segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

25.147 O Pão

 
Antigamente, o pão e a broa que eram confeccionados nas padarias do Porto não tinham a qualidade mínima, sendo consumidos, apenas, pelas classes mais pobres.
De boa qualidade, o pão de trigo chegava de Valongo e, o de milho, a broa, vinha de Avintes, suplantando, em qualidade, a de milho-comum confeccionada nas padarias da cidade.
Assim, perante a má qualidade do pão fornecido pelas padarias da cidade, os mesários da Santa Casa da Misericórdia do Porto decidiram já, em 1700, que o fornecimento do pão do Hospital D. Lopo de Almeida, situado no gaveto da Rua das Flores com a Rua dos Caldeireiros, passasse a ter origem em Valongo, o que nos leva a concluir que a fama da qualidade do pão fabricado naquelas bandas, já vinha de longe.
 
 
«Como era muito grande a despesaque se fazia com o pão das padeiras da cidade, que os doentes não comiam por ser mal amaçado, sendo tão preto que parecia se lhe não tirava o rollão, trazendo-o muitas vezes quente, assim como saía do forno para logo se gastar, e se não ver depois de frio a ruindade dele", decidiu-se, "dar aos doentes pão das Padeiras de Valongo, e vindo uma delas com várias formas dele respeitando ao valor de seiscentos réis que inda tinha trigo, se achou convinha dar-se a cada doente, em cada dia, dois pães, de preço ambos de 25 réis e com efeito, por ordem da Mesa, se ajustou com a padeira a trazer todos os dias o pão que fosse necessário"».
Fonte: Livro de Lembranças (registo regular) da Mesa da Misericórdia do Porto, do dia 16 de Fevereiro de 1700
 
 
Em tempos que já lá vão, a qualidade do pão que se fabricava no Porto deixava, então, muito a desejar. Por isso, os cidadãos que tinham algumas posses recorriam a outras fontes, como nos narra o texto que se segue:
 
 
 

Padre Agostinho Rebelo da Costa (Descripção topografica, e historica da cidade do Porto - 1778)
 
 
Durante muitos e muitos anos, Valongo forneceu pão para muitas outras terras à sua volta. Os campos de cultivo eram férteis e os moinhos dos rios Ferreira e Leça, com a força das águas, moíam o grão e faziam a farinha.
Nesses tempos, o transporte do pão de Valongo para a cidade era feito pelas padeiras ou padeiros em jumentos carregados e conduzidos à arreata. Saíam de manhã, de madrugada, e percorriam as estradas de ligação ao Porto, via Rio Tinto, S. Roque da Lameira e Bonfim, na chamada Estrada do Pão, ou pela Estrada de Guimarães, vindos da Areosa até à Cruz das Regateiras (local onde seria edificado, na década de 1880, o Hospital do Conde de Ferreira) onde se juntavam e se dirigiam às feiras fazendo, por vezes, pequenas paragens às portas das casas de família ou mercearias locais, vendendo o pão mais típico e apreciado - a regueifa.
Após a venda, ao fim do dia, tratavam de se juntar todos para o regresso, em grupo, de forma a defenderem-se de possíveis assaltos, pois já chegavam de noite ao destino e era obrigatório atravessar a serra de Valongo.
As padeiras regressavam no dorso do animal, regaladamente instaladas adormecendo, por isso, no trajecto e só acordavam à porta de casa. Os jumentos já sabiam o caminho e não se enganavam, como resultado da repetição do ritual diário.
 
 
 

Padeiros de Valongo – Ed. Emílio Biel

 
 

Padeira de Valongo
 
 
“As padeiras de Valongo envergavam, consoante as estações, saias de pano de lã ou de riscado, uma espécie de jaqueta curta e, sobre os ombros, capa de fazenda. Chapéu pequeno e redondo na cabeça, chinelos nos pés (com ou sem meias) e, no pescoço, invariavelmente, ostentavam grossos cordões de ouro, com medalhas, figas, corações ou cruzes pendentes. Nas orelhas, era essa a moda, seguravam volumosas arrecadas.
Os padeiros da mesma região vestiam calça, colete e jaqueta. De Verão, faziam uso da calça branca de sarjão ou de linho e, durante a venda, habitualmente, despiam a jaqueta, ficando em mangas de camisa. Na cabeça, usavam chapéu preto de abas largas, redondo e baixo e, nos pés, chinelas de couro grosso, com ou sem peúgas”.
Horácio Marçal, In revista O Tripeiro, VIª série, ANO VII, página 140
 
 
 

Manuel Pedro, In revista O Tripeiro”, Vª série, ANO VI, página 85

 
 

Padeiras de Valongo, em 1950 – Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Valongo

 
 
 
Escultura inaugurada em 8 de Abril de 2005, no centro de uma rotunda de Valongo, de homenagem aos seus padeiros e padeiras

 
 
No século XVIII, a moagem dos cereais, operação prévia à confecção da broa, era a principal ocupação em Avintes, tornando-se o seu ex-libris de excelência.
Em 1747, segundo algumas crónicas, coziam-se, por semana, na freguesia, 96 carros de pão. Em 1758, as águas do rio Febros faziam girar cinquenta rodas de moinhos.
De acordo com algumas opiniões, esta actividade deve ter surgido no reinado de D. Dinis (1261-1325). Este monarca, receoso dos incêndios, terá restringido a cozedura do pão na cidade do Porto.
Estavam, então, abertas as portas da oportunidade para Avintes. A produção aumentava.
O especial paladar da sua broa abriu-lhe fronteiras e trouxe-lhe a fama.
No dealbar do século XIX, contavam-se na freguesia mais de 50 padeiros e de 300 carros de pão, por semana.
Sobre a broa de Avintes, nos dá conta o texto seguinte:
 
“É um pão castanho-escuro e muito denso, com um sabor distinto e intenso, agridoce, feito com farinha de milho e centeio. Tem um processo de produção particularmente lento: coze cerca de cinco a seis horas no forno. Depois de cozido, é polvilhado de farinha. Tem, geralmente, o formato de uma torre sineira.”
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
 

Manuel Pedro, In revista O Tripeiro, Vª série, ANO VI, página 85
 
 
 

Padeira de Avintes
 
 
 
“As padeiras de Avintes vestiam saia e colete de pano de lã azul-escuro e, de Inverno, um género de jaqueta larga e comprida, feita da mesma fazenda.
Por baixo do colete, sobressaía uma camisa branca de mangas compridas abotoadas no pulso (durante o Inverno) ou arregaçada até ao cotovelo (em período estival).
Não prescindiam do chapéu preto, redondo, de abas largas e cpoa baixa, no interior do qual, para amortecimento do peso das canastras, metiam a respectiva rodilha. Nos pés, era a chinelinha.
(…) As padeiras vinham em barcos por elas, mesmas, tripulados (ora timonando ora remando), desciam o Rio Douro e vinham abicar na margem direita, ao desembarcadouro, então existente na Ribeira, um pouco abaixo da ponte pênsil. Cestos à cabeça, lá partiam elas, Rua de S. João acima, por Belomonte e Taipas, em direcção à Praça de Santa Teresa, onde se desajoujavam da pesada, mas saborosa mercadoria, ante um prolongado suspiro de alívio”.
Horácio Marçal, In revista O Tripeiro, VIª série, ANO VII, página 140
 
 

Chegada à Ribeira das padeiras de Avintes, em 1900 – Ed. Emílio Biel




Escadas das Padeiras (ainda existem, após trabalhos de recuperação)
 
 
 

Homenagem à padeira de Avintes, no Largo escultor Henrique Moreira, em Avintes
 
 
 
Feiras do Pão
 
A venda de pão em feiras, na cidade do Porto, tem tradição muito antiga.
 
 
«A tradição, no Porto, da venda de pão em feiras é muito antiga e não se sabe bem quando começou. Mas sabe-se, por exemplo, que em 14 de Março de 1584 era publicado um acórdão municipal, se assim se lhe pode chamar, em que se determinava que as "as medideiras da feira do Pão, messão em gamellas fora das casas no meio da praça, quando não chover, sob pena de multa..." Esta lei, se assim pode dizer-se, que obrigava as "medideiras" a trabalhar na praça e que tinha por finalidade impedir roubos ou outras falcatruas, ainda estava em uso quando, nos meados do séc. XIX, ainda se fazia a feira do pão no antigo Largo de Santa Teresa e a da farinha, na Praça dos Voluntários da Rainha, actual Praça de Gomes Teixeira. No ano seguinte (1585), foi publicada nova legislação, desta vez contra "as pessoas que misturarem o pão trigo de fora com o da terra e que quem vender hum não possa vender o outro..."»
Cortesia de Germano Silva
 
 
 
Durante muitos anos, o local de eleição para a venda do pão foi a Praça do Pão, hoje, a Praça Guilherme Gomes Fernandes.
Embora a Terça-Feira e o Sábado fossem os dias de maior afluência de vendedores, havia quem marcasse presença todos os dias.
 
 
«O produto mais procurado eram os célebres "pães de Valongo" que pesavam cerca de meio quilo e eram vendidos, nos finais do século XIX, a 75 réis cada um. Mas a variedade era imensa e para todos os gostos. Vendiam-se também, e em abundância, o nosso muito conhecido "pão molete", regueifas, tosta (doce e azeda), boroa, pão podre, pão coado, biscoitos de várias qualidades e feitios como o de argola, que eram muito procurados por moços e moças dos arrabaldes».
Cortesia de Germano Silva
 
 
O pão molete, referido no texto anterior, terá a sua génese ligada às invasões francesas, mais concretamente, à 2ª invasão.
Assim, conta-se que, em 1809, o exército francês ocupou o colégio da Formiga, na Santa Rita, em Ermesinde, no concelho de Valongo e o general Moulet terá dado ordens para as padarias servirem ao exército um pão individual, mais pequeno, como ração da sua tropa.
O pão molete, que por nós ainda hoje é assim chamado, terá a sua origem naquele facto, por alusão ao nome do general.
Na Praça do Pão, a disposição dos lugares de venda era a seguinte: a todo o comprimento do lado poente, em duas carreiras, ficavam as padeiras de Valongo.
Contudo, às Terças, Quintas e Sábados, essas mesmas padeiras (e padeiros), como a afluência era maior, distribuíam-se, também, pelo lado norte.
As padeiras de Valongo vendiam o pão da terra confeccionado com farinha que era moída nos moinhos a água da região de Valongo, com as suas canastras presas aos burros, funcionando como prateleiras, presas ao dorso dos animais e cobertas por alvas toalhas; as padeiras de Avintes ocupavam, então, todo o espaço sobrante, em duas fileiras, uma de cada lado da rua e o negócio acontecia com as canastras pousadas no chão.
Durante boa parte do século XIX, as vendedeiras estavam protegidas do sol por 32 árvores.
 
 
 

A Praça do Pão com as suas árvores
 
 
 
 
A Praça do Pão que antecedeu nesse mesmo local a Praça de Santa Teresa e que, a partir de 1915, passou a ser a Praça Guilherme Gomes Fernandes dos nossos dias era, como hoje, um pouco inclinada.
Para evitar o desnível, foi construído um socalco (sustido por uma parede do género da levantada no Jardim de S. Lázaro), que era vencido através de uma escada com seis degraus, fronteira à actual Rua de Santa Teresa.
No período da transição de séculos, a venda de pão passou a ocorrer em barracas de madeira, montadas no centro do largo.

 
 

Praça do Pão, em 1890. Ao fundo, à esquerda, observa-se a parte cimeira do espaldar do chafariz da Praça Santa Teresa

 
 

Praça do Pão com as suas barracas madeira


 
Em 26 de Maio de 1909, são retiradas da Praça Santa Teresa as barracas que no sítio há longos anos existiam para a venda do pão, sendo que algumas delas foram transferidas para o lado sul do mercado do Anjo, iniciando-se a construção, no lugar por elas ocupado, duma placa central ajardinada. 



«O rápido desenvolvimento urbanístico da cidade e, em especial, do chamado Bairro das Carmelitas ditou o fim da pitoresca feira do pão. Nos começos do século XX, os abarracamentos começaram a ser demolidos e as ladinas padeiras de Valongo instalaram-se na ala sul do Mercado do Anjo, entretanto já desaparecido. Coisas da vida de uma cidade..."».
Cortesia de Germano Silva
 
Tendo encerrado de vez a feira do pão, na Praça Santa Teresa, os mercados do Anjo e do Bolhão passaram, ao longo do tempo, a ser os locais de eleição para a transacção daquele bem de primeira necessidade.
Hoje, as padarias da cidade asseguram o abastecimento da população e a regueifa de Valongo é produzida, de modo generalizado.


 

Desfile do corpo de bombeiros na nomeada, desde 1915, Praça Guilherme Gomes Fernandes (antiga Praça do Pão e Praça Santa Teresa)
 
 
 
Biscoitos de Valongo
 
 
Para além da afamada regueifa de Valongo, os biscoitos, aí confeccionados, ganharam fama na cidade do Porto.
Durante muitos anos, até mesmo para além de meados do século XX, vendedeiras oriundas de Valongo, corriam o Porto, chegando mesmo à Foz, oferecendo os seus biscoitos de milho, os fidalguinhos, de limão, digestivos, torcidos e outros biscoitos deliciosos.
Há registos de narrativas que dão conta que, antigamente, a mercadoria era carregada em alforges, por um burrito, e a visita era feita porta-a-porta, todas as semanas, junto de clientes habituais.
Mais recentemente, as vendedeiras chegavam nas camionetas da carreira e deambulavam pela cidade de cesto à cabeça, com a mercadoria envolvida em impecáveis lençóis de linho branco.
Neste artigo mais minucioso (biscoito) destacou-se, desde longa data, a valonguense marca “Paupério”.
 
 
“António de Sousa Malta Paupério e Joaquim Carlos Figueira criaram, em 1874, a fábrica de biscoitos “Paupério & Companhia”. Dois anos depois, em 1876, a “Paupério & Companhia” recebe um prémio na Exposição Internacional de Filadélfia, feito que haveria de repetir nas exposições internacionais do Palácio de Cristal, em 1877, e na do Rio de Janeiro, em 1879.
Em 1974, o país celebrava a Liberdade e a Paupério o seu primeiro centenário. Atualmente, a Paupério é gerida pela 6ª geração da família Figueira, que mantém uma linha de biscoitos tradicionais com as mesmas receitas utilizadas desde a sua criação”.
Fonte: “pauperio.pt/”
 
 
Após a morte de António Sousa Paupério, em 1907, os seus herdeiros venderam a sua parte a Joaquim Carlos Figueira, o outro sócio fundador.
Em 28 de Junho de 1935, a firma Paupério & Cª Sucessores, pediu o registo do nome «Fábrica Paupério, Biscoitos e Bolachas», obtendo despacho em 27 de Abril de 1936.
Em 1938, estavam registadas as seguintes variedades: Roscas Inglesas, Bolacha Comum, Biscoitos de Viseu, Morgadinhos e Provincianos.
Alguns meses depois, registaram as bolachas «Mocidade», de feitio quadrado e tendo imprimidas as cinco quinas.
No ano de 1941, foi registada a marca «Bolo Rei Paupério», que continua a produzir. Em 1946, foi feito o registo da marca «Paupério» para compotas, conservas e geleias de frutos e marmelada. 
 
 
 

Fábrica Paupério, na zona histórica de Valongo – Cortesia “garfadasonline.blogspot.com/”

 
 

Produção de biscoitos na Paupério - Fonte: “pauperio.pt/”

 
 

Sortido da Paupério
 
 

Tosta Rainha da Paupério
 
 
 
 
Presentemente, a Paupério produz cerca de 32 variedades de bolachas e biscoitos, para além do Pão-de-Ló Paupério e do Bolo-rei Paupério produzidos nas épocas festivas.
Algumas das receitas mantêm-se inalteradas, como é o caso da «Tosta Rainha» fabricada em 1889, em homenagem à rainha D. Amélia.

domingo, 16 de janeiro de 2022

25.146 Bem prega frei Tomás

 
A noite caía. Estávamos em 16 de Outubro de 1861, caminhava-se para a meia-noite e pairava no ar a ameaça de uma trovoada. Todos esperavam, no tribunal, o veredicto dos jurados sobre o julgamento de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido pelo crime de adultério.
Alguns meses antes, deambulando pelo país, Camilo hesitava sobre a possibilidade de se entregar às autoridades ou de continuar uma fuga à justiça, que já durava há alguns meses.
Na sequência de queixa apresentada pelo marido traído, após recurso da acusação, a pronúncia respectiva dimanada do Tribunal da Relação, leva Ana Plácido à prisão, a 6 de Junho de 1860, mas Camilo fugirá e só se entregará em 1 de Outubro de 1860.
Nesse corrupio, Camilo escondeu-se, primeiro, na Samardã, em casa da irmã e, depois, em Vila Real.
No jogo do gato e do rato com os oficiais da justiça, passou em seguida por Guimarães e pelas Caldas das Taipas, de onde rumou para Fafe, numa altura em que estaria iminente a sua detenção, esteve aqui escondido na casa do seu amigo José Cardoso Vieira de Castro (1837-1872).
Essa estada de Camilo, em 1860, de cerca de um mês, na “Casa do Ermo”, na Vila de Fafe, freguesia de Paços, é motivo de orgulho para os locais daquela freguesia, que já foi “Passos” (com ss).
No livro "Memórias do Cárcere", surgem as referências a essas passagens por Paços e Caldas das Taipas.
Enquanto se encontrava nas Taipas, Camilo viveu numa casa junto à Pensão Vilas, que seria demolida em 1991.
Actualmente (2022) o prédio onde se alojou aquela pensão encontra-se em estado de ruína.


 

Pensão Villas (Caldas das Taipas) no início do século XX e, à esquerda, a casa que Camilo habitou
 
 
 
Naquela vila, o escritor esteve também refugiado no Solar da Ponte, em Briteiros, propriedade de Francisco Martins Sarmento.
No muito do tempo de que dispunha, Camilo dava passeios de barco no rio Ave com Martins Sarmento, apreciava as frescas carvalheiras, frequentando, por vezes, os bailes da Assembleia, apesar do receio de ser reconhecido.
Sobre esta estadia Camilo conta na sua obra "Memórias do Cárcere":
 
 
 
”A meia légua das Taipas, tem Francisco Martins uma quinta, chamada Briteiros. Na casa magnífica da quinta vivia um par de conjugues decrépitos, antiquíssimos criados de pais e avós do meu amigo. A extensão das suas salas, câmaras, corredores em longitude e forma conventual, de tudo me senhoreei. Escolhi o quarto, cujas janelas faseavam com um recorte horizontal de arvoredos, e a cumeeira chã dum serro onde se divisam as relíquias da antiga povoação, que lá dizem ter sido."
Camilo Castelo Branco
 
 
No que respeita a Paços, na mesma obra literária, escreve Camilo:
 
 
“Fui de Santo António das Taipas para as cercanias de Fafe, quinta do Ermo, onde me esperava com os braços abertos e o coração no sorriso, José Cardoso Vieira de Castro. Falseei a verdade. Vieira de Castro esperava-me a dormir, naquela madrugada dele, que era meio-dia no meu relógio.
(…) Não falei ainda da minha convivência caseira de trinta dias com José Cardoso Vieira de Castro.
Naquele tempo, o descuido deixara à mercê das ventanias de sucessivos invernos o telhado da casa. As chuvas em Junho não eram copiosas; mas, como o ardor do sol fendesse a argamassa, o tecto coava os chuveiros das trovoadas, e pingava sobre a minha cama como abóbada de caverna. Ao deitar-me, abria eu o guarda-chuva, e dormia assim. Se não fosse a constrição do ânimo, que regaladas noites seriam aquelas!
Vieira lia Filinto Elísio, e declamava-o com irónico entusiasmo na versão dos Mártires de Chateaubriand, versão que requer ser vertida para português.
(…) A nossa mesa era lauta em coelhos. Façam ideia do montesinho da terra, sabendo que um criado saía fora de portas com dois cães e um pau, e voltava com uma braçada de coelhos, uns, a meu ver, filados pelos cães, outros derreados a bordoada.
As cerejeiras arqueavam-se sobre as janelas do nosso quarto com os seus frutos de sedutor carmim; as laranjeiras eram lindas à vista; mas o travor do fruto degenerado era tal, que um guisado de coácia e fel seria doce de ovos em comparação com as laranjas do Ermo. O que as densas árvores nos davam era a sua folhagem lustrosa e verde, e a luz coada por elas, e os raios do sol de Julho esfriados na sua frescura (…).
(…) Saí do Ermo, outra vez para as Taipas (…) Chegámos a uma chã, onde estava arvorada cruz de pedra, chamada a cruz de Lestoso.”
Camilo Castelo Branco, In "Memórias do Cárcere"
 
 
 

Casa da Quinta do Ermo
 
 
José Cardoso Vieira de Castro, o escritor Júlio César Machado, o Dr. Ferreira, conhecido também por Dr. Janota e o advogado Marcelino Matos vão estar ao lado de Camilo Castelo durante todo o processo, defendendo-o conforme podem.
De destacar a intervenção pública de José Cardoso Vieira de Castro que, em meados do ano de 1861, faz publicar um livro no qual traça o perfil de Camilo e dá notícia da sua vida na obra Camillo Castello Branco (Notícia da sua vida e obras)”, Porto, Typ. de Antonio José da Silva Teixeira, 1861.
 
 
Pretendia, assim, Vieira de Castro arrastar a opinião pública para o lado do escritor.
 
 
“Em fins de Agosto de 1861, José Cardoso Vieira de Castro publicou o seu famoso livro Camilo Castelo Branco – notícia da vida e obras do gigante da prosa. Este valioso trabalho, escrito em estilo muito elevado, ressente-se, por vezes, do ardor excessivo com que Vieira de Castro defende Camilo e, impiedosamente, fustiga os adversários que o Romancista insensatamente criara. Porém, tal parcialidade é, de certo modo, desculpável – e até meritória – se repararmos que Vieira de Castro teve por objecto salvar a reputação de Camilo, então mal visto pela burguesia sensata, e desde 1 de Outubro de 1860 expiando na Cadeia da Relação do Porto o ‘crime’ dos seus ilícitos amores com Ana Plácido. Camilo veio a ser julgado em 15 de Outubro de 1861, e o livro de Vieira de Castro algo contribuiu para a absolvição do apaixonado Romancista e sua adulterina enamorada.”
Alberto Moreira (“Júlio Dinis, Vieira de Castro e Camilo”) - Revista nº 8 de “O Tripeiro”, de 1955

 
 

“Camillo Castello Branco (Notícia da sua vida e obras) - 2ª Edição de 1863
 
 
Sobre o escritor Júlio César Machado, atrás também referenciado, Camilo Castelo Branco sob a capa do anonimato, ainda que preso, faz publicar, em 7 de Janeiro de 1861, mesmo assim, no jornal “O Nacional”, a seguinte crónica:
 
 
«Lisboa tem um folhetinista militante é Júlio César Machado, que madruga regularmente à uma da tarde, gasta duas horas no toucador, sai a lançar as redes nos pontos onde mais os cardumes se desovam, em novidades, e recolhe por noite alta com as riquezas que já de casa tinha levado – as da sua alegre e buliçosa fantasia. (…) Quem o ler, dirá: “que Virgílio, se fizesse versos latinos como Julio Janin; se algum Mecenas das obras públicas lhe desse nesse poético Minho um lugar de engenheiro conductor!
Que diálogos pastoris, que branduras de Rodrigues Lobo, que metro tão aparado para enfeitiçar-nos de amores da natureza, nua e linda como ela saltou a brincar das mãos de Deus!”
Ó Júlio, como esta gente se engana! Tu admiras a natureza por necessidade. Se não fosse aquele pintassilgo que regorgeia na gaiola da vizinha da frente, tu só acreditavas na existência das aves da praça da Figueira, e nomeadamente das perdizes que tu costumas trazer aos pares para a tuas ucharia, no bolço do paletó, arca económica em que tu, nos grandes cataclismos, te salvas com alguns bichos de consumo. Eu já te vi em extasis diante dum paio de Lamego, e compreendi a que finezas podia ir o amor à natureza morta. Ainda não te vi desabrochar tantos ramilhetes de estilo como naquele dia em que te meteste como Horácio num triclínio de Augusto e viste desfilar escravos com as terrinas de ostras e rodovalhos; e todavia, diante de nós, naquela parca mesa da travessa de S. Julião, a picar-te o estro escandecido, via-se apenas o dente dum goraz, ladeado de arabescos de cebola!
Ó Júlio, tu a meu ver, és um Teócrito, em conformidade com estes tempos: gostas da natureza assada, da natureza guisada, da natureza em compoteiras, da natureza em estado de múmia como a vende o Mata, o homem que descobriu mais harmonias na cozinha que Bernardin de Saint-Pierre no novo mundo.
Se viesses ao Porto… Quer o leitor saber o que fez Júlio César Machado vindo uma vez ao Porto? Desembarcou, viu a torre dos Clérigos, leu um anúncio da saída nesse mesmo dia para Lisboa, foi comprar o bilhete, e deixou-nos. Querem agora admirar-lhe a modéstia? Nem sequer escreveu um livro de “Impressões de viagem” ou Passeios ao norte de Portugal!” Estar duas horas no Porto, e não ir dizer aos de Lisboa que nós falámos galego, que temos os pés muito grandes, que andámos de tamancos, e comemos tripas como em Lisboa se come alface repolhuda! Isto prova bondade suma, por que não pode provar sovinice de imaginativa.»


Camilo Castelo Branco irá dedicar a Vieira de Castro, o autor da sua primeira biografia, o seu romance de 1870, “O Condenado” e na “Correspondência Epistolar entre José Cardoso Vieira de Castro e Camilo Castelo Branco”, obra publicada, no Porto, em 1874, transcreve o modo como se conheceram:


“Eu não o conhecia, naquele tempo, em 1854. Via-o nas janelas da sua casa, que abriam sobre a quinta do Pinheiro, onde eu morava. Observei que ele não desfitava de mim a luneta com uma fixidez que me lisonjeava. E, às vezes, ouvia-lhe as gargalhadas de jovial aplauso, quando eu cavalgava um mau cavalo em pelo; e, remetendo em desenfreado galope por baixo do esgalho de uma árvore, me pendurava no ramo, e deixava em vertiginosa liberdade o cavalo.
Eu tinha 27 anos mais pueris que os dezasseis daquele menino que vertia inteligentemente as misantropias de Zimmermann.
No Nacional, onde eu escrevia, saíram anónimos os folhetins do incógnito tradutor da Solidão. Figurou-se-me que alguns dos derrancados leões de 1830, espreitando o céu pelos invernos álgidos do coração, nos queria guiar a nós, os rapazes de 1854, ao desengano das cousas boas e más que ora enfloram, ora ensilveiram as veredas da mocidade.
Quando, porém, me asseveraram que o intérprete do solitário germânico era o rapazinho louro que se ria do meu selvagismo de gineta e estardiota, desejei estudar aquele espírito que emurchecia envolto em grinaldas de rosas. Volvidos dois anos, vi-o num teatro. Ainda o não conhecia pessoalmente.
Mostraram-mo, exagerando-lhe as verduras amorosas com uma actriz, não sei se dançarina, se dramática. O que quer que fosse alvorejava hipérboles de entusiasmo no moço imberbe, — explosões não aconselhadas por Zimmermann, mas frisantes com os dezoito anos, embora, trovejadas de cima das cadeiras da plateia. Muita palma, muito ‘bis’, muita flor com fitas baratas, louvores e sátiras já eloquentes, muita metáfora, muita moeda falsa de sentimentalismo, brindes à francesa em ceias menos nocivas aos bons costumes que aos estômagos portugueses, e mais nada. Vieira de Castro alegrava-me, dava-me inveja da sua jovialíssima estouvanice, radiava juventude em redor de si.”
Camilo Castelo Branco


Camilo terá conhecido Vieira de Castro, quando ele não teria, ainda, vinte anos e a amizade que entre os dois se desenvolveu durou toda a vida.
Vieira de Castro, filho de Luís Lopes Vieira de Castro (1800-1844), desembargador do Tribunal da Relação do Porto, e de Emília Angélica Guimarães (1815-1882), era sobrinho do deputado setembrista e ministro António Manuel Lopes Vieira de Castro (1766-1842) que seria nomeado, em 1834, governador temporal da Diocese de Viseu, em sequência da fuga do bispo e, ainda, nomeado Guarda-mor da Torre do Tombo, em 1837, e demitido em 1841, por Costa Cabral.
Sobre António Vieira de Castro diz Camilo Castelo Branco:
 
 
“Quem adivinharia então que do pujante António Vieira sairia o ministro dilecto da senhora D. Maria II, o mestre dos liberais, o amigo e conselheiro dos Passos, do Silva Carvalho, e dos mais estremados estadistas da escola robustecida da emigração.”
 
 
Por sua vez, José Cardoso Vieira de Castro, tendo estudado no Colégio da Lapa, onde, desde 1841 e durante os 19 anos seguintes, tinha passado a desempenhar as funções de reitor, Joaquim da Costa Ramalho Ortigão (pai do escritor Ramalho Ortigão), ingressa na Universidade de Coimbra, em 1853, com apenas 15 anos.
 
 
 

Colégio da Lapa ou Liceu da Lapa, junto à igreja da Lapa. No edifício da esquina, antes, funcionou a capela que antecedeu a actual igreja
 
 
Dotado de excepcionais dotes de oratória, na Universidade de Coimbra, assumiu o papel de líder natural dos estudantes, acabando por se revelar como um influente dirigente académico, encabeçando a contestação estudantil aos professores e à instituição universitária.
 
 
“Foi neste contexto que, em 1857, então aluno do 4.º ano, José Cardoso Vieira de Castro se insurgiu violentamente, durante um ato na Sala dos Capelos, contra a Universidade em defesa de Augusto César Barjona de Freitas, que fora preterido, por antipatias políticas, como candidato num concurso interno. Em consequência foi expulso da Universidade, interrompendo os estudos por dois anos, apenas sendo readmitido devido a mudanças políticas entretanto ocorridas. Contudo, o afrontamento público fez dele um herói, catapultando-o a figura nacional, de que os jornais dão notícia, situação da qual irá, depois, procurar retirar ganhos políticos.”
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
A publicação da biografia de Camilo Castelo Branco, muito bem recebida pela crítica e a intervenção acalorada que faz em tribunal em defesa de Ana Plácido, e a sua liderança com intervenções brilhantes na academia coimbrã, lançam Vieira de Castro para a ribalta.
Quando o tribunal da Picaria abre, às 7 horas da manhã, para o segundo dia da audiência do julgamento de Ana Plácido e Camilo, já o jornal “O Nacional” trazia uma crónica na qual Vieira de Castro atacava aqueles que estavam a favor da acusação, denominando-os de «farizeus».
Logo, está a colaborar com os jornais Atheneu (periódico mensal, scientifico e litterario, Coimbra) e o portuense “Nacional” e, entre 1862 e 1863, exerce a vice-presidência da Câmara Municipal de Fafe, então liderada pelo conselheiro Joaquim Ferreira de Melo.
A fama que tinha granjeado em Coimbra faz dele um candidato perfeito ao ingresso na vida política. Assim, mal obteve a sua formatura, foi, ainda nesse ano de 1864, candidato pelo Partido Regenerador numa eleição suplementar no círculo de Fafe, sendo eleito para o parlamento, por onde permanece nos dois anos seguintes.
Em Lisboa, vai morar para Santa Catarina, a dez minutos de S. Bento.
Em Abril de 1866, participa num jantar oferecido por Bulhão Pato, onde estavam o visconde de Seabra, Rodrigues Sampaio, o barão da Trovisqueira (a quem Vieira de Castro devia muitíssimo dinheiro), Rebelo da Silva, Francisco Luís Gomes, Eduardo Cabral, Tomás de Carvalho (…), Luís Augusto Palmeirim, Teixeira de Vasconcelos e Ramalho Ortigão.
Os jantares de homenagem a Vieira de castro sucedem-se, e nem mesmo o abade de S. Cosme (Gondomar) deixa de o demostrar publicamente.



Notícia de jantar oferecido a Vieira de Castro pelo abade da freguesia de S. Cosme – Fonte: “Jornal do Porto”, de 9 de Agosto de 1866
 
 
 
Entretanto, como os seus bens de família se encontrassem muito depauperados, em 4 de Outubro de 1866, chega na Corte do Brasil a bordo do vapor "Oneida" com o confessado objectivo de casar-se com uma herdeira rica, Vieira de Castro. Traz consigo uma edição de 10 000 exemplares dos seus Discursos Parlamentares, publicados nesse ano, que pretendia vender, lá, para resgatar a empenhada Casa do Ermo, pertença da família.
Durante as recepções, palestras e conferências que desenvolve em torno de si, José Cardoso Vieira de Castro acaba por oferecer, a título beneficente, 1 000 Discursos Parlamentares à Real Sociedade de Beneficência da Baía, os quais foram remetidos pelo seu amigo comendador Albino de Oliveira Guimarães, um fafense radicado no Rio de Janeiro, que custeou o despacho dos volumes, no valor de quarenta mil réis. Os restantes exemplares e, ainda, a versão impressa de um discurso sobre a Caridade foram distribuídos por diversas instituições beneficentes.
Vieira de Castro seria recebido com honras invulgares, inclusive pelo imperador D. Pedro II do Brasil que, em 3 de Junho de 1868, o condecorará com o grau de cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa.
 
 
 
“ (…) Viaja e estabelece contacto com os intelectuais brasileiros mais relevantes da época, nomeadamente com Machado de Assis.
O entusiasmo pela sua pessoa era tão generalizado e de tal ordem que os comerciantes portugueses do Rio de Janeiro lhe ofereceram uma coroa de ouro, então avaliada em quatro contos de réis, e foi nomeado presidente honorário do Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro.
(…) Finalmente a viagem atinge o seu objectivo quando, em 28 de fevereiro de 1867, casa na Igreja Matriz de São José, no Rio de Janeiro, com Claudina Adelaide Gonçalves Guimarães, de 18 anos, filha do comendador António Gonçalves Guimarães, natural de Fafe, homem riquíssimo e um dos diretores do Banco Rural e Hipotecário do Brasil. A imprensa da época refere que o comendador Guimarães é o principal capitalista da colônia portuguesa fafense, toda aliás muito notável pelos membros de que aqui se compõe”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
 

José Cardoso Vieira de Castro – Fonte: Almanaque Republicano
 
 
 
Vieira de Castro, após o seu casamento com uma rica herdeira brasileira, passa a lua-de-mel numa longa viagem pela América do Norte e Europa, finda a qual o casal vai fixar residência em Moreira da Maia, na casa da quinta do Mosteiro de Moreira da Maia, pois, desde há alguns anos, a propriedade estava na posse dos pais de Vieira de Castro, se bem que, à data, a sua mãe já fosse viúva.

 
“Os primeiros registos relativos ao Mosteiro de S. Salvador de Moreira fundado pela Ordem dos Cónegos Regrantes de Sto. Agostinho, datam de há mais de mil anos.
Nos primeiros tempos, o Mosteiro foi "misto", isto é,  albergava frades e freiras, mas essa situação terminou em 1162, quando as freiras foram transferidas para o Convento de S. Cristovão, em Rio Tinto.
Nos finais do século XVI, estando o Mosteiro primitivo já muito degradado, deu-se início à construção dos atuais edifícios da Igreja de S. Salvador de Moreira e da Casa da Quinta do Mosteiro, trabalhos que se dariam por terminados em 1622.
No século XIX, a Casa e a Quinta do Mosteiro foram separadas da Igreja (que é hoje a Igreja Paroquial de Moreira da Maia), e vendidas à família do Desembargador Vieira de Castro, cuja viúva as vendeu por sua vez, em 1874, a D. Rita de Moura Miranda (1822-1904), viúva do tribuno liberal, José Estevão Coelho de Magalhães (1809-1862).
Seu filho, O Conselheiro Luís Cipriano Coelho de Magalhães (1859-1935), estadista e um dos intelectuais da "geração de 70", aí viria a estabelecer a sua residência nos últimos anos do século XIX, e durante a sua vida muitos vultos da vida cultural e política portuguesa passaram pela Quinta do Mosteiro, que foi mesmo imortalizada por Eça de Queirós numa das "Cartas de Fradique Mendes", sob o nome de "Quinta de Refaldes".
Fonte: “quinta-do-mosteiro.com/”

 
 

Vista aérea da igreja e Quinta de S. Salvador da Maia
 
 
 

Casa da Quinta do Mosteiro de S. Salvador de Moreira da Maia
 
 
 
 
 
Tanque da Quinta do Mosteiro de S. Salvador de Moreira da Maia
 
 
 
Claudina Adelaide Gonçalves Guimarães (1849-1870) não vai apreciar os ares bucólicos que a passam a envolver e transfere-se para Lisboa, para a Rua das Flores, nº 109, onde passa a ser anfitriã de uma tertúlia composta por Ramalho Ortigão, António Rodrigues Sampaio e José Maria de Almeida Garrett, um sobrinho de Almeida Garrett – um perfeito dândi.
Naqueles encontros, apareciam, ainda, o grande jurisconsulto Paiva Manso, o elegante conde de Rezende, Júlio César Machado e o comerciante Pereira de Miranda.

 
 

Rua das Flores, nº109 (primeira entrada), Lisboa – Fonte: Google maps
 
 
 
A ascensão de Vieira de Castro continuaria na sua vertente de reconhecimento público, como escritor, mas a sua vida política começava a esmorecer, pois, nas eleições gerais de 22 de Março de 1868, tendo concorrido nos círculos de Fafe e de Bouças pela oposição regeneradora, não conseguiu ser eleito. Igual desfecho teve a sua candidatura, em 1869, pelo círculo do Porto.



Vieira de Castro e Claudina Adelaide – Fonte: “osaldahistória”


Entretanto, o relacionamento com a jovem esposa brasileira foi-se azedando, com ciúmes crescentes e suspeitas de infidelidade que se iam avolumando.
José Maria de Almeida Garrett passa a namorar Claudina procurando-a, propositadamente, a horas em que o marido se ausentava.
D. Emília Ortigão, a esposa de Ramalho Ortigão, terá repreendido Claudina, chegando a dizer-lhe que não voltaria ali, se o comportamento dela continuasse nos mesmos moldes.
As servas comentavam e deliciavam-se com os acontecimentos.
 
 

Claudina Adelaide Gonçalves Guimarães
 
 
 
Para Vieira de Castro, da desconfiança à certeza de que estava a ser traído, foi um saltinho de pardal.
Em 7 de Maio de 1870, um Sábado, Vieira de Castro surpreende a jovem mulher a escrever uma carta a José Maria Almeida Garrett.
Como marido traído, ele estava agora na pele do Manuel Pinheiro Alves que, anos antes, Ana Plácido tinha atraiçoado, e a situação não era nada confortável.
Dois dias, mais tarde, o que para o tribunal seria uma prova de premeditação, Vieira de Castro teria o discernimento para agir de forma natural nos seus afazeres, adquirir um fato de luto e clorofórmio com que planeou envenenar a mulher; e esperar que toda a criadagem estivesse a dormir para, então, perpetrar o crime.
Como a aplicação de clorofórmio no rosto da vítima não tivesse resultado, porque a vítima acordou e debateu-se, passou a sufocá-la com a roupa de cama. Depois, voltou a aparentar tranquilidade, quando manteve o cadáver em casa e agiu como se nada se passasse antes de se entregar às autoridades, 30 horas depois.
Para trás, seriam deixados todos os argumentos, razões bem fundadas e fundamentadas que tinham presidido à defesa pública e acérrima de Ana Plácido, alguns anos antes, e que Vieira de Castro tinha protagonizado.
Na manhã seguinte, Vieira de Castro chama a sua casa Ramalho Ortigão e António Rodrigues Sampaio e pede-lhes para junto de José Maria Garrett darem nota do desafio para um duelo, não os informando, contudo, de que Claudina já não era deste mundo.
Em resposta ao desafio, Garrett teria dito:
 
"Não aceito o duelo. Tenho dado tantos desgostos à minha mãe, que não quero causar-lhe mais este. Hoje à noite parto para a França, onde vou entrar num colégio. Queiram dizer isto mesmo ao Sr. Vieira de Castro."
 
 
Garrett indicou a hora da tarde em que sairia de casa, em direcção à Estação do Caminho-de-Ferro em Santa Apolónia e concluiu:
 
"Vou desarmado. O Sr. Vieira de Castro, se quiser, pode ir matar-me no caminho."
 
Deixou com os parentes várias joias e dinheiro, cedeu à irmã os bens de sua herança, reservando para si o necessário e partiu à hora referida sem encontrar o marido ultrajado.
Vieira de Castro entrega-se à justiça, a 10 de Maio, será julgado e condenado a 15 anos de degredo em Angola.
A prova da premeditação do crime foi a causa da condenação, pois, na época, o adultério feminino comprovado eram atenuantes suficientes para isentar de pena o homicida confesso.
Embarca em 1871, e morre no ano seguinte, em 5 de Outubro de 1872, vítima de uma febre fulminante, em Angola, aos 35anos.
Sabe-se que teve uma filiação maçónica (nome simbólico Graccho).
Em Fafe, tem uma rua com o seu nome.
A Câmara Municipal de Fafe, em 2011, decide reeditar a obra esgotada de
Fernando Moniz Rebelo, intitulada “J. C. Vieira de Castro)
 
 
 

 
 
 



Sobre José Cardoso Vieira de Castro, Vasco Pulido Valente dedicou-lhe, também, uma biografia intitulada “Glória – Biografia de J.C. Vieira de Castro”  (Gótica, 2001) e faz a sua apreciação da personagem:
 
 
“Trata-se de um dirigente académico com alguma importância, um jornalista menor, um escritor sem talento, um político sem poder, e ainda por cima, um criminoso e um degredado”.
 
 
Toda a desgraça acontecida, naquele dia de Maio de 1870, na Rua das Flores, em Lisboa, terá inspirado a obra “Tragédia da Rua das Flores”, escrita poucos anos depois, no ano de 1877, da autoria de Eça de Queiroz, e que tendo ficado inédita, durante cerca de um século, seria editada em 1980.
Passados cerca de 20 anos, sobre o homicídio de que Vieira de Castro foi o autor, na portuense Rua das Flores, ocorreria uma outra saga homicida, por envenenamento, que ficaria conhecida como
“O Crime da Rua das Flores”.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

25.145 Um casamento em três actos: bênção, boda e consumação

 
Em 10 de Julho de 1372, na igreja medieval de São Salvador de Tagilde, Vizela, encontrava-se D. Fernando (1367-1383) com os emissários de João de Gante, duque de Lencastre, o quarto filho do rei Eduardo III de Inglaterra.
João de Gante foi casado, em segundas núpcias, com a princesa Constança, filha do falecido rei Pedro I de Castela, o Cruel.
Então, seria assinado o Tratado de Tagilde, o primeiro tratado Luso-Britânico que, após algumas outras contribuições perdurará, na sua essência, até aos dias de hoje. Um obelisco junto daquela igreja recorda a efeméride, sendo que ela aparece como sede de paróquia nas inquirições de 1258.
 
 

Igreja de Tagilde e, à direita, obelisco com uma referência ao Tratado de Tagilde

 
 
Pela letra daquele tratado, o rei português ajudaria João de Gante nas pretensões de conquista do trono de Leão e Castela e na deposição de Henrique II.
Em contra partida, através dos conflitos inerentes à disputa, os territórios conquistados por D. Fernando, em Aragão, passariam a fazer parte de Portugal.
Os tempos que se seguiram foram de conflitos constantes e, apenas  seriam estancados, pela assinatura do Tratado de Salvaterra de Magos e, em sequência, pelo casamento duma filha de D. Fernando, D. Beatriz, com D. João I de Castela, que sucederia a Henrique II, entretanto falecido.
Falecido, também, D. Fernando, em 1383, é D. João I de Castela, que passa a reclamar o trono de Portugal.
Após as lutas pela independência e da vitória que os portugueses tinham obtido a 14 de Agosto de 1385, nos campos de São Jorge, na batalha de Aljubarrota, os conflitos não cessariam.
Para o alcance daquela vitória contribuiu, decisivamente, a contratação pelos portugueses, de arqueiros ingleses, cujo aboletamento ficou a cargo dos burgueses do Porto.
Naquele momento, o duque de Lencastre viu aí a oportunidade de tentar, novamente, fazer valer os seus direitos sobre o reino de Castela. Em sequência, organizou uma armada e, vindo da Inglaterra, desembarcou na Corunha com cerca de cinco mil homens.
Em 1 de Novembro de 1386, na Ponte do Mouro, sobre o rio Mouro, em Monção, o rei D. João I e o Duque de Lencastre, de Inglaterra, encontraram-se pessoalmente e assinaram o chamado Tratado de Monção. 

 
 

D. João I e o duque João de Gant, em banquete junto da ponte sobre o rio de Mouro – Fonte: AHMP
 
 
A gravura anterior é uma reprodução de Gouveia Portuense, a partir de uma iluminura que se encontra no Museu Britânico de Londres, ilustrando um banquete medieval entre o Duque de Lencastre e o Rei D. João I, com convivas, civis e religiosos, a serem servidos por criados.


 

Ponte do Mouro
 
 
 
Os termos do Tratado de Monção definia as condições de cooperação militar entre os dois países e estabelecia os pormenores do casamento entre o monarca português e D. Filipa de Lencastre, filha do Duque, que consta era loura, de olhos azuis, recatada, austera e uma crente muito fervorosa.
De imediato, D. Filipa de Lencastre e a sua comitiva encetaria a viagem para a cidade do Porto
 
 
 
“A família do duque estava aos cuidados dos beneditinos, no mosteiro de São Salvador de Cela Nova, na Galiza, a curta distância do Alto Minho. No entanto, D. João I não manifestou especial interesse em conhecer nenhuma das infantas, concordando em contrair matrimónio com a mais velha, Filipa, de 27 anos. O que, pelos padrões da época, era já uma idade um pouco avançada para um primeiro casamento.
O duque ordenou que Filipa fosse prontamente conduzida ao Porto, onde o casamento se haveria de celebrar. Para não se sentir sozinha, D. Filipa fez-se acompanhar da sua irmã mais nova, Joana, e de várias damas de companhia... E ainda de um bispo, um condestável, um almirante, um marechal e várias altas personalidade da corte inglesa... E ainda de cem lanceiros e mais duzentos arqueiros a cavalo!
A numerosa caravana entrou no Porto pela porta do Olival (Cordoaria) "onde foi recebida com grã festa e prazer" – nas palavras do cronista Fernão Lopes. À sua espera estava já o bispo do Porto, o condestável Nuno Álvares Pereira, o alcaide-mor da cidade João Rodrigues de Sá (o Sá das Galés) e outras individualidades locais, para além de muito povo. D. Filipa recolheu ao paço episcopal – que não era o edifício atual, mas um anterior, sensivelmente no mesmo local, junto à Sé. O resto do séquito ter-se-á hospedado por diversos pontos da cidade.
Enquanto isso e sem grande pressa em conhecer a noiva, D. João I partiu para o Alentejo e depois foi até Lisboa – eventualmente visitando Inês Pires, com quem já tinha dois filhos, apesar do voto de castidade a que estava vinculado por ser mestre da Ordem de Avis. Mas, após algumas semanas, D. João I veio ao Porto e os noivos acabaram finalmente por se conhecer. Falaram na presença do bispo e trocaram presentes, após o que D. João partiu para Guimarães, deixando os dias fluir...
Cortesia de “portodhonra.com/”
 
 

Porta do Olival – Gravura de Gouveia Portuense
 
 
 
Pelo sul do País, andou D. João I nos seu afazeres reais durante umas poucas de semanas. Depois, partiu para o norte e na passagem pelo Porto, a caminho de Guimarães, vai pela primeira vez conhecer Filipa de Lencastre.
É Fernão Lopes quem nos descreve, na “Chronica DelRey D. Joam I de Boa Memoria e dos Reys de Portugal o Decimo”, a ocorrência:
 
 
“El-rei partio de Évora, e o Condestabre com ele: e quando chegou ao Porto achou hí a Infante Dona Felipa, sua molher que havia de ser, e pousou em S. Francisco, e em outro dia foi ver a Infante, que ainda não vira, e falou com ela, presente aquele bispo, per um bom espaço, e espedio-se, e foi jantar, e depois que el-rei comeo, mandou à Infante suas jóias, e ela a ele, (...) : e el-rei esteve ali poucos dias, e foi-se caminho de Guimarães.”
 
 
Agora em Guimarães, cerca de três meses se tinham passado sobre a assinatura do Tratado de Monção e D. João continuava sem dar mostra de pretender realizar o casamento, mas pressionado pelo duque de Gant e pelos seus conselheiros de que se aproximava a Quaresma e casar, nessa quadra, trazia má sorte, acabou por se decidir.
Não podendo adiar mais o casamento, em 1 de Fevereiro de 1387, uma 6ª Feira, D. João I parte de Guimarães, cavalga toda a noite e pela manhã estava no Porto.
O bispo João III rapidamente conduziu D. Filipa à Sé e a cerimónia religiosa do casamento aconteceu nesse Sábado.
Definidos os acontecimentos que conduziram ao real casamento, interessa observar os termos em que tais actos ocorreram.
Como era tradição nesses tempos, após a cerimónia religiosa, os noivos separaram-se: D. Filipa regressou ao paço episcopal, onde tinha estado nos últimos três meses, enquanto D. João recolhia ao convento de São Francisco – o local que costumava escolher, quando se encontrava de permanência na cidade.


 

Casamento, a 2 de Fevereiro de 1387, na Sé do Porto, de D. João I e D. Filipa de Lencastre – Fonte: AHMP
 
 
A gravura anterior é um óleo sobre madeira (1960), de Alberto Sousa, reprodução de uma iluminura que se encontra no Museu Britânico de Londres, ilustrando a cerimónia do casamento entre o rei D. João I e a filha do Duque de Lencastre, D. Filipa.
Na época, um casamento real constava de três partes: as bênçãos, a boda e a consumação. O que aconteceu na Sé, naquele dia, foram apenas as bênçãos. No dia 5 de Fevereiro de 1387, chegou ao Porto a esperada bula papal que libertava D. João I do voto de castidade. Podia, assim, casar-se e gerar herdeiros ao trono.
D. João I era Mestre de Aviz, tinha voto de castidade e necessitava para casar-se daquele documento que o papa Bonifácio IX acabaria por emitir.
A esta decisão não era estranha a influência de João Rodrigues de Sá (Sá das Galés) que, tendo sido nomeado por D. João I, em 1386, seu camareiro-mor, cargo que passaria aos seus descendentes, foi seu Embaixador em Roma, nos Estados Pontifícios e conduziria as negociações para obtenção da referida bula. 
Assim, a consumação da união iria ter lugar a 14 de Fevereiro.
 
 
“Na manhã do dia 14, uma quinta-feira, el-rei e a rainha – cada um montado no seu cavalo branco – saíram lado-a-lado do paço episcopal para uma curtíssima viagem até à Sé. Aí ouviram missa, pregação e "aquelas palavras que a Santa Igreja manda que se digam em tal sacramento", como nos contou Fernão Lopes. Daí, os noivos regressaram ao palácio do bispo, para o grande banquete real. Os burgueses do Porto sentaram-se ao lado de importantes figuras das cortes portuguesa e inglesa, pois D. João I estava bem ciente de como o Porto tinha sido importante para o triunfo da sua causa. "As mesas estavam já muito guarnecidas de tudo o que lhe cumpria. O mestre-sala da boda era Nun'Álvares Pereira, o condestável de Portugal; servidores de toalha e copa, e de outros ofícios, eram grandes fidalgos e cavaleiros". Houve, ainda, música e exibição de acrobatas, após o que todos os convivas cantaram e bailaram até à hora da ceia”.
Cortesia de “portodhonra.com/”
 
 
Sobre a consumação do casamento, D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo (1821-1901), conde de Vila Franca do Campo, faz a sua descrição na obra publicada originalmente, em 1884, “D. João I e a aliança inglesa -  investigações histórico sociais”.
 
 
"O arcebispo de Braga, empunhando o báculo, e acompanhado pelos bispos e demais prelados, dirigiu-se processionalmente em toda a pompa do culto católico aos aposentos régios, a fim de benzerem o leito nupcial. Precedia-os, com tochas acesas, toda a comitiva de senhores e cavaleiros, ingleses e portugueses e todos entraram na câmara (i.e., no quarto). No entanto, seguindo praxe medieval, as senhoras casadas haviam seguido e colocado no leito a nova esposa. Também o noivo, a quem até à porta acompanhara folgazã a turba de cavaleiros velhos e moços, soltando as desregradas expressões e trocadilhos consoantes do dia, se achava já deitado. O arcebispo e os demais prelados, entrando então gravemente no aposento, rezaram sobre os noivos e os benzeram segundo costume de Inglaterra."



Casamento de D. João I – Fresco do mestre Martins Barata
 
 
O fresco acima, de Martins Barata foi, juntamente com um outro, cujo tema era a partida da armada portuguesa para a conquista de Ceuta, uma encomenda do governo de então para ornamentar as paredes da Sala de Audiências do Palácio de Justiça do Porto, à Cordoaria.
Durante a execução das obras, o artista teve direito a visita ministerial, como dava conta o “Diário de Notícias”.

 
 

“Diário de Notícias” de 6 de Dezembro de 1960

 
Após cerca de dois anos e alguns meses, sobre este casamento, em 29 de Novembro de 1389, um segundo Tratado de Monção celebrou tréguas, por três anos, entre João I de Castela e João I de Portugal com restituições mútuas de várias praças militares.
Entretanto, D. João I ficaria eternamente grato pelo apoio que recebeu dos burgueses do Porto na ajuda decisiva na implantação da independência do reino.
Por isso, o termo do Porto seria estendido aos julgados de Bouças, da Maia, de Penafiel e Vila Nova; fundaria o convento de Santa Clara (aos Carvalhos do Monte) para onde foram transferidas as religiosas de Entre-Ambos-os-Rios; mandou construir a nova Rua de S. Nicolau, depois Rua Formosa (actual Rua do Infante D. Henrique).
No entanto, o facto de maior nota na relação de D. João I com a cidade aconteceria quando, em 13 de Abril de 1406, o longo braço-de-ferro entre o clero e a burguesia portuense chegou ao fim por intervenção do monarca.
Entraria, então, em vigor o acordo assinado em Fevereiro de 1405, em Montemor-o-Novo, e que estabeleceu a autonomia administrativa do Porto.
Assim, por exemplo, os alcaides-mores do Porto passaram a ser indicados pelo rei.
Na verdade, em termos práticos, tal já vinha a verificar-se, pois João Rodrigues de Sá (1355-1425) já tinha sido nomeado por D. João I, em 1392 e, mesmo o seu antecessor, Pedro Rodrigues, também tinha tido uma nomeação real.
Segundo aquele acordo, a cidade do Porto deixou de estar sujeita a um regime senhorial e passou a ser um concelho sob jurisdição da Coroa portuguesa. 
Para que tal fosse possível, a troco do abandono, à data, por parte do bispo Gil Alma e do cabido, dos direitos administrativos sobre a cidade, o rei pagaria uma renda de acordo com o texto que se segue.
 
 
“Ao abrigo do Estormento feito antre ellrey e o obispo do Porto sobre ajuridiçom, o rei D. João I e o bispo de então, D. Gil Alma, acordaram que o cabido cedia os direitos administrativos que exercia sobre a cidade, cabendo ao rei pagar, a título compensatório, três mil libras anuais ao bispo. Para assegurar o pagamento, logo D. João I assinalou todallas rrendas e penssõoes de todallas casas queo dito Senhor Rey ha na dita cidade do Porto. No caso de estas verbas não serem suficientes, o rei podia ainda recorrer às rendas da Alfândega, devendo o pagamento manter-se até à conclusão da actual Rua do Infante D. Henrique.”
 In jornal “Público” – 9/4/2006
 
De notar que a Coroa nunca chegou a cumprir integralmente o acordo de Montemor-o-Novo, por causa das sucessivas desvalorizações da moeda e, assim, parte dos impostos continuaram a ser cobrados para sustentar o bispo, o cabido e a fábrica das igrejas, situação a que só Mouzinho da Silveira pôs cobro, em 1832.
A titularidade da jurisdição do território tinha ficado, porém, resolvida.