sexta-feira, 30 de abril de 2021

25.121 Dois colégios do século XIX com história

 
 
 
Este colégio que chegou a ter cerca de 100 alunos, alguns deles em regime de internato, esteve na Rua dos Pelames, à esquerda de quem entra, vindo da Rua do Corpo da Guarda, num prédio de quatro andares.
Foi fundado, em 1821, por José Álvares de Almeida Guimarães, um antigo capitão de milícias e, depois, professor, que tinha como auxiliares o seu filho natural (filho de pais não casados) Gustavo Adolfo e um sacerdote, o padre Domingos.
O Gustavo Adolfo era um antigo aluno do colégio de seu pai, um bom estudante que tinha aprendido com os mestres o Latim, o Francês e noções de Comércio.
Dizem documentos da primeira metade do século XIX, que a disciplina de Latim esteve entregue ao padre Francisco, a de Inglês ao professor Narciso, as de Francês, Comércio, Geografia e Geometria, ao professor José Fernandes Ribeiro, que para lá entrara em 1841.
Este mestre foi entre os anos de 1834 e 1844, também docente numa escola de meninas existente na Rua de Cedofeita e esquina da Rua do Mirante, o Colégio Portuense de Ensino Mútuo, cuja directora era D. Ana Miquelina de Jesus.
José Álvares de Almeida Guimarães, após 30 anos como professor, viria a falecer em 1851, tendo sido sepultado no cemitério da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, do qual era irmão.
Dos muitos alunos que passaram pelo colégio, por si fundado, destaca-se aquele que veio a ser o poeta Soares de Passos, que concluiria em 1840, lá, os seus primeiros estudos.
O filho natural do fundador do colégio, Gustavo Adolfo, à data do falecimento de seu pai, tinha 18 anos e, na sequência da decisão da família do defunto de dar um fim ao colégio, resolveu, por vontade própria, estabelecer-se num outro prédio vizinho, na Calçada do Corpo da Guarda, onde daria continuidade, com a ajuda do padre Domingos, que tinha estado também ao lado do seu pai, ao colégio que este tinha fundado.
Este colégio também não iria sobreviver à morte do seu fundador.

 
 
O Colégio do Corpo da Guarda esteve no primeiro prédio (à direita), na esquina da Rua dos Pelames com a Rua do Corpo da Guarda – Fonte: Google maps
 
 
 
 
 

Entre a Travessa de Cedofeita e o Teatro Carlos Alberto, em plena Rua das Oliveiras, esteve estabelecido durante alguns anos, na transição de séculos, o conceituado colégio Barbosa da Gama, fundado por José Pereira Barbosa da Gama.
Antes, em meados do século XIX, aqui vivia o escrivão da Relação do Porto, Adriano Augusto da Silva Pereira.
Os alunos que por lá tinham passado, no início do século XX, recordavam algumas dezenas de anos depois, as sessões de ensaios musicais ocorridas no vizinho Teatro Carlos Alberto e a passagem do “Americano” vindo dos lados de Paranhos e que se dirigia para o Carmo, onde terminava a sua marcha, em frente à igreja.
Foram professores no colégio o seu fundador, Barbosa da Gama e, ainda, Belchior Fortunato Leorne, Luís Adelino Lopes da Cruz e, entre outros, também, Alfredo Ferreira de Faria o fundador da revista “O Tripeiro” como professor da disciplina de Comércio.
Em 1902, a mensalidade era, para alguns alunos, de três tostões.

 
 
Em 29 de Setembro de 1895, o Jornal ”A Voz Pública” dava conta da morada do Colégio Barbosa Gama


 
A elipse preta identifica o local em que estava o Colégio Barbosa Gama, quase em frente do local primitivo da Fonte da Rua das Oliveiras, que seria transladada mais para Norte e que, hoje, ainda existe
 
 
 
Prédio onde esteve o colégio Barbosa da Gama - Fonte: Google maps
 
 
 
Nota (simulando dinheiro verdadeiro) usada nas aulas de Contabilidade do colégio Barbosa da Gama


Em Agosto de 1908, em Vila do Conde, os alunos, a banhos,  do colégio Barbosa da Gama interpretaram com êxito a peça teatral “A Ceia dos Cardeais”, do escritor Júlio Dantas, que foi dada à estampa em 1902, levada à cena no Teatro Afonso Sanches, o que permite fazer uma ideia da formação académica daquela comunidade escolar.

 
 
Teatro Afonso Sanches, na Avenida Dr. Artur Cunha Araújo, em Vila do Conde, e aberto ao público no verão de 1900
 
 
Aliás, Barbosa da Gama tinha uma ligação a Vila do Conde, local onde tinha uma casa adquirida em partilhas da família Cirne, por morte de D. Mariana Augusta da Silva Freitas de Meneses Cirne e Sousa (1846-1903), proprietária também da “Casa da Fábrica”, na Rua da Fábrica.
Essa casa, onde a família Cirne durante muitos anos passava férias, tinha sido adquirida ao proprietário inicial e autor da sua construção, o accionista e Director do Banco do Minho, José da Conceição Rocha que se viu obrigado a vendê-la, em virtude da falência daquele banco.

 
 
Chalet, em Vila do Conde, usado pelos alunos, a banhos, do colégio Barbosa da Gama, – Fonte: Cliché de J. Adriano, In “Commércio de Villa do Conde”, nº 106, 1909
 
 
 
Em 1909, José Pereira Barbosa da Gama, solicitava à Câmara do Porto, na qualidade de proprietário do edifício, uma licença para a construção de um barracão, no quintal da escola, para aulas de ginástica e que obteve a licença de obra, nº 1347/1909.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

25.120 Viela do Açougue

 
A antiga Viela do Açougue (actual Travessa de Cedofeita), um arruamento que faz a ligação entre a confluência das ruas das Oliveiras, da Conceição e dos Mártires da Liberdade com a Rua de Cedofeita, ficou a dever o seu nome à existência na zona de um matadouro, que servia toda a área envolvente, nomeadamente, a comunidade escolar que se localizava perto, na Praça dos Voluntários da Rainha (Praça dos Leões).
A Travessa de Cedofeita na Planta Redonda de Balck (1813), na planta seguinte, poucos prédios apresentava.
Do lado Sul, só se viam casas nas entradas; e, do Norte, apenas se viam uns quatro prédios de rés-do-chão, como se pode observar na gravura abaixo e, na qual, a Travessa de Cedofeita está envolvida pela elipse a azul.
 
 


 
 
Na planta abaixo, de Perry Vidal (1844), na qual a Travessa de Cedofeita continua a ser envolvida por uma elipse azul, verificava-se que a situação do edificado não tinha tido grande incremento. 






 
 
 
Em meados do século XIX os prédios das extremidades da travessa já tinham passado a ser de dois andares.
A que faz frente com a Rua das Oliveiras foi construída em 1850, e, por não ter a sua construção recuado uns metros, como chegou a ser sugerido, veio a condicionar a largura de toda a travessa para sempre.
Tudo se ficou a dever às influências movidas pelo seu proprietário, um padeiro, tendo o prédio, que passou a albergar uma padaria, sido construído sobre os alicerces dumas casas já existentes e no mesmo alinhamento.
 
 
 
Prédio que comprometeu o alargamento da Travessa de Cedofeita - Fonte: Google maps
 
 
Nessa época e pelo lado sul da travessa, apresentavam-se uma série de fornos de padaria e alguns sapateiros em prédios de rés-do-chão.
Na esquina com a Rua de Cedofeita estava uma mercearia e, depois, esteve, durante dezenas de anos, uma filial da “Singer”, uma marca de máquinas de costura.
Na esquina a norte deste entroncamento estava no início do século XX uma loja de ferragens que foi substituída por uma loja de sementes durante muitos anos.
Pelo lado norte da travessa seguia-se uma loja de pentes, o penteeiro Fonseca, uma doçaria, um marceneiro e um sapateiro.

 
 
Travessa de Cedofeita - Fonte: Google maps


Na esquina com a fachada (à direita) voltada para a antiga Rua do Coronel Pacheco (actualmente, o Largo Alberto Pimentel), num prédio de dois andares (na foto acima), habitava o Dr. Bento de Freitas Ribeiro de Faria.


 
Anúncio ao consultório médico que o Dr. Bento de Faria dividia, em Vizela, com o seu irmão, inserido no jornal “O Commércio do Porto” de 22 de Julho de 1905
 
 
 
No prédio da foto acima, mas voltado para a Travessa de Cedofeita, morou o cidadão Domingos Ribeiro Braga.
Aqui faleceu, em 1907, o Dr. Adriano de Paiva de Faria de Leite Brandão, conde de Campo-Bello e distinto professor da Politécnica, com início da carreira na cadeira de Química, tendo transitado, depois, para a de Física, casado com uma sua prima, Gertrudes Emília Leite Pereira do Outeiro de Melo e Alvim de Noronha e Távora e Cernache.
O 1º conde de Campo-Bello haveria de ser conhecido na sua actividade académica, por em tempos de divulgação pela imprensa de notícias sobre a invenção do telefone, por Alexandre Graham Bell, ter considerado a possibilidade de, do mesmo modo que era possível transmitir sons à distância, transmitir também imagens animadas.
Embora a ideia não fosse inédita, a originalidade da sua teoria residia no facto de ter sido o primeiro a propor o uso de selênio no desenvolvimento do que denominou como um sistema de "telescopia eléctrica".
Então, em sequência, publicou um estudo teórico a esse respeito na revista científica "O Instituto", de Coimbra, em 1878.
Neste prédio seriam instalados, por muitos anos, os Tribunais de Penas e Falências e, antes, uma das mais categorizadas modistas portuenses, a D. Isaura Pinheiro.
O 1º conde de Campo Bello é um título nobiliárquico criado por D. Luís I de Portugal, por Decreto de 13 de Janeiro de 1887 e Carta de 10 de Fevereiro de 1887, em favor de Adriano de Paiva de Faria Leite Brandão.
O conde de Campo Belo era descendente de Álvaro Anes de Cernache, 1º Senhor de Gaia-a-Grande, por doacção de D. João I, em recompensa dos serviços prestados na guerra de 1383-1385.



Memorial a Álvaro Anes de Cernache, 1º Senhor de Gaia-a-Grande, junto do convento de Corpus Christi



Aí, construiria um Paço, com torre, no local em que cerca de 1750, o Padre Luís Cardoso referia que por lá teria tido o Rei Ramiro também o seu Paço.
Suceder-lhe-ia o seu filho, Fernão Álvares de Cernache. Seriam ambos sepultados, bem perto, na igreja do Convento de Corpus Christi.
Herdaria a propriedade, então, o seu filho Álvaro Anes de Cernache.
Em 1580, a casa é mandada incendiar pelo Duque de Alba como vingança por nela ter estado refugiado D. António, Prior do Crato, na sua fuga para o Norte.
Anos mais tarde, D. Martim Vaz de Cernache manda reedificar a casa, da qual resta o corpo de intersecção das duas alas, correspondente ao salão nobre e o portal principal exterior. Nesta época a casa já dispunha de capela, situando-se junto à torre, que será remodelada no século XVII.
Em 1727, Diogo Leite Pereira manda reedificar a capela e fazer importantes melhorias no corpo residencial e nos jardins. A capela será remodelada no fim do século XVIII.
O Dr. Adriano de Paiva de Faria Leite Brandão viria, então, a herdar a chamada Quinta do Campo Belo, com o seu Paço dotado de torre e capela e toda uma área com vista privilegiada para o Rio Douro e a tornar-se o 1º conde de Campo Belo.
Localiza-se a propriedade na Rua do Rei Ramiro, nº 25, V. N. de Gaia.


Vista aérea da Quinta do Campo Belo - Fonte: Google



Subindo desde o Cais da Gaia, pela Rua do Rei Ramiro, a entrada principal situa-se à nossa esquerda, por portão encimado por pedra de armas, contactando por pequena calçada empedrada com a Rua do Rei Ramiro.
 
 

Pela direita, a entrada na Quinta de Campo Belo - Fonte: Google maps


 

Paço da Quinta de Campo Belo

 
 

Vista da cidade do Porto obtida a partir do varandim da Quinta de Campo Belo. À esquerda, a praia de Miragaia e, à direita, a Ribeira. A meio, no Douro, navega o vapor Porto que, em 29 de Março de 1852, haveria de naufragar à entrada da barra do rio Douro

 
 
A gravura anterior é uma pequena porção, editada, de uma outra gravura da autoria de António Joaquim de Sousa Vasconcelos, publicada em 1850 e impressa numa litografia da Rua da Reboleira, nº 29 e 30, dirigida por Rafaela Amatuci (uma litógrafa num mundo de homens, que haveria por ocupar instalações, mais tarde, na Rua de Santa Catarina, nº 19), filha de Carlos Amatucci e irmã de Emídio Amatucci, ambos litógrafos de renome. 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

25.119 Passeando nas cercanias da Ramada Alta

 1. Do Monte Cativo às Águas Férreas
 
(O texto que se segue, relativo ao percurso acima referido é, em grande parte, baseado no Blogue “ A Vida em Fotos” e uma homenagem à memória daquele que foi o seu administrador - JPortojo)
 
O perímetro Marquês, Antero de Quental, Serpa Pinto e Constituição e para Sul entre S. Brás e Monte Cativo, está todo alterado, de há uns anos a esta parte, com novas ruas e zonas habitacionais.



Rua Damião de Góis – Ed. JPortojo

 
Seguindo pela Rua Damião de Góis (a nova ligação que une as ruas de João Pedro Ribeiro e Egas Moniz) na direcção do Marquês e, metendo à direita, entramos na Rua Alves Redol.
 
 

Um olhar sobre a cidade com o mar à direita – Ed. JPortojo


 

O alto das novas zonas residenciais – Ed. JPortojo


 

Centro Cultural dos trabalhadores da CMP – Ed. JPortojo
 
 
O edifício da foto é, actualmente, o Centro Cultural e Desportivo dos Trabalhadores da C. M. do Porto. Estamos no velho Monte Cativo.
Por aqui, ainda no fim do século XIX e início do século XX, estava sedeado o Clube de Caçadores.


 

A sede do Clube de Caçadores

 
O postal anterior apresenta a sede do Clube de Caçadores ao Monte Cativo.


 

Clube de Caçadores em 1909, durante visita de D. Manuel II




Monte Cativo que é topónimo muito antigo:

“Era um dos limites do couto do Porto, mencionados na carta da rainha D. Teresa, de 1120; «...até ao monte que chamam Pé de Mula, assim pelo Monte Cativis, assim como divide Cedofeita com Germinade...». Pelo menos até ao século XVII manteve esta forma alatinada de Monte Cativis com que figura nos registos paroquiais, designadamente num assento de 1682”.
Assim refere Eugénio Andrea de Cunha e Freitas.
 
Segundo a Enciclopédia e Dicionários da Porto Editora, Germinade vem do latim Germinati e tem a variante Germalde. 
Germalde é hoje o Monte da Lapa.
 
 

A antiga Tutoria vista do Monte Cativo – Ed. JPortojo


 
Ali próximo, entroncamos com a Rua do Monte Cativo que ainda vem da Rua da Constituição, mas é pelas Escadas do Monte que nos deslocamos (situada em frente ao referido Centro Cultural). Com uma vista por sobre a antiga Tutoria até à Rua da Boavista.


 

Escadas do Monte Cativo e Fontanário na Rua do Melo – Ed. JPortojo


 

Atravessando a Rua do Melo temos o antigo Palacete dos Sousa Melo e a propriedade por onde esteve  a velha Tutoria – Ed. JPortojo
 
 
As Tutorias da Infância foram criadas em 1911 por Alberto de Sousa Costa, bacharel da Universidade de Coimbra mas é o padre António Oliveira que a convite de Afonso Costa elabora a lei publicada por Decreto de 27 de Maio de 1911. 
No entanto, já em 1902, existia uma Casa de Correcção do Porto, mas no Convento de Santa Clara em Vila do Conde. 
 
 

A Quinta das Águas Férreas – Ed. JPortojo
 
 
Presume-se que a ex-Tutoria está nos terrenos da antiga Quinta das Águas Férreas ou Quinta de Santo António da Boavista, que em 1760, pertencia a Jo­sé de Sousa Melo. Após a morte deste herdou a propriedade um sobrinho de nome João de Mello e Sousa da Cunha Souto Mayor que viria a ser o 2º conde de Veiros, por via do seu casamento com a filha do 1º conde de Veiros e, daí, uma outra designação que se dava a esta propriedade - Quinta de Veiros




Quinta das Águas Férreas – Ed. JPortojo


 
Esta Quinta das Águas Férreas foi pertença de José de Sousa e Melo e assim chamada por ter lá existido uma fonte de água medicinal que se dizia ser medicinal de origem ferrosa.
Este senhor, para além de tesoureiro-geral da Alfândega do Porto foi Vice-provedor da Companhia Geral de Agricultura e Vinhas do Alto Douro, Administrador dos Correios do Porto, Inspector das Obras do Edifício da Academia da Marinha e Comércio, Vereador da Câmara do Porto e Provedor da Santa Casa da Misericórdia.
A Quinta de Santo António da Boavista pas­sou por várias vicissitudes. Em 1809, aquan­do da segunda invasão francesa, serviu de re­sidência e de quartel-general do general in­glês Nicolau Trant que comandou as tropas anglo-lusas. Após a expulsão dos franceses do Porto, José de Sousa Melo voltou para a sua residência, mas só esteve até 1832, ano em que D. Pedro IV entrou na cidade à frente do Exército Libertador.
Sousa Melo que era mi­guelista saiu do Porto, indo refugiar-se numa propriedade que possuía na Régua. 
Abandonada pelo seu proprietário, a Quin­ta das Águas Férreas foi ocupada pelos libe­rais que nela montaram o paiol da pólvora, que seria mudado, logo a seguir, para a Quinta da Chi­na junto ao rio Douro. 
Na Quinta das Águas Férreas funcionou no seu arranque o Asilo de Mendicidade. 
Em 1861, foi lá instalado o Hospi­tal Militar e, em 1857, funcionava lá, o célebre Colégio de Nossa Senhora da Guia. 
Por aqui, existiu também a quinta chamada Quinta dos Tortulhos, que os liberais sequestraram em 1833, porque pertencia a José Joaquim Machado que lutou ao lado das tropas miguelistas. 
Outra grande propriedade destes sítios foi a Quinta dos Limoeiros, onde esteve instala­do o colégio Moderno, de raparigas, que para aqui veio das antigas e modestas instalações da Rua da Boavista.
Hoje, podemos situar aquela quinta, de onde se avistava então o mar, na área ocupada pelo liceu Carolina Michaelis.

 
 

O Monte da Lapa ou Germalde – Ed. JPortojo

 
Na foto anterior, nos terrenos da antiga Quinta das Águas Férreas, um olhar para o Monte da Lapa, com a sua Igreja construída de forma que fosse visível de qualquer local da cidade.
Atravessada a linha do Metro, encontramos o Conjunto Habitacional da Bouça.
 
 
 

Bairro da Bouça
 
 
Este Bairro da Bouça, na Quinta de Santo António, começou a ser projectado logo a seguir à revolução de Abril, mas só foi completado 30 anos depois. A obra é de Siza Vieira.
 
 
Casa da Pedra – Ed. JPortojo
 
 
Em frente ao Bairro, na agora pequena Rua das Águas Férreas, encontramos a Casa da Pedra, propriedade particular, onde residiu o escritor Oliveira Martins enquanto dirigiu a construção do Caminho de Ferro da Póvoa e Famalicão.  Fez parte da Geração de 70, mais tarde "Os Vencidos da Vida".
“A Questão Coimbrã”  foi o tema. Aqui se reunia o Grupo dos 5 (Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Antero de Quental). 
Antero de Quental tinha na casa um quarto onde pernoitava muitas vezes, e onde tentou o suicídio pela primeira vez, tendo sido impedido pelo Oliveira Martins.
 
 
 

Marco toponímico – Ed. JPortojo
 
 
Na esquina da casa encontra-se ainda um antigo marco toponímico. 
A Rua das Águas Férreas vai dar à  Rua do Melo, que por sua vez se encontra com a Rua de Burgães e entronca, também, na ainda existente Rua de Salgueiros, que é hoje uma pequena parte do que foi outrora e, cuja continuação, é a nova Rua de Cervantes.
 
 
 
Imagem do Google da zona dos Montes Cativo e da Lapa – Fonte: JPortojo


Nas Águas Férreas, localizavam-se duas icónicas fontes - a Fonte das Águas Férreas e a Fonte do Ribeirinho - indicadas na planta de Telles Ferreira de 1892



Se, na nossa caminhada, voltássemos ao Centro Cultural dos trabalhadores da CMP, no Monte Cativo, e seguíssemos para nascente pela Rua de Alves Redol, até encontrar a Rua de Cervantes (antiga Rua de Salgueiros), pisaríamos terreno identificado antigamente como Salgueiros (onde se localizou a Fábrica de Fiação e Tecidos de Salgueiros) e, até à Lapa, apreciaríamos todo um espaço amplo e bucólico, que começou a ser transformado com a construção de alguns blocos habitacionais.
Aquele espaço, situado a nascente da Rua do Melo e que se estende até à Rua de Cervantes confinará, a poente, com terrenos que foram outrora da Quinta das Beldroegas, onde se juntavam o manancial de água que nascia em Salgueiros (manancial de Salgueiros) e o manancial que vinha de Arca d’Água e, que, juntos se dirigiam para o Largo Alberto Pimentel e, depois, para a Praça dos Leões.


 
 

Entrada da Quinta das Beldroegas, na Rua do Melo, nº 6, com o portão encimado pela pedra de armas da família Lemos e Vieira – Fonte: Google maps
 
 
 

Localização da Quinta das Beldroegas - Fonte: Planta de Telles Ferreira de 1892

 
 

Vista de Salgueiros, a partir da Rua Alves Redol, antes de intervenção



 

Vista obtida, a partir da Rua de Cervantes, sobre a área a intervencionar
 
 
 
Aliás, hoje, início de 2024, está em curso uma melhoria de toda a área mencionada, que é envolvente a uma unidade hoteleira, recentemente construída, pelo aproveitamento do bucólico espaço, atrás referido, para implantação de um parque urbano – Parque Urbano da Lapa.
Estarão ao dispor da população 17.000 m2, sendo que 14.500 foram oferecidos pela “Mercan Properties”, investidora no hotel, à autarquia.
 
 
 

À esquerda, a Rua de Cervantes e, em frente, o novo hotel

 
 
 
 
 
 
Junto do fontanário, ao fundo das Escadas do Cativo, poderemos, em alternativa, derivar para a Rua de Burgães e iremos sair umas centenas de metros à frente, à Ramada Alta. O topónimo Burgães, de provável origem francesa, significa arrabalde ou lugar pequeno junto a uma vila e aparece já, em 1715, referido em emprazamento feito à colegiada de Cedofeita.
Não se sabe ao certo a origem do topónimo Ramada Alta.
Sabe-se que, existiu aí uma quinta da família Barros Lima, denominada de Quinta da Ramada Alta, que nada tem a ver com um  Francisco José Barros Lima, que daria o nome a uma rua ao Bonfim.
José Pedro Barros de Lima, nasceu em Refóios do Lima, Ponte de Lima em 1790.
Morreu no Porto, na Quinta da Ramada Alta (Cedofeita), a 24/10/1847, com testamento feito na Rua 9 de Julho, a 5/10/1847.
José Pedro Barros de Lima era também exportador de vinhos, e como tal aparece já, em 1818, enviando vinho do Douro para a Bahia, e de novo em 1827, exportando 13 pipas de vinho para o Brasil.
Em 1834, é um dos subscritores da carta dos negociantes do Porto agradecen­do a D. Pedro IV a revogação dos privilégios da Companhia do Alto Douro.
A cons­trução de uma casa na “Quinta da Ramada Alta, Rua 9 de Julho”, da iniciativa de Barros Lima, ocorre em 1841, transferindo-se da anterior residência, na Rua de S. João.
Um dos filhos de José Pedro de Barros Lima, nascido em 1817, terá o mesmo nome de seu pai, mas fará a sua vida em Lisboa, onde seguiu a carreira política, tendo sido Governador Civil do Distrito de Castelo Branco (1860-1861), Par do Reino, e Conselheiro real.
Foi acionista da Companhia de Viação Portuense que teve, por decisão régia, o alvará da ligação terrestre do Porto a Braga.
 
 
 

Vista do Porto desde a Ramada Alta- Desenho de Cesário Augusto de Araújo Cardoso de Mendonça
 
 
 
No desenho acima temos uma vista da cidade, tomada do mirante da casa de José Pedro Barros Lima, na Ramada Alta. É a única gravura que conhecemos que mostra o Porto de Norte para Sul e longe do Douro. Lugar privilegiado em que aparece a Colegiada de Cedofeita (à direita) os Conventos de S. João Novo e de S. Bento da Vitória, a Igreja da Vitória, o Hospital de Santo António, a Torre dos Clérigos, a Igreja de S. Lourenço (Grilos e a Sé). Ao fundo, do lado esquerdo, parece ser a Serra do Pilar e, à direita a Capela de Santa Catarina.     
Ao Largo da Ramada Alta onde está uma capela no seu meio, vão dar, a Rua de Burgães, a Rua de Nossa Senhora de Fátima, a Rua 9 de Julho, a Rua de Serpa Pinto e a Rua de Barão Forrester.
A Rua de Nossa Senhora de Fátima foi, em tempos, a Rua das Valas. Nasceu de uma tortuosa e estreita Viela das Valas que teve existência desde 1835 e que descia do lugar da Falperra, nome anterior da Ramada Alta, até ao sítio do Bom Sucesso.
O sítio das Valas já é referido em 1731, "defronte da capela do Bom Sucesso", num auto de vistoria e, por isso, não tem nada a ver com balas de lutas do Cerco do Porto, acontecido só em 1832/33.
A Rua 9 de Julho, que antes foi Rua da Ramada Alta, existe em memória do dia, em 1832, em que D. Pedro IV passou por lá, depois de desembarcado nas praias de Pampelido.
Antigamente, ia-se para o Carvalhido (antes da abertura da Rua Oliveira Monteiro em 1868) pela actual Rua 9 de Julho.
A Rua Oliveira Monteiro ficou conhecida pela “Estrada do Carvalhido à Boavista”.
Aquando do levantamento da Praça da Boavista, em 1872, depois de arranjos nas imediações dela e da abertura da nova “Estrada do Carvalhido à Boavista”, cujo traçado foi aprovado em sessão da Câmara de 1871, já surge na respectiva planta a denominação de Rua das Balas, que ia para a Ramada Alta, confinando, a sul, com terrenos de Margarida Constança Ribeiro e França.
A partir de 20 de Agosto de 1942, a Rua das Valas seria, finalmente, a Rua Nossa Senhora de Fátima.



 

Perspectivas idênticas obtidas sobre a Rotunda da Boavista, a partir da Rua Nossa Senhora de Fátima,  em 1949 e 2022, respectivamente. Na mais antiga, observa-se que o monumento comemorativo da Guerra Peninsular ainda está em obras, pois só seria inaugurado em 1951 



No início do séc. XIX, a Falperra foi escolhida, por razões que se desconhecem, como bairro dos pescadores de Ovar que para aqui imigraram, bem como, para a Afurada e Ouro. Estes vareiros portuenses passaram a ser conhecidos como vareiros do Carvalhido e, a Falperra, englobando a Rua 9 de Julho era um bairro de mercadores de peixe e mariscos, que se organizavam em ranchos como devotos do Senhor da Pedra quando se deslocavam à romaria gaiense.
A Rua 9 de Julho ao chegar ao Carvalhido apresenta um cruzeiro chamado, o Senhor do Padrão, paragem de caminhantes que demandavam Viana ou a Maia.
 
 
 

Senhor do Padrão com Praça do Exército Libertador (Carvalhido), ao fundo

 

Carvalhido, em 1930


 
Por outro lado, a Rua Barão de Forrester, que deve o seu topónimo ao barão de Forrester que por lá teve a sua residência e que, até fins do século XIX, foi continuação de Cedofeita.
O local fazia parte do antigo Sítio do Ribeirinho, nome que tomo por aí passar um pequeno regato que corria ao longo de várias quintas: a Quinta das Águas Férreas dos Sousas e Melos, viscondes de Veiros; a Quinta da Pedra onde viveu no séc. XIX Oliveira Martins; a Quinta dos Tortulhos ocupada pelos liberais em 1833 ao miguelista José Joaquim Machado; a Quinta dos Limoeiros onde esteve o Colégio Moderno; e outras.
O grande ex-libris do Largo da Ramada Alta é, todavia, sem dúvidas, a sua Capela do Senhor da Agonia que tem como orago o Senhor do Calvário. É um templo modesto que, em 1838, beneficiou de obras de restauro e ampliação, que foram financiadas tais como a edificação da torre sineira por um cidadão espanhol de nome António Miguel Garcia que tem o seu retrato pintado a óleo no interior da capela e uma lápide na frontaria. A Capela da Ramada Alta, como é conhecida, ficava num dos caminhos percorridos pelos romeiros que desde a Torre de Pedro Sem se dirigiam sobretudo às festas da Senhora da Hora, em Bouças (Matosinhos), depois de passarem por Ramalde.
Em 28 de Maio de 1907, D. Carlos concedeu-lhe o título de "Capela Real".


 

Capela do Senhor da Agonia, em 1960
 
 
 
Na foto acima, a placa ajardinada, atrás da capela, já não existe, bem como o edifício, ao fundo, à direita.
A Ramada Alta foi ainda um posto de barreira para cobrança do “ Real de Água” desde 1836, quando o governo decidiu colocá-los em redor da cidade em locais estratégicos tais como Massarelos, Pena, Vilar, Bom Sucesso, Valas (Nossa Senhora de Fátima), Carvalhido, Águas Férreas, Salgueiros, Sério (Antero de Quental), Aguardente (Marquês), Congregados (Rua da Alegria), Doze Casas, S. Jerónimo (Santos Pousada), Bonfim, Corticeira, Campanhã e Guindais.
Ainda nas imediações da Ramada Alta, a Rua de Serpa Pinto foi rasgada entre 1837 e 1844, a fim de ligar a Ramada Alta e o Matadouro Municipal.


 
 

A Ramada Alta nos começos do século XX vendo-se, ao fundo, à esquerda, a igreja da Lapa – Fonte: JN