quinta-feira, 15 de abril de 2021

25.118 Hospital de Crianças Maria Pia e Maternidade de Júlio Dinis

 
No último dia do ano de 1881, dez personalidades de relevo da sociedade portuense,  reunidos na Rua do Bonjardim, nº 115 (uma Farmácia Homeopática), tiveram a ideia de fundar uma instituição destinada a Recolher, Medicar e Acarinhar Crianças Pobres e Doentes de Tenra Idade.
 
 
“Constituíram uma Comissão Fundadora que elaborou os respetivos Estatutos tendo sido entregues às autoridades competentes que, em 15 de Março de 1882, comunicaram a sua aprovação ao mesmo tempo que informavam da aceitação de Sua Majestade o Rei Luís I que fosse dado o nome ao objeto da instituição de Real Hospital de Crianças Maria Pia debaixo da real proteção de Sua Majestade, a Rainha.
Escolheu a Comissão Instaladora os primeiros Presidente e Secretário, em 2 de Junho e aprovado foi o arrendamento de uma casa na rua da Carvalhosa pertencente aos herdeiros da Viúva Chaves.
Suas Majestades, o Rei e a Rainha desde logo foram instituídos os primeiros Sócios Beneméritos e Perpétuos e Suas Altezas, os Príncipes Reais Carlos e Afonso Henriques, Protetores e Beneméritos.
A 5 de Novembro a Comissão Fundadora elegia os primeiros Corpos Gerentes e estes deliberaram que o Hospital abrisse portas no dia 1 de Janeiro de 1883.
28 longos anos foram necessários até se inaugurar o novo Hospital no local aonde ainda é hoje, graças ao estoicismo do Conselheiro Arnaldo Anselmo Ferreira Braga, à doadora do terreno aonde o Hospital se implantou, D. Emília Cabral Pereira Cardoso e que, em dinheiro, muito ajudou à sua construção, e à inteligência lúcida, aliada a uma alma generosa, do Conselheiro Pedro Maria Fonseca Araújo.
Em atenção à epidemia do tifo exantemático e da gripe pneumónica em consequência da 1ª Grande Guerra, o Hospital esteve mobilizado pelo Ministério da Guerra desde 1918 até Dezembro de 1924, altura em que ficaram prontas as instalações do Hospital Militar.
Reabriu o Hospital em 5 de Maio de 1925, que passou a ter a preciosa ajuda das Missionárias de Maria nos serviços hospitalares com a anuência do Reverendíssimo Bispo do Porto, D. António Barbosa Leão, enaltecendo-se a ação da nobilíssima D. Ana José da Costa que presidia a uma Comissão de Senhoras que colaboravam também financeiramente para o sustento do Hospital, assim como do notável poeta e jornalista senhor António Augusto Pinto Machado que, durante 34 anos foi um dos elementos mais ativos e dedicados ao Hospital”.
Fonte: “ahcmp.com/”
 
 
O Conselheiro Pedro Maria Fonseca Araújo (1862-1922), acima referido, foi um conhecido Monárquico progressista, Pedro Araújo foi Vereador da Câmara Municipal do Porto (1890-1895), Presidente da Associação Comercial do Porto (1895-1896, 1901-1905), membro da Câmara dos Pares (1905), Presidente da Liga Naval Portuguesa (1905) e Governador Civil do Porto (1910).
Por sua vez, António Augusto Pinto Machado (1895-1965), distinto escritor e jornalista, ficaria para sempre conhecido como o Director do Palácio de Cristal e ainda, por nessa qualidade, ter mandado construir a “Casa do Roseiral”.
Os portuenses também não esquecem a sua intervenção na área da saúde, de que se destacam as suas intervenções ao integrar, como dirigente, várias das Direcções do Real Hospital de Crianças Maria Pia e da Cruz Vermelha Portuguesa, na Delegação que tinham no Porto, e recebeu nomeadamente a condecoração da Cruz de Benemerência, desta última instituição
O Real Hospital de Crianças Maria Pia começaria por se instalar, então, na Rua da Carvalhosa, nº 84 (actual Rua Aníbal Cunha), bem perto da igreja de Cedofeita, e abriria as suas portas em 1/1/1883, começando por funcionar na casa da família Chaves.
 
 
Instalações do Hospital Maria Pia, na Rua da Carvalhosa
 
 
 
 
O Hospital Maria Pia esteve por aqui nos primórdios - Fonte: Google maps
 
 
 
 
O Hospital Maria Pia seria transferido para um novo prédio construído com projecto (1898) do arquitecto Joel da Silva Pereira e do Engº Estevão Torres, em terreno oferecido por D. Maria Emília Cabral, na esquina da Rua Augusto Luso e Rua da Boavista e, cuja construção demoraria cerca de uma dezena de anos.
Deste modo, em 1911, o hospital ocuparia as novas instalações na Rua da Boavista.
Maria Emília Cabral ficara viúva em Fevereiro de 1886, por falecimento do seu marido, o conselheiro Dr. José Pereira da Costa Cardoso. À data, o casal vivia na Rua do Príncipe, a actual Rua de Miguel Bombarda.
Entretanto, as instalações abandonadas, seriam ocupadas, depois, pelo Dispensário da Carvalhosa que integrava a Assistência Nacional aos Tuberculosos criada em Agosto de 1899,  por vontade da rainha D. Amélia.
 
 
 
Desenho da fachada integrante de projecto do Hospital Maria Pia, à Rua da Boavista, submetido a licenciamento e que obteve a licença nº 20/1898
 
 
 
“Os fundadores do Hospital Maria Pia foram:
 
-Conde de Samudães, Francisco José de Araújo
-Henrique Carlos de Meirelles Kendall
-Rodrigo António Machado Guimarães
-D. Joaquim de Carvalho Azevedo Mello e Faro
-Eduardo da Costa Correia Leite
-António Bernardino Pires
-Conde da Silva Monteiro, Fulgêncio José Pereira
-José António Barbosa
-Alberto Borges de Castro
-Conselheiro Arnaldo Anselmo Ferreira Braga (político, amigo do então presidente do Conselho de Ministros, José Luciano de Castro)
-António Augusto de Mello
-Paulo Marcelino Dias de Freitas
-José Luciano Alves Quintella
-Augusto Carlos Chaves de Oliveira
-Augusto Sebastião Guerra"
Fonte: J.P. de Almeida Brandão, pp 98/99, in Guia do Forasteiro no Porto e Província do Minho, Editado F. Lopes, Porto
 
 
A capela que pertenceu ao mosteiro de S. Bento da Avé-Maria, acabaria no hospital Maria Pia.

 
In jornal “A Voz Pública” de 12 Dez 1900
 
 
 
Como acima foi referido entre 1917 e 1925, devido a condições sanitárias muito precárias vividas pelos portuenses, fruto do retorno de milhares de combatentes na 1ª Guerra Mundial a necessitar de cuidados médicos, do surgimento de uma epidemia de tifo e do aparecimento da pneumónica, o hospital foi mobilizado pelo Estado.
Aliás, no início daquele período, em 1917, tinha sido arrendadas algumas dependências da unidade, à Cruz vermelha, para tratamento dos combatentes feridos.
Mais recentemente, depois de dezenas de anos a cumprir a função para que foi criado, o hospital cujo edifício pertence à Associação do Hospital de Crianças Maria Pia, desde a sua fundação em 1882, foi nacionalizado após 25 de Abril de 1974.
Por falta de condições e com o objectivo da sua integração no Centro Materno Infantil do Norte, os seus serviços foram transferidos para o Hospital de Santo António em 2012, tendo encerrado, pouco depois, definitivamente, para ser sujeito a obras de restauro.
Actualmente, foi tornado público que o edifício será afecto a uma unidade hoteleira.
 
 
 
Hospital Maria Pia
 
 
Entretanto, e desde o ano de 2016, os serviços prestados durante anos pelo Hospital Maria Pia começaram a ser completamente realizados pelo novo Centro Materno Infantil do Norte que, para além daqueles serviços, integrou aqueles que, até há pouco tempo, eram prestados pela Maternidade Júlio Dinis.
Para tal, foi construído junto à antiga maternidade um grandioso edifício e, aquela antiga unidade, onde nasceram muitos milhares de portuenses ao longo dos últimos anos, sofreu obras de restauro integral das suas instalações.
A primeira maternidade portuense ficou a dever-se aos esforços protagonizados pelo Professor Artur Salustiano Maia Mendes e, em sequência de uma visita da Rainha D. Amélia ao Hospital de Santo António.
Assim, em 1 de Março de 1910, A. Maia Mendes publica um plano de acção e vai chamar para junto de si para o coadjuvar o médico, Agnelo Pereira.
Uma extensa comissão de propaganda é, então formada com a nata da sociedade comandada pelo bispo D. António Barroso.
A instituição teria por âncoras, características de benemerência dirigindo-se às classes mais pobres e com a divisa de “protecção às mães e aos recém-nascidos.
Em 1 de Outubro de 1910, a Maternidade do Porto abria as suas portas.
Decorridos 4 dias, após aquela abertura, acontece a revolução e a implantação da República, porém a instituição continua a sua actividade.
Vai ser instalada, provisoriamente, num palacete da Rua de Camões, nº 329.
As instalações estavam providas de casa de banho com autoclismo, iluminação a gás, gerador de electicidade com motor a gasolina, dínamo e uma bateria de acumuladores.
Para além dos médicos fundadores, juntam-se ao trabalho prático e ao corpo clínico: João Mário de Castro, Ângelo César das Neves e Júlio Abeilard Teixeira.
Um grupo de 36 farmácias fornecia medicamentos gratuitos para as consultas.
 
 
 
Maternidade do Porto, na Rua de Camões, nº 329 – Fonte: revista “O Tripeiro, 7ª Série, Ano XVIII, Nº 1, Janeiro 1999


 
 

Corpo Clínico – Da esquerda para a direita: João Mário de Castro, Agnelo Pereira, Ângelo das Neves, A. Maia Mendes, Júlio Abeilard Teixeira – Fonte: revista “O Tripeiro, 7ª Série, Ano XVIII, Nº 1, Janeiro 1999
 
 
 
Entretanto, em 1911, o governo da República, recém-chegado, cria a primeira maternidade pública, em Coimbra.
Em 12 de Agosto de 1912, os estatutos da maternidade, fundada por A. Maia Mendes, eram aprovados pelo Governo Civil do Porto.
Mas, só em 1925, se começa a assistir a uma campanha pública para erguer uma nova maternidade no Porto, de forma a comemorar o centenário da criação da Escola de cirurgia do Porto, o embrião da Escola Médico Cirúrgica (1836).
A voz que mais se faz ouvir é a de Alberto Saavedra.
Finalmente, em 1928, começou a sua construção, concluída em 1937, mas sendo oficialmente inaugurada, apenas, em Setembro de 1939.
Surgiria, então, a Maternidade Júlio Dinis, situada no antigo Largo do Campo Pequeno ou Largo dos Ingleses (assim designado pela proximidade do cemitério desta comunidade) e hoje Largo da Maternidade Júlio Dinis, sempre possuiu um elevado valor histórico e arquitectónico. O projecto foi da autoria do arquitecto suíço George Epitaux, autor de várias maternidades na Europa.
O seu planeamento teve sempre, inerente, alguns factores de modernidade (ex: aquecimento central, sinalização eléctrica, elevador). 
Fizeram parte do Casal do Pombal, alguns anos antes, os terrenos em que foi implantada a Maternidade Júlio Dinis, sobre os quais a Colegiada de Cedofeita cobrava foros e dízimos (só seriam extintos com a Revolução de 1820).


 
 
Maternidade Júlio Dinis em 1939
 
 
Maternidade Júlio Dinis
 
 
 
 
 
 
Largo do Campo Pequeno
 


Construção da Maternidade Júlio Dinis

 
“Existem colunas, nos quatro lados do edifício. São simples, com capitéis em estilo jónico, apresentam, em ambos os pisos, um fuste liso. As do rés-do-chão assentam em estilóbatas sólidas, de forma quadrangular; nos pisos superiores sobre uma base nas paredes que formam as varandas”.
Fonte - Site: insa.pt

sábado, 10 de abril de 2021

25.117 Edifício João Marques Pereira e Padaria Bijou

 
João Marques Pereira, conhecido por Caruncho, foi um abastado proprietário que fez fortuna na indústria da panificação.
Na Rua Duque de Loulé (próximo do gaveto com a Rua Alexandre Herculano), o Caruncho explorou a padaria “Bijou”, sendo que era proprietário desse solo e, por aí residiria, também, à data, na Rua Duque de Loulé, nº 84.
Em 22 de Março de 1898, João Marques Pereira solicita uma licença para edificar, naquela área, um edifício para o funcionamento de uma padaria, em cujo projecto vai figurar o nome do mestre-de-obras, Manuel Pimentel Sarmento, trabalhador da Companhia de Fundição Aliança.
Em Janeiro de 1902, é inaugurada a “Padaria Bijou”, que diziam ter a sua construção ficado, por cerca de 70 contos.
 
 
 
Padaria Bijou, na Rua Duque de Loulé – Fonte: Google maps
 
 
No prédio acima, onde funcionou a Padaria Bijou, teve a “Coats & Clark”, durante muitos anos, um seu depósito.
Actualmente, ainda se mantem a “devanture” em ferro fundido, da entrada principal, que seria apresentada a D. Carlos, durante uma visita que o rei fez, em 1 de Novembro de 1900, às instalações da Companhia de Fundição Aliança, onde foi construída.
Em 1903, para o terreno com frente para a Rua de Alexandre Herculano, João Marques Pereira solicitava autorização camarária para construir uma cocheira e, em 1906, no terreno com frente para a Rua Duque de Loulé, uma outra autorização, para a construção de um armazém destinado a depósito de farinhas, anexo à padaria.
Em 1909, no entanto, já apresentava à Câmara do Porto o licenciamento de um projecto de envergadura para os terrenos que aí possuía e que resultou no edificado existente.
O projecto foi da autoria do arquitecto Eduardo da Costa Alves Júnior (1872-1918).
Este conceituado arquitecto, entre muitas outras obras espalhadas pela cidade, tem uma outra que os portuenses conhecem bem, por estar situada num local de frequente passagem.
Trata-se do prédio mandado construir por António Correia de Vasconcelos, em 1916, sob a licença de obra nº 447/1916, situado no gaveto da Rua de 31 de Janeiro e a Rua de Sá da Bandeira (à época, ainda, um troço da Rua do Bonjardim).
 
 
 
Peça desenhada integrada em projecto de pedido de licenciamento de prédio, no gaveto das ruas 31 de Janeiro e do Bonjardim
 
 
 
À direita, no gaveto, o prédio da concepção do arquitecto Eduardo da Costa Alves Júnior – Fonte: Google maps
 
 
O rés-do-chão do prédio, em destaque, foi ocupado, durante boa parte da primeira metade do século XX, pela Confeitaria Palace e, no 1º andar, pela delegação do Jornal “O Século”. A foto é de c.1930
 
 
Voltando ao prédio de João Marques Pereira, alguém aventava que o custo de construção teria sido de cerca de 80 contos.
 
 
 
 
Pedido de licenciamento do qual resultou a Licença de obra n.º: 176/1910 – Fonte: AHMP
 
 
Desenho da fachada principal do edifício do gaveto das ruas Alexandre Herculano e Duque de Loulé, integrante de projecto submetido a licenciamento camarário – Fonte: AHMP
 
 
 
Gaveto ruas Alexandre Herculano e Duque de Loulé – Fonte: Google maps
 
 
No prédio do gaveto esteve instalada a sede no Porto da “Electra del Lima” e, o que lhe é contíguo, na Rua Alexandre Herculano, com risco de Januário Godinho, foi concluído em 1952, e mandado construir pela União Eléctrica Portuguesa que, entretanto, absorveu a “Electra del Lima”.
 
 
 
Publicidade à União Eléctrica Portuguesa, sucessora da Electra del Lima, concessionária da Barragem do Lindoso – Fonte: Revista “Técnica” dos alunos do I.S.T. (Instituto Superior Técnico), de Fevereiro de 1959
 
 
 
Entretanto, em Junho de 1914, morre João Marques Pereira, divorciado, com filhos legítimos, que serão os seus herdeiros, mas vai dispor, no entanto, da sua quota disponível, a favor de Deolinda Judite Amélia, que com ele vivia maritalmente.
Possivelmente, em cumprimento das vontades testamentárias durante a execução das necessárias partilhas e, ou, para solver uma penhora por dívidas, os dois prédios iriam à praça no dia 9 de Janeiro de 1916.
O prédio da Rua Duque de Loulé seria arrematado por 24.301$00 e o do gaveto não teria licitantes, apesar de ter um preço base de licitação, de 19 contos – uma pechincha.
No dia 2 de Março de 1916, quando voltou à praça, os banqueiros Borges & Irmão acabariam por arrematar o imóvel por 15. 600$00.
 
 
Edifício da EDP, na Rua Alexandre Herculano, da autoria do arquitecto Januário Godinho, concluído em 1952, e mandado construir pela União Eléctrica Portuguesa

sexta-feira, 19 de março de 2021

25.116 A propósito de uma capela de estilo neogótico

Com certeza que muitos portuenses já repararam, passando pela Praça da República (antigo Campo de Santo Ovídio ou Praça da Regeneração) num palacete a que o povo chama Palacete dos Pestanas e, nas suas traseiras, já com frente para a Rua do Almada, na existência também de uma capela que pertenceu aos donos do referido palacete.
De facto, assim é. 

 
 
Palacete dos Pestanas

 
 
Capela dos Pestanas ou Capela do Divino Coração de Jesus
 
 
 
José Joaquim Guimarães Pestana da Silva (Porto, Março de 1848; Matosinhos, Outubro de 1917) foi quem, dado como morador na Rua do Bonjardim, mandou construir o palacete e a capela.
Sabe-se que, para a Rua do Bonjardim, nºs 79-83, no local onde haveria de estar, muitos anos depois, o conhecido restaurante que lançou as francesinhas – Restaurante Regaleira – José Joaquim Guimarães Pestana da Silva, em 1902, solicitava à Câmara o licenciamento para a construção de um prédio.
O projecto da Capela do Divino Coração de Jesus foi aprovado em 12 de Setembro de 1878 e, nesse ano, é lançada a primeira pedra e o palacete teria sido começado a construir um ano antes.
Foram autores da obra os engenheiros José de Macedo Araújo Junior e Manuel Gomes da Silva.
O Barão de Béthune, decorador da Casa Wilmotte (Liège), foi o autor do desenho de várias peças de arte sacra.
O escultor Soares dos Reis foi o autor das esculturas de São José e São Joaquim, colocadas no exterior e Armando Pinto o das pinturas nos estuques interiores.
Em Março de 1890, o templo abre-se ao culto e, em 1898, a capela é benzida.
Antes, em 1885, os autores do altar-mor, já tinham recebido uma medalha na Exposição Internacional de Antuérpia.
 
 
 
 
“Arquitectura religiosa, revivalista neogótica. Capela neogótica composta por torre sineira, nave única de três tramos e cabeceira semicircular dispostos axialmente. Fachada-torre formando nártex inferiormente. Contrafortes rematados tipo agulha, aberturas e arcos em ogiva e os vitrais como elemento essencial na introdução da luminosidade. A rosácea e os quadrilóbulos repescam o vocabulário das catedrais góticas. Fachada principal precedida por torre sineira, inferiormente aberta criando alpendre, sob o qual se faz a entrada principal. Trata-se de um raro exemplar neogótico no Porto, marcado no seu interior por um excessivo decorativismo e com materiais extremamente onerosos. Detém grande coerência na sua expressão arquitectónica, decoração, mobiliário e peças litúrgicas. As pinturas interiores são inspiradas nas da Sainte Chapelle. Constitui, apesar de ter sido vandalizado, o elemento arquitectónico do conjunto do Palacete dos Pestanas, o que mais conservou a sua tipologia original e caracterização arquitectónica”.
Cortesia de Isabel Sereno, 1998; In “monumentos.gov.pt/”
 
 
 
Escultura de S. José – Autor: Soares dos Reis (1880)
 
 
Escultura de S. Joaquim – Autor: Soares dos Reis (1880)
 
 
 
Em 1928, já o palacete e a capela eram propriedade de Sebastião dos Santos Pereira Vasconcelos.
Na década de 1950, o Plano Director da cidade do Porto para alargamento da Rua Gonçalo Cristóvão e correcção de alinhamentos previa a demolição do palacete, o que não viria a acontecer.
Entre 1974 e 1975, o palacete passa a sede do partido do Centro Democrático Social e, posteriormente, é ocupada por 20 famílias.
No 11 de Março de 1975, a população assalta a capela e, em 1977, o templo sofre o assalto dos ocupantes do palacete, que seria ainda alvo de um incêndio. Mais tarde, sofreria obras de restauro.
A capela haveria de ser considerada, em 06 de Março de 1996, Imóvel de Interesse Público, pelo Decreto nº 2/96, DR, 1ª série-B, n.º 56.
Já no século XXI, o palacete é ocupado pelo Governo Civil do Porto, vindo dos lados da Praça da Batalha, do edifício da “Casa Pia”, por onde tinha estado mais de um século.
O Palacete dos Pestanas foi uma construção do século XIX, possuindo a maior área de jardim particular do Porto, só ultrapassada pela do Palácio de Cristal.
Hoje, essa área está ocupada por vários prédios, sendo, um deles, a sede de uma companhia de Seguros, proprietária do palacete.
 
 
 
Palacete dos Pestanas, em 1958 – Ed. Teófilo Rego
 
 
 
O engº José Joaquim Guimarães Pestana da Silva foi um grande proprietário, com prédios localizados em várias zonas da cidade, tendo junto à fortuna herdada da família e à por si obtida, a proveniente também de sua mulher, que era filha de um grande negociante do Porto, Manuel Ferreira Leão Guimarães.
Passaram pelas mãos de José Joaquim Guimarães Pestana da Silva, o prédio que foi sede da Real Vinícola do Norte, durante a primeira metade do século XX, o chamado palacete de Campos Navarro, na Rua de Entreparedes e a Quinta de Sam Thiago, em Custóias, onde viria a falecer.
Entre muitos outros, foi também proprietário de um prédio que ficou para a história por alojar a Farmácia Birra (ainda hoje ocupando o mesmo local), localizada desde o fim do século XIX na Praça D. Pedro e que foi alvo de um incêndio em 11 de Maio de 1906, facto que é narrado no texto abaixo, publicado na revista “O Tripeiro” , V Série, Ano XII, Nº 1
 
 
 
 


 
 
 
A Farmácia Birra, ao fundo, era contígua ao prédio que ostenta um toldo branco
 
 


Quinta de Sam Thiago e a família dos Pestanas


A Quinta de Sam Thiago situa-se na Rua Cândido dos Reis, em Custóias, próximo da igreja paroquial e do local onde, semanalmente, aos Sábados, tem lugar a feira de Custóias, cujo espaço ladeia, pelo Norte.
Está, ainda hoje, nas mãos da família Pestana, sendo o seu actual proprietário o engenheiro José Manuel Pestana de Vasconcelos. Amputada duma enorme área que, noutros tempos, estava afecta à exploração agrícola, continua, no entanto, a sobressair, na actualidade, a antiga casa, que sofreria várias intervenções de ampliação ao longo de três séculos - Casa de Sam Thiago.
A Quinta de Sam Thiago foi, desde sempre, uma exploração agrícola da qual os seus proprietários tratavam de tirar os seus rendimentos.
Os seus terrenos de várzea, servidos por vários riachos e ribeiros, em plena bacia hidrográfica do rio Leça, eram propícios ao cultivo do milho grosso, às leguminosas, às vinhas de enforcado e às bouças.
A abundância de água contribuía para que nos lameiros e pauis se apascentasse o gado.
De boas fontes, sabe-se que a propriedade era foreira da Baliagem de Leça e que esteve na posse de Ana Maria Dias, que veio a contrair matrimónio com Domingos Gonçalves Lopes, vereador do concelho de Vila do Conde, celebrado na Igreja paroquial de S. Tiago, a 20 de Outubro de 1746.
A igreja paroquial de S. Tiago de Custóias, cujo orago é Santiago Maior, tinha sido construída, 13 anos antes, em 1733, pelo Balio do Mosteiro de Leça, ao qual a freguesia pertencia. Substituiria a antiga igreja medieval que era anterior ao século XIII.
Deste matrimónio são conhecidos dois filhos: José Gonçalves Lopes, que foi Capitão-mor das Ordenanças da Baliagem de Leça e Domingos Gonçalves Lopes que viria a residir na Quinta de São Félix, em S. Mamede de Infesta, também conhecida por Quinta de Picoutos, por ter contraído matrimónio com uma de duas irmãs, herdeiras, em 1782, dessa quinta.
 
 
 
Igreja Paroquial de Santiago de Custóias
 
 
A família de Ana Maria Dias detinha, portanto, o domínio útil do prazo (propriedade), pagando um foro ao detentor do domínio directo, o senhorio ou seja, a Baliagem de Leça.
Daquele matrimónio, acontecido em Outubro de 1746, resultou a instituição dos bens patrimoniais para o regime de morgadio, passando a família e a casa a denominarem-se de «Morgados de Santiago».
Os morgadios eram instituições constituídas por um conjunto de bens ou rendimentos não divisíveis nem alienáveis, transmitindo-se nas mesmas condições, por morte do seu titular, ao descendente primogénito varão, o morgado.
Esta instituição vincular, cujo vínculo advinha da perpectuação do poder económico da família, tem origem na legislação castelhana e, embora seja adoptada pelo reino de Portugal antes, só entra na legislação portuguesa com as Ordenações Filipinas de 1603.
Os morgadios foram extintos em Portugal no reinado de D. Luís I por Carta de Lei de 19 de Maio de 1863.
O morgadio difundiu-se como uma forma de contrariar o empobrecimento das famílias devido às sucessivas partilhas, mas, por outro lado, uma das razões que levou à sua extinção foi o empobrecimento dos filhos não primogénitos.
No século XVIII, uma das fontes de rendimento mais importantes decorriam, portanto, das explorações agrícolas.
Os mais abastados baseavam a sua riqueza nos rendimentos extraídos dessa actividade, que lhes proporcionava a ascenção social e, bem assim, o desempenho de outros cargos na sociedade.
Um desses cargos era o de oficial das ordenanças que valia a obtenção de privilégios e de poder na governação local. Por essa razão, era disputado pela burguesia com elevado cabedal fundiário e financeiro.
As “ordenanças” começaram o seu desenvolvimento a partir de D. Sebastião.
 
“As ordenanças constituíram o escalão territorial das forças militares de Portugal, entre o século XVI e o princípio do século XIX.
A partir da Guerra da Restauração, as ordenanças passaram a constituir uma espécie de 3.ª linha do Exército, servindo de fundo de recrutamento e de complemento à 2.ª linha (tropas auxiliares ou milícias) e a 1.ª linha (tropas pagas).
(…) O Regimento dos Capitães-Mores prevê que as ordenanças se organizem com base nas capitanias, cada qual a cargo de um capitão-mor. Cada capitania correspondia à área territorial de uma cidade, vila, concelho ou território senhorial e incluía várias companhias de ordenanças, cada qual a cargo de um capitão e com um efetivo de cerca de 250 homens.”
Fonte: “pt.wikipedia.org/”

 
Devido aos privilégios de que gozavam os oficiais de ordenanças, a partir da revolução de 1820, começa a falar-se na possibilidade de que as tropas que lhe eram afectas fossem desactivadas, pois o povo não aceitava a situação.
No entanto, só em 24 de Março de 1831, um decreto poria fim à ordenanças. 
Oficial de ordenanças era, assim, José Gonçalves Lopes, que acaba por contrair matrimónio com a herdeira duma outra quinta, a Quinta do Rio (antigo Casal do Moinho) situada em Ramalde, mais propriamente, em Ramalde do Meio, situada junto da confluência dos dois cursos de água que, a partir daí, formam a Ribeira da Granja que vai desaguar no Rio Douro, no Largo António Calém.
Um desses ribeiros nasce em Arca d’Água e passando pela Prelada toma o nome de Ribeira da Prelada, o outro nasce no lugar do Seixo, no lado exterior da Estrada da Circunvalação.
Por sinal, o pai da noiva, Manoel da Silva Guimarães ascenderia ao posto de Capitão das Ordenanças e recebeu a patente, do Brigadeiro das Armas do Partido do Porto, João de Almada e Melo, a 16 de Julho de 1760, com todas as «honras, privilégios, liberdades, isenções e franquezas».
Manoel da Silva Guimarães, antes de ser o Capitão de Ordenanças de Ramalde, era “homem de negócios” e morava em “Sima do Muro dos Banhos”, na Ribeira, na cidade do Porto. Não tinha ascendência nobre, por isso, a ausência de pedras de armas na sua residência em Ramalde.
A 17 de Agosto de 1774, na Quinta do Rio, na Freguesia de Ramalde do Julgado de Bouças, é feita uma escritura de dote de casamento, por Manoel da Silva Guimarães e sua mulher, a sua filha Ana Maria Joaquina, para casar com o capitão José Gonçalves Lopes, acto ao qual esteve presente a mãe do noivo, Ana Maria do Espírito Santo, viúva de Domingos Gonçalves Lopes.
Como curiosidades, diga-se que, no contrato de casamento exarado entre as duas famílias, o noivo, entre outros bens, vinha dotado com “dois pretos velhos”, provando a existência de escravatura na região e, ainda, com o Privilégio das Tábuas Vermelhas de Nossa Senhora de Oliveira (que se achava confiscado pela fazenda), enquanto a noiva, entre outros bens, vinha dotada com o Prazo das Azenhas da Barca da Trofa, propriedade foreira do Convento de Landim.
Como se observa, tanto sogro como genro eram Oficiais de Ordenanças, o que lhes conferia um enorme poder.
 
 
 
Quinta do Rio – Ed. Teófilo Rego, 1958


 
Em 1909, à esquerda, a Quinta do Rio, com a sua capela, sendo visível, à direita, a ponte que em Ramalde do Meio permitia o atravessamento da Ribeira da Granja, na estrada que ligava o Porto à Senhora da Hora – Ed. J. Bahia Júnior
 
 
Em 1796, o capitão José Gonçalves Lopes haveria de redigir o seu testamento na Quinta da Neta, na freguesia de Santo Ildefonso, uma propriedade que hoje situaríamos próximo do local onde está o Palácio Atlântico, na Praça D. João I.
Institui, então, como seus herdeiros universais, os seus nove filhos Domingos, Manoel, Rodrigo, António, Ana, Maria, Francisca, Florida e Margarida e um outro, póstumo.
Como os filhos eram menores, nomeia para procurador o seu irmão Domingos Gonçalves Lopes, morador na Quinta de São Félix, em S. Mamede de Infesta.
Por curiosidade, diga-se que, mais tarde, o filho Rodrigo, de seu nome completo, Rodrigo Gonçalves Lopes, acabará por receber por herança do seu tio, Domingos Gonçalves Lopes, a Quinta de São Félix ou Quinta de Picouto, em S. Mamede de Infesta, de cuja memória, apenas resta a sua capela.


 
Capela de São Félix de Picoutos, na Rua da Mainça – Fonte: Google maps
 
 
Em 1807, era proprietário da Casa de Sam Thiago, o filho de José Gonçalves Lopes, Domingos Gonçalves Lopes, tendo requerido um “Processo de Justificação de Nobreza”, com a Carta de Brasão a ser passada em 7 de Outubro de 1807 e, em 1808, contrairia matrimónio com Margarida Rosa de Araújo, tendo assumido o posto de Capitão-mor da Baliagem de Leça, um título proveniente da venalidade dos cargos, como era usual.
 
“Em 1841, a viúva Dona Margarida Rosa de Araújo Lopes e o seu filho Domingos andavam desavindos com Maria Margarida Meneses, viúva de Bernardino José Machado de Meneses, negociante e residente na Rua das Flores, no Porto, por causa de uma dívida de “[…] oitenta e cinco mil cento e cinco réis metal proveniente da Fazenda da Lã […] no ano de 1830”.
Cortesia do Doutor Manuel Almeida Carneiro
 
 
A dívida mencionada não foi liquidada. O caso foi para os tribunais e aconteceu a penhora de bens.
Nas duas décadas seguintes, a situação não apresentava melhoras e por endividamento dos proprietários, à época, a Quinta de Sam Thiago vai ser vendida à família Pestana da Silva, em 1850.
 
 
 
“ (…) dá-nos conta de um empréstimo de 300.000 réis,216 cuja dívida foi saldada em 1850 em casa de D. Rodrigo em Picoutos, certamente com o dinheiro da venda da Casa de Sam Thiago à família Pestana da Silva”.
Cortesia do Doutor Manuel Almeida Carneiro
 
 
 
 
Perspectiva das fachadas a Poente e Sul, da Casa de Sam Thiago - col. do Dr. Manuel Almeida Carneiro

 
 
Fachada a Norte da Casa de Sam Thiago - col. do Dr. Manuel Almeida Carneiro
 
 
 
 
Por sua vez, já na posse da família Pestana, a Casa de Sam Thiago foi renovada e ampliada, entre os finais do século XIX e as primeiras décadas do Século XX, por José Joaquim Pestana da Silva.

 
 
 
Planta (Esc 1:100) esquemática sobre a cronologia das intervenções na Casa de Sam Thiago - Desenho elaborado a partir do projecto original dos arquitetos Guilherme Salvador e Teresa Mano; In: Dissertação de Doutoramento, em 2016, na área de História de Manuel Almeida Carneiro


 
Pátio da Casa da Quinta de Sam Thiago – col. do Dr. Manuel Almeida Carneiro
 
 
 
“Próxima da igreja paroquial, junto ao largo da feira, a casa de Sam Thiago é um dos imóveis mais belos e emblemáticos da freguesia de Custóias. É um magnífico exemplo da arquitectura civil dos finais do século XVII e do poder económico que algumas famílias conseguiram alcançar nessa época. O conjunto arquitectónico é rodeado por belos jardins e possui uma casa senhorial, capela privada anexa às dependências.
A casa nasceu a partir de um terreno que pertencia ao Bailiado de Leça, que em 1604 era conhecido pelo nome de Meio Casal de Justa Gonçalves. Em 1804 pertencia à família Lopes e Domingos Gonçalves Lopes, capitão-mor e administrador da casa, que requereu o título de nobreza e o uso de brasão. Hoje podemos apreciar, no portão principal, o brasão de armas de que consta um escudo de forma elíptica, no qual estão representadas, no campo esquerdo, as armas dos Lopes (palmeira e um corvo de asas estendidas pousado nela) e, no campo direito, as armas dos Silvas (um leão). No entanto, é aqui que a decadência económica da casa de Sam Thiago se inicia, com o endividamento do capitão-mor Domingos Lopes, o que vai obrigá-lo a vender a propriedade, em 1850, à abastada família portuense Pestana da Silva”.
Fonte: “jf-custoias-lecabalio-guifoes.pt/”
 
 
 
Brasão de armas encimando o portão principal de entrada da Casa da Quinta de Sam Thiago
 
 
O Município de Matosinhos tem em curso um processo de classificação da Casa de Sam Thiago, como imóvel de interesse público.




José Joaquim Guimarães Pestana da Silva e a Causa Legitimista
 
 

José Joaquim Guimarães Pestana da Silva notabilizou-se também como político, nomeadamente, como partidário da causa Legitimista afecta a D. Miguel e, ainda, um católico de convicções profundas.
Diplomado em engenharia civil pela Escola Politécnica do Porto, em 1869, foi fundador da Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal e sócio do Centro Artístico do Porto, onde conheceu o escultor Soares dos Reis.
A propósito da sua ligação à causa de D. Miguel, chegou a visitar no seu exílio, na Áustria, o filho de D. Miguel, ou seja, D. Miguel II, tendo sido agraciado com o título de Conde do Bonjardim.
Em 1901, recebeu na sua casa no Porto um outro membro do ramo banido dos Braganças, o duque de Viseu.
Esteve ligado a diversos movimentos anti-liberais e facções tradicionalistas em toda a Europa (carlistas espanhóis e legitimistas franceses partidários dos Bourbons, entre outros).
Em 1938, já alguns anos após do falecimento do Conde do Bonjardim, a infanta D. Filipa, neta de D. Miguel, irmã do então pretendente D. Duarte Nuno e tia de D. Duarte Pio, de visita ao Porto e hospedada na casa dos condes de Campo Belo, em V. N. de Gaia, foi recebida na “Capela dos Pestanas” pelos herdeiros de José Joaquim Guimarães Pestana da Silva.
Na altura, foi realizada, aí, uma cerimónia presenciada por inúmeros monárquicos.
Após ser alvo de pilhagens, abandono e restauros, presentemente, a “Capela dos Pestanas” é gerida por uma fundação afecta à família.

quarta-feira, 10 de março de 2021

25.115 “José Rosas & C.ª” e o negócio do ouro, na Rua das Flores

 
Durante mais de um século, a partir de meados do século XIX, que a Rua das Flores, na sua ala setentrional, foi ocupada por ourivesarias, porta sim, porta sim.
Em 1955, ainda eram dezanove os estabelecimentos daquele ramo de actividade.
Entre eles, um dos mais antigos, veio a tornar-se a firma “José Rosas & C.ª”, na Rua das Flores, nº 245.

 
 
“José Rosas”, na Rua das Flores, em meados do século XX
 


A ala meridional dessa rua era ocupada pelas lojas dos mercadores, especialmente do ramo têxtil.
No século XIX, era moda, sobre a Rua das Flores, ser entoada a canção com o seguinte estribilho:
 
Adeus, cidade do Porto
Adeus, Rua das Flores
De um lado tens só ourives
Do outro tens mercadores
 
 
“José Rosas & C.ª” teve a sua origem na primitiva firma “Couto & Moura”, fundada em 1851, pelos sócios, Manuel Dias Couto e Vicente Manuel de Moura (1815-1908).
Este último, natural de Montalegre, tendo iniciado a sua aprendizagem, em ourivesaria, com cerca de 16 anos, na oficina do mestre Manuel Dias do Couto, tornar-se-ia sócio do seu professor. 
Vicente Moura chegado, então, com 16 anos, em 1831, à cidade do Porto, escolhe a actividade de ourivesaria para aprender uma profissão e terá como professor Manuel Dias Couto, que tinha estabelecimento na Rua de Santa Catarina.
Depois de um breve salto ao Brasil, retornou para, em 1851, abrir uma sociedade com aquele que tinha sido o seu mestre na arte de ourivesaria, com a firma Couto & Moura.
A partir de 1865, Vicente Moura exerceu o importante cargo de Contraste Ensaiador do Ouro no Porto, mas, por razões desconhecidas, acabaria por suscitar animosidade no poderoso meio corporativo portuense dos artesãos do ouro, demitindo-se no ano de 1881. Prosseguiria, no entanto, com esse ofício na Caixa Filial do Banco de Portugal, no Porto, tendo falecido no ano de 1908.
Por morte de Manuel Dias do Couto, ocorrida em 1865, Vicente Moura tinha ficado à frente do negócio até 1876, ano em que trespassou a loja ao genro José Aires da Silva Rosas, que já exercia a actividade de ourives, surgindo, assim, “José Rosas – Ourivesaria”.
José Rosas vai remodelar todo o funcionamento da ourivesaria e fazer-se acompanhar, na vertente da concepção das peças, da colaboração do escultor José Joaquim Teixeira Lopes.




José Ayres da Silva Rosas e Maria da Glória Moura com o seu filho José Rosas Junior 

 
 
 
Cartão Comercial de “José Rosas- Ourivesaria”

 
 
Catálogo de “José Rosas”, em 1903

 
 
Cartaz publicitário de “José Rosas – Ourives Joalheiro”, em 1905
 
 
 
Em 23 de Julho de 1909, entram para sócios da firma, seu filho José Rosas Júnior (1885-1958) e João Teixeira Duarte.
Com o falecimento de José Rosas (pai) em 7 de Setembro de 1923, na sua casa da Rua das Flores, e de João Teixeira Duarte, em 21 de Junho de 1944, a sociedade seria renovada.
Assim, em 1944, entra para a firma, Manuel Rosas, filho de José Rosas Júnior e de Maria Antónia de Castro Ramos Pinto Rosas, os quais passam a constituir a sociedade com denominação social de “José Rosas & C.ª”.

 
 
Logotipo de “José Rosas & C.ª”
 
 

De referenciar como marcos importantes para a sociedade, durante o século XX, o facto de José Rosas Júnior ter feito estudos em Londres e Paris e o seu filho Manuel Rosas ter tirado o curso de Gemólogo FGA, em Londres.
Sobre os trabalhos executados ao longo dos anos ficaram para a posteridade, entre outros, a “Espada de Honra de Mouzinho de Albuquerque”, que lhe foi oferecida pela Associação Comercial do Porto, em 1898, o “Cofre D. Manuel II”, oferecido pelas senhoras do Porto a este monarca por ocasião do seu casamento, em 1913, o “Cofre século XII”, oferecido pela Câmara do Porto ao Presidente da República, Marechal Carmona, em 1944, a “Cruz-Relicário S. João de Brito”, oferecida pelo governo Português ao Papa Pio XII, em 1947, a “Miniatura da Capela do Senhor do Padrão”, oferecida pela Casa dos Pescadores de Matosinhos ao Presidente do Conselho, Oliveira Salazar e o restauro das joias da coroa Portuguesa.
A aplicação de filigranas em peças de cristal e cerâmica e a edição, em 1903, do 1º catálogo de encomendas de joias por correio foram, também, marcos importantes na vivência da firma, durante o século passado.


 
“Cofre D. Manuel II” – Ed. Emílio Biel
 
 
 
 
“José Rosas & C.ª”, esteve presente em diversos eventos internacionais em representação de Portugal e nos quais foram obtidos assinaláveis prémios atribuídos às Secções Portuguesas de Ourivesaria, tendo concorrido e estado presente em exposições nacionais de que são prova, entre outras, as realizadas no Porto, em 1894, Lisboa ( 1905-1910-1923) e Lourenço Marques (actual Maputo) em 1948.


Publicidade a José Rosas & C.ª, em 1934


Em 1951, decorridos 100 anos sobre as primitivas origens da firma, o Dr. Artur Magalhães Basto acabou por escrever um livro comemorativo daquele centenário.


 
 
Obra comemorativa do centenário de “José Rosas & C.ª”

 
 


“José Rosas & C.ª”, na Rua das Flores, nº 245, no prédio à esquerda




“José Rosas & C.ª” localiza-se, actualmente, na Rua Eugénio de Castro, nº 280, ao Foco

 
 
“…a casa continuou com seu filho, Dr. Manuel Ramos Pinto Rosas, nascido em Nevogilde em 21 de Julho de 1921, biólogo de formação, mas com um curso de Gemologia em Londres. Nos anos 70 as instalações comerciais migraram para a zona da Boavista, na Rua Eugénio de Castro, onde se mantém até hoje”.
Fonte: “comerciocomhistoria.gov.pt/”