sábado, 25 de novembro de 2023

25.214 Alguns depoimentos de visitantes estrangeiros sobre o Porto

 
Ao longo dos anos, vários visitantes estrangeiros acharam por bem deixar registos para a posteridade sobre a impressão que a cidade do Porto lhes tinha causado.
Giuseppe Gorani (1740-1819), diplomata para uns, espião para outros, que chegou a privar com o Marquês do Pombal, sobre o Porto, escreveria:
 
 
 





Porto – Gravura do gravador Manuel Marques Aguilar, em 1797
 
 
 
 
Arthur William Costigan, em 1778-79, percorreria o País para conhecer as fortificações portuguesas e, passando pelo Porto, dizia, na obra Cartas sobre a Sociedade e os Costumes de Portugal, publicada pela primeira vez, em 1810:


 








Lady Jackson, autora, em 1873, da obra “Formosa Lusitânia”, traduzida para português por Camilo Castelo Branco, produziria extensa prosa sobre o quotidiano dos portuenses.

 
 
“Catherine Elliot (1842- 1891) foi casada com um diplomata inglês, George Jackson, colocado a certa altura em São Paulo de Luanda por estar encarregue da abolição de escravos. Foi aí que a futura escritora – que começou por publicar livros sobre a história da Europa, e mais tarde se dedicaria à literatura – aprendeu alguma coisa de português, que lhe seria útil na sua viagem a Portugal. Viúva na altura, Lady Jackson viajou sozinha pelo país, entre julho e outubro de 1873”.
Fonte: Revista Visão


 
 


 
 

Porto, em 1859
 
 
 

Rua de Santo António, em 1890, com a Rua dos Clérigos, em fundo – Centro Português de Fotografia

 
 
 
Maria Rattazzi (Irlanda 1833 - Paris 1902) foi, por sua vez, uma escritora que visitou Portugal, entre 1876 e 1879, três vezes e que, na segunda metade de 1879, passou pelo Porto. Na sequência daquelas visitas, numa delas, esteve presente no casamento do rei D. Carlos.
Acabaria por publicar o livro intitulado “Portugal de Relance”, que provocaria a ira, principalmente, de Camilo Castelo Branco, que não apreciou o tom humorístico da obra que, originalmente, teve o título "Le Portugal A Vol D’Oiseau". 
A polémica na qual se envolveu a intelectualidade nacional, que se juntou a Camilo, ficou conhecida como a “Questão Ratazzi”.
Sobrinha-neta de Napoleão Bonaparte, Maria Letizia (nome de solteira) foi casada três vezes, uma delas com um ministro de Victor Emanuel II.
Era também conhecida por Madame Solmes, apelido que lhe advinha de um anterior casamento realizado, em 1849, com um alemão, Frederico de Solms de quem enviuvou em 1863. Nove dias depois casou com um italiano, Conde Urbano Rattazzi, que faleceu em 1873. Sete anos mais tarde casou com um espanhol, D. Luis de Rute de quem também enviuvou em 1889.


 
 

sábado, 18 de novembro de 2023

25.213 Comerciantes que escolheram a Foz do Douro para aí residirem

 
 
Localizada no concelho de Tabuaço, na freguesia de Valença do Douro, a Quinta do Seixo tem uma história bem antiga.

 
 

Quinta do Seixo, em Valença do Douro
 
 
 
Em 1788, nas demarcações marianas (D. Maria I), a área que a Quinta do Seixo ocupava, viria, finalmente, a ser incluída na marca vinhos de Feitoria, ou seja, área de vinhos para exportação através da Feitoria Inglesa do Porto.
Sobre a decisão inicial, de não inclusão da propriedade naquela qualidade, verificada ainda no consulado do Marquês do Pombal recorreria, sem êxito, José Ribeiro Monteiro, em 1759.
Já, em pleno século XVIII, a Quinta do Seixo pertenceria a Miguel Almeida Caiado, proprietário de terras no Alto Douro e 9º Morgado da Pesqueira e 7º de Penedono.
A família Almeida Caiado tinha residência em S. João da Pesqueira, na actual freguesia de Trevões, cabeça de concelho até 1836. Posteriormente, a Quinta do Seixo passa para o filho António Almeida Coutinho Lemos, 1º Barão do Seixo (título criado por D. Maria I, a 19 de Julho de 1845).
O 1º Barão do Seixo (1818-1869) foi fidalgo cavaleiro e administrador do vínculo dos Almeida Caiado, em Trevões e dos da Pesqueira e Penedono e Senhor das Quintas do Seixo e do Cachão, atingindo simultaneamente o estatuto de grande negociante e proprietário no Douro.
Cavaleiro da Ordem da Torre e da Espada desempenhou, ainda, entre 1858 e 1867, o cargo de Presidente da Direcção da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, criada por Pombal em 1756.

 
 

Notícia de reunião da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro presidida pelo Barão do Seixo – In jornal “O Commercio do Porto” de 30 de Setembro de 1861
 
 
 
 
Em 1851, o Barão do Seixo terá passado por algumas dificuldades económicas, razão pela qual, um seu credor, Constantino do Vale Pereira Cabral (1806-1873), um capitalista e negociante da praça do Porto e proprietário da Quinta de Sarzedinho, vai tornar-se dono de um grande stock de vinhos do Barão do Seixo.


 
 

Quinta do Seixo, em Valença do Douro – Ed. Revista Visão

 
 
Na mesma ocasião, Constantino do Vale Pereira Cabral adquire a Quinta do Cachão, também propriedade do Barão do Seixo, procedendo, em 1853, à construção da adega.
Esta quinta localizava-se na freguesia de Vale da Figueira, concelho de São João da Pesqueira, tendo apenas existência, a partir de 22 de Outubro de 1792, com o rompimento e destruição do bloco granítico, que atravessava o rio Douro, de lado a lado, no Cachão, cuja execução tinha começado em 1780,  permitindo, então, a navegação do rio até à fronteira e possibilitando, assim, o aproveitamento dos terrenos nessa região.
 
 
 

Cachão da Valeira – Albumina de Emílio Biel
 
 
 
Por esse motivo, a Quinta do Cachão foi por muito tempo conhecida como «Quinta Nova». 
Terá sido fundada, então, em 1845 pelo Barão do Seixo, que iniciaria a plantação da vinha.
Por outro lado, para administrar o património que Constantino do Vale Pereira Cabral obteve do Barão do Seixo, vai ser incumbido da função um sobrinho de Constantino Cabral, conhecedor do negócio dos vinhos, Miguel de Sousa Guedes (1829-1913), que irá expandi-lo, a partir da década de 1880, de tal modo que, já na posse da Quinta de Valdigem, irá acabar por adquirir para seu próprio património a Quinta do Seixo, a Quinta das Carvalhas, a Quinta das Baratas, a Quinta das Covadas, a Quinta de Santo António ou do Zeferino e a Quinta da Pedra Caldeira.
Desde a abolição dos vínculos, em 1863, que tinham começado a surgir no território novas propriedades e houve quem soubesse tirar partido da situação.
Em 1909, Miguel de Sousa Guedes irá dar sociedade ao seu irmão mais novo, Agostinho Pereira Cabral de Sousa Guedes (1846-1931), com a firma “Miguel de Sousa Guedes & Irmão”, entretanto, formada e que, passaria a ser, uma referência no negócio dos vinhos.
Miguel de Sousa Guedes irá ser vice-cônsul dos Estados Unidos da América e Agostinho de Sousa Guedes, cônsul do México no Porto.
Estes dois irmãos, que no negócio dos vinhos conseguiram uma fortuna colossal, acabariam por escolher a Foz do Douro para residirem.
Assim, em 1888, Miguel de Sousa Guedes pela licença de obra nº 341, construía o seu palacete no ângulo da Rua do Passeio Alegre e Rua da Bela Vista.

 
 

Desenho de fachada voltada para a Rua do Passeio Alegre, anexo ao projecto afecto à licença nº 341/1888
 
 
 
 
Em 1889, Miguel de Sousa Guedes pela licença de obra nº 523, dava os últimos retoques no seu palacete com fachada voltada para a Rua da Bela Vista.
 

 


Desenho de fachada do prédio dos Sousa Guedes, voltada para a Rua da Bela Vista, anexo ao projecto afecto à licença nº 523/1889
 
 
 
 
 

Palacete da família Sousa Guedes ("Imóvel com Interesse Patrimonial"), na Rua do Passeio Alegre - Fonte: pt.wikipedia.org/

 
 
 
Entretanto, em 1884, Miguel de Sousa Guedes já tinha começado a construir um outro icónico palacete na Rua Alto de Vila, antes, a Rua de Cimo de Vila, onde ia desembocar a antiga Rua da Florida, que se passaria a chamar Rua Miguel de Sousa Guedes.
O referido palacete aloja, hoje, um condomínio fechado.



 

Antigo palacete de Miguel Sousa Guedes (1829-1913), na Rua Alto da Vila, Foz do Douro, que seria demolido nos anos 80 – Ed. “O Progresso da Foz”; Álbum: 32 Postais antigos da Foz I, nº 16; AHMP
 
 
 
 

Vista actual do local da foto anterior – Fonte Google maps
 
 
 
 
Por sua vez, Agostinho de Sousa Guedes, co-proprietário dos bens afectos à firma Miguel Sousa Guedes & Irmão foi, ainda, proprietário da casa do Outeiro, em Tuias, Marco de Canaveses, da casa de Lagoas, em Lousada e da Quinta da Fonte Moura, no Porto.
A casa do Outeiro transformada, actualmente, num alojamento local, a Outeiro Tuias – Manor House, continua a ser propriedade dos Sousa Guedes.
 
 
 

Casa do Outeiro, Tuias – Cortesia de Nelson Garrido

 
 
Agostinho de Sousa Guedes escolheria, também, para sua residência o Passeio Alegre, num palacete no ângulo daquela rua com a Rua Santa Anastácia.



 

Rua do Passeio Alegre, 1012 – Fonte: Google maps
 
 
 
A Empresa Miguel de Sousa Guedes & Irmão, Lda, atravessaria todo o século XX como uma referência na comercialização de vinhos, mas, em 1973, transferiria para a Real Companhia Velha todos os bens do seu activo, completando, definitivamente, a integração naquela companhia, acabando a sociedade constituída pelos irmãos Guedes por ser dada por extinta.
Aliás, já em 1953, Manuel da Silva Reis tinha adquirido a Quinta das Carvalhas.


 




Nos dias de hoje, quanto às icónicas quintas do Douro, que foram pertença do Barão do Seixo, no século XIX, a Quinta do Seixo, em 1979, foi vendida à firma A. A. Ferreira S.A. e, em 1987, quando esta foi adquirida pela Sogrape Vinhos, passou a fazer parte do seu património, que se estenderia às marcas “Ferreira”, para vinhos do Porto, e “Casa Ferreirinha”, para os vinhos Douro.
Quanto à emblemática Quinta do Cachão, acabará nos nossos dias nas mãos de uma firma bairradina – as Caves Messias.
 
 
“Em 1873 o Eng. Afonso do Valle Coelho Pereira Cabral, herda a quinta de seus pais. A construção da casa data de 1910. Após a morte deste, em 1946, a Sociedade Agrícola e Comercial dos Vinhos Messias, S.A. (Caves Messias) adquire a quinta e dois anos mais tarde começa a sua renovação e integração da Quinta do Rei, comprada à «Gonzalez Byass». Em 1973 Messias Baptista, fundador das Caves Messias, retira-se da administração da empresa que passa a ser gerida pelos seus descendentes. Em 1982, a casa sofre uma nova remodelação”.
Fonte: arquivo.museudodouro.pt/
 
 
 

Quinta do Cachão, em 2023 – Ed. Caves Messias

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

25.212 Cadouços

Em 22 de Junho de 1859, a Câmara do Porto aprovava uma obra para a Rua da Senhora da Luz, na Foz do Douro, que implicava o realinhamento daquela rua.
 
 
 

Alinhamento da Rua Senhora da Luz, com área a eliminar, em destaque, em 22/6/1859
 
 
Legenda:
 
1- Terrenos de Tomás José Pinto da Silva
2- Fonte da Praia
3- Rua da Senhora da Luz
4- Fonte de Cadouços
 
 
 
Começava, assim, uma intervenção na área, que iria ter continuidade pouco depois.
Em 12 de Junho de 1861, o jornal “O Comercio do Porto” noticiava que, na sequência de uma reunião camarária, tinha sido aprovado levantar um novo jardim junto da Rua Senhora da Luz, na Foz do Douro, tornando-se necessário, então, levar tal decisão ao conhecimento do Conselho de Distrito, para a respectiva aprovação.
 
 
 




Na oportunidade, a Câmara do Porto aprovaria a obra representada na planta seguinte.

 
 

Ruas, em projecto, entre as ruas da Senhora da Luz e Alto de Vila, bem como a praça projectada (1/8/1861 e 16/1/1862)

 

Legenda: 
 
1-Rua Senhora da Luz
2-Rua Alto da Vila
3-Bouça de Cadouços e Praça (em projecto)
4-Rua (em projecto)
5-Nova rua
6- Circo da Luz
7-Rua de S. Bartolomeu
8-Fonte
9-Propriedade de José Cardoso Pereira
10-Quintal de Francisco Cardoso da Cunha
11-Rua nova (Rua de Cadouços)
12-Caminho de serventia das propriedades de José Pereira Cardoso e Maria Teodora da Costa (Rua da Fonte Luz)
13-Travessa dos Banhos
14- Propriedade de diversos

 
 
Como se pode observar, na planta está localizado um circo.
Acontece, que mesmo antes da urbanização da Bouça de Cadouços, cujo projecto final seria aprovado em 9 de Agosto de 1866, já antes, durante a época balnear, era montado esse divertimento circense.
Em 29/8/1869, foi lá inaugurada, naqueles terrenos, uma praça de touros, pelo alquilador Raimundo dos Santos Natividade, com uma grande enchente.
A mencionada, anteriormente, Rua do Alto da Vila tinha obtido aquele topónimo na reorganização toponímica de 1860, pois, antes, era a Rua de Cimo de Vila. Para evitar confusões com a artéria portuense, deu-se a alteração.


 
 

Topónimos da Foz do Douro alterados em 1860

 
 
Na mesma ocasião, como se observa no quadro anterior, a Rua da Boa Vista passaria a ser a Rua da Bela Vista e, a partir de 1937, passou a Rua Raúl Brandão.
 
 
 
 

Perspectiva actual da Rua de Raul Brandão – Cortesia de Carlos Romão (A Cidade Surpreendente – blogue)
 
 
 
A mudança encetada, em 1860, na reorganização da toponímia da cidade, teve lugar quando foi governador civil do Porto, José Freire de Serpa Pimentel (1814-1870), o 2º visconde de Gouveia, sendo a ele devido, também, a ordenação dos números de polícia das habitações, de tal modo que, as portas fossem ímpares, de um lado de cada rua e pares do outro lado.
A Estação de Cadouços, situada na antiga Bouça de Cadouços, na Foz do Douro, era uma estação de fim de linha do “Americano”, veículo puxado por cavalos, que foi o antecessor do carro eléctrico, que serviu também a “máquina”, um pequeno comboio a vapor.
Hoje, temos por lá, o Largo do Capitão Pinheiro Torres Meireles.

 
 
 

Estação de Cadouços, em planta de Telles Ferreira de 1892
 
 
 
Na planta anterior, é possível observar-se parte do trajecto da “máquina”, em Cadouços.
 
 
A “Máquina” nº 5, aproximando-se de Cadouços, passando num viaduto localizado, na planta anterior, com a letra A

 

Gare da Estação de Cadouços, em primeiro plano



Atrás do edifício da Estação de Cadouços seria levantado um outro que funcionou, ao longo dos anos, como restaurante e casino.
 
 
 

Restaurante de Cadouços, nos finais do séc. XIX – Ed. Le Temps Perdu

 
 
 
 

A meio da foto, a gare da Estação de Cadouços e, atrás, parcialmente visível, o edifício que foi Clube de Cadouços e Restaurante/Casino


 
 

Mesma perspectiva (NE para SW), da foto anterior, obtida a partir da Rua Monsenhor Manuel Marinho
 
 
 
 

Largo de Cadouços, c. 1905
 
 
Na foto acima, no edifício, à direita, funcionou (entre 1881 e 1910) o Clube de Cadouços, de acesso restrito, bem como um popular restaurante e casino.
Em 1925, quando a Estação de Cadouços já estava fora de serviço, para o qual tinha sido levantada, a Câmara do Porto decidiu ajardinar o espaço envolvente.
Por volta de 1930, a antiga estação terá sido demolida.
 
 
 

Projecto para ajardinamento junto da Estação de Cadouços, em 2 de Junho de 1925
 
 
 
1- Estação de Cadouços (c. 1877-c. 1925)
2- Travessa de Cadouços
3- Travessa da Estação (atravessava a Rua da Fonte de Cadouços, em viaduto)
4- Fontanário
5- Rua da Cerca

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

25.211 Balonismo. Lenda do Menino de ouro

 
 
Em 25 de Junho de 1820, Eugénio Robertson fez uma subida em balão, “uma geringonça movida a fogo”, com 21 pés de diâmetro, na Quinta do Prado, pertencente ao Bispo do Porto, onde, mais tarde, surgiria o cemitério do Prado do Repouso. A data foi escolhida para comemorar o S. João, em honra de D. João VI.
Mr. Robertson, filho, relatava essa viagem aerostática.
 
 
“… principiou às três horas o trabalho necessário para a formação do gás hidrogénio, e às 5 horas a máquina, inteiramente cheia esperava o Aeronauta.
Tendo o Professor Robertson pai, recebido em Lisboa as mais lisonjeiras provas de geral satisfação em todas as suas experiências, que tiveram um feliz sucesso, julgou que não devia deixar Portugal sem oferecer à cidade do Porto o raro espectáculo de uma viagem aerostática. Todas as pessoas eruditas, que se achavam na mesma cidade empenhar-se-ão em favorecer uma subscrição para este objecto: anunciando-se esta experiência para o domingo 25 de Junho, e sendo destinada para celebrar-se a festa do nome de S.M. Fidelíssima Rei do Reino Unido foi desempenhada felizmente no dia referido na bela Quinta do Prado, que pertence ao Excelentíssimo e Reverendíssimo Bispo do Porto.
A chuva, que desde as dez horas até ao meio dia caiu repetidas vezes, fez recear que a experiência fosse diferida; mas ao depois, serenando a atmosfera, Mr. Robertson principiou às três horas o trabalho necessário para a formação do gás hidrogénio, e às 5 horas a máquina, inteiramente cheia esperava o Aeronauta.
O Professor Robertson tinha prometido a sua sobrinha, a esposa do jovem Malabar, o prazer de a deixar elevar-se, estando a barquinha presa por uma corda; por isso antes da partida de Mr. Eugénio Robertson, ela subiu a certa altura. Esta jovem, desejando há muito tempo fazer uma viagem aerostática, tinha escondido um canivete, e uma carta no seu lenço, e intentava cortar as prisões, que a retinham: apenas o seu intento foi descoberto por Mr. Eugénio Robertson, que se assustou, e não queria ceder o seu lugar a pessoa alguma, lançou mão rapidamente da corda principal e conduziu o balão até ao recinto. Então esta Dama cheia de coragem saiu da barquinha e Mr. Eugénio Robertson, substituindo o seu lugar, sustentando-se em pé, e tendo na mão a bandeira portuguesa elevou-se majestosamente às 5 horas e meia bradando: ”Viva El-Rei; Viva D. João VI”; e, lançando várias peças de versos em honra da Nação Portuguesa, análogas a tão brilhante circunstância.
Elevando-se o balão, o quadro que se desenvolvia debaixo dos pés do aeronauta tornava-se mais interessante; pois que o Douro, correndo ao longe, já parecia esconder-se por entre as montanhas, já descobrir-se de momentos a momentos. O viajante por uma parte via o Porto como num pequeno quadro; mas sem perder a menor circunstância, por outra parte divisava ao longe verdes florestas, deliciosos jardins, e campos cercados de parreiras que atraíam e encantavam seus olhos, e qual uma serpente, que dá tortuosas voltas para entrar na sua cova, assim o Rio Ave parecia dirigir-se para o mar.
O objecto mais tocante, que o aeronauta observou nesta viagem, foi a vista de mar, que brilhava debaixo de seus pés, e lhe parecia incendiado por todos os lados, efeito da reflexão do Sol que se ocultava no horizonte, e que sem dúvida foi a causa do viajante não sentir na altura a que se remontou o frio activo, que de ordinário se experimenta.
Mr. Eugénio Robertson viu certa poeira, que se levantava da terra, e julgando serem cavaleiros, que vinham ao seu encontro, tomou o óculo para melhor observar; mas era simplesmente o declive de alguns montes de terra argilosa, feridos pelos raios do sol que já declinava.
O Aeronauta, depois de ter subido em meia hora a uma grande altura, e achando-se por cima de uma floresta, escolheu um sítio sem árvores, e apto para findar a sua viagem; ele o conseguiu descendo tranquilamente perto da freguesia de Ferreiro um lugar além do Rio Ave, distante uma légua de Vila do Conde, e 5 léguas do Porto. As primeiras pessoas que apareceram no momento em que tocou a terra o nosso viajante, foram dois caçadores, que presenciaram as duas ascensões, que fez em Lisboa; depois chegou a cavalo o Ajudante das Milícias de Vila do Conde, Lima, que tendo descoberto o aeróstato da varanda da casa do seu Tenente Coronel se dirigiu com ele para o sítio, em que lhes parecia cair o balão.
O Viajante recebeu dos mesmos Senhores todos os socorros possíveis, e os maiores testemunhos de estima; e, depois de ter pernoitado em casa do Ilustríssimo Major das Ordenanças em Bagunte, para onde o conduziu seu Filho o Ilustríssimo Tenente Coronel António Luiz, entrou no Porto no dia 26 quase ao meio dia, recebendo em todos os lugares por onde passou imensas provas de grande satisfação, e os aplausos que sempre costuma excitar em toda a parte esta rara e maravilhosa experiência.
Reinou por toda a parte a maior ordem e harmonia em tão imenso concurso, efeito das sábias ordens que foram dadas pelo Ilustríssimo Desembargador Encarregado da Polícia, e pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Tenente General, Governador das Armas.
– A tranquilidade, o contentamento, e a boa ordem que resplandeciam por toda a parte, e esta experiência feita em tais circunstâncias, parecia terem tornado este espectáculo uma verdadeira festa.
No mesmo dia da viagem o público à noite deu provas da afeição que tinha ao jovem aeronauta, mostrando apenas acabou o teatro a sua impaciência, e o desejo de tornar a vê-lo; porém, não lhe foi possível voltar na referida noite ao mesmo teatro, como tencionava, para cumprimentar a tão respeitável reunião, e mostrar-lhe a sua eterna gratidão.
NOTA: Mr. Eugénio Robertson pela observação do barómetro avaliou a sua altura num quarto de légua no momento da maior elevação."
In Gazeta de Lisboa n.º 161, 10/Julho/1820
 
 
As subidas aos ares continuaram durante o século XIX.
Em 1884, Emile Castenet, balonista já conhecido, no Porto, por anteriores ascensões, decidiu subir no seu balão “Portuense” com um burro amarrado à barquinha.
 
 
 

“O Portuense”

 
 
“O Primeiro de Janeiro” de 25 de Março trazia um testemunho desta aventura contada pelo próprio Emile Castenet:
 
 
“Aproximadamente à altura de 800 metros fendi as nuvens e por cima d'ellas me conservei, subindo à altura de 1.400 metros. Emergindo das nuvens, deparei com um espectáculo surprehendente - um sol esplêndido, brilhante, quente, irradiante, dando às nuvens a configuração de um mar de prata, accidentado de vagas. Por de cima d’esse mar a sombra do balão, contornando-se nitidamente. 
Obra ahi de 1.600 metros d'altura, mudou o balão de rumo, em direcção a Espinho. O aeróstato subia sempre, rapidamente chegando a attingir uma altura de 2.000 metros. Tentei descer por três vezes, mas inutilmente. O balão não obedecia porque o gaz que eu expellia pela válvula, era substituído pela dilatação que ficava. Subindo a uma altura de 2.000 metros, forcejei descer pela quarta vez, o que consegui abrindo de todo a válvula. A 2.000 metros d'altura tomei a direcção 0 e a 1.500 o primitivo rumo.
A 700 metros avistei terra. A descida operava-se com uma extraordinária velocidade quando me encontrei sobre um extenso pinheiral. A fim de evitar a queda na matta, descarreguei o ultimo sacco de areia e assim pude manter-me á mesma altura. Pouco depois d'alguns minutos de marcha, avistei uma ampla campina. N'estes comenos icei o burrico paro a barquinha e procurei arpoar a terra, lançando ancora mas não dava em terra firme. N'isto o balão a poucos metros d'altura do solo, esbarrou n'um pinheiral e a barquinha ficou ahi presa. O aeróstato estacou, inclinou-se sobre a franja dos pinheiros, mas súbito levantou-se, rompeu para o alto chegando a barquinha a despedaçar os ramos a que se tinha enleado. 
Por effeito do impulso violento do balão, a cesta tombou e eu encontrei-me de cabeça para baixo agarrado ás cordas. N'esta situação o burro cahiu na mesma posição que levava quando sahiu do Palácio. O balão com o impulso do vento foi bater n'outro pinheiral. A barquinha ia batendo d’árvore em árvore, e eu para evitar qualquer desastre conservava-me de cócaras, agarrado às cordas. A corda da ancora despedaçava os ramos das árvores, o gaz evadia-se e a corda a que ia ligado o burro prendeu-se a um ramo, e como as forças do balão se extinguissem, foi bastante a demora para que acudissem os lavradores, puxando a corda da ancora e conseguindo por ultimo suspender o balão. 
Desci às quatro horas e meia em Cavadas, freguezia de Pijeiros, concelho de Villa da Feira. Recebi os máximos cuidados das pessoas que me cercaram. Ahi me foi servido este petisco "um tracanaz de broa e vinho" que me soube extraordinariamente, pela muita fome que me devorava. O balão ficou um tanto estragado. Metti-me n'um carro de bois e cheguei às duas horas da manhã ao Alto da Bandeira. Querendo vir para a cidade, oppoz-se a isso um conductor de carros, dizendo que áquella hora não podia atravessar a ponte. Fiquei pois, dentro do carro, debaixo d'um alpendre, vestido apenas com a roupa com que subi. Ás cinco da manhã, encaminhei-me para a cidade, chegando aqui (ao Porto) ás 6 horas. Penaliza-me a sorte do burro”.

 
O sucesso, o entusiasmo e a moda da subida em balão apossaram-se do Porto e alguns corajosos e extravagantes decidiram, também, entrar nessa “corrida”. Os lugares preferidos para as subidas eram o Palácio de Cristal, e as praças de touros da Serra do Pilar e da Rua da Alegria.
 
 
 

Ascensão de balão a partir da Praça de Touros da Rua da Alegria (inaugurada em 4 de Maio de 1902)


 
 

Placa comemorativa, alusiva às diversas ascenções de balões, afixada numa parede dos jardins do Palácio de Cristal, local de eleição dos aeronautas portuenses

 
 
Em 1903, o francês Emile Carton acedeu a levar consigo no seu balão o conhecido balonista conhecido por Mariposa, um entusiasta do balonismo, tendo-lhe dado noções de como dirigir o balão. Era o farmacêutico gaiense Belchior Fernandes da Fonseca. A “paixão” foi tal, que convenceu o seu amigo a vender-lho, tendo tido a contribuição dos seus parceiros César Marques dos Santos e engenheiro José António de Almeida. O aeróstato receberia o nome de “Lusitano”.

 
 

O balão Lusitano, no Palácio de Cristal, junto da Concha Acústica
 
 
 
Com a presença de multidões, subiram 3 vezes, tendo terminado o voo em diferentes lugares. O Belchior, muito senhor de si, afirmava já ter conhecimentos suficientes para mais ascensões. 
Tendo sido prevenido por Franz Burmester do perigo de ser desviado, por ventos em altitude, para o mar, não levou em consideração tais avisos, afirmando, mesmo, “considero estes ares como meus”.
Belchior Fernandes marcaria uma nova ascensão, para 21 de Novembro de 1903, na qual embarcaram os seus sócios. Tendo subido muito correctamente, dirigiu-se para Sul. Sobre Vila Nova de Gaia, repentinamente virou a oeste, desaparecendo sobre o Atlântico. Ainda foram enviados vários barcos em seu socorro, mas nunca mais os seus corpos foram encontrados.


 
 
 
Os três tripulantes do Lusitano - Ed. Semanário ilustrado, nº 49, de 29 de Novembro de 1903

 
 
Esta tragédia foi, durante muito tempo, motivo de conversa e de notícias nos jornais do Porto. Havia quem comparasse os três desaparecidos a D. Sebastião, pois, muitas vezes, corria o boato que alguém os tinha visto ou sabia onde se encontravam. Os ceguinhos, à porta do mercado do Anjo, cantavam, em voz triste, as quadras do Fado do Belchior!
Entretanto, o pai de César Marques dos Santos estipularia um prémio equivalente ao peso em ouro do seu filho, a atribuir a alguém que lhe trouxesse notícias dele advindo, daí, a lenda do menino de ouro, nome que seria dado também à quinta da família em V. N. de Gaia, que passou a ser conhecida por Quinta do Menino de Ouro, antes chamada de Quinta da Chamorra, na freguesia de Vilar do Paraíso. Essa quinta também era reconhecida por ter uma alta torre, de estilo gótico, levantada na transição dos séculos XIX para XX.
 
 
“Ainda a terra gaiense estava mergulhada na maior dor, pela perda no mar de três dos seus filhos aeronautas, em 21 de Novembro de 1903, e já outro gaiense, nascido no Candal e serralheiro de profissão, se preparava para o seu “baptismo” de voo em aeróstato. Trata-se de António Bernardes, conhecido pela alcunha de “Ferramenta”, o homem que acompanhou as ascensões de Emilie Carton, no Porto e que era assíduo frequentador das tertúlias aeronáuticas na farmácia do Belchior, na Rua Direita de Vila Nova de Gaia. 
Também o “Ferramenta” aspirava construir um balão e ascender nele e nem a tragédia do desaparecimento do “Lusitano” o demoveu da sua paixão. António Bernardes construiu o seu balão que denominou de “O Português”, com uma capacidade para 1 200 metros cúbicos, que poderia elevar-se com o peso bruto de 800 Kg e marcou a sua primeira ascensão para o dia 3 de Abril de 1904 nos jardins do palácio de Cristal. No dia aprazado o balão foi conduzido ao Palácio, em dois carros de bois, com a filarmónica a abrir caminho. Quando se ensaiava a ascensão o governador civil, temendo o pior, proibiu a subida. No entanto o “Ferramenta” cortou as cordas e o balão depois de roçar nas tílias subiu mesmo, perante os aplausos do público. Andou quatro horas pelo ar e foi pousar num campo, em S. Cosme, no concelho de Gondomar. 
Em Setembro de 1904 o governador civil do Porto negou aos aeronautas “Ferramenta” e Magalhães Costa autorização para nova ascensão. 
Entretanto, Ferramenta construiu um novo balão, o “Nacional”, com 22 metros de comprimento e capacidade para 800 m3 de gás o qual foi exposto na Praça de Touros da Serra do Pilar. Nele fez uma primeira ascensão em Lisboa, na Praça de Algés, com uma subida pouco feliz. Repetiu depois no Jardim Zoológico de Lisboa, perante a assistência entusiástica de milhares de pessoas e foi pousar próximo de Santo António da Charneca, depois de ter subido a grande altura e de ter pairado no ar durante bastante tempo. 
Transcrevemos a notícia dada pelo jornal “A Defesa”, do Candal, na sua edição de 5 de Abril de 1905, que seguia de perto o percurso do seu conterrâneo. 
De seguida partiu para o Brasil onde fez subidas em S. Paulo, Pernambuco, Pará e Rio de Janeiro mobilizando grande entusiasmo junto da comunidade portuguesa que o aplaudiu como um herói. 
Depois deste périplo regressou a Gaia, em 1906, cheio de dinheiro e fama. Reuniu enormes apoios para a construção de um aparelho mais sofisticado tendo partido para Paris onde desenvolveu um balão que baptizou com o nome de “Internacional”. Com ele fez uma série de ascensões, com o maior êxito, no Porto, em Lisboa e na Figueira da Foz. 
Em Julho de 1906 realizou na Praça de Toiros da Rua da Alegria, perante uma multidão de mais de 15 000 pessoas, a 24ª. ascensão.
…Em Julho de 1907 quando o “Ferramenta” juntamente com os barqueiros Alfredo “Bóia” e Augusto “Intruja” e auxiliado pelos seus amigos Alfredo Pinheiro da Rocha, Carlos Saraiva e Manuel Fonseca “Carne Seca”, procediam ao enchimento do seu “Aero-Móvel”, deu-se uma inesperada fuga de gás que provocou uma intoxicação que os deixou a todos em estado grave. Este acidente foi fatal para António Bernardes “Ferramenta” que não resistiu aos gases mortíferos e sucumbiu, depois de ter efectuado, com êxito, nada menos que 31 ascensões”. 
In blogue Memórias Gaienses 




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Facto insólito nos céus de Pedroso, em 1857
 
 
Corria o Verão de 1857 e, em 2 de Agosto de 1857, o balonista aerostático Jean Eugène Poitevin, nos céus de Pedroso, seria corrido a tiro, mas são e salvo pernoitaria na Quinta da Paradela, do Regedor de Pedroso.
Jean Eugène Poitevin tinha partido, naquele dia, às 6 horas da tarde, do Tivoli e pelas 7 e meia estava a descer no Monte de Lamaçais, na freguesia de Pedroso.
O tal Tivoli, à data, ocuparia um terreno que ia da Rua Formosa à Rua de Santo Ildefonso (terrenos da antiga Quinta das Lamelas e, mais tarde, do Coliseu e Garagem Passos Manuel), pois a Rua de Passos Manuel ainda não tinha sido rasgada.
Cerca de um ano antes, o aeronauta que costumava ser acompanhado nestas aventuras pela sua esposa Louise, em Lyon, em 2 de Setembro de 1856, tinha sofrido um acidente que relatou do seguinte modo: 
 
"Fiz aqui no domingo passado, anteontem, minha última subida, havia um vento terrível que sempre aumentava até a hora da minha partida. Durante a descida, aconteceu-me um infortúnio, a âncora estava solidamente engatada nos ramos de um vigoroso carvalho”.
 
 
Sobre o episódio acontecido, em V. N. de Gaia, o periódico do Rio de Janeiro “Correio Mercantil” publicava, em 18 de Setembro de 1857, uma carta datada de 4 de Agosto de 1857, que aquele balonista tinha enviado à redacção do “Commercio”, a contar o sucedido.
Na ocasião, aproveitava para anunciar a próxima subida aos ares, no Porto, marcada para o Domingo, 16 de Agosto.

 
 




No texto da carta, Eugène Poitevin realçava a atitude do regedor, em face do sobressalto a que tinha estado sujeito, durante a aterragem do seu balão.
Em Portugal, entre 1836 e 1977, o regedor era o representante da administração central junto de cada freguesia.