sexta-feira, 29 de setembro de 2023

25.205 Um pintor luso-suíço que gostava do Porto

 
Auguste Roquemont (Genebra, 2 de Junho de 1804 — Sé, Porto, 23 de Janeiro de 1852) foi um pintor respeitadíssimo pela burguesia portuense e não só.
A sua obra está representada no Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, no Museu Nacional Grão Vasco, em Viseu, e na Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, em Lisboa.
Filho do príncipe Frederico Auguste de Hesse-Darmstadt (1788-1867), que serviu em vários exércitos europeus e que haveria de integrar as hostes de D. Miguel, realizou a sua formação artística, entre 1818 e 1827, nas cidades italianas de Roma, Bolonha, Florença e Veneza.
 
 
 

Auto-retrato de Auguste Roquemont com 19 anos – Fonte: Wikipédia


 
 
Estando Frederico Auguste, em Braga, em 1828, em pleno governo do usurpador do trono português, chamou para junto de si Auguste Roquemont, que se irá instalar em casa do visconde de Azenha, em Guimarães, um fervoroso partidário de D. Miguel.
Uma das filhas do visconde de Azenha, casara com o poderoso Conde de Basto, que dará sequência ao pedido que lhe é feito em favor do jovem artista Roquemont, conseguindo a sua nomeação por Carta Real de 28 de Novembro, de 1831, para o lugar de Director da Aula de Desenho da Academia Real de Marinha e Comércio do Porto.
Em 1832, em virtude das invasões das tropas liberais abandona a cidade, mas a ela retornará em 1847, fixando aí residência e, no ano seguinte, as suas telas de costumes populares são destacadas por ocasião da trienal da Academia Portuense de Belas-Artes.
 
 
 

Vareira (1847), de Auguste Roquemont – Cortesia de Iolanda Andrade

 
 
Um dos muitos que ficaram deslumbrados com as obras apresentadas por Auguste Roquemont, à trienal, foi Francisco José Resende, que acabará por se tornar o seu discípulo favorito.

 
 
“Além da técnica da pintura a óleo, usada nos seus famosos retratos da nobreza e da alta burguesia nortenhas e nos costumes populares, também produziu trabalhos a lápis, carvão e esfuminho e fez retrato-miniatura. Os retratos do suíço, de desenho meticuloso, elegante e subtil, luz clara, modelação fina, texturas palpáveis e acabamentos primorosos, fariam escola no Porto: os pintores românticos portuenses tomaram-nos como modelo para o resto da vida. Auguste marcou fortemente a primeira geração de pintores românticos portugueses, sobretudo Tomás da Anunciação.
A trienal da Academia de 1851, proporcionaria a Roquemont novo triunfo. Expôs neste certame duas telas: um auto-retrato e um quadro de costumes portugueses das Provincias do Sul”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/wiki/”


 
 

Retrato de Maria do Carmo A. Guimarães (mãe do Barão do Bolhão), de Auguste de Roquemont, Sociedade Martins Sarmento
 
 
 
 
Em 23 de Janeiro de 1852, prematuramente, em virtude de uma pneumonia, falecia no seu atelier no Largo do Corpo da Guarda, à Sé, Auguste Roquemont, cujo corpo se encontra sepultado no cemitério do Prado do Repouso.
No dia 24 de Janeiro de 1852, sobre as cerimónias fúnebres daquele pintor, narrava o “Periódico dos Pobres”:
 
 
“Enterramento – Roquemont, responsos tiveram lugar na capela do Seminário. Receberam as asas do caixão os sr.s Bernardo Pereira Leitão; Barão do Bolhão, Roberto Woodhouse; Constantino António do Vale Pereira Cabral; José Borges Pinto de Carvalho; Francisco Ribeiro de Faria Júnior. Tomou conta da chave Joseph James Forrester.”




“Grupo de família (Pacheco Pereira)” (1835), de Auguste de Roquemont, Museu Soares dos Reis


 
 


António de Almeida Coutinho e Melo e Carolina Rosa Ribeiro de Faria, barões do Seixo (c. 1850), de Auguste de Roquemont, Museu Soares dos Reis

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

25.204 Rua Fernandes Tomás

 
A Rua de Fernandes Tomás liga a Trindade ao Campo 24 de Agosto.
É possível, ainda hoje, observar, muito próximo da Rua de Santa Catarina, a existência de um antigo arruamento, o Beco de S. Marçal.
Todo o troço da rua que confina com o actual mercado do Bolhão, já se chamou, em tempos, Rua do Bolhão.
Por aqui, existia, no local que hoje é chão da Rua de Sá da Bandeira (que não existia ainda) a fonte do Bolhão que, mais tarde, haveria de dar lugar ao Tanque do Bolhão, à entrada do mercado e do outro lado da rua.
Entre o mercado do Bolhão e o Beco do Marçal, em tempos, foi levantado por operários da Estamparia do Bolhão e da Fundição do Bolhão, em memória da visita de D. Pedro V àquelas unidades industriais, um obelisco designado por “ Memória do Bolhão” e que, mais tarde, seria removido e colocado no cemitério do Prado do Repouso.
 
 
 

Fábrica de Estamparia do Bolhão no Porto, em 1900

 
 
 
Na imagem apresentada acima, fora o obelisco, são ainda visíveis as rampas de acesso ao antigo mercado do Bolhão, a partir da Rua de Fernandes Tomás e a Estamparia do Bolhão.



 
 

Estamparia do Bolhão
 
 
 

Entrada para o que resta do Beco de S. Marçal, à direita, em primeiro plano
 
 
 

Esquina da Rua Fernandes Tomás e Rua D. João IV, em 1950
 
 
 
 

Mesmo local da foto anterior, actualmente - Fonte: Google Maps
 
 
 
 
 
A Rua Fernandes Tomás só tem esse topónimo desde 1835.
A rua foi aberta primeiro em duas fases: o primeiro troço ligou a Rua de Santa Catarina a Malmerendas (Rua Dr. Alves da Veiga) e, a segunda fase, a Rua Sá da Bandeira ao Bonjardim.
Só, em 1882, se fez a ligação à Trindade.
O troço que vai da Rua do Dr. Alves da Veiga até ao Campo 24 de Agosto é mais recente, pois, em 1902, ficava-se pelo Poço das Patas (Rua Coelho Neto, que se chamou, também, Rua do Meio).
Aquele troço foi aberto ao longo dos terrenos da Quinta da Ponte
Houve, efectivamente, nesta propriedade, uma ponte que acabou por dar o nome à quinta. Tratava-se, no en­tanto, de uma pequena ponte de madeira, mais um passadiço, que possibilitava a tra­vessia do rio de Mijavelhas a quem se di­rigia para a feira do gado que, em 1840, se fazia no Campo Grande, nome que, por aquele tempo, era dado ao actual Campo 24 de Agosto.  O rio de Mijavelhas ainda existe. Só que, agora, a sua água corre devidamente enca­nada no subsolo.
Ficou também conhecido por rio das Lavandeiras em meados do século XVIII.
Aquela quinta poderá ser a que foi referida, também, em diversos documentos por Quinta das Lavandeiras, sita junto do rio das Lavandeiras, foreira à câmara do Porto, que pertenceu a Braz de Abreu Guimarães e foi herdada pela sua filha D. Joana Felizarda Delfina.
A referida propriedade acabaria por passar por casamento de D. Joana com o 4º morgado de Aveleda para a posse deste morgadio.
Braz de Abreu Guimarães (falecido em 1774) foi um capitalista que, entre outros cargos, desempenhou o de conselheiro (nomeado por carta-régia de 9 de Maio de 1757) da primeira “Junta da Administração da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro” (1757-1760).
Na segunda junta (1760-1771) foi deputado.
 
 
 
 
 

O Campo 24 de Agosto na Planta de Telles Ferreira de 1892
 
 
Legenda:
 
1. Rua Fernandes Tomás (acaba nas ruas de S. Jerónimo e Poço das Patas)
2.Rua de S. Jerónimo (Rua de Santos Pousada)
3. Campo 24 de Agosto
4. Mercado coberto, inaugurado em 1884 e demolido em 1897 (emparceirou com um outro do mesmo estilo instalado na Praça do Marquês)
5. Rua do Bonfim
6. Encontro da Rua da Murta (Rua de Morgado Mateus) e Rua de Santo Ildefonso
7. Rua de Monte Belo
8. Travessa das Feiticeiras
9. Quinta da Ponte por onde foi aberto o último troço da Rua Fernandes Tomás.
 
 
Neste troço da Rua de Fernandes Tomás, já nos nossos dias, foi construído um edifício muito familiar aos portuenses, denominado “Edifício Ouro”. 


 
 

Edifício Ouro – Cortesia de Teodósio Dias
 
 
 

 

O Edifício Ouro, situado entre os números 47 e 107 da Rua Fernandes Tomás, é um prédio de rendimento construído entre 1950 e 1954, cujo projecto foi da autoria dos arquitectos Mário Bonito e Rui Pimentel.
Nele está situado (desde sempre) o Café Goa que, em tempos idos, com os seus bilhares, na cave, foi campo de aprendizagem de muitos que se iniciavam na modalidade.
Nos finais da década de 1960, instalou-se ali a Garagem Ouro, que viria a dar o nome ao prédio.



 

Publicidade da "Auto Comercial Ouro", em 1973
 
 
 

 

Noutros tempos, uma outra ponte existiu, mais para Nascente, junto ao edifício da Junta de Freguesia. Sabe-se que essa ponte foi construída por iniciativa da Câmara do Porto, em 1700, pelo mestre pedreiro André Martins, para facilitar a circulação na estrada que do Porto ia para Valongo e, daqui, para Amaran­te e Vila Real. Foi feita em granito, com um arco e quatro metros de largura. E tinha bancos de pedra. Era a Ponte do Poço das Patas.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

25.203 “A mulher do padeiro”

 
 
No dia 7 de Maio de 1943, o “Jornal de Notícias” informava os seus leitores de que o lançamento da “mulher do padeiro”, efectuado no dia anterior, tinha sido um grande êxito e se tinha instalado, em sequência, o “fim do mundo” na baixa portuense.
A “mulher do padeiro”, uma boneca, depois de lançada de uma avioneta, tinha caído no telhado da casa da Rua de Santo António, nº 190.
Um idoso, correndo risco de vida, vai apanhá-la e oferece-a à sua neta Maria Odete, de 4 anos.
Pouco depois, uma delegação composta pela menina, o seu pai, Artur O. de Vasconcelos, proprietário do Mercado Filatélico do Norte, e o seu “priminho” Aníbal, dirigiram-se à sede do “Jornal de Notícias” onde receberiam das mãos do sub-director do periódico, a quantia de 1000 escudos contra a entrega da boneca.
Maria Odete pouco se interessou pelo que se passava à sua volta, apenas pretendia que não lhe tirassem a boneca.
Na ocasião, uma multidão aguardava à porta da sede do jornal, na Avenida dos Aliados, pelo desfecho da cerimónia e aplaudia os sortudos.
Tudo tinha começado uns meses antes, quando o “Jornal de Notícias” começava a divulgar um concurso, mais precisamente, no dia 11 de Fevereiro de 1943, anunciando o concurso “Bonecos Animados”, com início daí a dias.
Consistia o concurso na recolha pelos leitores de uns quadradinhos de uma estória, que seriam impressos diariamente e que teriam que ser recortados conjuntamente com a legenda respeitante à cena do quadradinho, impressa na penúltima página do periódico, sendo esse conjunto colado numa caderneta vendida na sede do “Jornal de Notícias”. Quando completada, a caderneta seria trocada por senhas numeradas que dariam acesso a um sorteio de prémios que, nessa primeira série, subiam aos 1000 contos.
O primeiro quadradinho seria impresso a 21 de Março, num Domingo, traduzindo-se por um enorme êxito.



 

Quadradinho da 1ª série de “Bonecos Animados” – Da col. de Manuela Campos
 
 
 
Passaram, então, a fazer parte do quotidiano dos portuenses as personagens “Mulher do Padeiro”, “Padeiro”, “Alcinda”, “Mete o Nariz em Tudo”, “Pipocas”, “Aninhas da Ribeira”, “31”, “Amola a Faca” e três regateiras do Mercado do Bolhão (“Micas”, “Maria Rita e “Maria Augusta), entre outras.
Foram milhares os participantes, de tal modo que começou a ser perspectivada uma segunda série e sucedendo-se a procura desenfreada por jornais publicados em dias anteriores.
Dado o êxito do concurso, a lista de prémios aumentava todos os dias pela adesão de inúmeras casas comerciais da cidade, que disponibilizavam toda uma diversidade de artigos.
Em grande número, os prémios referiam-se a artigos de mercearia ou para o lar, mas não só.
Assim, constava da lista mobílias, galináceos, porcos, cabazes de alimentos e até “um almoço de Domingo, durante seis meses, no Restaurante do Palácio de Cristal”.
De acordo com a mecânica do concurso, a busca da legenda do quadradinho, feita na penúltima página, a da publicidade classificada do jornal, permitia o contacto dos participantes com as firmas aderentes.
 
 
 

Legenda do quadro nº 44
 
 

Nas semanas seguintes, os leitores estavam identificados com as personagens; os responsáveis pelo jornal encenavam entrevistas às personagens da série “Bonecos Animados” que, era, na prática, uma história de banda desenhada.
Assim, o “Jornal de Notícias”, em 4 de Maio, escrevia, como introdução a uma entrevista totalmente encenada à “Mulher do Padeiro” que, no argumento da história, andava pela capital:
 
 
“É grande o entusiasmo na cidade do Porto pela descida na Avenida dos Aliados ou Praça da Liberdade, em paraquedas da “Mulher do Padeiro”, que, conforme vimos anunciando se realiza, depois de amanhã das 18 para as 19 horas.
A “Mulher do Padeiro” que descerá, depois de amanhã das 18 às 19 horas, em paraquedas na Avenida dos Aliados falou ao “Jornal de Noticias”.
A gentil e encantadora protagonista dos “Bonecos Animados” que se encontra hospedada num dos melhores hotéis de Lisboa, recebeu, ontem, um dos nossos redactores que, propositadamente, a foi ouvir sobre a sua próxima viagem à capital do Norte, em avião gentilmente cedido pelo Aero Club do Porto e pilotado por distinto aviador (…)”.
 
 
À introdução, acima expressa, seguia-se uma série de perguntas e respostas.
Preparava-se, então, o dia do lançamento em paraquedas da “Mulher do Padeiro”, que desceria na Avenida dos Aliados, a partir de uma avioneta, supostamente vinda da capital.
Em 5 de Maio, o “Jornal Notícias” publicava em anúncio de 1/4 de página:
 
 
 

 
 



Conforme o que estava previsto, no dia 6 de Maio, a boneca foi lançada e recolhida pela Odete.
 
 
 

A célebre boneca “A Mulher do Padeiro” – Da col. de Manuela Campos
 
 
 
O êxito do concurso obtido e os proventos inerentes foram tais, que o “Jornal de Notícias” haveria de promover uma segunda série dos “Bonecos Animados”, pelo que, no dia 25 de Maio de 1943, encenava a chegada à Estação Ferroviária de S. Bento, apeados do rápido oriundo da capital, as personagens (actores) que desfilaram em carro aberto sob os aplausos de uma multidão de portuenses.
Após a comitiva se ter dirigido para a sede do “Jornal de Notícias”, na Avenida dos Aliados, proceder-se-ia ao sorteio, entre aqueles que se tinham apresentado a concurso, de três Libras em ouro.
Também se disse que, nessa ocasião, o “Padeiro” e a Mulher do Padeiro caíram nos braços um do outro, para gáudio do povo.
 
 
 
A opereta “A Mulher do Padeiro”
 
 
O Porto não iria ver-se livre da “Mulher do Padeiro”.
No início de 1944 vai estrear, no Teatro Sá da Bandeira, a opereta popular em 2 actos e 7 quadros, a “Mulher do Padeiro”.
Um original de Arnaldo Leite e Campos Monteiro e a ilustração associada de Cruz Caldas.
Os autores aproveitavam a onda.
As interpretações estiveram a cargo de Mirita Casimiro (Fininha), Vasco Santana (Tibério), Costinha (Firmino), Luíza Durão (Miquelina), João Perry, Domingos Marques, Zita Trindade, Maria Mesquita, Carlos Viana, João Pio e Peggy & Humberto.
 
 
 


 
 
 


 
 
 

Costinha, Luísa Durão, Vasco Santana e Mirita Casimiro, caracterizados para os seus personagens: Firmino, Miquelina, Tibério e Fininha – Col. Museu Nacional do Teatro


 
 

Artigo, de Arnaldo da Fonseca, de homenagem prestada a Arnaldo Leite e Campos Monteiro, em 1944, durante a representação da opereta “A Mulher do Padeiro”

domingo, 10 de setembro de 2023

25.202 Algumas linhas ferroviárias de via estreita com origem no Porto

 
Bitola
 
A bitola é a distância entre as linhas de uma via-férrea.
Inicialmente, em 1844, a bitola ferroviária adoptada em Espanha era, originalmente, de seis pés castelhanos (1672 mm); em Portugal foi inicialmente 1435 mm (mais tarde, adoptada internacionalmente como bitola padrão), posteriormente, seria convertida para cinco pés portugueses (1664 mm), sendo esta conversão concretizada, na prática, pela deslocação dos carris para o antigo parafuso/tirefond exterior.
Posteriormente, em 1955, procedeu-se à uniformização dos standards dos dois países numa bitola comum de 1668 mm — a bitola ibérica.
Actualmente, as bitolas utilizadas em Portugal, são as seguintes:
 
 
Bitola ibérica, utilizada pela Infraestruturas de Portugal (1668 mm).
Bitola internacional (1435 mm), utilizada no Metro do Porto, Eléctricos do Porto, Metropolitano de Lisboa, Metro Transportes do Sul (Almada e Seixal), e Elevador do Bom Jesus.
Bitola métrica (1000 mm), utilizada nas Linha do Vouga e na Linha do Tua, e no C. F. Sintra-Atlântico.
Bitola via estreita (900 mm), utilizada pela Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, nos elétricos de Lisboa.
Bitola de 600 mm, utilizada pelo Comboio da Praia do Barril, e pelo Minicomboio da Caparica.
 
Desde sempre, a diversidade existente nas bitolas introduziu discussões infindáveis entre os técnicos e políticos continuando, nos nossos dias, a ter lugar.
Assim, actualmente, começam a ser adoptadas na Europa várias soluções que ajudam a ultrapassar a diversidade existente entre países, no que diz respeito à bitola das suas vias-férreas.
A própria União Europeia (EU) considera não ser necessário mudar a bitola na Península Ibérica, pois, existem, presentemente, soluções técnicas para resolver aquele problema, nomeadamente, terceiros carris, travessas polivalentes e até material circulante com bitola variável, algo que está em processo de certificação.
 
 
“A bitola na rede ferroviária portuguesa já não é um problema.
Os comboios de eixos telescópicos (também designados bi-bitola) adaptam os seus rodados à distância entre carris e circulam indistintamente em bitola ibérica ou europeia. Há até comboios de alta velocidade que circulam nos dois tipos de linhas.
A bitola na rede ferroviária portuguesa já não é um problema, actualmente, essa adaptação aos dois tipos de linha é feita nas fronteiras através de uma operação que consiste em mudar os bogies (rodados) aos vagões”.
Cortesia de Carlos Cipriano (Jornal Público, 26 de Setembro de 2017)
 
 
Há duas teorias que Justificam a solução adoptada por Espanha ao optar por uma bitola diferente da usada pelos franceses.
A primeira está relacionada com o temor de uma invasão francesa e, assim, se colocavam no caminho alguns entraves e, a outra, refere que os engenheiros espanhóis acreditavam que locomotivas a vapor, com fornalhas mais largas, teriam mais potência para vencer as rampas das montanhas, o que implicou alargar a distância entre carris.
Foi, então, que Portugal se decidiu associar a Espanha e optar pela bitola ibérica.
Não foi o caso da linha do Porto à Póvoa (bitola de 900 mm) e, posteriormente, a sua continuação até Famalicão e, ainda, a linha de Guimarães (bitola métrica de 1000 mm).
Ambas as linhas partiriam da Praça da Boavista que começaria a ser urbanizada devido ao lançamento daquelas vias.
A estação terminal ficava, então, na Boavista.
 
 
 
Contexto histórico
 
 
Em 1856, por acção de Fontes Pereira de Melo, finalmente, o comboio em Portugal rolava sobre carris, num troço de Lisboa ao Carregado, executado na bitola internacional/padrão (1435 mm).
Porém, em 1861, na continuação da linha para Abrantes, a chamada Linha do Leste, tudo começaria a ser reposto e a ser usada a bitola ibérica (1668 mm).
Assim, o seu primeiro lanço, entre a estação provisória de Lisboa e o Carregado, foi inaugurado em 28 de Outubro de 1856, tendo a linha chegado à fronteira com Espanha em 24 de Setembro de 1863.
Sobre aquela inauguração, se referiu a Marquesa de Rio Maior nas suas memórias, baseadas na descrição de seu pai, um dos participantes na viagem.
 
 
“A máquina, escusado será dizer das mais primitivas (parecia um enorme garrafão), não tinha força para puxar todas as carruagens que lhe atrelaram; e fora-as largando pelo caminho. (…) O wagon do cardeal patriarca e do cabido ficou em Sacavém; mais um, recheado de dignitários, ficou ao desamparo na Póvoa. (...) Esses desprotegidos da sorte, semeados pela linha ao acaso das debilidades da tração acelerada, só chegaram alta noite a Lisboa, depois de ousadíssimas aventuras que encheram durante meses os soalheiros oficiais. Até andou gente com archotes, pela linha, em procura dos náufragos do progresso.” 
 
 
Seriam necessários mais oito anos para Lisboa estar ligada a V. N. de Gaia, às Devesas, o que aconteceria a 7 de Julho de 1864. Demorava a viagem 14 horas.

 
 

Na gare da Estação Ferroviária das Devesas, um grupo de personalidades aguardando a chegada de Bernardino Machado


 

Estação das Devesas
 
 
 
Em 1877, com a edificação da Ponte Maria Pia, vencida a travessia do rio Douro, o comboio proveniente de Lisboa chegava ao Porto, à estação de Campanhã.



 

Ponte Maria Pia
 
 
 
Entretanto, a norte do rio Douro, o Porto ligava-se ao Minho e a Trás-os-Montes, pela linha do Minho e linha do Douro, respectivamente.
A linha do Douro foi projectada para fazer a ligação do Porto a Barca d’Alva, em bitola ibérica.
As obras na Linha do Douro principiaram em 8 de Julho de 1873, tendo o primeiro troço, entre Ermesinde e Penafiel, entrado ao serviço no dia 30 de Julho de 1875. O troço seguinte, até Caíde, foi inaugurado em 20 de Dezembro do mesmo ano, e a linha chegou ao Juncal em 15 de Outubro de 1877.
Por sua vez, a linha do Minho que une Porto a Valença, seria inaugurada em 1882 e construída em bitola ibérica.
Nesta linha, o primeiro troço entre Porto e Nine foi construído entre Maio de 1872 e Maio de 1875 começando, então, a respectiva exploração.
Um ramal haveria de fazer a ligação de Nine a Braga.


 
 
Carruagem de 2 andares na Estação de Nine (Linha do Minho)
 
 
 
É, neste contexto, que irão surgir três ligações ferroviárias icónicas, entretanto, desaparecidas, de exploração em via estreita ou via reduzida, ligando o Porto à Póvoa de Varzim e Famalicão e, posteriormente, o Porto a Guimarães e, ainda, uma outra de ligação da Senhora da Hora a Leça da Palmeira.
 
 
 
Linha do Porto à Póvoa e Famalicão
 
 
O primeiro troço da Linha do Porto à Póvoa, desde a estação da Boavista até à Póvoa, entrou ao serviço em 3 de Outubro de 1875, por exploração da Companhia do Caminho-de-Ferro do Porto à Póvoa.
Hoje, o seu chão é percorrido pelo Metro do Porto, que chegaria à Póvoa de Varzim em 18 de Março de 2006.
O início de tudo tinha acontecido, contudo, no século XIX, em 1873.
 
 
 
“No dia 19 de Junho de 1873, foi deferida, ao Barão de Kessler e a Temple Ellicot, a construção e exploração de um caminho de ferro entre as cidades do Porto e da Póvoa de Varzim, com a bitola de 0,90 m, sem quaisquer encargos para o estado. Um despacho de 30 de Dezembro de 1873 autorizou que se procedesse ao trespasse desta concessão para a Companhia do Caminho de Ferro do Porto à Póvoa, que foi criada expressamente para aquele fim; este processo foi validado por uma portaria de 9 de Abril de 1874. A companhia foi fundada com capitais britânicos, o que influenciou a escolha da bitola utilizada, e o facto das primeiras locomotivas terem sido fornecidas pela casa Fairlie Engine Company”.
Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/
 
 
 
 
Como previsto, a linha foi construída numa bitola de 900 milímetros tendo, aquela, sido a primeira linha pública de via estreita em Portugal, fazendo parte do chamado primeiro grupo de caminhos-de-ferro de via estreita, de interesse geral, que também incluiu as Linhas de Guimarães e do Tua, e o Ramal de Matosinhos.
Em 1930, por deliberação governamental, a via haveria de ser reconvertida para a bitola métrica (1000mm).
O “Jornal do Porto” de 3 de Outubro de 1875, na sua pág.2, dizia sobre a viagem do dia anterior de inauguração da Linha do Porto à Póvoa:
 
 
 
 



 

Estação do caminho-de-ferro da Boavista, em 1875





Horário da Linha do Porto à Póvoa de Varzim, em 1876
 
 
 

Oficinas do caminho-de-ferro na Boavista
 
 
 
Na gravura, acima, observam-se as instalações das oficinas na Boavista, da Companhia do Caminho-de-Ferro do Porto à Póvoa e Famalicão, em 1878.

 
 

Travessia do rio Ave, em Vila do Conde



Em Agosto de 1875 e, em 19 de Dezembro de 1876, foi dada a autorização à Companhia do Caminho-de-Ferro do Porto à Póvoa para construir um novo troço, com cerca de 29 km de comprimento, entre a Póvoa e Famalicão, aonde se iria ligar à Linha do Minho.
O “Jornal do Porto”, de 12 de Janeiro de 1877, informava os leitores da decisão tomada, em assembleia geral da Companhia do Caminho-de-Ferro do Porto à Póvoa, presidida pelo visconde Silva Monteiro, de construir a ligação da via-férrea entre a Póvoa e Famalicão.


 
In “Jornal do Porto” de 12 de Janeiro de 1877

 
 
 

Estação ferroviária de Famalicão. A gare do lado esquerdo servia o Ramal de Famalicão que tinha bitola estreita (900 mm), e a do lado direito servia a linha do Minho que tinha bitola ibérica (1668 mm)
 
 
 
A construção não teve constrangimentos, tendo a linha chegado às Fontainhas em 7 de Agosto de 1878, e até Famalicão em 12 de Junho de 1881, sob a alçada da Companhia do Caminho-de-Ferro do Porto à Póvoa e Famalicão. Iria surgir o Ramal de Famalicão.
A última secção da linha foi contratada à empresa Henry Burnay & Cia.
Henry Burnay detinha, à data, uma das maiores fortunas do País e costumava passar férias na Granja.
 
 
 
 

Em primeiro plano a estação ferroviária da Granja, em V. N. de Gaia, seguindo-se o Chalet de Henry Burnay, usado na época balnear


 
 

Horário do Ramal de Famalicão
 
 
 
 
Entre 1916 e de 1925, ocorreram no Ramal de Famalicão algumas benfeitorias, casos da insta­lação de novos desvios nas estações de Laundos e Gondifelos, a constru­ção de uma plataforma em Barradas e, ainda, em 1924, a edificação de um armazém de mercadorias na estação de Amorim.
Em 1923 e 1825, ocorreram construções de instalações sanitárias em Laundos e Amorim, respectivamente.
Por contrato de 8 de Agosto de 1927, estabelecido entre o Governo e a Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal, publicado em Diário de Governo de 28 desse mês e ano, a Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal teria que promover a substituição da bitola de 900 mm por 1000 mm.
Acontece que, desde 14 de Janeiro de 1927, tinha surgido aquela nova companhia, pela fusão da Companhia do Porto à Póvoa e Famalicão com a Companhia do Caminho de Ferro de Guimarães, e a alteração da bitola fazia parte das condições para a fusão.
Em Março de 1930, no que concerne ao Ramal de Famalicão, durante vinte dias foi cumprida a tarefa sem interrupção da circulação, que envolveu ainda a alteração de rodados do material circulante.
A mesma transformação sofreria a via entre o Porto e a Póvoa de Varzim.
A vida do Ramal de Famalicão durou até ao dia 23 de Dezembro 1995.
Transformou-se numa ecopista.
 
 
 

À esquerda, o que resta da antiga estação de Gondifelos do Ramal de Famalicão
 

 

À direita, o que resta da antiga estação de Fontainhas do Ramal de Famalicão
 
 
 

À esquerda, o que resta da antiga estação de Rates do Ramal de Famalicão
 
 
 
Estação Ferroviária de Famalicão




Ramal de Leixões e duplicação da via entre a Boavista e Senhora da Hora
 
 
No ano de 1893, a Companhia do Caminho-de-Ferro do Porto à Póvoa e Famalicão foi autorizada na fazer a exploração, no antigo Ramal de S. Gens, de transporte de pedra para construção do Porto de Leixões, rebaptizado, agora, de Ramal de Leixões, ou Ramal de Matosinhos, ou Linha de Leça, do serviço de passageiros e mercadorias.
Este ramal estaria ao serviço até 1965.

 
 

À esquerda, na foz do rio Leça, a ponte que levava para Leça os passageiros embarcados na Senhora da Hora, c. 1893
 
 
 
 

Estação da Senhora da Hora, c. 1900


 

Ramal de Leixões, na Rua Heróis de França, c. 1920
 
 
 
 
Em 1909, a Companhia do Caminho-de-Ferro do Porto à Póvoa e Famalicão, foi autorizada a duplicar a via entre a Boavista e a Senhora da Hora.
 
 
 
 
Linha do Porto a Guimarães
 
 
 
A Linha de Guimarães era originalmente uma linha de bitola métrica (1000 mm). O primeiro troço, entre a Trofa e Vizela, entrou ao serviço em 31 de Dezembro de 1883, tendo a linha chegado a Guimarães em 14 de Abril de 1884 e a Fafe em 21 de Julho de 1907. Tudo isto foi executado pela Companhia do Caminho de Ferro de Guimarães, cuja sede, no Porto, era na Rua de Cedofeita. Em Dezembro de 1901, o gerente desta companhia era António de Moura Soares Velloso.

 
 

Título de Obrigação da Companhia do Caminho de Ferro de Guimarães para angariação de capitais para fazer o prolongamento para Fafe e adquirir também material circulante
 
 
 
Em 14 de Janeiro de 1927, a Companhia do Porto à Póvoa e Famalicão seria fundida com a Companhia do Caminho de Ferro de Guimarães, formando a Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal.
Começava a ser possível unir esforços para prolongar a Linha de Guimarães até ao Porto.
Entre a Trofa e Porto/Boavista (via Senhora da Hora) efectuou-se a primeira viagem, em 14 de Fevereiro de 1932.
Assim, a partir de 1932, na Estação de Senhora da Hora, havia um entroncamento com a Linha de Guimarães e o Ramal de Matosinhos.
A Gazeta dos Caminhos-de-Ferro dava conta da visita de Óscar Fragoso Carmona, Chefe de Estado, para proceder à inauguração do troço Senhora da Hora à Trofa.





IN “Gazeta dos Caminhos-de-Ferro”, Nº 1062 de 16 de Março de 1932
 
 
 
 
 
Após a inauguração da estação da Trindade, o percurso começava na Trindade e seguia por Senhora da Hora, Castelo da Maia, Muro, Trofa, Lousado, Santo Tirso, Guimarães e Fafe.
 
 
 
 

Antiga Estação Ferroviária de Santo Tirso, em 1933
 
 
 
 
A Porto/Trindade se iria chegar em 30 de Outubro de 1938.
É, também, em 1938, construída uma ponte ferroviária, em granito, para que o comboio, da ligação entre Porto (Trindade) e Guimarães, faça o atravessamento, na freguesia de Muro, concelho da Trofa, da movimentada EN 14, que liga o Porto e Braga. Ficou conhecida como Ponte da Peça Má e, por motivos de difícil entendimento, foi demolida em 2015.
Para justificar esta decisão argumentaram que estando a linha férrea, desde 2002, desactivada e ocorrendo naquele troço da EN 14 alguns acidentes rodoviários, seria recomendável entrar em acção o camartelo. Assim se fez!

 
 
 

Ponte da Peça Má antes da demolição

 
 

A Ponte da Peça Má jaz por terra, em 2 de Setembro de 2016 – Ed. “onoticiasdatrofa.pt/”




Automotora, em 1991, vinda pela esquerda da estação da Trindade, fazendo o atravessamento da Via de Cintura Interna, na zona de Francos, tendo por destino Guimarães

 
 
 
O troço desta antiga linha entre o Porto e a Maia reabriu como linha de metro ligeiro (em via dupla e bitola padrão) entre Dezembro de 2002 e Março de 2006, sendo atualmente a Linha C do Metro do Porto, servindo o ISMAI (a norte da Maia).
Aguardam-se decisões para levar o Metro até à Trofa no canal da antiga Linha de Guimarães.
 
 
 
 
Estação da Trindade
 
 
Apesar de ser uma das principais estações no Porto, a Boavista encontrava-se demasiado longe do centro da cidade. Para resolver este problema, planeou-se a construção de uma nova interface na zona da Trindade, no coração da cidade.
 
 
“Até 1938, a linha do caminho-de-ferro do Porto à Póvoa de Varzim tinha a sua estação terminal na Boavista. O edifício, onde ainda há relativamente pouco tempo funcionou o balcão de um banco, ainda lá está, mas já muito degradado.
A linha, de iniciativa particular, começou a funcionar em Outubro de 1875. O seu primeiro administrador foi o escritor e historiador Oliveira Martins, que residia na Casa da Pedra, na Rua das Águas Férreas, junto ao bairro da Bouça. Foi só em 1938 que abriu o túnel da Trindade e se construiu a estação com a mesma designação! Em 1947, a Linha da Póvoa foi integrada na rede da CP.
Quando o comboio chegou à Boavista, em 1875, o espaço a que hoje se dá o nome de Praça de Mouzinho de Albuquerque não passava de um amplo logradouro rodeado de muros que delimitavam quintas, pequenas propriedades e terras de cultivo. A chegada do comboio trouxe àquelas paragens uma inusitada animação.
Por exemplo; a Feira de S. Miguel que, desde 1682, se realizava na Cordoaria, foi transferida para o espaço que ficava em frente ao edifício da estação do caminho-de-ferro. O amplo logradouro teve de ser adaptado a essa nova função.
Em 1876, um ano depois da inauguração da linha, realizaram-se grandes obras no terreno a que foi dado o nome de Praça da Boavista, também conhecida por Rotunda da Boavista”.
Fonte: Germano Silva
 
 
Em 30 de Outubro de 1938, foi inaugurada a Estação Ferroviária de Porto-Trindade, substituindo a da Boavista.
Mesmo após a abertura da linha até à Trindade a estação da Boavista continuou a ter serviços.
Com efeito, nos primeiros meses de serviço da nova estação, a grande maioria dos passageiros continuou a utilizar a Boavista, em protesto contra as novas tarifas introduzidas pela Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal.
Em 1939, a Estação da Boavista era usada, praticamente, apenas, por comboios de mercadorias, tendo os serviços de passageiros sido transferidos para o apeadeiro da Avenida de França, a curta distância.
De facto, antes da Estação da Trindade, em Março de 1932, foi inaugurado o Túnel da Trindade.
Na cerimónia esteve presente o general Óscar Carmona, como contava e ilustrava a Gazeta dos Caminhos-de-Ferro, Nº 1062 de 16 de Março de 1932.
 
 
 


 
 
 
E uma das primeiras descrições do Túnel da Trindade é deveras curiosa.
 
 
 
 

 
 
 



Inaugurado o Túnel da Trindade, faltava construir a estação ferroviária.
Estavam seis anos pela frente.

 
 

Estação Ferroviária da Trindade
 
 
 

Estação de Metro da Trindade