sábado, 14 de novembro de 2020

25.103 A Cozinha Francesa na cidade do Porto

 
Com a idade de 8 anos, o francês Léon Prudhomme abandona Paris, na companhia dos seus pais, e aporta a Lisboa.
O chefe de família, Louis Eugène Prudhomme, que era concessionário da mala-posta, escolheu este meio de transporte para fazer a longa viagem, instalando-se na casa de um cunhado, em Lisboa, onde este tinha um armazém de víveres e salsicharia.
Cedo, Léon Prudhomme ficaria órfão de pai, que sucumbiria a uma febre tifóide, o que levou sua mãe, Marie Geneviève Badon, a mudar-se para a cidade do Porto, onde abriu, na Rua de Santo António, nº 186, uma pastelaria, estabelecimento como à época se apelidavam os que vendiam artigos de mercearia fina, actualmente chamados, de estabelecimentos “gourmet”.
Naquela morada, funcionaria a confeitaria da “Viúva Prudhomme” onde, mais tarde, esteve um outro estabelecimento famoso, de perfumaria e flores artificiais – “Au Printemps”- de Artur de Vasconcelos & Filhos.
Em 1877, o estabelecimento da “Viúva Prudhomme”, chamava-se “Salsicharia Francesa”, como se pode observar na publicidade inserida no “Guia do Viajante na cidade do Porto e dos seus arrabaldes” de Alberto Pimentel.


 


 
 
 
 
Projecto de alteração de fachada do prédio da chapelaria Costa Braga & Filhos e da casa “Au Printemps”, em 1919, na Rua de Santo António, 186 - 196



Na área ocupada, actualmente, pela loja com a sua montra envidraçada, esteve a primitiva “Salsicharia Franceza” – Fonte Google maps

 
 
 
Curioso e elucidativo é o comentário de Alberto Guimarães, abaixo expresso, sobre a afamada casa “Au Printemps”, da Rua de Santo António, inserto no blogue “portoarc.blogspot.com/”, do qual é administrador, Rui Cunha:
 
 
 
“Boa tarde!
Nasci nesta freguesia, mais precisamente na casa nº 12 do Passeio de S. Lázaro.
Meu pai nasceu na casa ao lado (nº 9).
Minha mãe nasceu na Rua de Santo António.
Todos os três fomos baptizados na igreja de Santo Ildefonso.
Meu avô materno era proprietário da casa "Au Printemps", fundada por sua mãe e minha bisavó, que era francesa, na Rua de Santo António, em cujos pisos superiores residia e onde nasceu minha mãe.
Seu irmão, o Tio Camilo Conseil de Vasconcelos foi, durante muitos anos, proprietário da "Tabacaria Africana".
O irmão de minha mãe foi fundador do "Mercado Filatélico", instalado no 1º andar da casa "Au Printemps".
Grande abraço tripeiro!”
Alberto Guimarães
 
 
Com Léon Prudhomme, já ao comando dos destinos do negócio, atendendo ao aumento de clientela e ao manancial de conhecimentos que foi adquirindo no âmbito da confecção do boudin (enchido típico da culinária francesa), da mortadela, do salame, do fiambre e da salsicharia em geral, aliado ao manuseamento sem problemas da cozinha francesa, foi decidido abrir, em 1877, um novo estabelecimento do género, na mesma rua, no nº 163, em frente ao prédio onde esteve, durante décadas, o "Depósito da Fábrica de Papéis Pintados" de António Cardoso da Rocha, e com o nome que “Léon Prudhomme” lhe emprestava.
A actividade comercial do empreendimento subiria a pique.
O local tornar-se-ia, na cidade, um ponto de reunião e de tertúlia, a exemplo da livraria Moré e da Farmácia Amorim, mais conhecida por “Club Rigollot”.
Entre as personalidades ligadas à “Casa Prudhomme”, contavam-se Alexandre Herculano, como fornecedor de produtos originários da sua quinta de Vale de Lobos e Camilo Castelo Branco, como consumidor, situações explicitadas no texto seguinte:

 
 
Amadeu Sales, In “O Tripeiro” nº 3, V série, Ano X
 
 

Em 26 de Junho de 1901, o jornal “A Voz Pública” (pág.3) anunciava que a “Casa Prudhomme”, na Rua de Santo António, 120-124, era o depósito da Farinha Nestlé, com uma lata a ter o preço de 460 réis.
Com o passar dos anos e com a idade a avançar, Léon Eugène Prudhomme que todos os dias acompanhado por um criado fazia o percurso, a pé, desde da sua residência na Rua Duque de Loulé, até à loja, para trocar dois dedos de conversa com os clientes, acabaria por ir entregando o negócio a um seu empregado, de seu nome, Vieira de Carvalho, com quem fez sociedade, a “L. Prudhomme & Cia”.
Vieira de Carvalho, oriundo de Braga, começaria por exercer na “Confeitaria Conceição”, na Rua de Santa Catarina, ingressando como caixeiro na “Casa Prudhomme”, em 1890.
Vieira Carvalho alcançaria a plena propriedade do estabelecimento em Novembro de 1921, após o falecimento do fundador, em Maio desse ano, quando a sociedade “L. Prudhomme & Cia” caducou.
Desde essa data e sob a designação de “Casa Prudhomme”, sucessor de “L. Prudhomme & Cia”, manter-se-ia de portas abertas até 15 de Abril de 1945.
No texto que se segue, publicado na revista “O Tripeiro”, na rubrica “Que deseja saber acerca do Porto” um leitor que conheceu a “Casa Prudhomme”, faz uma exaustiva descrição da mesma.


 
 


 
 
Como curiosidade e atinente à Rua de Santo António, em 1864, por lá existiam sete luveiros, Bernard & Romain, Fresquet, Loubière, Martel, Bérard, Vicente & Sanchez e D. Maria Martins.
A afamada Madame Bonifácia, luveira de muitos créditos ocupava, cerca de 15 anos, mais tarde, uma loja de sucesso, quase na esquina com a Rua de Santa Catarina.
Na mesma rua, exerciam a actividade as modistas, Madame Bouhard e Suère, os alfaiates, Baquet e Bouard, os chapeleiros, G. Casalini e Madame Galiano e o cabeleireiro, H. Beauvais.
Guichard Printemps ocupava-se da sua sapataria e V. Buisson da perfumaria e comercializava outros objectos de luxo.
Os dentistas Rouffe e Piriac, atendiam os clientes nos seus consultórios da rua da moda.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

25.102 Uma farmácia da Foz do Douro que ficou célebre

 
Era comum, na 2ª metade do século XIX, os portuenses juntarem-se em cavaqueira principalmente nos botequins e cafés. Muitos deles ficaram célebres.
Algumas livrarias, como a “Moré” ou farmácias, as antigas boticas, como a do Largo do Padrão ou a “Lemos”, do Largo do Carmo (ainda existentes) foram também locais de eleição para a troca de ideias. Mas, entre estas últimas, uma outra se destacava das restantes. Foi a Farmácia Amorim, de Francisco José de Amorim, natural de Braga.
Esta personagem viveu algum tempo em França e na Ilha da Madeira e, depois, radicou-se na Foz do Douro. Abriu a farmácia em finais do século XIX, nos n.os 34-35 da Esplanada do Castelo, na Foz do Douro, tendo encerrado nas primeiras décadas do século XX.
Tinha um ajudante de apelido Pereira.
 
 
 
Entre o Hotel da Boa Vista (visível à direita) e a Rua da Cerca no nºs 34 e 35 (assinalada por um ponto preto) ficava a Farmácia Amorim – Planta de Telles Ferreira de 1892


 
Esplanada do Castelo, c. 1930. O Club Rigollot, situava-se um pouco para a direita, fora do enquadramento da foto
 
 
 
 
Ficou a farmácia, para a posteridade, mais conhecida como o Club Rigollot, tão expressiva era a sua tertúlia.
O nome, segundo alguns, ter-lhe-ia sido atribuído em homenagem à memória de um benemérito, João Paulo Rigollot, aperfeiçoador dos sinapismos outrora usados.
Porém, desde de sempre a origem da denominação era, para muitos, a de “Rigolo”, significando alegria.
De um modo ou de outro, aqui, desde o fim da tarde até por vezes noite adentro, se reunia vasto número de personalidades em amena cavaqueira de assuntos muito diversos, porém tentando evitar a conversa sobre política partidária.
Por esta sociedade intelectual, que se tornou famosa por toda a cidade, passaram vários vultos da política, das letras, das ciências, antigos ministros, governadores civis, professores, juízes, banqueiros, etc., no mais ameno convívio, em conversa tolerante e variada.
De entre as várias personalidades que compunham o grupo, destacou-se o barão de Paçô Vieira, muito referenciado em várias iniciativas da Foz desse tempo e que vivia na Rua do Passeio Alegre, numa casa que ainda hoje existe, na esquina com a rua de acesso à Igreja da Foz (lado esquerdo) e que exerceu o cargo de presidente do clube.
Em Dezembro de 1952, o brigadeiro Nunes da Ponte escreveu na revista O Tripeiro, V série, que nenhum dos sócios do Clube Rigollot pertencia "ao número dos vivos".
Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) descreve-nos, no texto seguinte, algumas das personalidades que passaram pelo clube.
 
 
 
“Por aqui se encontravam:
-Barão de Paçô Vieira, José Joaquim de Sousa Barreiros Coelho Vieira Júnior (Guimarães, 16/8/1825 - Guimarães, Casa de Paçô Vieira, 2/3/1906), formado em Direito (1851), delegado do Procurador Régio, auditor do Exército (1864), governador civil de Braga (15/2/1865), vice-presidente e posteriormente presidente do Tribunal da Relação do Porto (1894 e 1896 respectivamente), juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (1901), deputado em várias legislaturas, pai do conde de Paçô-Vieira (1.º) e do visconde de Guilhomil. Título de 11/7/1868, por D. Luís I;
-Francisco Ramalho Ortigão (sobrinho de Ramalho Ortigão), comerciante que dirigiu a casa comercial Ramalho Ortigão & Filho, chegou a montar nos jardins da sua residência, à Rua Alto da Vila, uma fábrica de tapetes, excelente cavaleiro e amador de equipagens, foi um dos organizadores do antigo Centro Hípico do Porto, Cônsul do Panamá, a quem chamavam Rof porque, na sua mocidade, fez jornalismo assinando-se R.O.F., pai de Francisco Veiga Ramalho Ortigão, passava temporadas na Foz;
-Engenheiro Barros Araújo;
-José Diogo Arroio (Porto, Rua Formosa, 23/7/1854 - Porto, Foz, 16/11/1925), doutor em filosofia pela Universidade de Coimbra, lente da cadeira de Zoologia e de Química Inorgânica (durante 44 anos) e director interino da Academia Politécnica do Porto, professor de Química Geral e Análise Química do Instituto Comercial e Industrial do Porto, director da Faculdade de Ciências do Porto durante 7 anos, jornalista e um dos fundadores do Jornal de Notícias, político, deputado, Conselheiro de Estado e notável pianista, primeiro director do Teatro Nacional de S. João;
-Adriano Bandeira;
-João José Vaz da Gama Barata (oficial superior do Exército);
-Dr. António Brandão Pereira (nasceu em Braga);
José Alves Bonifácio (Viana do Castelo, freguesia de Castelo de Neiva, 22/1/1860 - 1943), professor do Liceu Central do Porto e da Academia Politécnica, vereador da Câmara Municipal do Porto, viveu na Rua do Gama, na Foz do Douro;
-José Maria Rodrigues de Carvalho (Braga, 2/4/1829 - Paris, 31/7/1908), juiz conselheiro, deputado em várias legislaturas, nomeado par do Reino e que presidiu à Câmara Alta;
-António Marinho Falcão de Castro;
-Domingos Correia (coronel);
-Pedro Maria Pinto Leite da Fonseca (1868-1930), caricaturista e autor do álbum de caricaturas Glórias da Foz e do Clube Rigollot, cantor amador;
Manuel Ribeiro Rodrigues Forbes;
-António Granjo (Chaves, 27/12/1881 - Lisboa, 19/10/1921), assassinado na Noite Sangrenta, advogado, político, presidente da Câmara Municipal de Chaves (de Fevereiro a Julho de 1919), fundador do Partido Republicano Liberal, ministro da justiça no governo de coligação de Domingos Pereira (entre 30 de Março a 30 de Junho de 1919 e de novo entre 15 e 21 de Janeiro de 1920), presidente do conselho de ministros (entre 19 de Julho e 20 de Novembro de 1920, num governo liberal, e de novo entre 30 de Agosto e 19 de Outubro de 1921), maçom;
-Manuel Granjo (professor do Liceu);
-Henrique Carlos de Meireles Kendall (Porto, Santo Ildefonso 11/5/1839 - Porto, Foz do Douro 15/9/1917), morador na Rua do Rosário, n.º 112 em Miragaia, comerciante da praça do Porto, jornalista, banqueiro, accionista do Banco Mercantil de Viana do Castelo (com 100 acções), presidente do conselho administrativo da Companhia das Docas e Caminhos de Ferro Peninsulares, fundador e gerente da companhia de navegação Progresso Marítimo Portuense, deputado eleito pelo Porto na legislatura de 1906, membro da comissão organizadora das festas que se realizaram no Porto em Abril de 1904, comemorando o centenário do infante D. Henrique, vogal efectivo no Tribunal do Contencioso Fiscal (junto à alfândega do Porto), membro da comissão de exame de contas da Associação Comercial do Porto em 1870, director em 1882 e presidente da Associação Comercial do Porto em 1894 e 1895 (no último ano, não exerceu o cargo até ao fim), vice-presidente da Real Companhia Hortícola, membro do conselho fiscal do Banco Comercial do Porto e da Companhia de Fiação de Sal­gueiros, tesoureiro e membro da direcção da Associação das Creches de S. Vicente de Paulo, cultor das belas-artes e amador de música muito considerado, tendo tomado parte em alguns concertos de caridade, a que nunca recusou o seu valioso auxilio, escritor e memorialista, pai de onze filhos, em cuja casa se lançaram as bases do Orpheon Portuense, tendo sido a Rua D. Carlos I - depois Rua José Falcão - por ele aberta em finais da década de 1880, um dos maiores e mais assíduos animadores deste clube Rigollot;
-Artur César Veiga de Lacerda, Director da Companhia Aliança, director do Clube da Foz;
-Vitorino Tei­xeira Laranjeira (Amarante, S. Gonçalo, 21/3/1855 - 1934), bacharel pela Faculdade de Matemática da Uni­versidade de Coimbra, engenheiro militar que supervisionou o estudo e a construção da linha férrea do Douro, na etapa do Pocinho a Barca d’Alva, fez parte do Conselho Superior da Instrução Pública, admi­nistrador da Companhia das Docas e da Companhia dos Caminhos de Ferro Peninsulares e presidente da Comissão da Cultura do Tabaco do Douro, professor da Academia Politécnica (cadeira de Construções Civis - Vias de Comunicação), do Instituto Industrial e Comercial, e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, vice-reitor e reitor da Universidade do Porto, general graduado, escritor e poeta humorístico;
-Ernesto Teixeira de Lencastre, coronel-médico, durante muitos anos director do Hospital Militar D. Pedro V, à Boavista;
José da Cunha Lima, Capitão de Mar e Guerra, falecido Almirante, impul­sionador da construção dos courts de ténis da Foz, ainda hoje existentes;
António Pinto de Queirós Montenegro (nascido no Marco de Canaveses, Casa do Casal, 28/11/1846), morador na Foz, empreiteiro do caminho de ferro;
-Alberto Pais, coronel, conspirador no 13 de Dezembro, adido militar em Madrid e irmão de Sidónio Pais, aluno de Manuel Granjo, que o chumbou em Alemão impedindo-o assim de in­gressar no curso de Estado-Maior (em pleno Clube Rigollot, Pais foi desagravar-se, mas, como Granjo lhe respondesse desabridamente, Pais desferiu-lhe uma chapada e envolveram-se em contenda, que os de­mais sócios, e em particular Montenegro, tudo fizeram para acalmar; Granjo quis intentar uma acção ju­dicial contra Pais, mas como não conseguisse alguém que tivesse visto algo, acabou por desistir e tudo foi esquecido mais tarde);
Cândido Augusto Correia de Pinho, médico, professor da Escola Médico-Cirúrgica do Porto (1890), durante algum tempo presidente da Câmara Municipal do Porto, 2.º reitor da Universidade do Porto (1918-1919); José Nunes da Ponte (Açores, Ribeira Grande, 20/5/1848 - Porto, 5/9/1924), poeta que publicou, ainda nos tempos de estudante em Coimbra, a obra Ondulações, que Camilo refere no Cancioneiro Alegre, amigo de António de Macedo Papança (conde de Monsaraz), médico pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1879, segundo governador civil republicano do Porto (entre 31/5/1911 e 20/9/1911), vereador e presidente da Câmara Municipal do Porto; membro do Partido Republicano Portu­guês e depois do Partido Unionista, deputado e ministro do Fomento durante o governo de Pimenta de Castro (1915), da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, vice-provedor da Misericórdia, provedor da Ordem de S. Francisco;
-Francisco Eduardo Leite da Silva, médico conhecido como o Leite das Moças;
-Jorge Pinto da Silva (cônsul da Bélgica);
-Joaquim Ferreira da Silva, ferrenho anglófilo; Sousa Vieira (médico analista)”
 
 
Na revista “O Tripeiro”, nº 103, da 1ª Série, ano 3, de 1 de Fevereiro de 1913, alguém que assinava com o pseudónimo de “Fígaro”, em resposta a anterior artigo inserto no número antecedente, assinado por alguém que assinava como “Velho Tripeiro”, explicava que o farmacêutico Amorim não era bem de Braga, mas mais importante, explicava que o clube se chamava na realidade “Rigolo”, que reportava a divertimento.
Estávamos, assim, perante duas palavras homófonas.
A seguir se dá conta de um pequeno trecho do artigo de alguém que se identificava como “Fígaro”, e já atrás mencionado:




 
 

No mesmo número da revista “O Tripeiro”, alguém que assinava como “Um Tripeiro de Meia Edade” (sic), informava que o Club Rigollot tinha tido origem num chamado “Club Theológico”.

 
 

 
 
 
 
Aliás, no que à Foz do Douro diz respeito, nesses tempos, há conhecimento da existência de mais alguns clubes ou tertúlias, antes do final do século XIX, embora de naturezas muito diferentes.
O mais proeminente e, provavelmente, o mais lendário, chamava-se “Club Rigollot” e tinha nascido de uma tertúlia de intelectuais que se reuniam na “Farmácia Amorim”.
Teria sucedido, ao que alguns identificam, ao “Clube Theológico”.


 
A meio da foto, para a esquerda do Hotel da Boa Vista, ficava o Clube Rigollot
 
 
 
Um outro clube situava-se na Rua dos Banhos Quentes, actual Rua Coronel Raul Peres que, pelo local, é provavelmente o mesmo que Ramalho identifica como “Assembleia do Allen”, onde nasceu a primeira roleta da Foz, em 1870.
De cariz mais familiar, existiu o “Club de Cadouços”, a funcionar a partir da década de oitenta e onde se realizaram concertos famosos e, ainda, o “Club da Foz”, que apareceu na última década do Século XIX, instalado num prédio com frente para a Rua do Passeio Alegre, fazendo esquina com a Rua das Motas.



Anúncio sobre actividade do Club da Foz, em 9 de Agosto de 1900




Artur Magalhães Basto, na sua obra "A Foz há 70 anos", publicada em 1939, faz também referência ao "Clube das Ondas", que reunia pela Foz.



Texto de Artur Magalhães Basto sobre o "Clube das Ondas"


Uma tertúlia que ficou célebre, local de reunião de muitos intelectuais daquele tempo, foi levada à cena no “Chalet do Carneiro”, inicialmente construído em madeira, em 1873, cujo primeiro proprietário foi António Carneiro dos Santos, daí a designação pela qual era identificado. Situava-se em pleno jardim do Passeio Alegre,
Camilo Castelo Branco, Arnaldo Gama, Ramalho Ortigão, Alberto Pimentel e outros, eram presenças assíduas no chalet. 
Quanto à importância e relevo social das personalidades que o demandavam, rivalizava com o “Club Rigollot”.
O “Chalet do Carneiro”, posteriormente rebocado, passou, já nos nossos dias, a ser conhecido por “Chalet Suisso” e ainda continua, no mesmo local, a ser fruído pelos portuenses.

 
 
Chalet Suisso, c. 1910



Clube dos Bisqueiros
 
 
Era, então, a Farmácia do Padrão um dos outros lugares também conhecidos da cidade como local de tertúlia, em cujas instalações, em 1899, foi fundado por “ferrenhos amadores de bisca lambida ou não”, o Clube dos Bisqueiros.
Tinha o seu regulamento, de que abaixo transcrevemos alguns artigos:
 
“1º. Dentro do Templo da Bisca é proibido a má-língua. Só se permite falar de vidas alheias, berrar contra o governo – seja ele qual for – e descompor os parceiros que jogarem mal. 
2º. Cada sócio é obrigado a contribuir com 200rs por mês para as despesas do expediente.
3º. Os mirones são considerados sócios honorários. Como só gozam metade, a sua entrada na sala de jogo,… obriga-os ao pagamento mensal de 100rs.
8º. Nenhum sócio é obrigado a jogar além das 10 horas da noite.
10º. Não é permitido molestar o físico das cartas. Quem o fizer dobrando-as, torcendo-as ou batendo-as violentamente na mesa pagará a multa de 20rs.
11º. Os sócios a quem for dado o gozo de desflorar um baralho de cartas, esportularão em homenagem à virgindade a quantia de 10rs por caveira. 
12º. Não são permitidas as escamações. Quem perturbar a paz e a santa harmonia do Clube, zangando-se por causa de assuntos bisqueiros, terá de beneficiar a caixa social com a quantia de 100rs, como sinal de profundo arrependimento por ter tido a ousadia de levar a desordem ao Sagrado Templo da Bisca.
13º. Como o Templo da Bisca é lugar de entretimento e não de batota, os jogos são a feijões ou Padre-Nossos.” 
 

 

Farmácia do Padrão, no Largo do Padrão

terça-feira, 20 de outubro de 2020

25.101 Aurélio Paz dos Reis

Aurélio da Paz dos Reis nasceu no Porto, em 28 de Julho de 1862 e morreu, no Porto, em 18 de Setembro de 1931.
Foi realizador de cinema, exibidor, fotógrafo, comerciante, horto-floricultor, revolucionário republicano e maçon convicto.
É considerado o pioneiro do cinema em Portugal por ter realizado e produzido o primeiro filme, "A Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança", réplica do primeiro da história do cinema, rodado em França pelos irmãos Lumière, em 1894 - La Sortie de l'usine Lumière à Lyon.



Saída do pessoal operário da Fábrica Confiança, na Rua de Santa Catarina

 

 

Paz dos Reis apresentaria o seu cinematógrafo no Porto – designado pelo próprio como Kinematógrafo Portuguez –mostrando filmes com a duração de um minuto no Teatro do Príncipe Real, actual Teatro Sá da Bandeira, no dia 12 de novembro de 1896.

 

 

“Adquiriu, logo em 1896, uma máquina de filmar e projetar, e realizou e exibiu nesse mesmo ano, pela primeira vez, no Porto, 27 pequenos filmes. O primeiro e mais célebre foi Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança (1896), rodado na esquina das ruas de Santa Catarina e Passos Manuel, na cidade do Porto. Seguiram-se O Zé Pereira na Romaria de Santo Tirso (1896). O Vira (1896), Manobras de Bombeiros (1896), Cortejo Eucarístico Saindo da Sé do Porto no Aniversário da Sagração do Eminentíssimo Cardeal Américo (1896), Barcelos (1896) e Avenida da Liberdade (1896), entre outros.”
Fonte: Infopédia

 

“Não foi, no entanto, Paz dos Reis o autor das primeiras imagens animadas filmadas em Portugal.

As primeiras são de um operador inglês com o nome de Henry W. Short, que acompanhava Edwin Rousby, um agente comercial do produtor e fabricante de equipamento de cinema Robert William Paul.
Rousby percorria vários países europeus com o intuito de dar a conhecer e de promover a venda do material fabricado pelo pioneiro inglês, em particular uma máquina de projectar com o nome de Theatrograph que em português poderá ser chamada teatrógrafo ou animatógrafo.
A projecção dos primeiros filmes rodados em Portugal tinha sido feita pouco tempo antes no Real Colyseu de Lisboa, na Rua da Palma, em várias sessões organizadas por Rousby, que duraram até ao dia 15 de Julho de 1896. Para isso teve o apoio técnico do lisboeta Manuel Maria da Costa Veiga que, como Paz dos Reis, se interessou pelo invento. Tornar-se-ia ele assim o segundo português a produzir e realizar filmes de actualidades e documentários em Portugal.
A cidade do Porto foi entretanto visitada por Edwin Rousby, que nela apresentou o teatógrafo em sessões públicas às quais Aurélio Paz dos Reis assistiu, a 17 de Julho, que tiveram lugar entre 7 de Julho e 10 de Agosto. É este evento que o entusiasma e o leva a decidir adquirir a curto prazo uma máquina de filmar, o que ele consegue numa deslocação que faz a França.”

Fonte: Wikipedia

 

Aurélio recebeu influências do avô, que foi miguelista e, por isso, deu ao filho o nome de Miguel da Paz dos Reis.

Porém, a inclinação política de Aurélio era o liberalismo, confirmando-se com a sua participação na Revolta do Porto, de 31 de Janeiro de 1891, que pretendia derrubar a Monarquia. Em sequência, foi preso e julgado, mas, porém, sairia ilibado deste processo.
De acordo com os seus ideais, iniciou-se na maçonaria na “Loja Honra e Dever”, em 1889, onde adoptou o nome simbólico de Homero.
Ao longo da sua vida, passou por várias Lojas Maçónicas e fez uma progressão rápida nos graus da Maçonaria do Vale do Porto, tendo aderido ao Partido Republicano.
Esta sua opção política originou dois encarceramentos na Cadeia da Relação.
Aurélio foi ainda vereador e presidente substituto da Câmara Municipal do Porto e cooperou com inúmeras instituições culturais e de beneficência, nomeadamente, como membro da “Comissão Executiva dos Empregados do Comércio” (com apenas vinte anos de idade), da “Associação de Protecção à Infância Desvalida”, como sócio fundador da “Associação Portuguesa do Asilo de S. João”, como director e segundo secretário do “Ateneu Comercial” (1896), dirigente do Clube dos Caçadores, tendo sido um dos fundadores do Orfeão Portuense e seu director, colaborador do Clube dos Fenianos e tendo-se envolvido também na criação do Conservatório de Música do Porto, pois, foi por sua proposta, de 17 Janeiro de 1914, que surgiu a posterior fundação desta instituição, em 1917, pela Câmara Municipal do Porto.
Na Rua do Barão de Nova Sintra, nº 125, teve a residência de família e, aí, viveu com a sua mulher e os seus quatro filhos.
Junto da residência, em terrenos anexos, localizavam-se os viveiros e as estufas que abasteciam a “Flora Portuense”, a loja fundada em 1893, de comércio de flores, plantas e sementes, instalada na Praça D. Pedro.




Casa de Aurélio da Paz dos Reis na Rua de Barão de Nova Sintra, nº 125, actualmente, o nº 194



Estufas e viveiros de plantas e flores, em Nova Sintra



“Flora Portuense” junto do Hotel Europa e do Restaurante Europa, na Praça D. Pedro



Aurélio e a sua mulher, Palmira de Souza Guimarães


A mulher de Aurélio era oriunda da Casa de Corim, na Maia.
Era filha do comendador António Fernandes Guimarães, o célebre “Visconde das Hortas”, um grande negociante da cidade do Porto, que residia na Rua das Hortas (hoje, um troço da Rua do Almada).


“Casa de Corim” do sogro de Aurélio Paz dos Reis



Exposição de Flores no Palácio de Cristal, em 1900, na qual participou a “Flora Portuense”



A filha de Aurélio, Hilda Ofélia, na Praça D. Pedro, em 1909, enviando um postal de Boas-Festas



A filha de Aurélio, Hilda Ofélia, no Molhe de Carreiros, à Foz do Douro, em 1913, na companhia de Adriano Ramos Pinto e das suas duas filhas



Molhe de Carreiros, em 1900


Aurélio da Paz dos Reis nos jardins de sua casa, à Rua do Barão de Nova Sintra, em 1915



O casal Paz dos Reis e os seus quatro filhos, em 1915



O Presidente do Ministério (1º Ministro) Afonso Costa, divertindo-se nos jardins da casa de Aurélio, na Rua do Barão de Nova Sintra

 

Aurélio tinha boas ligações aos políticos que governavam na época, mas com o afastamento de Afonso Costa, por Sidónio Pais, a vida política de Aurélio começaria a esmorecer.
Entre 1918 e 1919, perde tragicamente três dos seus quatro filhos.
Como curiosidade, diga-se que todos os nomes dos filhos começam pela letra "H":  Homero (nascido em 1887), Horácio (nascido em 1888), Hugo (nascido em 1891) e Hilda (nascida em 1898).
Hilda e Horácio não resistem à pneumónica e Homero morre em França no final da 1ª Guerra Mundial.
Restou Hugo, que passaria toda a documentação herdada dos trabalhos de Aurélio, para o seu filho, também ele, Hugo.


Praça D. Pedro, em 1913

 

Na foto acima vemos, da esquerda para a direita, a Casa Navarro, a Cervejaria Sá Reis e a Flora Portuense, com ligação, nas traseiras, à Rua das Hortas.
A Flora Portuense, à época, uma floricultura, substituiu, nesse local, a camisaria do pai.
Aurélio viveria com os seus pais, em solteiro, por cima da camisaria.
Será a neta de Aurélio, Hilda, filha de Hugo e Raquel, que será o último elemento da família ligado à "Flora Portuense" antes do seu encerramento.
Aí, se dedicou à venda de flores e sementes, mantendo o estabelecimento até ele ser substituído pela Confeitaria Ateneia.
Hugo Virgílio (filho), após a morte da mãe, abandona a casa de Nova Sintra, mudando-se para a Foz, guardando todo o espólio do pai que transmite depois ao seu filho, que o viria a depositar no CPF, em 1997.



No prédio mais próximo morou Aurélio da Paz dos Reis – Cortesia de “portosombrio.blogspot.com/”
 
 
 
 
Os prédios da foto acima foram erguidos, entre 1879 e 1880, por vontade do negociante João Leite de Faria, proprietário do terreno, visando o seu arrendamento, com a Licença de obra nº 130/1879.
 
 
“João Leite Faria era igualmente proprietário de vários prédios noutras freguesias do Porto, incluindo do conjunto de prédios na Rua Formosa que se situam em frente a uma das entradas principais do Mercado do Bolhão (do 313 ao 353), juntamente com outros dois sócios”.
Cortesia de “portosombrio.blogspot.com/”
 
 
 
Bem perto dos prédios acima mostrados, no nº 159, esteve, na transição para o século XX, uma moradia histórica, num terreno que era limitado, a sul, pela Travessa da China e que se estendia até à Travessa de Nova Sintra, do industrial António Dias Pereira, que era proprietário de mais alguns imóveis nas imediações.
 
 
“Noutros tempos, o que é hoje uma considerável extensão de mato que cresce de ano para ano descontroladamente, situava-se não só a moradia forrada a radiantes azulejos azuis do industrial António Dias Pereira como um armazém de cal, gesso e outros materiais de construção que funcionou entre os finais do século XIX e inícios do século XX”.
Cortesia de “portosombrio.blogspot.com/”
 
 
 
Rua do Barão de Nova Sintra, nº 159 – Fonte: Google maps

 
 
Pedido de licenciamento dirigido por António Dias Pereira, à CMP, para o nº 159, da Rua do Barão de Nova Sintra, em 14 de Julho de 1925 - Fonte: AHMP

terça-feira, 13 de outubro de 2020

(Conclusão)

 Centenário do Nascimento de Alexandre Herculano

 
Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo nasceu em Lisboa, a 28 de Março de 1810.
Activista político, escritor, jornalista, polemista e historiador, é principalmente como romancista que Alexandre Herculano é mais reconhecido, partilhando com Garrett a génese do romantismo português.
Até aos 15 anos, frequentou o Colégio dos Padres da Congregação do Oratório de São Filipe de Néri, instalados no Convento das Necessidades em Lisboa. Entre 1830 e 1831, frequentou a aula de Diplomática na Torre do Tombo.
A sua actividade política, de defensor das ideias liberais, leva-o para fora de Portugal.
A obra que lhe dá mais fama é a sua História de Portugal, cujo primeiro volume é publicado em 1846.
A Academia das Ciências de Lisboa nomeou-o seu sócio efectivo em 1852, e encarregou-o do projecto de recolha dos Portugaliae Monumenta Historica, projecto que realiza em 1853 e 1854.
Em 6 de Junho do 1853, saiu de Lisboa, e percorrendo o norte do país, recolhe enorme porção de documentos de todos os arquivos eclesiásticos e seculares.

 
 
Armário/Estante que pertenceu a A. Herculano, à guarda na Torre do Tombo

 
 
A exemplo do que aconteceria por todo o País, também no Porto, o 1º centenário do nascimento de Alexandre Herculano teve o devido destaque.
Em 9 de Abril de 1910, ocorre uma conferência sobre Herculano e a sua obra, no Centro Comercial, protagonizada pelo Dr. Manuel Monteiro.
É o Jornal “A Pátria” que, na sua edição de 3ª Feira, 26 de Abril de 1910, nos dá conta do acontecido durante os festejos do centenário do nascimento de Alexandre Herculano.
Assim, é-nos narrado que “…no Domingo, grandioso cortejo em honra de Herculano com cerca de 20 mil pessoas, quase 200 bandeiras e estandartes e muitas bandas de música, além das autoridades, do Palácio à Biblioteca Municipal, onde foi inaugurado o oferecido busto em bronze, com discursos. Houve sessões no Liceu da Trindade, na Sociedade de Instrução e Recreio Verdi, à Boavista, nas escolas feminina e masculina de Aldoar, onde foram descerrados retratos. À noite, como na véspera, festejos populares na praça D. Pedro, com iluminações e concertos pelas bandas regimentais”.
 
 
 
Cortejo durante Centenário do Nascimento de Alexandre Herculano, em 1910 – Ed. Aurélio da Paz dos Reis; Fonte: CPF

 
 
Na foto anterior, em primeiro plano, está Marcos Guedes, um dos mais apaixonados servidores da Associação de Jornalistas e Homens de Letras e, um pouco atrás, de chapéu de palha, o filho de Aurélio da Paz dos Reis de seu nome Hugo, o terceiro dos seus quatro filhos.
Marcos Guedes foi durante anos redactor do jornal “O Primeiro de Janeiro” tendo, em 18 de Setembro de 1919, abandonado aquelas funções e a sua carreira na imprensa, para se dedicar, exclusivamente, à administração da "Tipografia Empresa Guedes", que fundara em 1902 (Rua Formosa 242-248), onde foram impressas algumas séries da revista “O Tripeiro”.
De notar ainda na foto que, em 1910, se observa no sentido ascendente da Rua de Santo António, a fachada do Bazar de Paris (que foi de Júlio Fassini), que ostenta a indicação de Bazar Mattos, a Sapataria Portuense e, bem na esquina, a Tabacaria Africana.

 
 
Perspectiva idêntica à da foto anterior, em 1940
 
 
 
Cortejo de homenagem a Alexandre Herculano terminando em frente à Biblioteca Municipal, ao Jardim de S. Lázaro, Maio de 1910

 
 
Cortejo de homenagem a Alexandre Herculano terminando em frente à Biblioteca Municipal, ao Jardim de S. Lázaro
 
 
 
 
 
 
Herculano foi o grande obreiro do desenvolvimento da Biblioteca Municipal, tendo começado por ser o seu Sub-Director, por nomeação de D. Pedro IV, que, para o efeito, o retirou das fileiras dos Voluntários da Rainha, (depois de tomarem e ocuparem a Cidade do Porto), confiando-lhe também a salvação do património cultural do País nas Províncias do Minho e de Entre Douro e Minho, cuja vandalização roubo e destruição pelo fogo se havia iniciado, a mando do usurpador, D. Miguel.
Após a vitória dos liberais e do levantamento, em sequência, do cerco de que a cidade tinha sido alvo, entre 1832-1834, Alexandre Herculano foi nomeado como 2º bibliotecário, na então recém-criada Biblioteca Pública Municipal do Porto.



Em frente, na Travessa de S. Sebastião (antiga Viela dos Gatos) viveu Alexandre Herculano



Em 30 de Dezembro de 1833, por o Prefeito do Douro e a Comissão Municipal entenderem que a Biblioteca Pública – provisoriamente instalada no Hospício de Santo António de Vale da Piedade, à Cordoaria, e no Paço Episcopal – necessitava de um edifício mais espaçoso, é mandado examinar, para esse efeito, o «abandonado Convento de Santo António da Cidade», por uma Comissão constituída pelo 1º Bibliotecário, Diogo de Góis Lara de Andrade, pelo Arquitecto da Cidade, Joaquim da Costa Lima Sampaio e pelo 2º Bibliotecário, Alexandre Herculano.
Em 1842, é definitivamente instalada no edifício do Convento a Real Biblioteca Pública do Porto e inaugurada, em 4 de Abril, dia do aniversário da Rainha D. Maria II.

 
 
Primeiras instalações da Biblioteca Pública Municipal do Porto (Cordoaria) onde, nos nossos dias, está a extremidade a sul do Palácio da Justiça

 
 
Dias depois de ter ocorrido a chamada Revolução de Setembro, Alexandre Herculano seria dispensado daquele cargo, numa exoneração com carácter político por decisão dos novos poderes instalados.
Os novos decisores reclamam de Alexandre Herculano, a sua colagem aos novos ares.
Assim, é emitida a seguinte directiva a Alexandre Herculano:

 
“« Illm.º Sr. = Tendo S. M. a Rainha determinado que a Câmara e mais autoridades e empregados jurem a Constituição de 1822, assim o faço saber a V. S.ª para que hoje, ao meio dia, venha ao Paço do Concelho prestar o mesmo juramento, e deferi-lo depois aos empregados dessa repartição. Deus guarde a V. S.ª
 
Porto 17 de Setembro de 1836 = Illmo.º Sr. Alexandre Herculano de Carvalho e Araujo = Manuel Pereira Guimarães, Presidente.»
 


A resposta de Alexandre Herculano não se fez esperar:
 

“«Ilm.º Sr. - Persuadido pela voz da íntima consciência de que não devo prestar o juramento para que V. S.ª me convida no seu oficio de hoje, julguei também que cumpria comunicar-lhe imediatamente a minha resolução.
A fé que prometi guardar à Carta Constitucional da Monarquia, selei-a com as misérias do desterro, e com os padecimentos e perigos de soldado, os quais passei na emancipação da pátria: para a conservação de um cargo público eu não sacrificarei, por tanto, nem a religião do juramento, nem o orgulho que me inspiram as minhas ações passadas.
Pode assim V. S.ª declarar a essa Ilm.ª Camara que o meu lugar de 2º Bibliotecario está vago, para que ela proponha ao governo atual outra qualquer pessoa, que por certo, melhor do que eu, desempenhará as obrigações a ele anexas. Deus guarde a V. S.ª Porto 17 de Setembro de 1836. - Illm.º Sr. Manoel Pereira Guimarães. = Alexandre Herculano de Carvalho.»
 

Passado cerca de um mês, Alexandre Herculano insistia junto do todo poderoso Manuel da Silva Passos (Passos Manuel):
 
 
Exmo.º Sr. Manuel da Silva Passos.
Há um mês que o 1.º Bibliotecário da Biblioteca Pública desta cidade e eu fomos convocados para prestar juramento à Constituição de 1822, que então e hoje, de futuro alterada, felizmente nos regia e rege. Ambos recusamos praticar este ato: procedimento a que, pela minha parte, me levaram as razões que V. Ex.ª verá da resposta que dei, e que remeto inclusa. Foi logo demitido o meu colega, e eu ainda aqui estou esquecido. Não atribuo isto a falta de equidade de V. Ex.ª, porque reconheço a retidão da sua alma e que nem ódio nem afeição seriam capazes de torcer os principios de V. Ex.ª, antes o lanço à conta dos muitos cuidados e negócio que cercam V. Ex.ª no alto cargo em que o colocou o voto unânime da nação e a livre escolha de S. M. a Rainha. Só da minha insignificância me dôo, que fez não ser eu lembrado de V. Ex., que a tantos com mão profusa tem liberalisado a honra da demissão.
Não creia V. Ex.ª, que por este modo a peço: porque nem uma demissão pediria ao governo atual: esta minha carta é apenas um memorandum que levo à presença de V. Ex.ª, como se eu fosse alheio ao caso; porém não indiferente à boa fama e glória de V. Ex.ª.
A Providência não se esqueça de V. Ex.ª nem de nós, como todos precisamos para que Portugal seja salvo.
 
Porto 19 de Outubro de 1836. = Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo.»
 

 
Voltando às comemorações do centenário, na 2ª Feira (23 de Abril de 1910), véspera do cortejo atrás referido, tinham-se iniciado as festas académicas do 1.º Centenário do Nascimento de Alexandre Herculano, no Teatro Príncipe Real, durante as cerimónias que aí tiveram lugar, os presentes assistiriam a uma espantosa oração do grande orador Alexandre Braga, filho (1868-1921), um reconhecido causídico, muito popular, eleito, em 1906, deputado republicano por Lisboa e, depois, sucessivamente, até à morte.
Haveria de ser ministro do Interior no governo de Azevedo Coutinho, que durou um mês, e ministro da Justiça no governo de Afonso Costa que foi derrubado por Sidónio Pais.
A década de 1910, correspondeu ao apogeu dos triunfos oratórios de Alexandre Braga, talento herdado de seu pai Alexandre Braga, pai (1829-1895), também, um grande orador e sobrinho do poeta Guilherme Braga (1845-1874), autor de Eccos de Aljubarrota, O Mal da Delfina, Os Falsos Apóstolos, O Bispo, entre outros.
Continuando na rota das comemorações alexandrinas, em 28 de Abril de 1910, é colocado à venda um folheto (número único) de homenagem a Herculano, pela Comissão de Festas do Centenário, com colaboração de António Carneiro, Abel Salazar, Cristiano de Carvalho, Guerra Junqueiro e algumas outras personalidades em destaque naqueles tempos.
Naquele folheto, comemorativo do primeiro centenário do escritor, Guerra Junqueiro usa o seu proverbial talento retórico para descrever, num texto hoje esquecido, o que a historiografia nacional devia a Herculano: 

 
 
«A História de Portugal era um enorme palácio desmantelado, com as janelas trancadas, as paredes fendidas pelos raios (…), e onde ninguém ousara penetrar com medo que desabassem aquelas podres escadarias monumentais, que contavam já setecentos anos de existência. Inspirava terror. Andavam lá dentro lobisomens, aparições lúgubres, fantasmas com sudários (…).
(…) Foi então que apareceu um homem extraordinário – Alexandre Herculano -, que abriu a porta desse pardieiro monumental, que andou lá dentro durante vinte anos consecutivos a levantar as escadas, a limpar os móveis, a abrir as gavetas, a consultar os livros, a erguer as paredes, os tectos, as colunas, e que, depois de um trabalho incalculável, sobre-humano (…), veio à rua dizer com simplicidade aos transeuntes estupefactos: “Podem entrar.”»
 
 
 
 
O 2º Centenário do nascimento de Alexandre Herculano, ocorrido em 2010, em plena actualidade, passaria praticamente ao lado das nossas vidas. Sinais dos tempos!
 
 
“Comemora-se amanhã o bicentenário do nascimento de Alexandre Herculano. Ou, mais exactamente, comemorar-se-ia, se o país que o sepultou nos Jerónimos, ao lado de Camões, não tivesse esquecido o homem que elevou a historiografia portuguesa a disciplina científica e que foi visto, por sucessivas gerações, como uma reserva moral da nação”.
Luís Miguel Queirós, In jornal “Público”, 27-03-2010
 
Em volta das comemorações do 2º Centenário do Nascimento de A. Herculano, no que diz respeito à cidade do Porto, destaca-se uma sessão evocativa promovida pela Cooperativa Árvore e pelo editor José da Cruz Santos que incluiu uma intervenção de Guilherme de Oliveira Martins, uma leitura de poemas pelo actor António Durães e o lançamento do álbum “Cinco Retratos para Herculano”.