quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

25.225 Rua D. João IV

 
O traçado da actual Rua de D. João IV foi executado em vários momentos.
Assim, a ligação entre o Largo do Padrão das Almas (Largo do Padrão) e o convento dos Capuchos (Biblioteca Municipal) correspondia à Viela dos Capuchos, que desapareceria quando, em 1843, começou a ser aberta a Rua D. João IV em direcção ao Monte de Santa Catarina, onde se encontraria com a Rua da Alegria e a Calçada do Luciano (Rua da Escola Normal).
No fim da década de 1880, a rua ficaria concluída.
Seria, até aos nossos dias, a Rua de D. João IV identificada por outros topónimos, tendo começado por se chamar Rua da Duquesa de Bragança, em honra de D. Amélia de Beaucharnais, da Baviera, que foi a segunda mulher de D. Pedro, primeiro imperador do Brasil, o nosso D. Pedro IV, duque de Bragança.
Em 16 de Julho de 1912, já na Repú­blica, a comissão municipal republicana sugeriu à Câmara do Porto que à Rua da Duquesa de Bragança se desse o nome de D. Rodrigo Soriano, deputado espanhol que os nossos republicanos consideravam como "um dos maiores amigos de Portu­gal". O pedido não foi aceite. E, em Setem­bro do mesmo ano, foi feita nova suges­tão: pedia-se à Câmara que mudasse o nome de Duquesa de Bragança para Rua dos Heróis de Chaves.
Queria-se com esta mudança lembrar o combate que naque­la cidade transmontana se travou, em 1912, durante as denominadas "Incursões do Norte". Desta vez a sugestão foi aceite. Só muito mais tarde a denominação da rua voltou a mudar. Desta vez deram-lhe o nome do rei restaurador, D. João IV.  
 
 
 
“A Rua de D. João IV tem menos de duzentos anos. Pois, mas neste espaço de tempo, relativamente curto, já mudou de nome três vezes. Não figura ainda, por exemplo, na chama­da planta de Costa Lima, elaborada em 1839. Mas, cinco anos depois, numa outra planta topográfica, a de Perry Vidal (1844) já aparece, embora apenas em esboço, seguindo o traçado de um antigo e tortuoso caminho rústico que já lá existia desde tempos muito antigos. O projeto inicial desta nova artéria previa que ela fosse de S. Lázaro à Cruz das Regateiras, na Rua de Costa Cabral, junto ao hospital do Conde de Ferreira. Tem, efetivamente, o seu início junto ao jardim de S. Lázaro, mas acaba na Rua da Alegria, junto ao monumental edifício da Cooperativa dos Pedreiros. Logo no início, ou seja, junto ao jardim de S. Lázaro, as obras só começaram depois da expropriação dos pardieiros da antiquíssima viela dos Capuchos e do alargamento desta (…).
Quando a nova rua começou a ser cons­truída, do lado nascente havia campos de cul­tivo; quintas muradas "com suas vinhas e po­mares"; e extensos terrenos alagadiços, de que nos ficou na memória a travessa do Poço das Patas (alusão a zonas alagadas onde predomi­navam aquelas aves). 
Do lado poente começava a nascer, por essa altura, uma cidade nova. Atente-se, por exemplo, no traçado assimétrico das ruas des­te bairro, em flagrante contraste com as rue­las tortuosas do Porto medieval. Era a cidade do liberalismo que despontava e que viria a ser procurada, especialmente, por brasileiros "de torna-viagem" para aí construírem as suas residências apalaçadas muitas das quais per­sistem na Rua de D. João IV. 
A rua só ficou concluída em 1875. 
Com a devida vénia a Germano Silva
 
 
 
Antes e depois, um troço da Rua D. João IV junto à Rua das Oliveirinhas, à direita
 
 
 
A Rua das Oliveirinhas da foto anterior está inserida num quarteirão habitacio­nal dos mais curiosos e tí­picos desta zona da cidade. Todos estes arruamentos ao redor foram rasgados em terrenos que outrora pertenceram a uma enorme quinta de que era proprie­tário um tal Brás de Abreu Guimarães, rico negociante portuense que nestes sítios montou uma fábrica de seda que chegou a dar nome a uma das ruas des­te bairro que hoje não é possível identificar e que nos fins do século XVIII ainda tinha existência: Rua da Seda; Rua da Fábrica da Seda; Rua Direita da Fábrica da Seda, Rua da Fábrica da Seda de Brás de Abreu; Rua da Fábrica das Almas.
 
 
 

Planta de Perry Vidal
 
 
 
O tortuoso caminho a amarelo no seu início, coincidia com o traçado da futura Rua Duquesa de Bragança, a azul. O restante traçado a amarelo daria origem à Rua Dr. Alves da Veiga que antes se chamou de Malmerendas.
 
 
 
 

O local actual, na Rua D. João IV, nº 369, que foi ocupado pela "Auto-Motora"
 
 
 
No local da foto acima esteve, desde 1907, a “Auto-Motora” que no dia da sua inauguração teve milhares de visitantes a apreciar as novidades auto.
A Rua D. João IV termina, praticamente, próximo do cume do antigamente conhecido como Monte de Santa Catarina, onde se junta à Rua da Alegria que, vinda da Praça dos Poveiros, continua até encontrar a Rua de Costa Cabral, constituindo o acesso ao cabeço pela vertente sul.
O acesso pela vertente a poente é proporcionado pelas ruas Firmeza (conectando com a Rua da Alegria) e Rampa da Escola Normal (antiga Calçada do Luciano).
O alto do Monte de Santa Catarina, Monte dos Congregados ou Monte do Tadeu é o ponto mais alto, geograficamente, da cidade do Porto.
Em 1680, uns frades, da ordem de S. Filipe Nery, construíram na cidade a sua casa, no local onde hoje está a Igreja dos Congregados, em frente à Estação de S. Bento.
Em 1715, obtiveram para seu recreio um vasto espaço com casa que também servia de hospital no Monte de Santa Catarina.
Este topónimo radica numa capela de Santa Catarina situada na base do monte, em Fradelos, na margem esquerda da ribeira de Fradelos, e que viria a dar origem à Capela das Almas.
Em 1834, com a vitória dos liberais, como epílogo do Cerco do Porto, foram dadas como extintas as ordens religiosas.
Um tal de Moreira, que ainda hoje tem nome de rua nas imediações, licitou a antiga propriedade dos frades. Mais tarde, é adquirida por uma tal Tadeu (daí o topónimo).
Por lá, funcionou uma pedreira, mas no início do século XX, no cume do monte foram instalados os depósitos que iriam abastecer de água a cidade com a sua distribuição ao domicílio.

 
 

À direita, os depósitos de água que abastecem a cidade e, à esquerda, o alto edifício da Cooperativa dos Pedreiros
 
 
 

Depósito primitivo de água – Ed. Jportojo
 


 
In revista “O Tripeiro”, Série VI, Ano XI

 

 

sábado, 17 de fevereiro de 2024

25.224 “O Porto” continua em bolandas

 
Após a compra pela Câmara do Porto, no início do século XIX, do edifício de Monteiro Moreira, na Praça Nova, foi decidido dotar a fachada do mesmo com um frontão ornamentado com uma pedra de armas com o brasão da cidade.
Mais tarde, coroando o frontão, foi colocada uma estátua de um guerreiro, representando o Porto, com um elmo encimado de um dragão, o que remete para as Armas concebidas por Almeida Garrett em 1837.
No escudo, um brasão, possivelmente, dos inícios do século XIX, com uma cidade rodeada de muralhas, que encosta ao rio. 
 
 
 
 
 

“O Porto” encimando o antigo palacete que tinha sido morada de Monteiro Moreira
 
 
 
 

O “Porto” a quem o povo chamava “Malhão”
 
 
 
Já vem de 1293 a existência de uma estátua “Porto” ou “Pedra do Porto” que estava na Rua das Eiras e, segundo o Dr. Artur de Magalhães Basto terá passado, em 1503, para a Rua Francisca, perto dos Açougues. Sousa Reis refere-se-lhe da forma seguinte: 

 
“…e sobre uma padieira se levantava em meio relevo e muito mal trabalhado e até monstruoso homem feito de pedra…e numa mão tinha uma haste, talvez figurando a lança de um guerreiro; a esta figura chamavam O Porto”. 

 
Desconhece-se onde este “Porto Velho” foi parar. É possível que a estátua “O Porto”, hoje colocada, depois de muitas bolandas, na Sé, onde já tinha estado em dois locais distintos, tenha sido baseada pelos seus autores, naquele “Porto Velho”
Envolvida em polémica está a autoria da estátua do Porto, de 1815. Porém, parece ter ficado definitivamente aceite que tenha sido o Mestre João da Silva, que cobrou pelo trabalho trezentos e quarenta réis que a Câmara lhe pagou em três prestações.
A estátua é de João Silva como o atesta o documento referido por Magalhães Basto:


"... e por ele, João da Silva Mestre Pedreiro, morador na freguesia de Pedrozo, foi dito se obrigava a fazer hua figura de pedra, representado o Porto, para ser prostada (sic) no cume da caza do Passo do Concelho, sito na Praça Nova, pela quantia de tresentos quarenta e três mil e duzentos reis, em metal, pagos em três pagamentos iguais sendo o primeiro adiantado e os demais consecutivos no principio de cada um dos três meses da data em que se obriga a dar a dita figura pronta e posta no dito logar, mandando esta ilustríssima Câmara dar-lhe madeira para as pranchas e xaciamento para xaciar a figura quando houver de s guindar e para maior sigurança desta sua obrigação apresentoi como fiador e principal pagador a Francisco José de Moura Almeida Coutinho, morador aos Lavadouros..."
 
 
 
A estátua de “O Porto”, feita em pedra, representa a figura de um guerreiro, e esteve cerca de 100 anos na frontaria da Câmara do Porto, na Praça Nova até 1915.
Demolida que foi a Câmara Municipal do Porto situada na Praça D. Pedro, para a abertura da Avenida dos Aliados, a estátua do “O Porto”, foi sucessivamente deslocada para vários locais. 
Primeiro, para o Largo da Sé, quando em 1916 a C. M. Porto passou para o Paço Episcopal. Daqui, passou para a Avenida das Tílias no Palácio de Cristal; mudada, a partir de 16 de Novembro de 1951, para o Largo Arnaldo Gama, na parte exterior da Muralha Fernandina, onde existiu a Porta do Sol; foi depois “despachada” de novo para o Palácio de Cristal, a “olhar” o Roseiral. Há uns anos, foi posta atrás da falsa torre da Casa dos Vinte e Quatro, virada de costas para a cidade que a deveria apreciar. Já, em 2013, regressou à Praça da Liberdade, local para onde foi criada.
Por pouco tempo aqui esteve. No começo de 2024, voltou para a Sé, para junto da antiga Câmara.
A essa estátua, que representa “O Porto “, o povo chamava “ O Malhão “, e dedicou-lhe uma quadra:
“O Malhão da Praça nova / tem uma lança na mão /para matar os traidores que são falsos à Nação…”.

 
Germano Silva, em seu livro “Caminhos e Memórias” descreve-a da seguinte forma: 

 
“Há na estátua um pormenor para o qual pretendemos chamar à atenção do leitor por estas coisas do passado. Referimo-nos ao escudo que a figura segura na mão esquerda. Nele está gravado um brasão de armas da cidade que Armando de Matos, um especialista da matéria, considerou deveras curioso e diz porquê: “…primeiramente tem a incorrecção do elmo e timbre num brasão de domínio; em segundo lugar… não o encontro senão desta data (1802) em diante. E a notícia de que estas armas eram as do antigo Condado Portucalense não tem a menor consistência histórica…”. Outra curiosidade está nas roupagens e nos adereços. Alberto Pimentel escreveu que “a clâmide”, a lança e o escudo são gregos; o saio de correias e as grevas são romanos; o capacete não é grego nem romano, antes será um elmo de cimeira datando dos fins da idade média ou princípios da Renascença”.

 
 
O elmo, acima referido, ostenta um dragão. 
Assim, em 1818, o "artista" colocou o símbolo adoptado, definitivamente, pela dinastia dos Braganças que, a espaços, era utilizado pela realeza - o dragão.
Este ser mitológico viria, mais tarde, em 1837, a encimar o brasão portuense da autoria de Almeida Garrett, saindo de uma coroa ducal, pois, a partir daí, a cidade do Porto tinha passado a ter um duque (segundo filho da casal real).
Desde 1940, por deliberação da governação do Estado Novo, o dragão, muito associado às lutas dos portuenses pela liberdade, seria retirado das armas da cidade. No entanto, algumas agremiações, caso da Associação Comercial do Porto e do F. C. do Porto, sempre continuaram a ostentá-lo.


 

Entre 1916 e 1935, “O Porto” esteve junto da Câmara a funcionar no Paço Episcopal
 
 
 
 

“O Porto” no Palácio de Cristal
 
 
 

“O Porto” junto das muralhas. Actualmente, está lá a estátua de Arnaldo Gama

 
 

“O Porto”, na Sé, na sua primeira passagem pelas imediações da antiga Câmara recriada por Fernando Távora – Ed. portoantigo.org

 
 

 
“O Porto “ junto das instalações do Banco de Portugal – Ed. MAC

 
 
No início do ano de 2024, o guerreiro voltou para junto do edifício que recria a antiga Câmara do Porto, na Sé, onde já tinha estado.
 
 
 
 


 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

25.223 A cidade pela objectiva de um fotógrafo amador

 
Bernardino Pires (1901-1977) foi um fotógrafo amador que desenvolveu a paixão pela fotografia entre as décadas de 1950 e 1970.
Desconhecendo-se, para já, muitos pormenores da sua vida pessoal, sabe-se, no entanto, que morou com a sua mulher na Rua da Alegria e que teve cinco filhos.
Foi um profissional de seguros, dono de um bazar, na Rua de Santo Ildefonso, o “Bazar Estrela” e ilustrador gráfico. Teria derivado desta sua última actividade o gosto que desenvolveu pela fotografia que tinha por alvo das suas objectivas os uso e costumes e a azáfama quotidiana da cidade do Porto.
Começou por pertencer a uma associação de fotógrafos amadores, surgida na década de 1950, a “Associação Fotográfica do Porto” integrando ainda um outro, o “Grupo da Ribeira”, que se reunia, informalmente, aos Sábados, na Ribeira do Porto, fotografando as regateiras do mercado da Ribeira e todo o bulício envolvente.
Este grupo, para além de Bernardino Pires, contava com Viana Jorge e Ricardo Fonseca, entre muitos outros.
Na década de 1960, Bernardino Pires sai da “Associação Fotográfica do Porto” e cria um outro que reunia, em tertúlia, no Café Majestic, na Rua de Santa Catarina, denominado “Grupo quatro mais”, do qual fazia parte Alberto Rio, o pai do que viria a ser, mais tarde, o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio.



 

Bernardino Pires

 
 
Acontece que, derivado da actividade de Bernardino Pires, no âmbito da fotografia, resultou um enorme espólio que foi reunido por um dos seus filhos, Daniel Pires.
Este espólio, em 2019, chegou às mãos do livreiro-alfarrabista, editor e também fotógrafo Paulo Ferreira, que com a chancela da sua In-Libris, numa parceria com o filho do fotógrafo, Daniel Pires, e com o apoio do programa Garantir Cultura, vai dar corpo à obra “A Cidade do Porto na Obra do Fotógrafo Bernardino Pires”, em 2 volumes.
O primeiro volume é lançado em 2022 e, no ano seguinte, é lançado o 2º volume.
A editora convidou ainda várias personagens a escolherem uma fotografia de Bernardino e a redigirem textos "que vão desde a poesia e prosa à análise histórica, semiótica e estética das imagens do fotógrafo". Entre eles estão Cláudia Lucas Chéu, Júlio Machado Vaz, Luca Argel, Manuel Sobrinho Simões e Joel Cleto.

 
 
“Este espólio, que contém cerca de 10 mil negativos, e que começámos, entretanto, a digitalizar e a estudar, chegou ao meu conhecimento em 2019, por via de Hermano Marques, um médico e fotógrafo amador que integrou a Associação Fotográfica do Porto e aí conheceu ainda Bernardino Pires”, diz ao PÚBLICO o livreiro-editor. “Ninguém conhece o seu nome e o seu trabalho, um amador que, além da fotografia, teve uma actividade interessante também como ilustrador e publicitário, entre muitas outras coisas”.
Cortesia de Paulo Ferreira
 
 
 
 
“É, sem dúvida, a cidade do Porto o palco que Bernardino Pires escolhe para o desenvolvimento do seu trabalho. O rio douro, as pontes, os comboios, o trabalho, as crianças e os velhos, a cidade nocturna, são o alvo que os olhos do fotógrafo procuram. Trata com especial curiosidade a Zona Histórica da cidade classificada como Património Mundial pela Unesco”.
Cortesia da editora In-Libris

 
 
 

Ponte Luiz I – Foto de Bernardino Pires, cortesia da Ed. In-Libris



 

Cheia de 1962 na Ribeira – Foto de Bernardino Pires, cortesia da Ed. In-Libris





Navio-motor “Senhor do Mar” encalhado em Massarelos, durante as cheias de 1962 – Foto de Bernardino Pires, cortesia da Ed. In-Libris

 
 
 

Estação de S. Bento, c. 1960 – Foto de Bernardino Pires, cortesia da Ed. In-Libris

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

25.222 Um palácio à venda

 

A antiga designação de Palácio dos Carrancas, atribuída ao edifício do actual Museu Soares dos Reis, ter-se-á ficado a dever à alcunha dada ao industrial Luís de Almeida Morais, que tinha uma fábrica de passamanarias na vizinha Rua dos Carrancas (actual Rua Alberto Aires de Gouveia) e patriarca, também, dos descendentes que edificariam aquele palácio.
Antes, a família tinha vivido na Rua de Cima do Muro, junto da Porta Nova, e quando passam a residir no sítio da "Carranca", a Rua da Restauração ainda não existia.
Em 1794, falecera Luís de Almeida Morais, um cristão-novo, que fora cônsul napolitano no Porto, homem abastado que tinha feito fortuna no tempo dos Almadas, e a sua viúva, Brites Maria Felizarda de Castro (filha de Luiz de Miranda de Castro, Administrador dos Tabacos e de Mariana de Alvim), juntamente com os seus filhos, Manuel Mendes de Morais e Castro (1º barão de Nevogilde, título criado em Maio de 1836 por D. Maria II) e Henrique Mendes de Morais e Castro (2º Barão de Nevogilde), começam por adquirir na então denominada Rua dos Quartéis, na Torre da Marca, uma série de lotes de terreno numa área onde já se registavam algumas construções, para aí edificarem a sua residência, e onde instalariam, também, uma pequena unidade fabril de passamanarias que transitava da antiga morada.
O arquitecto escolhido para desenhar o palácio foi Lima Sampaio que tinha desenhado a Feitoria Inglesa e que acompanhou a construção do Hospital de Santo António, tudo construções de estilo Neo-clássico.
O palácio, propriamente dito, apresentava três pisos e águas furtadas, com planta em forma de U.
Essa residência ficaria conhecida como Paço dos Morais e Castro ou Palácio de Moraes.
As raízes desta família tinham os seus ancestrais, ligados a actividades comerciais.


 
Fonte: “Jornal de Notícias” de 12 de Janeiro de 2020
 
 
 
 
Do casamento de Luís de Almeida Morais e de D. Brites Felizarda de Castro, realizado em 1744, tinha resultado uma prole de treze filhos e de, entre eles, o 1º barão de Nevogilde, Manuel Mendes de Morais e Castro (1752;1837), o 2º barão de Nevogilde, Henrique José Mendes de Morais e Castro, António Mendes de Morais e Castro, Isidoro Luís de Morais e Castro, Rita Maria de Morais e Castro, Luísa Delfina de Morais e Castro, Felisberta Henriqueta de Morais e Castro, Matilde Delfina de Morais e Castro.
Futuros barões de Nevogilde, os Morais e Castro não olharam a tostões e adornaram o seu palácio com belíssimos jardins e ricas cavalariças. Em frente ao edifício, possuíam ainda um terreno semicircular, cortado pelo muro do outrora, Horto de Moreira da Silva; esta meia-laranja destinava-se a evitar que os Morais e Castro se vissem obrigados a impor aos seus cavalos, quando regressassem a casa, manobras apertadas e deselegantes.
Ao longo das primeiras décadas do século XIX, o Palácio dos Carrancas desempenhou papel de relevo e acolheu hóspedes significativos. Por ocasião das invasões francesas, foi primeiro habitado pelo general Soult e, depois, pelos comandantes ingleses Wellesley e Beresford.
Durante o Cerco do Porto, D. Pedro IV instalou aqui o seu quartel-general, mas viu-se obrigado a abandonar o palácio por este se encontrar demasiado exposto ao fogo dos miguelistas, aquartelados em Vila Nova de Gaia.
Entretanto, nos anos que se seguiram, o Palácio dos Carrancas passou a funcionar como residência da família real, aquando das suas visitas à cidade substituindo, nessas mesmas funções, as instalações do Paço Episcopal.
Sendo falecidos o 1º barão de Nevogilde e o 2º barão de Nevogilde, ambos sem descendência, finalmente, já na segunda metade do século, em 1861, Carlota Rita Borges de Morais e Castro (Porto, 10 Nov. 1810; Porto, 29 Fev. 1880), 3ª baronesa de Nevogilde, vendeu o lar dos seus antepassados.
D. Carlota era filha de Felisberta Henriqueta Borges de Morais Alvim e Castro (Porto 06 Agosto 1770; 15 Agosto 1843), casada com o desembargador António Manuel Borges da Silva e irmã do 1º e 2º barão de Nevogilde e ainda, de Matilde Delfina de Morais e Castro, nascida em 1772 e casada, em 1800, com o barão de Perafita.
A 3ª baronesa de Nevogilde teve um primeiro casamento, a 12 de Fevereiro de 1835, com o seu primo Luiz d'Almeida de Morais e Castro (1800; 1841), major adido a veteranos da Foz do Douro, e um segundo casamento, em 19 de Outubro de 1856, com João José de Faria Machado (1826; 1857), alferes do exército, falecido em missão em Moçambique.
Dos dois casamentos da baronesa de Nevogilde, apenas, do primeiro enlace, resultou um descendente de seu nome David Castro.


 
 
In jornal “O Comércio do Porto” de 2 de Março de 1880
 
 
 
 
 
Anúncio da venda do palácio das Carrancas, no “Jornal do Porto”, em 30 de Setembro de 1859


 
 
Não tendo sido possível encontrar um comprador e dar sequência ao anúncio anterior, a propriedade foi colocada novamente no mercado com uma proposta base de 40 contos de réis, livres para a vendedora, a baronesa de Nevogilde.
Um mês depois, o negócio concretizar-se-ia por um valor um pouco inferior.
A propriedade pagava, à data, foros enfitêuticos ao Barão de Massarelos, a João Pacheco Pereira e ao cabido de Cedofeita.



 

“Jornal do Porto”, 14 de Maio de 1861

 
 
A família real portuguesa não tinha uma residência oficial no Porto, pelo que, quando nos visitava, ficava no Paço Episcopal.
Assim, em 25/6/1861. D. Pedro V comprou o Palácio dos Carrancas por 35 contos de reis e, a partir de então, foi aí que passou a funcionar o Paço Real no Porto.
 
 
 

Palácio dos Carrancas
 
 
 
 
Entretanto, a baronesa de Nevogilde, passou a viver com David Castro, o seu único filho e nora, no nº 17 da Travessa da Picaria (hoje, a Rua de Avis), em terrenos onde hoje está o café Avis.
À data, junto da residência, funcionava o Teatro Minerva de que David Castro era o dono e aí se exibia em sessões de ilusionismo.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

25.221 Um velódromo escondido no centro da cidade

 
 
“A primeira corrida de bicicletas disputada em Portugal decorreu entre a Alameda de Matosinhos e o Castelo da Foz, pelo caminho de Carreiros (actual Av. Montevideu e Av. Brasil) no dia 18 de Julho de 1880.
Foi organizada pelo Club Velocipedista Portuense, fundado poucos meses antes, a 9 de Março desse mesmo ano, nascido do grande entusiasmo que as bicicletas vinham provocando na cidade. Teve este clube a sua primeira sede em pavilhão anexo ao edifício da Companhia do Caminho de Ferro instalada na Rotunda da Boavista, mais tarde transferindo-se para edifício com os nº35/37 no Campo dos Mártires da Pátria na esquina com a rua da Restauração e onde durante muitos anos funcionou uma loja de bicicletas”.
In site: “portoantigo.org”
 

 
“Em 9 de Março de 1880, um grupo de rapazes fundava no Porto o Clube Velocipedista Portuense, a primeira agremiação velocipédica do nosso país, e em 18/7 o referido clube organizava a primeira corrida de velocípedes que houve em Portugal; em Lisboa só se organizaram alguns anos depois. A corrida foi em estrada, contra cronómetro, entre a Alameda de Matosinhos e o Passeio Alegre da Foz (cujo vencedor foi Aurélio Vieira que fez o percurso em 13 minutos e 8 segundos, em estrada com muito trânsito e mal cuidada…).
Foi tão grande o seu êxito, que em Novembro seguinte se organizaram novas corridas – as chamadas “corridas de Outono” desta vez na Rotunda da Boavista.
Os jornais da época falaram, com espanto, do elevadíssimo número de pessoas que ali se juntou para presenciar as lutas que se travaram na improvisada pista; do extraordinário movimento de trens, de nunca vista afluência de gente nos Americanos, da grande quantidade de senhoras da nossa primeira sociedade que acorreu à função”. 
Fonte: Artur de Magalhães Basto em “O Tripeiro” Série V, Ano V
 
 
 
 

Corridas na Rotunda da Boavista - Ed. “O Sorvete”
 
 
 

Emblemas do Clube Velocipedista Portuense

 
 
Com o decorrer dos anos, o Club Velocipedista Portuense passa por alguns problemas, já que, três anos após a sua fundação, surge a rivalizar com um outro clube, o Club de Velocipedistas do Porto, com sede na Rua do Laranjal, fundado em 28 de Outubro de 1883.  Entre aqueles problemas, destacavam-se as dissidências com Augusto Pereira da Costa, que seria, mais tarde, vereador da Câmara do Porto.
Por estes anos, a velocipedia portuense continuava a desenvolver-se e atravessava fronteiras.
Em 6 de Junho de 1890, noticiava-se:
 
“Velocípedes: chegaram ontem Benedicto Ferreira e Paco Fiel, depois de uma viagem de 14 horas desde Villagarcia de Arosa”.
In “Jornal da Manhã”, de 7 Junho 1890, p. 2


Em 1893, sob a orientação do Club Velocipedista do Porto, vai surgir uma revista dedicada à velocipedia, intitulada "O Velocipedista", cujo 1º número saiu em 1 de Março.
Com periodicidade quinzenal, publicou-se até 15 de Dezembro de 1895, sob a direcção de Vidal Oudinot e Alberto Bessa.

 
 
 


 
 
 
Em 1894, já ambas agremiações tinham desaparecido, naturalmente, surgindo o Real Velo Club do Porto, onde os apaixonados pela nova modalidade desportiva se agruparam.
Entre os sócios do novo clube, está o Infante D. Afonso, irmão do rei D. Carlos.
 
 
 

Emblema do Real Velo Club do Porto
 
 
 
 
 
“A notícia já é conhecida de uma parte intelectual da cidade do Porto, dos seus historiadores, dos homens que nos transmitem e investigam tradições, culturas, usos e costumes, reconstruindo um passado longínquo, pleno de vida, muitas vezes escondido e esquecido.
O ciclismo foi, nos finais do século dezanove¸ uma modalidade das élites, e compreende-se, não haviam meios motorizados de deslocação, e a bicicleta permitia aos seus utilizadores uma certa ascensão social.
Vários velódromos foram construídos por todo o país, alguns completamente desaparecidos, aos quais se perderam rastos, como o velódromo da Quinta de Salgueiros, do velódromo da Serra do Pilar, sabe-se que existiram mas não existem vestígios que nos permitam ver, ou pelo menos “ sentir” que ali, naquele local existiu algo que nos ligue ao ciclismo.
Estamos, como é óbvio, a falar da cidade do Porto, a mui nobre e leal cidade, de muitas lutas e tradições, e de um velódromo escondido, vergonhosamente, diria ocultado e esquecido, e mais grave, destruído e vilipendiado.
Os museus terão mais valor quando são “vivos”, isto é, conservam a integridade dos usos e costumes de determinada época e, nada mais visível seria, se o velódromo rainha D. Amélia tivesse sido conservado no seu lugar, respeitado o seu passado e não fosse destruído para que, no seu lugar fosse reconstruído o tal museu “morto”, com salas de chã, espaços de aluguer, destruindo-se o que de importante mais representava para a cidade do Porto.
Escondeu-se, destruindo um velódromo que, em três voltas se percorria um km, como mandam as regras internacionais. Isto é, um velódromo de 333.3 metros, em plena cidade do Porto, uma cidade onde as estruturas desportivas não abundam e onde os monumentos são vilipendiados.
Um espaço que fez falta á cidade, numa zona carente de instalações desportivas que permitam a prática desportiva de lazer.
É verdade, o velódromo rainha D. Amélia é um monumento, destruído grosseiramente, por quem não teve respeito pela história e passado da cidade e da história do desporto.
O Velódromo Maria Amélia foi o maior recinto desportivo do Porto na primeira década do século passado, como palco da modalidade que os tripeiros mais acarinhavam quando se começaram a interessar por desporto. Parte das suas instalações mantiveram-se intactas até hoje, o local onde está instalado é quase um segredo, e a grande maioria dos habitantes da cidade desconhece a sua existência num local tão nobre como as traseiras do museu Soares dos Reis e perto do Palácio de Cristal e do hospital de Santo António.
O Velódromo do Porto surgiu em 1895, fruto da doação por parte do rei D. Carlos, no ano anterior, de um terreno ao Real Velo-Club do Porto para a prática do ciclismo. Uma prenda integrada nas comemorações do V centenário do infante D. Henrique.


 
 

A corveta Sagres passando no cais do Bicalho, em 4 de Março de 1894, durante as comemorações henriquinas, nas quais participou o rei D. Carlos, ocasião em que foi feita a oferta de um terreno para construir um velódromo
 
 
 
 
 
Não era o primeiro espaço na cidade ou arredores que recebia provas de amadores ou profissionais deste desporto. O primeiro estava instalado na Quinta de Salgueiros e pertencia ao Clube de Caçadores do Porto. Posteriormente, na serra do Pilar, construiu-se o primeiro Velódromo D. Amélia, assim baptizado em homenagem à mulher do rei, mas, com o levantamento de um outro instalado no jardim do palácio dos Carrancas, viria este, a chamar-se velódromo Maria Amélia, passando a estrutura de Gaia a ter o nome de Príncipe Real.
 
 
 

O Velódromo Maria Amélia - Foto de José Zagalo Ilharco
 
 
 
 
O Velódromo Maria Amélia, instalado no jardim do palácio dos Carrancas, propriedade da família real desde 1861 e local onde esta costumava pernoitar quando se deslocava à cidade, honrando a figura da Rainha D. Maria Amélia de Orleães, é o actual Museu Nacional de Soares dos Reis. O estádio ficou situado nas suas traseiras, no interior de um quarteirão, o que o resguarda de qualquer olhar mais indiscreto e o torna quase desconhecido.
As portas do Velódromo do Porto encerraram em 1910 com a implantação da República e a ida do rei D. Manuel II para o exílio. O espaço foi doado à Misericórdia, mas, o Estado, pelo Dec. Lei nº. 27878 de 21/7/1937, expropriou este palácio à S. C. da Misericórdia. O espaço do Velódromo do Porto é hoje denominado Jardim da Cerca e integra as instalações do Museu Soares do Reis. Aí encontram-se em exposição alguns dos brasões das antigas casas senhoriais do Porto. O terreno foi objecto da última requalificação no contexto da “Porto’2001, Capital Europeia de Cultura”, numa criação do falecido arquitecto portuense Fernando Távora, que fez questão de preservar integralmente alguns dos elementos da centenária instalação desportiva. Assim, sem grande esforço, ao nível do solo são perfeitamente visíveis as duas curvas da pista, com os respectivos relevos. Uma recordação do primeiro espaço desportivo do Porto, que permite imaginar as loucas corridas que aí se disputaram e os 25 mil adeptos que a elas assistiram...Inaugurado o velódromo em 1895, ali se realizaram muitas corridas e demonstrações desportivas, incluindo a primeira corrida de motorizada realizada em Portugal.
Hoje em dia está fechado, destruído, perdendo-se um monumento dos poucos que todos nós poderíamos utilizar, como o mais antigo recinto desportivo da cidade do Porto”.
In Jornal Ciclismo em 2013/02/11


 
 

Vista aérea, actual, do que resta do velódromo Maria Amélia - Fonte: Google Maps


 

Vista aérea do velódromo em 1937
 
 
 
 

Curva da pista ainda observável no topo a poente – Fonte: Biclanoporto



 
Velódromo Maria Amélia em dia de corridas

 
 

Alfredo Vieira Pinto de Vilas-Boas, conde Paçô Vieira, Presidente da Direcção, junto à bancada do Real Velo Club do Porto (RCVP), localizado nas traseiras do actual Museu Nacional de Soares dos Reis - Foto pintada em original de José Zagalo Ilharco

 
 
 
O ciclista acima fotografado enverga o uniforme do RCVP: casaco, calções e boné de flanela cinzenta e camisola às riscas.
O autor das fotos, José Zagalo Ilharco foi um dos sócios fundadores  e director do RVCP.
 
 
 
No jornal «O velocipedista», em 1895 escrevia-se:
«Real Velo Clube: Esta agremiação, tenciona inaugurar o seu velódromo, na quinta do Paço real d/esta cidade, que lhe foi concedida para esse fim por S. M. el-Rei, por ocasião das festas do centenário do Infante D. Henrique. O distinto engenheiro snr. Esteves Tomás, que é o segundo secretário do Club, já está levantando a respectiva planta da Quinta para esse efeito.»
 
 
 
 
Não foi só no ciclismo que o Real Velo Clube desenvolveu a sua actividade.
Assim, em 8 de Dezembro de 1897, o Real Velo Clube levou a efeito um jogo de “foot-ball”, desporto que começava a despontar, como nos narra o texto seguinte publicado na revista “O Tripeiro”.
 
 
 


 
 
Em 15 de Março de 1898, o Real Velo Clube realizava no Palácio, com grande concorrência, uma nova sessão de patinagem, modalidade desportiva que começava a despertar a atenção, principalmente, dos meios elegantes do Porto.

 
 
 

Chalet existente no Palácio de Cristal situado perto da gruta

 
 
No “chalet” da gravura, onde esteve o “Café Chalet”, a partir de 1894, foi a sede do Real Clube Velo de Ciclismo, antes de ser transferido para as traseiras do Palácio dos Carrancas, para junto do velódromo Maria Amélia.
Em 15 de Janeiro de 1905, o "chalet" foi alvo de um grande incêndio e foi quase totalmente destruído.
No início do século XX, as corridas de bicicletas continuavam na ordem do dia.
Assim, a 19 de Maio de 1901, realizava-se mais uma apaixonante prova nas ruas da cidade do Porto.

 
 
In jornal “A Voz Pública”, 23 Maio 1901, p. 2