quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

(Conclusão)


Espectáculos de Benefício


Os espectáculos de benefício ocorriam para premiar um artista, alguns personagens do mundo teatral ou, mesmo, uma companhia teatral, sendo sessões anunciadas como tal e em sequência da qual, a receita revertia a favor do(s) beneficiado(s), assegurando a sobrevivência financeira dos visados ou complementando os seus rendimentos.


“Quando uma cantora agradava ao público havia, habitualmente, uma festa de despedida a que se chamava o “benefício”. Isto porque a receita de bilheteira lhe era integralmente entregue. Eram momentos de grande entusiasmo, histeria, delírio e até loucura. “... Bastará recordar que essas espécies de consagração principiavam, de ordinário, pela entrada solene que a diva fazia no teatro por sobre as casacas dos admiradores, que ao descer da carruagem, lhe serviam de tapete, e terminavam por ser ela reconduzida a sua casa na mesma carruagem, não já puxada pelos quadrúpedes que a trouxeram, mas pelos próprios admiradores, que sofregamente se faziam substituir aos varais (com grande desvantagem, é claro) às alimárias destinadas a tão disputado serviço”.
In “O Tripeiro”, Volume 2, 1/7/1909.



Algumas vezes, as actuações tinham fins filantrópicos.
Foi o que aconteceu quando a “Academia Dramática de Coimbra”, composta na sua maioria por estudantes, daquela cidade, promoveu um espectáculo, revertendo uma percentagem significativa da verba arrecada com a venda de bilhetes, para o auxílio das «victimas polacas da Revolução Nacional da Polónia» (O Comércio do Porto, 9.04.1863, p. 2).



Anúncio no “Commércio do Porto” de 8 de Janeiro de 1856, de espectáculo de benefício a levar a cabo no Real Teatro S. João



Anúncio no “Commércio do Porto” de 8 de Janeiro de 1856, de espectáculo de benefício a levar a cabo no Teatro-Circo (Hoje, o Teatro Sá da Bandeira)



A reconstrução do Teatro S. João


Em 1909, a cidade começa a empreender a tarefa de reerguer um novo teatro.
Assim, em 3 de Junho de 1909, são registados no 4º Cartório Notarial do Porto os estatutos da Sociedade do Teatro de S. João. São outorgantes, decidindo formar uma sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede no Porto, sem sucursais, e com a denominação de Sociedade do Teatro de S. João:


“ (…) o Dr. Adolfo da Cunha Pimentel, à época Governador Civil do Porto, casado, residente na Rua do Príncipe, Bento de Sousa Carqueja, casado, lente da Academia Politécnica do Porto e jornalista, residente na Rua da Alegria, Arnaldo de Sousa Moreda, casado, proprietário, residente na Rua de S. Jerónimo, Pedro Mariani Pinto, casado, proprietário, residente na Rua do Barão do Corvo (Gaia), António Joaquim Machado Pereira, casado, proprietário, residente na Rua de S. Roque da Lameira, Alberto Nunes de Figueiredo, casado, proprietário, residente na Rua do Crasto, este outorgante por si e na qualidade de procurador do Dr. Ricardo Pinto da Costa Bartól, conde de Lumbrales, solteiro, maior, capitalista, residente na Rua da Picaria, António Pedro Augusto da Costa, casado, negociante, residente na Rua de Fernandes Tomás, João Baptista de Lima Júnior, casado, negociante e proprietário, residente na Rua do Monte Crasto, Dr. Álvaro de Vasconcelos, casado, advogado, residente na Avenida da Boavista, António da Silva Marinho, viúvo, industrial e proprietário, residente na Rua da Piedade, Eduardo Honório de Lima, casado, industrial e proprietário, residente na Rua de Cedofeita, João Gomes do Espírito Santo, casado, oficial do exército e residente na Rua do Sol, Manuel Reis, solteiro, negociante, residente na Rua da Alegria, José de Oliveira Basto, casado, negociante, residente na Rua de Santa Catarina, Ezequiel Ribeiro Vieira de Castro, casado, negociante e proprietário, residente em Ermesinde (Valongo), António da Silva Cunha, casado, negociante, residente na Rua de Santa Catarina.”
Cortesia de Maria José de Sousa Ferraria (2000)


Após alguns re-arranjos na repartição do capital accionista e após alguns aumentos de capital, o novo teatro é inaugurado em 22 de Janeiro de 1920.
Assim, em 22 de Janeiro de 2020 (está próximo), será a comemoração do centenário daquele que, agora, é denominado Teatro Nacional de S. João.




Construção do novo Teatro S. João



Novo Teatro S. João c. 1920 (postal) – Ed. Tabacaria Africana


Quatro anos após a inauguração do novo Teatro S. João, a capela de Nossa Senhora da Batalha, que lhe era fronteira, foi mandada demolir.
Essa capela foi construída (c. 1799) para substituir uma outra, bem próxima, que dataria de 1686, e que tinha passado a albergar uma imagem da santa, que estava numa edícula, localizada na Porta de Cima de Vila da muralha fernandina.



Capela de Nossa Senhora da Batalha, à direita, e atrás o Real Teatro S. João


Capela de Nossa Senhora da Batalha c. 1900 – Ed. Aurélio da Paz dos Reis

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

(Continuação 1) - Actualização em 20/03/2020


Entre os inúmeros regentes e músicos que passaram pelo Real Teatro S. João, podem ser referidos: na família Ribas, José António Ribas na qualidade de violino concertante e regente, Eduardo Ribas, barítono, Nicolau Ribas, violino, Hipólito Ribas, flauta e Romão Ribas, violoncelo; na família Arroyo, José Francisco Arroyo, clarinete e composição, João Arroyo, flauta e António Arroyo, violoncelo; na família Landeau, José Julião e Albano, violinistas; a família Costa, Francisco Eduardo da Costa e José da Costa, contrabaixo.
Actuaram ainda, no Real Teatro S. João, Carlos Dubini, Marques Pinto, Ciríaco de Cardoso e António Canedo, José Pedro de Oliveira, Joaquim Casella, Laureano e muitos outros.
Entre os regentes, compositores e ensaiadores, destacaram-se Francisco Eduardo da Costa e José Cândido.
Camillo Sivori, único aluno directo de Paganini e notável violinista, esteve no Real Teatro de S. João, em Dezembro de 1854, dando 3 concertos de grande sucesso, que tiveram os maiores aplausos e a casa sempre repleta.



“Foram muitos os cantores que escreveram a história deste teatro. Entre eles podemos mencionar os tenores José de Aguiar Bizarro e Luís Gonzaga, que se estrearam respectivamente em 1844 e 1848. Também ficaram na sua memória João Cardoso, mais conhecido por João de Massarelos, A. S. Bonjardim, o Assunção, o José Soares Guerra, o Miguel Macedo, o Coelho e o Wanimeyl e M. Celestino. Este último acaba por partir para o Brasil onde desenvolve uma longa carreira. Destacámos ainda, não só pelos seus dotes vocais mas também pelos seus dotes de actriz, Maria Jesuína, que em 1840 cantou na empresa, mas depois passou para o teatro dramático onde se distinguiu como actriz.
Fixados em Portugal, estes artistas acabam na maior parte dos casos a dar aulas de música e a cantar como solistas ou nos coros que então vão surgindo na cidade, particularmente nas igrejas, e onde os seus nomes aparecem mencionados na programação das festas religiosas”.
Cortesia de Maria José de Sousa Ferraria (2000)
(Dissertação de Mestrado em História Contemporânea apresentado à Faculdade de Letras da Universidade do Porto


Artur de Magalhães Basto descreve uma noite de ópera, em “O Porto do Romantismo”:

«A enchente é espantosa, e no verão o calor é tão intenso como se “estivesse na câmara de um vapor, em calmaria, por alturas de S. Tomé ou Senegal”, e as pulgas mais abundantes “do que em qualquer galegaria de atrás da Sé”.
O “bufete” vendia sorvetes de diferentes qualidades, a 4 vinténs cada um.
O espectáculo começa e vai decorrendo numa atmosfera pouco tranquilizadora. Rebentam as primeiras palmas, estruge uma formidável pateada. Há bravos e assobios. Corre o pano. Chamados os artistas, estes aparecem no proscénio. A balbúrdia cresce. A pateada torna-se infernal. Os actores investem contra o público, como em 1849, na representação dos Foscaris. São lançados dos camarotes impressos com poesias, respondem-lhes os díscolos arremessando para o palco toda a qualidade de projecteis, até botas velhas. Martelos, cabos de vassouras, tacão, goelas, tudo que faça barulho é posto em movimento. No ar esvoaçam pombas brancas e rodopiam bengalas e mocas e, por vezes, luzem punhais. Partem-se cadeiras inocentes e cabeças apopléticas. Os artistas são enxovalhados. Uma actriz a “italiana Luisa Abbadie, enlouqueceu de repente, na noite de 3/5/1852, depois de ter sido desfeiteada pelo público”.
A chinfrineira é indescritível, os destroços na mobília avultados e o sangue a escorrer das testas abundante… resultado: as autoridades ordenam o encerramento do teatro por alguns dias».



Na sala do Real Teatro de S. João também se realizavam outros tipos de espectáculos, tais como as festividades carnavalescas, do qual durante muito tempo foi lembrado o ano de 1855, quando houve festas e bailes de máscaras durante uma semana.
Após mais de meio século de actividade, o Real Teatro S. João tinha entrado definitivamente na vida dos portuenses.
A actividade do Real Teatro de São João acabaria por ficar vinculada, no entanto, sobretudo, ao universo da ópera italiana, cujo monopólio de representações na cidade deteve, até perto, do final do século XIX.
A segunda metade do século, apresentaria durante a década de 60, naquele âmbito, alguns contra – tempos.
Chegaria, então, o tempo de Adelaide Ristori (Cividale del Friuli, 29 de Janeiro de 1822 — Turim, 8 de Outubro de 1906), uma célebre atriz dramática italiana, frequentemente referida como Marquise, que teve uma amizade com D. Pedro II do Brasil, filho do Imperador D. Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina da Áustria



“Decorrendo faustosamente a nova temporada de 1859-1860, dedicado o Teatro de S. João exclusivamente ao lírico, eis que pisa este palco com a sua companhia dramática italiana a cotadíssima trágica Adelaide Ristori. A sua estreia na tragédia Medeia, de Ernest Legouvé, em Novembro de 1859, provocou uma autêntica enchente, confluindo ao teatro «as primeiras familias do Porto, e algumas de fóra da terra», terminando o espectáculo numa verdadeira apoteose como já não se via há alguns anos no Porto. Os relatos em relação à quinta e última representação da actriz nesta cidade deixam transparecer essa mesma loucura, num dos acontecimentos mais marcantes que tiveram lugar no Bairro teatral.”
Cortesia de Danielo Rodrigues Micaelo Rosa (Tese de Doutoramento em Estudos de Teatro – 2013)



“A noite de hontem deve ficar eternisada nos fastos theatrais d’esta cidade. (…) Para evitar que alguns espectadores agenciassem bilhetes, para os revender por preços fabulosos, o snr. administrador do 1.º bairro resolveu intervir, ordenando que com a sua assistencia, na competente casinha, ás 3 horas da tarde. Uma hora antes da marcada, estavam já reunidas, junto do theatro, algumas centenas de pessoas, que invadiram e occuparam litteralmente o atrio, apenas as portas da entrada se abriram. Vendo o snr. administrador a impossibilidade de se effectuar a venda dos bilhetes no meio d’aquelle tumultuar immenso de gente, e mesmo porque os bilhetes não chegavam para nove decimos do numero de pessoas que os pediam, mandou sahir toda a gente (…). Quando, á noite, se abriu o theatro, era ainda immensa a gente que solicitava meio de obter entrada; e invadiriam a plateia, se a porta não fosse guardada por duas alas de soldados. (…) No fim da tragedia, o enthusiasmo passou a delirio. As senhoras, de pé, nos camarotes, agitavam os lenços; a chuva de flores sobre o palco não cessava; nas plateias agitavam-se os chapeos e os lenços no meio de freneticos applausos (…). Quasi toda a gente que estava na plateia foi esperar Ristori á sahida do theatro, e a acompanhou até ao seu hotel, victoriando-a com vivas (…).”
In “O Comércio do Porto”, 29 de Novembro de 1859, p. 2


Em digressão, Madame Ristori rumaria a Madrid, mas atendendo aos apelos que os portuenses lhes dirigiram, em Fevereiro, estava de volta à cidade.
Em 10 de Fevereiro de 1860, Madame Ristori deslocar-se-ia ao Teatro Baquet, o que é narrado na notícia seguinte:


“Folhetim: a fraternidade no género: não há competição: a srª Ristori, a melhor do mundo, aplaudiu no Teatro Bacquet a Emília das Neves, a melhor da Península.”
João Sénior, In “O Porto e a Carta”, 13 Fevereiro de 1860, p. 1


Madame Ristori seria então recebida nos melhores salões da cidade.


“Sarau: ontem o sr. Guilherme Augusto Machado Pereira deu um sarau em obséquio de M.me Ristori.”
In “O Porto e a Carta”, 17 de Fevereiro de 1860, p. 3


“Obséquios: O conde de Terena deu ontem um jantar de honra a M.me Ristori.”
In “O Porto e a Carta”, 18 Fevereiro de 1860, p. 3



Adelaide Ristori



Em 1865, uma outra Adelaide, a afamada cantora lírica Maria Adelaide Borghi-Mamo, seria contratada pelo empresário Paccini, para cinco récitas, após ter, até aí, representado em Lisboa.
A sua estreia, na ópera de Donizetti A Favorita, provocaria tal enchente que alguns espectadores se viram obrigados a saltar para dentro do espaço ocupado pela orquestra por não terem obtido melhor lugar.
A despedida da artista foi apoteótica e fez lembrar a de Madame Ristori.
Em 1860, é atribuída ao empresário José Domingos Lombardi, a exploração e o usufruto do subsídio atribuído ao Real Teatro S. João, por um período de dois anos.
A nova companhia lírica estreava-se a 5 de Novembro de 1860, com a ópera “O Poliuto”, de Donizetti, traduzindo-se a sua recepção numa pateada geral.
A partir daqui as pateadas foram uma constante.


“Hontem foi a primeira representação da opera «O Trovador», pela actual companhia (…). Esta lindissima opera, tão popular, e tão conhecida, dá desvantagens a todos os artistas, que a cantam no nosso theatro, pois lutam com confrontos, e recordações de artistas, que n’ella enthusiasmaram o publico. Porém ainda levando isto em conta, manda a verdade se diga, que hontem a execução d’esta partitura, poderá apenas, quando muito, qualificar-se soffrivel, no todo.
In jornal “O Comércio do Porto” de 28 de Novembro de 1860, Pág. 3-4


A situação seria remediada com a contratação da soprano ítalo-argentina Carolina Briol, que devolveria algum público e alegria ao Teatro de S. João. Carolina Briol estrear-se-ia com a ópera de Verdi, Rigoletto, passando-se da chuva de pateadas à de bouquets.


“Escusado será dizer que, graças ao desempenho da soprano, a ópera havia de ser repetida constantemente, tentando a empresa recuperar o prejuízo financeiro e o prestígio perdido após sucessivas manifestações de desagrado que marcaram o início da temporada. Ainda assim, e passado o efeito Briol, o entusiasmo haveria de ser efémero e o enfado do público pelo desempenho da companhia traduzido em pateadas”.
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa


Após uma das habituais tournées de Verão, da companhia do Teatro do Ginásio, dá-se o retorno de alguém já conhecido, o empresário Ângelo Alba.


“Com o retorno do empresário Ângelo Alba, o Teatro de S. João voltaria a apresentar uma companhia lírica e uma companhia dramática portuguesa, esta última sob a direcção de João Manuel Martins Costa. Esta, enquanto se davam óperas no primeiro teatro da cidade, apresentava o seu repertório no Teatro Variedades (Camões), principalmente no formato de espectáculos de benefício para com os artistas que faziam parte da companhia, que servia sobretudo para assegurar a sobrevivência financeira destes. Estrear-se-ia no palco do Teatro de S. João com o drama Aristocracia e Dinheiro, de César de Lacerda, e a comédia Os Zuavos, de António Mendes Leal. A companhia lírica, por seu lado, iniciaria a temporada de 1861-1862 com a ópera de Giuseppe Verdi, Luisa Miller.
No final da temporada, a administração do Teatro de S. João decidiu atribuir a exploração do teatro a Ângelo Alba por um período de dois anos, (…)”
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa


Um acontecimento trágico iria arrasar com a vida artística da quase totalidade dos teatros da cidade, nos últimos anos do século.
Tudo se ficou a dever ao incêndio do Teatro Baquet, na noite de 21 de Março de 1888, em que perderam a vida, cerca de 120 espectadores.


“Durante a festa de benefício do actor Firmino Rosa, um incêndio consumiu em poucas horas todo o interior do Teatro Baquet. A programação – extensa – incluía a ópera cómica Dragões de Vilares e a zarzuela Grã Via, ambas do agrado de um público entusiasmado que “pedia furiosamente bis” (SOUSA BASTOS 1908: 321).
Foi a troca apressada de panos de fundo, para repetir a cena anterior – o quadro “Os três ratas”, desempenhado por Firmino, Sanches e Gomes – que fez com que, no contacto com uma gambiarra, um dos panos se incendiasse. O pano de boca foi baixado rapidamente, mas não impediu que o fogo fosse anunciado momentos depois pelos espectadores de um camarim com um postigo sobre o palco. O rápido alastrar do fogo, o fumo intenso, a falta de iluminação (tendo sido cortado o gás assim que o incêndio deflagrou) e o pânico geral resultaram na morte de cerca de 120 pessoas”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”


Após a tragédia, apesar das vistorias impostas às salas de espectáculos e à melhoria das condições das mesmas, os portuenses estavam relutantes em visitá-las. Todos os teatros da cidade se viriam a ressentir, com excepção para um, que seria inaugurado passados 6 meses, sobre aquele trágico acontecimento.
Tratava-se do Teatro D. Afonso, inaugurado na Rua de Alexandre Herculano e que, com Ciríaco Cardoso ao leme, viria a agravar, com os sucessos que ia arrebatando, os problemas dos restantes.
O Real Teatro S. João não fugia à mediocridade que se instalou, aliada à gestão desastrosa de D. Luciano Rodrigo, a qual, nem a atribuição do subsídio governamental conseguiu travar.


“Ciriaco de Cardoso, à frente da empresa do Teatro D. Afonso na época 1889-1890 iria, com o seu arrojo programático, colocar em questão a suposta exclusividade do lírico no Teatro de S. João. Era este tipo de espectáculo exclusivo de um teatro de primeira ordem? A resposta, a ver pela afluência que se verificaria a este popular teatro, parecerá óbvia. Apesar de se tratar de espectáculos operáticos obviamente mais modestos, tendo em conta o seu público-alvo e a própria espacialidade e acústica do teatro, era mais um filão, como tantos outros, a explorar. E veremos futuramente como vários teatros não temeriam em explorá-lo.
A ópera O Barbeiro de Sevilha entrava em ensaios no Teatro D. Afonso logo no início de 1890 (O Comércio do Porto, 23.01.1890, p. 2). Este passo marcaria aquele que seria o rumo desta casa de espectáculos na próxima década: a apresentação de espectáculos líricos, aproveitando o temporário sub-rendimento do Teatro de S. João. A estratégia iniciada por Ciriaco de Cardoso traria bons proveitos e viria, gradualmente, dar mais visibilidade ao teatro por si arrendado”.
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa



Para o Real Teatro S. João, a noite de 11 de Abril de 1908, aproximava-se inexoravelmente.
Este teatro que atravessou todo o século XIX seria o palco de alguns episódios que ficaram célebres.
Camilo Castelo Branco foi um dos frequentadores assíduos do teatro e que protagonizou cenas que ficaram para a posteridade.
Uma delas, na época de 1848/49, acabaria em pancadaria na Estalagem da Ponte da Pedra, local para onde, os que podiam, se retiravam para gozar os prazeres da mesa e também as belezas do rio Leça, em breves passeatas de barco.
Seria, então, no Carnaval de 1849, que Camilo e Aloysio Seabra Ferreira, depois de tocarem no orgão do Mosteiro de Leça do Bailio, a "Maria da Fonte", se dirigiram a comer um jantar de lampreia na taverna da Ponte da Pedra.



“O Teatro S. João, no Porto, foi na altura palco de confrontos entre duas cantoras líricas: Dabedeille, apoiada pelos setembristas, e Clara Belloni, pelos cartistas. Entre os últimos estava Camilo, que se destacou pela participação ativa nos vários confrontos através de críticas no Jornal do Porto, em folhetins humorísticos e em brigas nos cafés.
Nos Serões de S. Miguel, Camilo rememora o jantar de homenagem a Dabedeille decorrido na Estalagem da Ponte da Pedra. Presentes, numa sala ao lado, estavam Camilo e Aloysio Ferreira a comer enguias de caldeirada com colorau. Quando se ouvem as felicitações em honra de Dabedeille, Camilo e Aloysio decidem brindar a favor de Belloni, tendo o banquete descambado em rixa”.
Cortesia de Elzira Sá Queiroga (2015)
(Mestrado em Estudos do Património – Universidade Aberta)




Estalagem da Ponte da Pedra em 1889





A propósito da cena narrada acima, resultou que Camilo e o amigo tiveram de bater em retirada, pois os “inimigos” eram muitos.
Como escreveu Camilo: “Aloísio retirava ferido pela ponta de um estoque de bengala; eu que entrara resoluto a morrer, inutilizado o copo na cabeça do mais cobarde, cruzei os braços esperando a morte numa atitude romana.”


No Real Teatro de São João, lugar onde inaugurou, com o seu famoso e infame cornetim de lata, um novo tipo de pateada, na contenda que em 1849 opôs os partidários de Clara Belloni e os defensores de Adèle Dabedeille, duas primas donas de então, Camilo viu e ouviu repetidas vezes as diversas óperas.
As citadas pateadas haveriam de conduzir à demissão, por decreto de 6 de Fevereiro de 1849, do administrador do 1º Bairro, Adriano Ferreira Pinto Basto.
 
“ (…) quasi que geralmente, de cumplicidade nestas cenas desagradáveis, mas não novas, que tiveram lugar no teatro de S. João. Vira-se ali brilhar o ferro na mão do sicário, o sr. Adriano. O governo demitiu o sr. Adriano, e o sr. Adriano era interessado na empresa, e ao mesmo tempo a autoridade que devia conhecer dos seus desvarios, e manter o sossego no teatro”.
In jornal “A Pátria” de 19 de Fevereiro de 1849
 
 
 
 
Retrato de Adélia Dabedeille
 
 
Adèle Dabedeille faria o seu "début" no Real Teatro de S. João, na ópera de Marino Faliero, de Gaetano Donizetti (1797-1848), cujo falecimento, no ano anterior, comovera todos os amantes da ópera.
Camilo faria, ainda, um elogio público a Clara Belloni, no jornal Eco Popular.



«Tenham paciência os nossos antagonistas do teatro, mas a sr.ª Beloni acaba de receber os mais frenéticos aplausos, como a mais justa prova do seu merecimento, e não dos nossos caprichos. A melodiosa cantora cercada de ramos e coroas já pode sorrir para os seus motejadores porque o triunfo a tem posto tão alta como a estátua de Washington, onde os rapazes não chegam com a pedrada.
Cantou deliciosamente, arrebatou os mesmos que a depreciam, e parece-nos que catequisou muitos “trabalhadores” para o seu partido. O cronista está com as mãos de molho, porque as fez em pedaços, e em lhe caindo as mãos há - de bater com os cotos».
Saragoçano (Camilo Castelo Branco), In Eco Popular, de 17 de Fevereiro de 1849



Num outro episódio, Camilo mete na ordem um jornalista.


“Em 23 de janeiro de 1851, Camilo Castelo Branco agride, à mocada, no corredor do Teatro S. João, o jornalista Novais Vieira (o Novais dos óculos), por este ter publicado no jornal “A Pátria” um artigo em que lhe chamava Lombrigas (pseudónimo de Camilo, mas precedido de Anastácio das…) onde insinuava que o escritor tomara uma certa atitude porque “a falsa sóror já não pinga tanto” (referindo-se ao pseudónimo “sóror Dolores” da poetiza D. Maria Adelaide Brown) e porque “a verdadeira sóror só pinga alguns docitos”, referindo-se à freira D. Isabel Vaz Mourão, que no Convento de Ave-Maria protegia Bernardina Amélia, filha de Camilo e Patrícia Emília.”
Fonte: “PortoDesaparecido”




Passado pouco tempo sobre a cena acabada de narrar, enchia o palco com as suas actuações sempre muito aplaudidas, a actriz Emília das Neves.



In “Periódico dos Pobres do Porto”



O aspecto da zona da Praça da Batalha, em noites de espectáculo era de autêntica feira.

“Nas noites de espectáculo a concorrência na Batalha e ruas próximas era sensível e até nos tempos antigos era assinalada pela venda de doces e rebuçados como nos arraiais. A formatura dos trens, o alinhamento das seges, a série de carroções com os bois deitados no chão, a fileira das cadeirinhas, guardadas apenas por algum dos galegos vigilantes, e o agrupamento dos lampiões, defendidos pelos criados menos dormentes, isto em volta do teatro, pareciam um acampamento!”
Cortesia de Rui Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In O Tripeiro, Volume V (1926)


Carroção


As idas ao Real Teatro de S. João, um acontecimento periódico que abrangia, nalguns casos, famílias inteiras, foram-nos descritas, entre outros, primorosamente, por Ramalho Ortigão.


“O meio de transporte habitual das famílias, para o Teatro de S. João, para os bailes, para as romarias, era o famoso carroção, veículo de 4 rodas da forma de um prédio, com duas fachadas laterais de cinco janelas cada uma, e porta ao fundo, a que o passageiro subia por quatro degraus de escada guarnecida por um corrimão. Uma junta de alentados bois de Barroso puxava pelo "monumento”.
“Havia famílias enormes que não cabiam em duas salas e que se acomodavam num carroção. No Inverno, uma dessas ingentes moles chegava à porta do Teatro S. João. A portinhola abria-se, havia uma escada com corrimão para descer; o carroção começava a despejar senhoras. O pátio do Teatro enchia-se e o carroção continuava sempre a deitar gente. Pasmava-se que ele pudesse conter tantas pessoas, ia-se olhar e encontrava-se ainda, lá dentro, no escuro, a mexer-se e a preparar-se para sair, tanta gente como a que estava fora”.

Uma outra perspectiva duma ida ao teatro é-nos dada no texto que se segue.


“Não era sem certos cuidados que algumas famílias se dispunham a ir ao teatro. A mãe dá ordem à criada que faça a ceia; o pai diz ao galego que ponha duas velas de cêbo no lampião de folha. Apenas o jantar (almoço) terminou e o último palito fez a limpeza dentária, vai a família dormir a sesta, porque tem de perder a noite. À hora própria lá segue a família para o teatro, porque é bom ir cedo e sem fadiga. O chefe de família leva duas pistolas no bolso para o que der e vier; atrás, a criada com o merendeiro, os frangos assados, a vitela, as azeitonas, a pingoleta etc. Chegam as damas ao camarote, estendem as mantilhas de lapim para fora da borda e colocam-nas cuidadosamente nuns arcaicos lanceiros de pau que havia nos camarotes; ao fundo a criada senta-se junto ao cesto da ceia. Os espectadores começam a encher o teatro e o Aniceto vem distribuir pelas estantes da orquestra os diversos papéis da partitura; trabalho que faz pacificamente, excepto se algum frequentador das varandas lhe grita de lá; - Oh Clemente, quebraste a infusa! – porque então o homem perde a cabeça, troca os papeis e dá por paus e pedras.
Os janotas cumprem a sua elegante missão de conquistadores; as damas choram ou sorriem, como as situações da peça o exigem; à hora própria, aproveitam-se os intervalos para a ceia e tudo corre no melhor dos mundos, se os artistas não desafinam e se as tormentas teatrais não provocam as pateadas.
Que velhos costumes e clássicos hábitos da velha sociedade que dormia a sesta e ia cear ao teatro!”
Cortesia de Rui Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In O Tripeiro, Volume V


Quem nos descreve uma entrada no Real Teatro S. João, é Júlio César Machado, na obra “Scenas da Minha Terra”, durante uma sua visita à cidade em 1861:






Aquele jornalista, tradutor, autor de romances, contos e peças de teatro, que se salientou, sobretudo, como folhetinista e cronista, na mesma obra e durante a mesma visita àquele teatro, escrevia sobre a movimentação das portuenses no final do espectáculo:





Certo dia, depois de acontecidos alguns desacatos e pateada, a polícia proibiu a entrada de bengalas ou qualquer outro objecto perigoso.


“Os beligerantes, ao terem conhecimento da “ordem superior”, não se intimidaram, antes pelo contrário, nessa noite era de ver como, todos humildes, iam fazer a entrega das suas badines no bengaleiro respectivo. O governador civil rejubilava por ver como as suas determinações eram rigorosamente cumpridas; mas o que ele não sabia era que a cada bengala depositada correspondia um cabo de vassoura, a que previamente de cortara a rama de piaçaba, insidiosamente enfiado pelo colete abaixo duma grande parte daqueles tão submissos quão resignados cumpridores da lei. Escusado será dizer que, nessa noite, no teatro S. João não caiu Tróia, isso não; mas o espectador incauto ou desprevenido veio de lá escorraçado a rabo de vassoura, como qualquer intrometido fraldiqueiro”. Cortesia de Rui Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In “O Tripeiro”, Volume 2, 1/7/1909


Cartaz anunciando a ópera ZÁZÁ de Ruggero Leoncavallo, em Novembro de 1907, cinco meses antes do incêndio que destruiu o Real Teatro S. João – Cortesia de Rui Cunha


(Continua)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

25.76 Cenas de palco e o centenário do Teatro Nacional de S. João - (Actualização em 27/11/2020)


Em 22 de Janeiro de 2020, comemora-se o centenário do Teatro Nacional S. João.
Tudo teve o seu início, há cerca de 250 anos, quando o teatro, o circo ou os espectáculos de rua, quer declamados quer musicais, eram o entretenimento das diversas classes sociais.
No que respeita ao teatro, começou na cidade no solar do Conde de Miranda que, foi depois, dos Duques de Lafões, ao Largo do Corpo da Guarda (para as bandas da Sé). Os espectáculos aí levados à cena, contavam com o incentivo do corregedor João Almada, que era quem punha e dispunha na cidade naqueles tempos.
Na inauguração deste primeiro teatro da cidade, em 1760, subiram ao palco os intérpretes de uma ópera lírica, destinada a homenagear o casamento de D. Maria I com D. Pedro, chamado de “O Capacidónio” e tio daquela. Este teatro foi desenhado por João Glama Stroeberle.
O 1º duque de Lafões, segundo o historiador Horácio Marçal, era filho de um filho ilegítimo de D. Pedro II e de uma cidadã francesa de seu nome Ana de Vergé, que aquele perfilhou, nascido em 10/1/1718 e falecido em 1761.



Solar dos Duques de Lafões, no Largo do Corpo da Guarda


Antigo solar dos Duques de Lafões, sendo vísivel a tabuleta de publicidade à fábrica de artigos em couro, de Joaquim José Ribeiro sucs





Largo do Corpo da Guarda e solar dos Duques de Lafões (ambos desaparecidos), na planta de Telles Ferreira de 1892



Na planta acima, o Solar dos Duques de Lafões está envolvido por uma elipse a preto, e a área delimitada a roxo foi toda demolida para abertura da Avenida da Ponte (Avenida D. Afonso Henriques) no fim da década de 1940.



As demolições a decorrer no Largo do Corpo da Guarda, na década de 1940




Perspectiva do local de implantação do solar do Duques de Lafões que, hoje, se estenderia pela Avenida D. Afonso Henriques – Fonte: Google maps



Largo do Corpo da Guarda, em 1950. A meio da foto, a Rua Chã



No Largo do Corpo da Guarda, numa estrebaria adaptada com um tablado, a sala de espectáculos, haveria de realizar-se, a partir de 1760,  as primeiras representações teatrais.
Em aniversário real, era certo que subia à cena uma peça para homenagear o aniversariante.


“Em 28 de Fevereiro de 1797 realizou-se o último espectáculo neste teatro. A sala teve depois destino pouco nobre: foi sucessivamente quartel de guardas de segurança pública, quartel de guarda barreiras e depósito de “calcetas” ou vadios coagidos pelas autoridades a trabalhos de pavimentação de ruas e caminhos, levando corrente amarrada à cinta e artelho do pé direito para não fugirem.”
Fonte: Rebelo Bonito em O Tripeiro Série VI, Ano III; Cortesia de Rui Cunha


Luísa Todi e a cidade do Porto

 

Luísa Joaquina de Aguiar nasceu a 9 de Janeiro de 1753, em Setúbal, filha de um professor de música e instrumentista e de uma senhora com raízes por bastardia na aristocracia.


Casa onde nasceu Luísa Todi, na Rua da Brasileira


Desde muito nova ficou extasiada perante a música, o que a levou a receber lições de técnica vocal, tendo como professor David Perez, mestre da Capela Real.
No ano de 1768, casa com Francisco Todi, viúvo, músico de origem italiana, rabequista da orquestra do Teatrinho do Bairro Alto e que influenciará decisivamente a sua carreira.
Em 1769, um ano após o casamento, actua no palácio do Conde de Soure.
Cantará depois no Porto entre 1772 e 1775 e não sendo uma portuense, Luísa Todi passará a ter a sua vida familiar muito ligada ao Porto.
Em 30 de Abril de 1772, era registado num assento de baptismo, pelo abade da Sé do Porto, um menino de nome João, filho de Saverio Todi e de Luiza Todi, moradores na Rua Senhora de Agosto, tendo sido padrinhos João de Almada e Melo e a sua mulher Ana Joaquina de Alencastro, moradores no Corpo da Guarda.
A morada dos padrinhos seria, como é óbvio, o palácio dos Duques de Lafões.
Em 4 de Setembro de 1773, novo assentamento de baptismo era feito visando a menina Ana, filha de Francisco Xavier Todi e de Luiza Todi, moradores na Rua Senhora de Agosto.
Luísa Todi virá a ter mais quatro filhos nascidos em outras partes da Europa.
No dia 6 de Junho de 1772, dois meses após o nascimento de João, Luísa Todi actuava no palco do Teatro do Corpo da Guarda, espectáculo do qual o libreto respectivo dá conta:

 

“-Demofoonte. Drama para música para se representar no Teatro da muito ilustre cidade do Porto, no felicíssimo dia natalício do Fidelíssimo Monarca D. José I, Rei de Portugal e dos Algarves…, no dia 6 de Junho de 1772. Dedicado à Ilmª e Exmª Senhora D. Ana Joaquina de Lencastre.”

 

Sendo os intérpretes da obra musical, apresentada naquele dia, todos de nacionalidade italiana, apenas Luísa Todi, no papel de Dircea, nos seus 19 anos, tinha a nacionalidade portuguesa.
Entre 1778 e 1779, actua em Paris, onde a carreira artística começa a tornar-se brilhante.
A Europa rendida à sua voz e ao seu talento, gaba-lhe as “performances”.
Contratada para o Teatro de Turim, Luísa seguirá daí, para a Rússia, chegando a S. Petersburgo em Maio de 1784, chamada por Catarina II.
Luiza Todi acompanha a corte para o Ermitage, passando a receber joias de grande valor oferecidas pelo czar e pela czarina.
Em Dezembro de 1787, assina uma escritura de três anos para estar ao serviço de Frederico Guilherme II da Prússia. Durante esse período actua noutras cidades alemãs e faz algumas actuações em Paris.
Regressada a Paris participa, nas vésperas da revolução de 1789, num concerto com a presença de Maria Antonieta.
Emocionada, a monarca oferece-lhe um anel com o seu retrato. Os dramáticos acontecimentos, entretanto, ocorridos em França, obrigam-na a partir e actuar em Veneza, Nápoles e Pádua, com uma passagem por Berlim, onde conhece Beethoven, que daria um concerto privativo em sua honra.
Depois de breves passagens por Portugal, na última década de 1790, a guerra civil em Nápoles provoca a fuga de Luísa Todi, que embarca em Fevereiro de 1800, para Portugal.
A qualidade excepcional da sua voz (contralto), da sua representação, da sua intensidade, tornou-a uma diva, convidada e adorada por monarcas, casos de Catarina da Rússia e Maria Antonieta e de imperadores, como Frederico II da Prússia.





Regressada definitivamente a Portugal, em 1800, fixa a sua residência no Porto onde, em 28 de Abril de 1803, assistirá ao falecimento de Francisco Todi, numa casa da Rua do Almada.
Em 1809, Luísa Todi é testemunha das invasões das tropas francesas e do ataque à cidade do Porto que protagonizaram e, em 1811, Luísa Todi fixa-se em Lisboa, no Bairro Alto, na companhia das duas filhas, na Travessa da Estrela, à data, nº 2.
A morte leva-a aos 80 anos, a 1 de Outubro de 1833, após, por volta de 1822, ter cegado, completamente.
No seu testamento figuravam uma quantidade apreciável de magníficas joias, pelo que, deverá ser lenda, o facto de tudo ter perdido, nas águas do Rio Douro, durante a fuga, num barquito, aos franceses invasores.
É sepultada num anexo da Igreja da Encarnação, local que, devido a um profundo arranjo urbanístico, foi transformado, mais tarde, em chapelaria e loja de velas, na Rua do Alecrim, 76-78.
Hoje, é o antiquário António Costa, propriedade de João Miguel Teixeira.

 

 

“Nos últimos anos, Luiza Todi foi homenageada com uma peça de teatro sobre a sua vida, intitulada “Eu Sou Luiza Todi”, escrita por Margarida Lisboa para o Teatro Experimental de Cascais, o que constituiu um momento muito expressivo. Um livro-álbum e um CD biográficos (o primeiro escrito por Mário Moreau, e o segundo lido por Carmen Dolores), foram outros eventos marcantes. Um abaixo-assinado com sete mil nomes foi, entregue ao ex-Presidente da República Jorge Sampaio para a promoção de uma homenagem nacional – que incluía a trasladação dos restos mortais da cantora da Igreja da Encarnação, em Lisboa, para um monumento condigno com a sua grandeza.
A Câmara Municipal de Setúbal adquiriu, entretanto, a casa onde a cantora nasceu e viveu um largo tempo. Trata-se de um imóvel setecentista situado no popular bairro da Fonte Nova. A velha edificação com três andares encontra-se, porém, degradada e devoluta. O município tem o objectivo de recuperar esse prédio e instalar nele a Casa-Museu Luiza Todi. A bisneta da cantora, Maria Manuela Jordão, legou recentemente um vasto acervo de móveis, porcelanas, imagens religiosas, livros, bronzes e marfins que, segundo tradição familiar, pertenceram a Luiza Todi.”
Cortesia de António Brás (Historiador)

 

 

 

Com o rio Tejo, lá longe, à esquerda, no rés-do-chão do edifício, em primeiro plano, encontram-se os restos mortais de Luísa Todi – Fonte: Google maps



Real Teatro S. João


Francisco Almada, que sucedeu a seu pai no governo da cidade, haveria de dar continuidade, também, à arte cénica, no Porto, incrementando a construção, bem perto dali, do Teatro S. João, com um projecto aprovado pelo governo, e um capital reunido entre comerciantes e capitalistas da cidade, até Abril de 1796. Um capital (31.000$000 reis) subscrito em 313 acções, o que permitiu avançar com o empreendimento.
Entretanto, em 13 de Maio de 1798, dia do aniversário do Príncipe D. João, foi inaugurado o novo teatro da autoria do arquitecto Vicente Mazzoneschi, o “Real Teatro S. João”, chamando-se, inicialmente, Theatro do Príncipe em honra do futuro D. João VI.
Para que fosse possível a sua construção foi destruído um grande pano da Muralha Fernandina, cuja pedra serviu para fazer as suas paredes e também as da Casa Pia.
O escudo real que esteve na sua frontaria encontra-se nos terrenos do Museu Nacional Soares dos Reis.
Até 1809, apresentou peças ligeiras e variadas, acontecendo a primeira temporada de teatro musicado em 1809, com uma zarzuela. A primeira ópera só lá foi apresentada na temporada 1814/1815.
Durante o cerco do Porto, foi bastante danificado pela artilharia Miguelista pelo que teve de sofrer grandes obras entre 1835 e 1838.



Real Teatro S. João em 1905 (postal) – Ed. Tabacaria Arnaldo Soares



Interior do Real Teatro S. João, antes do incêndio – Foto Guedes



A planta do teatro era em forma de ferradura com o tecto, redondo, pintado por Joaquim Rafael, com uma nova pintura de Paulo Pizzi em 1856.
Tinha quatro níveis de camarotes e no 2º possuía uma sala para concertos.
O pano de palco foi pintado por Sequeira, sendo substituído em 1825, por um do espanhol João Rodrigues a que sucedeu um outro de Palucci.
A iluminação até 1838, foi de velas de sebo e, mais tarde, de azeite.
Na noite de 11 para o dia 12 de Abril de 1908, um violento incêndio reduziu o Real Teatro S. João a escombros.



Real Teatro S. João após o incêndio



(Continua)