terça-feira, 16 de novembro de 2021

25.140 VILAR - Fábrica Nacional de Bicicletas

 
Esta unidade fabril estava situada na Rua do Bonjardim, 826-828, próximo, da Rua Heliodoro Salgado (Rua Dr. João das Regras).
A empresa “A Vilar - Vilarinho e Moura Lda.” foi fundada, em 1922, passando depois a fabricar sob a sigla FNB (Fábrica Nacional de Bicicletas), tendo sido o primeiro fabricante Português de bicicletas e motocicletas.
Foram seus fundadores António Pinto de Moura e Ilídio Horácio Rodrigues Vilarinho.

 
“Em 1930 recebeu a Patente de Introducão de Nova Indústria - que a converteu no fornecedor oficial da administração pública. Em 1938, inauguram com 280 operários as instalações da Rua do Bonjardim, Porto, projectadas pelos Arq. Alvaro da Fonseca e Alberto Bessa. Depois da II Guerra Mundial mudam-se para S. Mamede de Infesta.
Em 1950, seriam 450 os seus colaboradores. Produziram várias marcas com diversas motorizações e cilindradas, sendo as mais conhecidas a Vilar e a Perfecta, com motores Pachancho, JAP, Casal, Villiers, Cucciolo, HMW, Sachs, Demm, etc”.
Fonte: “motosdeportugal.com”
 
 
 
“A Vilar ficou famosa em Portugal pelas bicicletas que produziu, construídas desde 1922, com o precioso alvará obtido pela Vilarinho e Moura, Lda., sediada no Porto, na Rua do Bonjardim, 826.
A ideia de produzir bicicletas em série nasceu em 1921, graças ao mentor Ilídio Horácio Vilarinho, que aproveitou os bons contactos que tinha no Ministério da Indústria, para investigar a possibilidade de obter um alvará de construção de bicicletas em série, no Porto. Convenceu o seu cunhado, António Pinto de Moura, a criarem uma sociedade e é então que partem em viagem para França e Inglaterra, com o objetivo de visitarem as principais fábricas de bicicletas em tournée, que lhes deu uma visão absolutamente distinta do que se construía de forma artesanal no nosso país.
Durante a viagem, conseguiram encomendar a maquinaria necessária e acessórios e, no regresso, trazem consigo mil ideias para a fábrica. Logo que chegam ao Porto, põem mãos à obra: contratam desenhadores, operários, serralheiros, pintores, torneiros e mecânicos.
Obtêm a atribuição do desejado alvará e criam o emblema da Vilar, que irá marcar todas as bicicletas desde então: uma águia no seu esplendor, segurando uma roda dentada, com a cruz de Cristo no interior, contornada por um círculo azul, com as letras que formam a palavra VILAR, em cima, e PORTUGAL, em baixo.
Em 1922, lançam as bicicletas e o sucesso e imediato da fábrica não pára. Quando, em 1949, surgem os primeiros micromotores Pachancho, construídos em Braga por António Peixoto, a Vilar começa a idealizar um velocípede a motor.
Paralelamente, em Lisboa, Simão Chaskeslemann obtém a representação para Portugal dos motores Cucciolo, de 48cc a quatro tempos (Ducati), e cria a Micromotor no Largo do Mastro, 29. Para iniciar a revenda destes motores pelas casas de bicicletas contrata Jorge Pais Lobo, que será também o chefe de fila dos pilotos da equipa de corridas da Micromotor.
Chaskeslemann, que sonha ainda mais alto, vai ao Porto negociar com Ilídio Vilarinho. Ambos acreditam que unidos têm em mãos um valente negócio e decidem fazer uma parceria com o objetivo de colocar no mercado os melhores velomotores nacionais.
É acordado que Vilarinho fica com a distribuição de toda a zona norte acima de Aveiro e a micromotor desde Aveiro até Faro. Passado poucas semanas, fabricam os primeiros protótipos com roda 26 na nova fábrica nacional de bicicletas e motocicletas, no lugar da Ermida, em São Mamede de Infesta, os quais, depois de aperfeiçoadas e decorados, serão um sucesso.”
Cortesia de “migueloliveirafanclub.pt/”; Texto extraído de “As motos da nossa vida: uma viagem sentimental à memória das motorizadas portuguesas” de Pedro Pinto – Ed. Bertrand Livreiros
 
 
 
Local onde funcionou, até 1937, a fábrica de bicicletas da marca “Vilar” e onde, a partir de 1937, a fábrica passaria a contar com novas instalações depois das intervenções efectuadas – Fonte: AHMP



 
Desenho de projecto de ampliação de instalações da Fábrica Nacional de Bicicletas, em 1937, na Rua do Bonjardim. À esquerda, a Rua Heliodoro Salgado – Fonte: AHMP
 
 
 
No fim da década de 1930, após a ampliação das suas primitivas instalações da Rua do Bonjardim que tinham também saída para a Travessa das Musas, 71-77 (actualmente, a Rua de Raúl Dória), a Vilar que tinha começado pelo fabrico de bicicletas completas e acessórios de substituição, nomeadamente, cubos, aros e raios, já com cerca de dez anos de experiência e muito implementada no mercado, começou a fornecer acessórios e até quadros a outras marcas que iam surgindo, contribuindo para o rápido sucesso e crescimento da marca.

 
 

A Fábrica Nacional de Bicicletas, após as obras a que foi sujeita no fim da década de 1930, esteve por aqui, junto da casa onde nasceu em 11 de Fevereiro de 1863, o pintor do “Realismo”, Artur Loureiro - Fonte: Google maps

 
 
Placa de homenagem ao pintor Artur Loureiro, na fachada da casa onde nasceu - Fonte: Google maps
 
 
 
Bicicleta da marca Vilar – Cortesia de Fernando Carrilho
 
 
 
Em 1930, “A Vilar” conseguiu obter licenças de produção para a construção de motos.
Nesta altura, ainda não havia fabricantes de motos ou motores em Portugal o que levou a marca a virar-se para o mercado estrangeiro com o fim de obter motores fiáveis e quadros para equipar as suas motos. Procurava-se construir motos fiáveis a preços acessíveis, construindo riqueza para o país e criando emprego.
Com o lançamento das motas e ciclomotores, a fábrica começa a intitular-se como FNBM (fábrica nacional de bicicletas e motocicletas) e as motorizadas começam a sair da fábrica, entretanto já transferida para o Lugar da Ermida-S. Mamede de Infesta.
 
 
«O mercado de motocicletas encontrava-se em forte expansão em Portugal, através de importação muito forte de marcas com muita qualidade, como a BMW, DKW, Norton, Triumph Motorcycles, BSA, AJS, Coventry Eagle, Matchless, Ariel entre outras.
Devido a estes fatos, a Vilar tinha que ser muito rápida a lançar as suas motos, é então que Ílidio Vilarinho parte para Inglaterra na busca de um motor fiável e de fácil adaptação aos seus quadros, ou eventualmente quadros completos, tendo conhecido diversas marcas inglesas equipadas com o famoso motor Villiers.
Só em 1949 a Vilar fabricou seu primeiro modelo, a famosa Vilar 125cc. Segundo se consta só terão sido fabricadas 4 motos do 1º modelo, com motor Villiers de dois escapes com 122cm³, com a suspensão da frente em aço estampado com uma única mola central e traseira rígida.
A Vilar a partir deste ano, lançou muitos modelos de sucesso em Portugal até o fechamento da empresa em 1980.»
Fonte: “pt.wikipedia.org/”

 
 
Publicidade aos velocípedes da marca Vilar - Cortesia de "História-das-Motas-Vilar"
 
 
 
 
Texto de apresentação da Vilarinho & Moura, Lda., na Feira das Indústrias Portuguesas (FIP), em 1949, em Lisboa - - Cortesia de "História-das-Motas-Vilar"

 
 
A Feira das Indústrias Portuguesas, em 1949, foi organizada com a colaboração da Associação Industrial Portuense, decorrendo de 26 de Novembro a 18 de Dezembro, na Praça do Império, em Belém-Lisboa, com a presença de 250 expositores.

 
 
Por aqui, em Belém, decorreu em 1949, a 1ª FIP e, no ano seguinte, a 2ª FIP - Cortesia "Restos de Colecção"


 
Cartaz de promoção à FIP realizada em 1949 - Cortesia "Restos de Colecção"
 
 
 
Publicidade à FIP realizada em 1949 - Cortesia "Restos de Colecção"

 
 
Vilar Seta Pop, modelo de 1952, equipada com motor HMW 50 N3 – Cortesia de Alberto Santos Almeida
 
 


Exposição realizada no IST (Instituto Superior Técnico), em Lisboa, em 1953, com a participação da Vilar

 
 
A partir de 1957, e durante alguns anos, com o patrocínio da Vilar, passou a realizar-se pelas estradas do País uma prova de ciclismo denominada de “Grande Prémio Vilar”, que funcionava como uma preparação dos ciclistas para a “Volta a Portugal”.
Estando a fábrica de S. Mamede de Infesta a atravessar sérias dificuldades financeiras, quando tinha já nove sócios, entre os quais se contava o Dr. António (Cândido Miranda) Macedo, destacado dirigente do Partido Socialista, a 25 de Janeiro de 1989, seria adquirida pelo ex-corredor de bicicleta Joaquim Leite, proprietário, à data, da “Bicimotor”, uma empresa fundada em 1983, com loja na Rua de Sá da Bandeira e que era uma das filiais da Fábrica Vilar.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

25.139 Os Armazéns do Anjo

Tudo começou quando, em 1890, um caixeiro-viajante de uma fábrica da Covilhã, João M. Fonseca de Castro propõe a Manuel dos Santos, um sócio da Camisaria Aliança, a constituição de uma sociedade para tomarem de passagem aquele estabelecimento.
A sociedade acaba por se concretizar com a participação de um terceiro sócio, A. Henrique Simões.
A firma Simões Santos & Castro reduz-se, no ano seguinte, a Simões & Castro, por óbito do sócio Santos e, nessa altura, surge o registo como Armazéns do Anjo, dado o estabelecimento estar situado na zona da Praça do Anjo.
 
 

À direita da foto, c. 1900, é possível observar os “Armazéns do Anjo”, de Simões & Castro, com estabelecimento voltado para Praça dos Voluntários da Rainha
 
 
Passado pouco tempo, a sociedade atrás referida, desfaz-se e fica Fonseca de Castro como único proprietário, em instalações ao cimo da Rua das Carmelitas, na esquina com a Praça dos Voluntários da Rainha.
 
 

Armazéns do Anjo nas suas instalações primitivas, na Rua das Carmelitas
 
 
“Aos Banhistas: fatos de banho, para senhoras, a 3$500 réis; gravatas de foulard. Armazéns do Anjo, rua das Carmelitas 1-6, antiga Casa Agostinho”.
In, jornal “A Voz Pública”, de 7 de Agosto de 1901, pág. 3
 
 
Entretanto, dado o processo de urbanização do Bairro das Carmelitas, Fonseca de Castro está perante a necessidade de ter de abandonar as instalações que ocupava.
Perante esta situação, decide convencer o capitalista José António Lopes Coelho a adquirir o prédio que até aí ocupava, construir um outro de acordo com as directivas camarárias para o novo bairro e a arrendar, posteriormente, o espaço de lojas do novo edifício.
Assim, em 1905, o capitalista José António Lopes Coelho solicita, em 17 de Abril de 1905, à Câmara do Porto, a respectiva licença de construção de um prédio, em terreno que possuía na Rua das Carmelitas, cujo projecto tinha a particularidade de possuir duas lojas, à face da rua.
Aquela personalidade tinha sido em 1892, presidente da Associação Comercial do Porto.

 
 

Requerimento de licença que obteve o nº 61/1905 - Fonte: AHMP
 
 
De acordo com o plano inicial, concluído o novo edifício, José António Lopes Coelho arrenda-o a J. M. Fonseca de Castro, que vai desenvolver numa das lojas, um negócio de tecidos finos virada para a burguesia e, na outra, um negócio de feição mais popularucha.
Enquanto decorreram os trabalhos, a firma atende os seus clientes instalada nas traseiras da Praça do Anjo, num barracão construído para o efeito.
Inauguradas as novas instalações em 1908, acontece a entrada, nesta data, para servir a firma, do marçano Arnaldo José Rodrigues, natural de Castro Vicente, Concelho de Mogadouro, que impõe ao negócio uma feição popular.


 

Publicidade, em 1908, aos Armazéns do Anjo, em novas instalações

 
 

Armazéns do Anjo, à esquerda, junto da Livraria Lello & Irmão, em 1910 – Fonte: Guia do Porto Illustrado, Carlos de Magalhães


Armazéns do Anjo durante um desfile pela Rua das Carmelitas



Em 1916, face ao dinamismo de Arnaldo, acaba por acontecer a formação de nova sociedade sob a firma Castro & Arnaldo Rodrigues.
Por esta altura, já Arnaldo casara com Aurélia Mariani, da conhecida família de industriais de V. N. de Gaia, cujo pai, Aníbal Mariani Pinto, viria a ser o continuador do negócio que  seu avô José Mariani tinha começado em 1880.
A “Fábrica de Fiação e Tecidos de José Mariani & Filhos” conhecida, também, por Companhia das Devesas, foi fundada em 1880, na Rua do Barão Corvo, «à beira da estrada de Coimbrões, um pouco ao sul da estação do caminho-de-ferro».
Em 1881, tinha 76 operários e, em 1911, 80 funcionários.
Segundo o sindicalista, também esporadicamente deputado, Vítor Ranita, na sua obra Movimento Operário Portuense: nascimento e evolução (1850-1914), a Fábrica de Fiação e Tecidos de José Mariani & Filhos destacava-se das suas congéneres pela ausência de greves:
 
…na Fábrica José Mariani quase nunca houve greve, facto que terá levado o patrão a deixar por herança aos seus trabalhadores 1 a 4 semanas de salário, segundo a sua antiguidade na empresa.”
 
 
Por outro lado, Aníbal Mariani Pinto, nos primeiros anos do século XX, chegou a assumir a gestão da Fábrica Cerâmica das Devesas da qual se tornou accionista, em 1906.


 
 

Fábrica de Fiação e Tecidos de José Mariani & Filhos, em gravura de 1918

Voltando à narrativa sobre os Armazéns do Anjo, o casamento de Arnaldo Rodrigues dava frutos. 



Arnaldo Rodrigues e as suas filhas


Quanto ao negócio, seria apanhado numa conjuntura de guerra, acabando por enveredar por uma vertente mais popular. 
Assim, numa tentativa de sobreviver à crise, são arrematados pelos Armazéns do Anjo diversos lotes de tecidos a bons preços, provenientes da liquidação dos Armazéns Hermínios. 
É, então, aberta uma sucursal na Rua dos Clérigos e outra em Fernandes Tomás.
 

 

Armazéns do Anjo instalados nas lojas exteriores do mercado do Bolhão, na Rua de Fernandes Tomás, c. 1930

 
 

Publicidade aos Armazéns do Anjo, em 1934
 
 
 

Os Armazéns do Anjo estiveram nesta esquina na Rua Alexandre Braga – Fonte: Google maps
 
 
Em 1923, Arnaldo Rodrigues fica com todo o activo e passivo da firma, até aí existente, que é dissolvida.
Fonseca de Castro passa a dedicar-se à indústria como sócio da Fábrica de Tecidos de Vilarinho, em Vizela.
Em 1925, ultrapassada, em parte, a crise, é aberta uma loja na esquina das ruas Formosa e Alexandre Braga, dirigida a uma clientela mais seleccionada.
Em 1926, os Armazéns do Anjo passam a sociedade anónima, na qual Arnaldo Rodrigues é o accionista principal e dá-se, então, a entrada de novos capitais.

 

Publicidade aos Armazéns do Anjo
 
 
Em 8 de Julho de 1928, Arnaldo Rodrigues que, entretanto, face a uma abastada situação económica, se tinha tornado um entusiasta dos automóveis de alta cilindrada, numa viagem de volta da Foz, pelas 23 horas, acompanhado por um amigo e do seu criado de nome Ambrósio, sofre um acidente, no Bicalho, em Massarelos, devido à velocidade excessiva do seu Packard…e cai ao rio. Salva-se o empregado, mas ele não resiste aos ferimentos e morre. O amigo sucumbirá no dia seguinte.
 
 
 

Arnaldo Rodrigues ao volante do seu automóvel



Após o falecimento de Arnaldo Rodrigues, com o decorrer dos anos, as diversas sucursais dos Armazéns do Anjo autonomizaram-se e passaram a ser administradas por vários dos seus descendentes, continuando a ser, porém, uma referência no comércio da cidade.
Devido à estruturação da firma na forma de sociedade anónima foi possível subsistir por acção da gerência de José Júlio Mariani e por um familiar por afinidade, Fernando Agrelos.
As sucursais dos Armazéns do Anjo, com os processos de divisão familiar acontecidos ao longo do tempo acabaram por se autonomizar e sobreviveram, com excepção da casa das lãs da Rua dos Clérigos.
Segundo as informações do professor da Faculdade de Letras-U.P., Jorge Fernandes Alves, na revista “O Tripeiro” (7ª série, Nov 1995), em 1995, a casa mãe da Rua das Carmelitas já tinha sido alienada, continuando na mão de descendentes de Arnaldo Rodrigues, a de Fernandes Tomás, que passou pela gestão de duas netas de Arnaldo e a da Rua Formosa, de uma das suas filhas, de seu nome Maria José Mariani Rodrigues, neta de Aníbal Mariani Pinto e bisneta do patriarca da família Mariani, José Mariani que, oriundo de Itália, adoptou o José em vez de Giuseppe.
Aníbal Mariani foi proprietário da Villa Alice, morada de Fanny Owen.

 
 
 
O patriarca da família Mariani com os seus filhos


Em época natalícia, em frente, c. 1960, na esquina das ruas de Alexandre Braga e Formosa, a loja dos Armazéns do Anjo de gerência de Maria José Mariani Rodrigues




Maria José Mariani Rodrigues - foto cedida por cortesia de Paulo Almeida Amaral



 Hoje, os Armazéns do Anjo são só memória.
 



segunda-feira, 18 de outubro de 2021

25.138 Luiz I em duas visitas ao Porto


Visita em 1882 - uma ementa sem a alma portuense
 
Em pleno Verão de 1882, o reino, na pessoa do rei Luiz I, procede à inauguração da linha ferroviária da Beira Alta.
O evento merece a presença da família real, de membros do governo e de algumas individualidades da sociedade portuguesa da época.
A ocasião, é aproveitada pelo rei para visitar os seus súbditos do Norte.
Ao longo de quase duas semanas, Luiz I e sua família percorrem a Beira Alta, visitam o Porto, sobem ao Minho, dão um salto ao Douro e tentam reforçar a imagem da monarquia e, principalmente, de um governo que tinha alguma oposição.
O séquito real chefiado pelo casal Luiz I e Maria Pia, depois de cumprir o programa na Beira Alta, parte da Pampilhosa no dia 8 de Agosto de 1882, em trem real, às 2 horas e 13 minutos.
O rei permaneceria na cidade do Porto até ao dia 13, ao meio dia.
 
 
 
Estação da Pampilhosa – Fonte: “Um estrangeiro na inauguração da Linha da Beira Alta (1882)” de Hugo Silveira Pereira – Revista de História da Sociedade e da Cultura
 
 
 
Nessa mesma tarde, chega Luís I ao Porto, à Estação do Pinheiro de Campanhã.
Numa época em que os cabeçalhos das notícias corriam à velocidade do telégrafo e as crónicas tomavam os trens ou a mala-posta, o Diário Illustrado dá-nos conta do que se passou durante a visita de suas majestades à cidade do Porto.
Começava com um resumo do programa vivido pela comitiva real, em telegramas, emitidos a 9 de Agosto, mas publicados, apenas, no dia seguinte.
 
 
Diário Illustrado de 10 de Agosto de 1882
 
 
Nos telegramas transcritos anteriormente, o correspondente do Diário Illustrado refere a recepção que o rei deu no Paço, cerca das duas horas, no dia 9 de Agosto.
Durante a cerimónia, seria agraciado com uma medalha por “mérito, filantropia e generosidade” o Cego de Maio, vindo propositadamente da Póvoa de Varzim e que, desde Dezembro de 1881, já era possuidor da condecoração de Torre e Espada e, nesse ano, tinha sido nomeado patrão do salva-vidas da Póvoa
O poveiro desloca-se ao Paço (Palácio dos Carrancas e actual Museu Nacional Soares dos Reis) e, em troca do galardão, diz-se que entregou ao monarca umas conchas (entre eles os minúsculos e muito apreciados beijinhos) do mar da Póvoa e terá dito, segundo alguns autores: Uma prenda para os "cachopos".
O Cego de Maio, cujo nome de baptismo era José Rodrigues Maio que, na verdade, não era cego e, apenas, tinha uma belida num olho, foi um pescador interveniente em muitos salvamentos de pescadores em dificuldades, na Póvoa de Varzim.
Em continuação da reportagem da visita real ao Porto, em 11 de Agosto, o Diário Illustrado pormenorizava, em crónica, um pouco mais detalhada, o que se tinha passado desde o desembarque em Campanhã, até à entrada no Paço, na Rua do Triunfo.
 
 
 
 
Diário Illustrado de 11 de Agosto de 1882, dando conta de telegramas recebidos no dia anterior
 
 
 
Praça D. Pedro, c. 1890
 
 
 
No dia 12 de Agosto, o Diário Illustrado completava, numa crónica do seu correspondente, assinada em 10 de Agosto, o noticiário dos acontecimentos da estadia real relativos, ainda, ao primeiro dia (9 de Agosto).

 
Diário Illustrado de 12 de Agosto de 1882
 
 
 
Teatro do Príncipe Real (actual Teatro Sá da Bandeira), à esquerda, em 1888



Diário Illustrado de 13 de Agosto de 1882
 
 
Mas, de facto, aquela ementa do almoço oferecido pela Câmara Municipal, no dia 12 de Agosto, foi o acontecimento ideal para que a oposição ao governo zurzisse os governantes parolos, que administravam a Câmara.
O periódico de Lisboa “A Nação” (Jornal Religioso e Político), pela pena do seu colunista J. M. M. de Seabra, referindo-se à ementa do referido almoço, escrevia, em 15 de Agosto de 1882:
 
 


 
O Rei Luís I e a rainha Maria Pia visitando o Porto – Obra de Leonel Marques Pereira (Lisboa, 1828 — Lisboa, 30 de Junho de 1892) exposta no Palácio Nacional da Ajuda
 
 
No Diário Illustrado, numa secção intitulada “Correio da Noite”, de publicitação de cartas dirigidas à redacção, a propósito da visita real ao Porto, podia-se observar um panorama muito diferente do evidenciado pela realidade oficial.
 
 
Diário Illustrado de 14 de Agosto de 1882


 
 
Visita em 1887 - registo em gravação na pedra, em Matosinhos
 
 
Dir-se-á que quem viu uma visita real à cidade do Porto, as viu todas.
Não será bem assim, mas quase.
Deste modo, a partir de 25 de Setembro de 1887, e durante algumas semanas, o casal real, formado por Luiz I e Maria Pia, visitou a cidade do Porto e o Norte do País.
Aquele foi o ano em que entrou em funcionamento o tabuleiro inferior da ponte que tem o nome daquele monarca, quando o tabuleiro superior já tinha sido inaugurado a 31 de Outubro do ano anterior.
 
Luiz I
 
 
Como noutras visitas, após a chegada à Estação de Campanhã, em 25 de Setembro, às 5 horas da tarde, seguiu-se o habitual cortejo até ao Paço da Torre da Marca, à Rua do Triunfo.
Durante a estadia real, as praças e ruas da baixa portuense estavam, como de costume, profusamente iluminadas (a gás).
Na 2ª Feira, 26 de Setembro, o programa começaria a ser cumprido com uma visita à Exposição Industrial, instalada no Palácio de Cristal, durante a qual a rainha Maria Pia e a princesa Amélia apreciaram, sobretudo, os trabalhos de ourivesaria em filigrana, executados por artistas originários dos arredores da cidade do Porto.
Ao visitar a secção de Belas-Artes, o visconde da Trindade ofereceu ao rei um quadro da autoria de Ricardo Hogan (1843 – 1890) intitulado “Sahida a noute do teatro D. Maria” que custou 120000 réis.
O programa prosseguiria pelo vizinho Museu Industrial e Comercial a funcionar ali, bem perto, no chamado Circo Olímpico, onde foram anfitriões Oliveira Martins e Joaquim Vasconcelos, o conservador do museu.
O Circo Olímpico, também referido muitas vezes como o Circo do Palácio, situava-se entre o Quartel (ao Palácio) e a Rua da Restauração, tendo sido utilizado como um complemento ao Palácio de Cristal, durante a Exposição Internacional de 1865.
Durante muitos anos, a ligação entre esses terrenos e o Palácio de Cristal era feita por uma ponte, visível na foto abaixo.
 
 
 
Circo Olímpico
 
 
À noite, no teatro S. João, a companhia do actor Taveira interpretou a comédia “Clara Soleil”, tendo os soberanos abandonado e recolhido ao Paço, ao fim do 2º acto.
Nesta viagem, seria atropelado um vendedor de jornais na Rua de Santo António.
Durante esta visita real, teve foros de novidade a ida a Matosinhos, no dia seguinte, para observação das obras a decorrer na construção do Porto de Abrigo de Leixões.
De facto, o que é hoje um grandioso porto comercial, começou por ser um singelo porto de abrigo.
Partindo da estação da Boavista, o comboio real seguiu até à Senhora da Hora, deu um salto às pedreiras de S. Gens e seguiu pelo Ramal de Leixões até ao molhe sul do porto de abrigo, em construção, em Matosinhos, desde 1884.
Projectado pelo engenheiro Afonso Nogueira Soares, foi adjudicada a grandiosa obra à firma “Dauderni et Duparchy”, pela fabulosa quantia de 4 milhões e 489 mil réis, sendo inaugurada em 1895.
Para a construção dos dois molhes que formariam a enseada (95 hectares) de abrigo, foi pela empresa construtora encomendados às oficinas de uma empresa francesa sedeada em Fives, arredores de Lille, a “Fives-Lille Company”, dois gigantescos guindastes, cada um deles com 69 metros de comprimento, pesando 420 toneladas e erguendo-se a uma altura de 17 metros, accionados por uma máquina a vapor de 50 cavalos, alimentada por duas caldeiras que usavam o carvão como combustível e que, pela sua envergadura, ficaram conhecidos por Titãs ou Titans.
Movimentando toneladas de pedra obtidas, primeiro nas pedreiras de Aguiar, em Santa Cruz do Bispo (na margem direita do rio Leça) e, depois, por extinção daquelas, nas pedreiras de S. Gens, em Custóias (na margem esquerda do rio Leça), foram por aquelas bestas mecânicas construídos, metro a metro, pelo mar adentro, os molhes do porto de abrigo, sendo que o do lado norte viria a ter 1579 metros e, o do lado sul, 1147 metros.
Para além dos molhes do Porto de Leixões haveria de ser construído, alguns anos (década de 1940) mais tarde, um quebra-mar que, elevando-se apenas um metro acima do zero hidrográfico, prolongava em mais algumas centenas de metros o Molhe Norte. Terminava este esporão numa plataforma onde emergia um farolim – o Farolim do Esporão.
 
 
 
Farolim do Esporão
 
 
 
Titan (após recuperação) ou Titã, no molhe sul de Matosinhos, em 09 de Outubro de 2021 – Ed. Graça Correia
 
 
 
Memória evocativa da visita real, que ainda pode ser observada no molhe Sul
 
 
 
“Às 2 horas e 40 minutos dava o comboio entrada naquela ridente povoação da beira-mar. Outro espectáculo soberbo. A população piscatória e a outra que não se emprega nos trabalhos arriscados do mar, os banhistas e os forasteiros, apertavam-se, comprimiam-se em longas filas, por cima dos muros, nos terrenos elevados, nas janelas das casas próximas, que ostentavam colchas de damasco.
Os morteiros e os foguetes faziam um estrondo de ensurdecer, não deixando ouvir nada e pondo medo às crianças, que se achegavam dos pais, timoratas, medrosas. E no entanto, nada mais belo do que aquele entusiasmo febril pelos ilustres personagens que o Porto acolhe.
O comboio real recebeu aí o sr. conselheiro e ministro de Estado honorário Barjona de Freitas, que foi cumprimentar a família real, acompanhando-a no resto da viagem. Sendo necessário fazer uma manobra, o comboio teve ali uma pequena demora e em seguida avançou para o muro de abrigo do sul.
O comboio percorreu-o em quase toda a sua extensão, cerca de 700 metros pelo mar dentro. O grande Titã, esse engenho possante de invenção maravilhosa, engalanava-se de bandeiras; uma filarmónica tocava o hino de el-rei, queimando-se muitos foguetes. A família real, saindo da carruagem, assistiu, bem como todos os convidados, à colocação, por meio de um pequeno guindaste, de uma pedra no muro de abrigo, pedra que em letras abertas e douradas tinha a seguinte inscrição: «27 DE SEPTEMBRO DE 1887 – VISITA DE S.M. EL-REI D. LUIZ Iº». Por cima tinha as armas nacionais muito bem lavradas. A pedra foi colocada rápida e perfeitamente.
A Família real dirigiu-se para a extremidade do muro, onde o sr. Bartissol, para satisfazer o natural desejo de el-rei, o informou amiudamente dos trabalhos realizados e a realizar, dos processos usados na construção daquela monumental obra de arte, etc.
Em seguida o Titã mostrou os seus prodígios, levando uma vagonete com grandes calhaus do peso de 10 toneladas métricas, pouco mais ou menos, e arremessou-os ao fundo do mar, espadanando a água a grande altura. São estes os trabalhos do enrocamento, realmente admiráveis. Aqui foi apresentado a el-rei pelo sr. Bartissol o hábil engenheiro director técnico daquelas obras, o sr. Wiriot, com quem el-rei se demorou conversando durante algum tempo.
Retirando-se, o comboio recuou pelo mesmo caminho, assistindo a família real aos interessantes trabalhos da grua, vendo-a mover, levantar facilmente um enorme bloco de pedra e cimento e colocá-lo em cima de uma zorra.
Os trabalhos aqui não foram menos importantes. O comboio percorreu-o também na extensão de uns 700 metros. Eram 3 horas e 25 minutos. A família real, desembarcando, assistiu também à colocação no muro de abrigo de outra pedra em tudo idêntica à que anteriormente fora colocada no molhe sul, isto é, com as mesmas armas e a mesma inscrição. Ao findar este trabalho, um dos empregados da empresa, que tinha no braço esquerdo um laço de fita azul e branca, levantou vivas a el-rei, à rainha, príncipes, incluindo o da Beira, e finalmente a toda a família real.
A banda do Regimento de Infantaria 10 executou o hino real, sendo queimados muitos foguetes. Na extremidade do muro o engenheiro sr. Afonso Joaquim Nogueira Soares esteve explicando a el-rei a forma como eram colocados os blocos, dando-lhe outras informações que S.M. ouvia com vivo interesse.
Uma zorra conduziu para junto do grande Titã deste molhe um bloco que tinha a seguinte inscrição gravada: «BLOCO COLOCADO NA PRESENÇA DE EL-REI D. LUIZ E DE SUA AUGUSTA FAMÍLIA NO DIA 27 DE SEPTEMBRO DE 1887». O prodigioso aparelho levantou-o da zorra por meio de correntes de ferro, ergueu-o ao ar e desceu-o até ao mar, colocando-o em cima dos outros. Mas não se julgue que todo este trabalho, que o braço humano decerto não poderia desempenhar, leva muito tempo.
Nada disso: 10 minutos, se tanto, são suficientes para esta operação.
S.M. el-rei ficou tão satisfeito com o que viu, observou tanta ordem e método em todos os trabalhos, que, chamando o sr. Bartissol, comunicou-lhe que o agraciava com o título de visconde de Bartissol.
Por essa ocasião correu o boato de que S.M. dispensaria outras mercês honoríficas a vários cavalheiros do pessoal superior das obras do porto de Leixões. Achamos justas estas distinções ao mérito.
No Leixão grande, que ainda fica a bastante distância dos muros de abrigo, achava-se hasteada a bandeira nacional. Outros rochedos, que demoram perto, conhecidos pelos nomes de «Lajedo», «Salgueiro» e «Galinheiro», destacavam-se pela sua isolação.
Passava das 4 horas da tarde quando a família real se retirou no comboio com os convidados até ao pavilhão levantado fora do muro de abrigo, onde ia ser servido o lanche.
Manifestação marítima
Além das manifestações que em terra se deram, por ocasião da visita da família real ao porto de Leixões, uma outra se realizou, fervorosa e entusiástica. Esta manifestação foi de uma originalidade e de uma espontaneidade características.
Eram perto das 2 horas, quando o possante rebocador “Galgo”, embandeirado em arco, levantou ferro do cais da Estiva e se dirigiu, com vertiginosa velocidade, para a boca da barra.
A bordo do rebocador reuniu-se um grupo distinto da colónia inglesa, alguns alemães, russos e portugueses. Os seguintes nomes darão uma ideia das pessoas que se achavam no vapor: srs. Carlos Coverley, Roger Coverley, Hermann Burmester. A.J. Shore, George Mason, Otto Burmester, Franz Burmester, C.J. Schneider. J.D. Smith, Edouard Rumsey, Carlos Wengorovius, Alberto Kendall, J.S. Johnson, o engenheiro do Lloyd, Ennor; o vice-cônsul da Grã-Bretanha, Honorius Grant; o vice-cônsul da Rússia, Álvaro Smith de Vasconcelos; Ernesto José de Carvalho, Isaac Newton, Ellicot, John Teage, Henrique Delaforce, o engenheiro-civil W.P. Routh, Irineu Pais, Albino Pereira Soares, José Vicente Domingues, o capitão do vapor inglês “Mallard”, sr. Hayes; o capitão do “Minerva”, sr. Burrel; o capitão do “Lisbon”, sr. Mac-Nab; os capitães russos srs. J. Skuja e Noacki, José Luiz Gomes Sá e Carlos Lourenço da Cruz.
O “Galgo” atravessou rapidamente toda a distância que medeia entre o cais da Estiva e a barra. O mar mostrava-se um pouco picado, como se diz em linguagem marítima, mas o possante rebocador sulcava indiferente as ondas mais alterosas, espadanando em volta flocos de espuma que a proa e o hélice faziam surgir constantemente.
Bem depressa a povoação da Foz ficou à ré do vapor, distinguindo-se em seguida as casas de Matosinhos e Leça, assim como os dois molhes do porto de Leixões, em cujas extremidades se viam, na sua imobilidade, os grandes Titãs, semelhantes a dois enormes canhões Krupp. Momentos depois, o “Galgo” fundeava na espécie de enseada formada pelas pedras de Leixões e os dois paredões em construção, junto do molhe sul.
A família real ainda não havia chegado, mas por toda a extensão da praia via-se a multidão movendo-se e girando em todos os sentidos. O aspecto do porto, visto do ponto em que o “Galgo” se encontrava fundeado, era realmente belo e cativante.
Uma multidão de pequenas embarcações, canoas, caíques, botes, guigas, etc., singrava por aquelas águas em todas as direções, com bandeiras multicolores, tremulando agitadas ao impulso do vento. No meio destas embarcações destacava-se, pela real beleza das suas formas, pelo airoso do seu porte, a chalupa pertencente ao sr. Alão Pacheco, a bordo da qual se achava este cavalheiro com sua esposa. A chalupa embandeirava em arco. Além desta chalupa ainda cruzavam o porto dois pequenos vapores, o “Rápido” e o “Ligeiro”, tendo num deles sido visto a bordo o engenheiro sr. Guedes Infante e o lente da Escola Médico-cirúrgica sr. Cândido Augusto Correia de Pinho.
Entretanto, a bordo do “Galgo”, os srs. Roger e Carlos Coverley mandavam servir amavelmente um abundante e bem servido lanche. A brisa marítima, a pequena excursão através daquele limitadíssimo espaço do Atlântico, tornavam altamente amena aquela refeição em que todos mais ou menos fizeram honra às iguarias, ao vinho do Porto e ao Champanhe.
Pouco antes de terminar o “lunch”, o sr. Carlos Coverley brindou pelo rei de Portugal e sua real família, sendo este brinde entusiasticamente correspondido por entre vivas, hurrahs e aclamações. Neste comenos ouviu-se o silvo de uma locomotiva. Era o comboio real que se aproximava e que foi parar perto do Titã do molhe sul. Quando el-rei, a rainha e os príncipes se apearam da carruagem, e se dirigiram para mais próximo do enorme guindaste, todos os que se achavam a bordo do “Galgo”, empunhando taças cheias de Champanhe, irromperam em repetidos vivas e hurrahs, silvando nessa ocasião por três vezes a sirene do vapor. A mesma demonstração deu-se quando SS. MM. E AA., depois de verem trabalhar o gigantesco Titã, se retiraram, tomando o comboio a direcção do molhe norte.
O “Galgo” também se foi postar galhardamente em frente aquele molhe, repetindo as anteriores demonstrações, quando a família real chegou ali.
Por essa ocasião assistiu-se ao desfilar de uma esquadrilha de barcos de pesca que, içando as largas velas latinas que o vento entumecia com gracioso donaire, foi passando por diante da extremidade do molhe sul, fazendo uma longa e pitoresca curva, que maravilhosamente se ia prolongando e tinha todos os encantos de uma verdadeira e original surpresa.
Todos os olhos se haviam fixado naquele pitoresco quadro, formado por grande número de barcos, cujos nomes eram também tão pitorescos como os homens que os tripulavam. Eis alguns desses nomes recolhidos na rápida carreira com que passavam à vista, deixando-lhes a sua textual ortografia: “Aqui estou em Casa de Deus”, “Sra. Da Gonia”, Sra. da Juda”, “Sr. do Alivo”, “Paraiso Rial”, “D. Luiz”, “Erodes de S. João”, Sr. do Soreato”, ”Sra. do Bomsucesso”, etc.
E lá foram todos estes barcos para a sua faina da pesca, e decorridos alguns momentos, na amplidão do Oceano apenas eram uns pontos que se destacavam na nublada faixa do horizonte.
No porto, entretanto, a animação era cada vez maior; a família real passara ao pavilhão onde lhe fora servido o lanche; as pequenas embarcações pululavam e cortavam em todos os sentidos a ampla enseada; um outro vapor, o “Victória”, viera também juntar-se à festiva manifestação marítima; os foguetes estouravam nos ares, as músicas faziam ouvir o hino real; por toda a parte uma enorme expansão de alegria, de fervoroso entusiasmo, de festival júbilo.
Algumas das pequenas embarcações estavam cheias de senhoras, que não receavam arrostar as ondas do mar. E que variedade de formas e tamanhos tinham os barcos que animavam a ampla baía! Ali foi vista a pequena canoa tripulada por um homem só e movida por uma pequena pá; os caíques com dois remadores; um outro movido a rodas; os botes, as chalupas e as guigas, a quatro, seis e mais remos. Uma variedade difícil de descrever. E todos estes barcos se haviam reunido ao longo do molhe norte, e quando a família real deixou o pavilhão para se retirar, era maravilhoso contemplar o aspecto produzido por aquela esquadrilha de pequenas embarcações, donde irrompiam entusiásticos vivas, e donde se viam milhares de lenços brancos acenando, ao mesmo tempo que o silvo do “Galgo” parecia querer superar todos os ruídos com o seu som ronco, sonoro e penetrante.
A família real, no entanto, deixava o porto de Leixões, e a debandada era geral. Na praia via-se um movimento e um fervilhar continuo, de quem queria ainda uma vez ver os régios personagens. Estava finda a grande festa do trabalho, e os barcos que não temiam o embate do mar, preparavam-se para ir em demanda da barra”.
In jornal “Comércio do Porto”, de 28 de Setembro de 1887
 
 
 
Rebocador “Galgo” (col. de Francisco Cabral)- Fonte: “naviosenavegadores.blogspot.com”
 
 
 
Finda a visita ao porto de abrigo de Leixões, a comitiva regressou, em trens, ao Porto, passando pela Foz e pelo Passeio Alegre.
O semanário “O Occidente”, nº 308, de 21 de Outubro de 1887, dá-nos também uma ideia dos acontecimentos ocorridos no dia que se seguiu à visita a Leixões.



Revista “O Occidente”, nº 308, de 21 de Outubro de 1887
 
 
Após a recepção no Paço teve lugar, à noite, um jantar de gala.
No dia 29 de Setembro, o rei, acompanhado por uma comitiva de 300 pessoas, expressamente convidadas pela Companhia Nacional de Caminhos de Ferro e que seguiram em comboio com horário mais madrugador, dá um salto a Mirandela para a inauguração da linha férrea de Foz Tua a Mirandela.
Em Paredes, Penafiel, Mosteirô, Ermida, Rede, Régua, Pinhão, Covelinhos e Foz Tua, as manifestações de regozijo das populações foi uma constante.
O “lunch”, de 250 talheres, seria servido na estação de Mirandela, devidamente preparada para o efeito, e servido pela casa “Ferrari” de Lisboa.
Após as cerimónias e respectivas festividades deu-se, já noite, o regresso a casa.
O dia 30 de Setembro, seria dedicado a uma visita a Vila do Conde para a inauguração de alguns melhoramentos ligados à actividade da pesca.
O dia 1 de Outubro, foi dedicado a visitas ao Hospital do Conde de Ferreira de que era director o Dr. António Maria de Senna, coadjuvado pelo Dr. Júlio de Matos e ao Hospital de Crianças Maria Pia.
À tarde, seria lançada a primeira pedra, ao Campo 24 de Agosto, junto dos lavadouros, da Escola Industrial “Faria Guimarães”.
Houve também uma visita à Fábrica de Fiação de Salgueiros e, à noite, baile na Assembleia Portuense, com a ceia servida à meia-noite.
O Domingo, 2 de Outubro, começou com a distribuição de prémios no Palácio de Cristal, aos alunos que se destacaram no ano lectivo, tendo ainda sido alvo de visita a Oficina S. José e sendo ainda visitada a Associação dos Bombeiros Voluntários.
À noite, no Teatro Gil Vicente do Palácio de Cristal, realizou-se uma sessão interpretada por amadores, em benefício da Creche de S. Vicente Paulo.
No dia 3, depois de uma parada no Campo da Regeneração e do consequente desfile militar, seguir-se-ia uma sessão fotográfica na “Fotografia União”, dos proprietários António Correia da Fonseca e Miguel Fernandes Ferrer.
À tarde, foram lançadas as obras do molhe norte do porto da Póvoa de Varzim, e o almoço que aí foi servido teve a presença do conhecido abade de Priscos.
À noite, já no Porto, ocorreu o habitual baile do Club Portuense, com a formação das habituais quadrilhas.
No dia seguinte, 4 de Outubro, foi a partida para Braga.
Antes, houve missa na Capela de Carlos Alberto, ao Palácio de Cristal e visita às recentes instalações da Escola Normal (inaugurada em 1883), na Rua da Alegria e à Fábrica de Fiação Portuense.

 
 
Gravura da Capela de Carlos Alberto, em 1888, elaborada a partir de fotografia publicada na revista “O Occidente” – Fonte: GISA
 
 
 
Com a comitiva real a cumprir o calendário inerente à visita programada, no dia 7, o rei e os príncipes sairiam de Braga para Lisboa, para tratarem de assuntos da corte.
Retornando, a 10 de Outubro, à casa de partida, onde tinha permanecido a rainha, desdobrando-se e ocupando-se, naquele período, em programa próprio, seguir-se-ia uma passagem pelo Gerês, palco de uma caçada em Leonte, com a participação de centenas de caçadores.
 
 
“Criados, a nível nacional, os Serviços Florestais em 1886, à criação do Perímetro Florestal do Gerês, em 1888, não deve estar alheia a visita que, de 12 a 15 de Outubro de 1887, a família real efectuou à nossa terra, dela fazendo palie os monarcas D. Luís I e D. Maria Pia, assim como o príncipe D. Carlos e sua esposa D. Amélia, tal como o infante D. Afonso, além de numerosa comitiva. O objectivo primordial dessa visita foi o de uma grandiosa caçada aos corços, nessa altura abundantes na serra geresiana, a qual, parte da comitiva aproveitaria para conhecer de perto os seus encantos durante a estadia entre nós, tendo como guarida o Hotel Ribeiro”.
Fonte: “terrasbouro.blogspot.com/”
 
 
Hotel Ribeiro, em Vilar de Veiga, no Gerês, c. 1900 – Ed. Emílio Biel; Fonte: AHMP
 
 
O Hotel Ribeiro (na foto acima), o primeiro a ser construído no Gerês, cujo fundador foi António Joaquim Martins Ribeiro, deu pensão à comitiva real, com excepção do casal de soberanos que se alojou no chalet Tait, de Alfredo Tait, botânico e proprietário da Casa Tait, ao Palácio de Cristal. Alguns anos mais tarde, Alfredo Tait receberia o título de Barão de Soutelinho.
 
 
 
 
Chalet Tait, no Gerês – Fonte: “QualiSá, Imobiliária”
 
 


Um outro hotel, o “Grande Hotel Universal” seria fundado, também, tal como o Hotel Ribeiro, por António Joaquim Martins Ribeiro, mencionando em publicidade de Maio de 1890, que tinha luz eléctrica e chegou a anunciar, já no início do século XX, ser detentor de 100 quartos.
Pertencia, nessa data, à Companhia das Caldas do Gerês, com a gerência a ser feita pelo casal Mattos e, tendo como accionista principal, o Dr. Ricardo Jorge.


 

Publicidade ao Grande Hotel Universal, em 1890


 
A Companhia das Caldas do Gerês abriria falência e, em 1892, o Grande Hotel Universal já estava na posse da “Companhia Carris e Ascensor do Bom Jesus”.
 
 
 

In Jornal “O Comércio do Porto” de 26 de Maio de 1892


 

Grande Hotel Universal, nas Caldas do Gerês

 
 
Actualmente, o antigo Grande Hotel Universal passou a Hotel Universal, com a propriedade a ser da Empresa Hoteleira do Gerês, uma empresa a operar, também, na área dos transportes e a única companhia que faz a ligação Braga-Gerês.
Voltando à visita real, diga-se que tendo ela sempre como “quartel-general” a cidade de Braga, também Viana do Castelo e Barcelos tiveram honras de visita real.
Um dos pontos altos da programação compreenderia uma visita, no dia 20 de Outubro, a Guimarães, onde seria inaugurada a estátua do fundador da nacionalidade, D. Afonso Henriques, da autoria de Soares dos Reis.
No fim do dia foi o regresso definitivo a Braga.
Até à partida para Lisboa, no dia 28 de Outubro, o tempo seria ocupado com alguns passeios pelo Bom Jesus.
 
 
 
Estátua de D. Afonso Henriques (em Guimarães) - Revista “Occidente”, nº 324, em 21 de Dezembro de 1887


Também o Porto tem uma estátua do fundador da nacionalidade, da autoria do escultor Gustavo Bastos (1928-2014).
Foi inaugurada, em 6 de Dezembro de 1984, na Praça da República, colocada junto do Quartel-General do Porto, mas, em 27 de Outubro de 1988, seria transferida para o Museu Militar.
 
 

Estátua equestre de D. Afonso Henriques nos jardins do Museu Militar