral, há desde logo algumas medidas, em resposta a solicitações da Associação Comercial do Porto, como a ordem governamental, no sentido de “cobrar e arrecadar em separado” o imposto destinado às obras da Barra, para evitar  o seu descaminho, destinando-se ainda metade do imposto destinado às obras do Palácio da Bolsa para a reconstrução do antigo estabelecimento do salva-vidas antes existente na Foz. Criou-se ainda uma “sociedade humanitária” para socorros a náufragos, que arrancou desde logo com os 148 sócios presentes na assembleia geral da Associação Comercial do Porto convocada para discutir esta tragédia. Note-se, no entanto, que a reorganização do Salva-vidas não foi reorganizado pelo Governo, o que levou posteriormente a Associação a solicitar o recebimento da totalidade do imposto para as obras da Bolsa, ficando a seu cargo as despesas para a manutenção do Salva-vidas, o que foi conferido por carta de lei de 24 de Julho  de 1856”.
Fonte: “informaticahb.blogspot.pt”



Uma notícia publicada no jornal “Periódico dos Pobres”, já dava conta de uma outra situação em que o vapor “Porto” se tinha visto anteriormente em apuros.


“O vapor Porto depois de uma viagem tormentosa em que veio sempre aberto de mar e tendo levado muitas horas para andar apenas 3 milhas na altura do Cabo da Roca, esteve perdido sem esperança alguma de salvação, ao entrar a barra do Tejo: se não fora um tufão de vento que o arremeçou para fora dos cachopos, não havia já salvação, perdidos dous ferros, duas velas, uma amarra, e um cadeado, e não dando pelo leme. O capitão aproveitou este arrojo de temporal que lhe foi favorável para mandar dar toda a força à máquina e conseguisse metê-lo dentro do Tejo. O barco precisa de bastantes reparos. E avalia-se em 600$ reis as perdas que sofreu, além da avaria da carga. Queixam-se de que a administração fizesse sair o vapor da barra do Porto, ameaçando o tempo mudança e prognosticando os pilotos da Foz próximo temporal”. 
In Periódico dos Pobres, 13 de Novembro de 1845; Fonte: Nuno Cruz (blogue Porta Nobre) em 24/03/2013



Navio a vapor semelhante ao “Porto”



Em 1855, um novo naufrágio com consequências trágicas levaria o barão de Forrester a sugerir uma intervenção sobre a barra do rio Douro.


 

IN revista “O Tripeiro”, V série, Ano XV, Nº 1, Maio de 1959




“Poucos dias depois do naufrágio do «Porto» o Governo nomeia uma comissão, encabeçada pelo Engenheiro Belchior Garcez para propor o que se julgasse conveniente para aumentar a segurança do Douro. Era apenas o início. Muitos outros projectos, estudos de correntes, avaliação das cheias, propostas e efectivas destruições de penedias e quebramento de rochas, construção de novos cais, molhes e enrocamentos de margens, se seguiram nas décadas posteriores, da responsabilidade de tantas outras comissões ou de engenheiros, muitos dos quais estrangeiros, especialmente contratados para tal objectivo. Seria imensa a lista e a paciência do leitor esgotar-se-ia. Teimosamente deixem-nos, no entanto, relembrar alguns:
1854 – o engenheiro francês Gayffier propõe um cais do Passeio Alegre até aos penedos das Felgueiras;
1854 – é contratado o engenheiro londrino William Jates Freebody para vir examinar a barra do Douro e elaborar um relatório com soluções;
1855 – um outro inglês, o engenheiro hidráulico sir John Rennie, apresenta um relatório onde defende a destruição de uma série de rochedos;
1858 – o engenheiro inglês, Knox, apresenta um projecto que previa o aterro da foz do rio, abrindo-se no Cabedelo um canal com eclusa que desembocaria num porto de abrigo construído no mar e formado por molhes marítimos;
1859 – projectos do engenheiro Joaquim Nunes de Aguiar e do inspector de Obras Públicas José Carlos Chelmiki;
1859 a 1862 – pormenorizados estudos hidrográficos dirigidos pelo engenheiro Caetano Maria Batalha que conclui, igualmente, pela necessidade de destruição de inúmeros penedos, muitos dos quais até profundidades que deveriam atingir os seis metros;
1863 – o engenheiro francês, H. Luzeu, defende que a melhor solução é mudar a orientação da entrada do Douro, sugerindo para tal a construção de dois molhes curvilíneos a sair do Cabedelo e de S. João da Foz alterando, efectivamente, o rumo das águas do Douro no seu contacto com o mar. Mais um projecto, como tantos outros, que não passou do papel. O mesmo aconteceria com os de Léo de La Peyrouse e Robert Messer, ambos de 1865.
Concludentes foram, no entanto, os estudos dirigidos pelo engenheiro Afonso Joaquim Nogueira Soares de 1869 a 1871. As suas propostas, aprovadas pelo Governo de 1873, embora com sucessivas modificações e melhoramentos, foram efectivamente implantadas em trabalhos que dirigiu até 1892. Data deste período, entre outros, a construção do molhe norte da Foz do Douro, o enrocamento da praia das Argolas, o aterro do Passeio Alegre, o varadouro da Cantareira, o molhe de Carreiros, o molhe das Felgueiras ou do Farolim…
Mas, por esta altura, o leitor já estará cheio de datas, nomes e projectos. E a pergunta, adivinhamos, está no seu pensamento: Sim… mas Leixões?
Neste grande conjunto de estudos e projectos, desde cedo Leixões e a foz do rio Leça surgem como a alternativa ideal para o velho porto comercial do Douro. Disso não têm dúvidas alguns dos mais eminentes engenheiros estrangeiros a quem o governo solicitara opinião. Embora autor do projecto já referido, da construção de dois molhes na foz do Douro que permitisse uma mudança de orientação das águas do rio na sua desembocadura, o francês Luzeu defende claramente a alternativa da construção de um novo porto. Quem não se limitou a defender tal hipótese, avançando mesmo com projectos, foram os também já aqui referidos ingleses Freebody e Rennie, ambos em 1855.
Assim, apesar de sucessivamente adiado e dos interesses que se jogavam contra a sua efectiva materialização, ia ganhando pois espaço e adeptos a ideia de um porto em Leixões. Muito mais quando, dez anos depois, datado de 17 de Março de 1865, um novo projecto, da autoria do engenheiro Manuel Afonso Espregueira, que previa a construção de dois molhes enraizados na praia, consegue reunir os consensos necessários para obter, três anos depois, o parecer favorável do Conselho das Obras Públicas.
Mas seria necessário esperar ainda mais alguns anos. Tempo para o engenheiro inglês James Abernethy produzir dois planos e para fazer aparecer em cena as duas personagens que, tecnicamente, iriam produzir em definitivo o projecto do Porto de Leixões: o inglês Sir John Coode e o já nosso conhecido Afonso Joaquim Nogueira Soares – o engenheiro que vinha dirigindo os trabalhos na foz do Douro. É de facto com base nos projectos apresentados em 1878 por Nogueira Soares e em 1881 por Coode que, em 1883, o ministro das Obras Públicas, Hintze Ribeiro, apresenta na Câmara dos Deputados uma Proposta de Lei autorizando o Governo a adjudicar a construção do porto artificial de abrigo de Leixões. E, julgando-se convenientes algumas modificações é responsabilizado pela elaboração do projecto definitivo o engenheiro Nogueira Soares, que o dará por concluído no dia 24 de Agosto de 1883. Justo será salientar o nome de Adolpho Loureiro que, durante este período, faz parte de uma série de comissões que acompanham a elaboração do projecto final. E assim, depois de muitas décadas de espera (séculos para os mais visionários), nesse mesmo ano de 1883 era aberto concurso internacional para a definitiva construção do Porto de Leixões. Base de licitação da obra – 4.500 contos de reis.”
Fonte: Site da APDL



Em 10 de Julho de 1854, como anunciava o “Commercio”, um outro vapor, agora chamado o "Duque do Porto", ligava Lisboa ao Porto


 

Quanto ao vapor Porto, havia de a 8 de Julho de 1902, a sua máquina a vapor ser retirada, por António Guedes, do fundo da entrada da barra do rio Douro, colocando-a, a seco, na praia do Ouro.
Pesava cerca de quarente toneladas, com os trabalhos a custar mais de 50$000 rs, tendo-se, então, alvitrado, a hipótese de vir a ser exposta num museu.
Tal desiderato nunca viria a acontecer, pois o salvado seria comprado, em 26 de Agosto, daquele mesmo ano, pela Fundição do Bolhão, que o transformou em objectos de utilidade diversa, sendo que, alguns exemplares foram oferecidos à Real Sociedade Humanitária e, outros, aos jornais do Porto, com o grosso das peças produzidas a serem vendidas a particulares.


segunda-feira, 11 de junho de 2018

(Conclusão)



Cartaz turístico


After-Shave


Mapa de Portugal Continental presente na parede de todas as salas de aula


A carrinha  Volkswagen Combi ou “Pão de Forma”



Rádio de transístores da National



Distribuição de leite por canado


Volkswagen “Carocha” da Polícia de Trânsito



Rebuçados espanhóis



Gravador de som


Candeeiros a petróleo



Marmita para refeição

Castanheiro em 1969 à entrada da Estação Ferroviária da Trindade



Vendedor de castanhas na Praça D. João I