segunda-feira, 28 de junho de 2021

25.128 Casa de Saúde do Doutor Ferreira ou Casa de Saúde Portuense

 
Em 21 de Fevereiro de 1872, o jornal “O Comércio do Porto” dava conta de uma notícia da autoria de Camilo Castelo Branco sobre a inauguração da Casa de Saúde do Dr. Ferreira que, no entender do escritor, passava a ser um marco no tratamento da saúde dos portuenses que, até aí, se viam privados de ter uma unidade ao dispor, com especialistas médicos e operadores de qualidade.


 
Publicidade à Casa de Saúde do Dr. Ferreira, na Rua de S. Lázaro, nº 278 (actual Avenida Rodrigues de Freitas) – Fonte: “Jornal do Porto” em 22 de Fevereiro de 1872 – 5ª Feira




No prédio, à esquerda da foto, esteve a Casa de Saúde do Dr. Ferreira, bem próximo do Jardim de S. Lázaro – Fonte: Google maps



 
Casa de Saúde do Dr. Ferreira referenciada pela elipse, na Planta de Telles Ferreira de 1892
 
 
 
Naquela data, Camilo Castelo Branco teria já uma relação de amizade com o escritor Joaquim Ferreira Moutinho que, como ele, trabalhava no jornal “O Comércio do Porto”.
Joaquim Ferreira Moutinho nasceu no Porto em 1833 e faleceu em Sintra em 1914.
Muito novo partiu para o Rio de Janeiro, onde se dedicou à vida comercial como caixeiro.
Em 1851, passou para a cidade de Cuiabá, capital da província de Mato Grosso, onde teve um estabelecimento de fazendas e residiu durante dezoito anos.
Entretanto, em 1863, casou com Marianna Rita Ferreira Moutinho, com quem teve três filhos.
Regressado a Portugal em 1870 ou 1871, para além de obra publicada, alguma referente à etnografia brasileira, de que se destaca “Noticia sobre a Província de Matto Grosso”, passou a colaborar no jornal “O Comércio do Porto”.
Entre muitas obras publicadas, a sua ligação a Camilo tinha expressão prática na intitulada “A Creche” – Joaquim Ferreira Moutinho, 1884, cujo tema era algo que dizia muito ao escritor – A creche de S. Vicente Paulo, da qual Camilo tinha sido um impulsionador e director.
 
 
 
Residência de Joaquim Ferreira Moutinho, na Rua Fernandes Tomás, nº 223 – Fonte: Google maps



Para a residência de Joaquim Ferreira Moutinho, acima mostrada, era solicitado à Câmara do Porto a realização de obras, em 1881, que obtiveram a licença nº 180.
Antes, teria residido na Rua dos Caldeireiros, de acordo com o que o próprio escreveu, em 1887:
 
“Foi ali que me encontrei órfão de pai, a primeira amargura real da minha vida. É muito triste ser órfão.
Em casa próxima morava uma senhora preceptora de meninas.
A pequena Rachel ia ali todos os dias, e, na janela ou no quintal, eu via-a sempre, acontecendo muitas vezes encontra-la na rua quando ia ou quando regressava do colégio”.
Joaquim Ferreira Moutinho (1887)
 
 

Rua dos Caldeireiros, nºs 195, 197 e 199 – Fonte: Google maps
 
 
Por sua vez, o Dr. Joaquim José Ferreira nasceu em Coimbra, onde concluiu o curso em 1846, começando por exercer a medicina em Celorico de Basto.
Em 1854, transferiu-se para o Porto, onde passou a ser conhecido pelo exercício da clínica médica e por ser um exímio namorador.
De cuidado esmero no vestuário, era conhecido pelo “Ferreira Janota”.
Foi o Dr. Ferreira um companheiro muito presente na vida de Camilo Castelo Branco, com a amizade entre os dois, a ter o seu início em 1849, o período frenético da boémia portuense e teve um marco importante em Agosto de 1854, durante as exéquias de Fanny Owen, uma jovem por quem o escritor terá tido uma paixoneta, mas que acabará casada com um seu amigo.
Nesse momento, o Dr. Ferreira por lá estava e, na sua qualidade de médico, atesta sob pedido de Camilo, que a jovem teria morrido virgem. Tal informação terá dado satisfação ao ego do escritor…mas não serão os amigos essenciais e para as ocasiões difíceis?
Quem tudo nos conta, claro, é Camilo, em alguns romances que foi escrevendo.
Durante os anos seguintes e em momentos marcantes, o Dr. Ferreira foi companhia de Camilo, como aquele em que, no dealbar do mês de Abril de 1856, o acompanhou ao Convento de S. Bento da Ave-Maria quando de partida para Viana do Castelo, para trabalhar no jornal “Aurora do Lima”, o escritor entregava a sua filha Amélia à guarda da freira Isabel Cândida Mourão.
Esta, com uma relação muito para além da amizade, teria feito uma cena de ciúmes de que foi testemunha o Dr. Ferreira, cena narrada em carta que dirigiu a José Barbosa e Silva, o seu amigo e financiador, sempre presente, em momentos de aperto económico.
 
Minha filha chorava, e o médico Ferreira que eventualmente ocorreu neste ensejo, fez-me sentir que a organização enfraquecida da pobre mulher podia sucumbir a semelhante choque”.
 
 
O Dr. Joaquim José Ferreira foi ainda testemunha de defesa no processo de adultério que foi instaurado ao escritor, bem como a Ana Plácido, pelo primeiro marido desta, o comerciante Manuel Pinheiro Alves.
Ficou para a posteridade a intervenção do Dr. Joaquim José Ferreira, no Tribunal Criminal a funcionar na Picaria, em 16 de Outubro de 1861, ao percorrer na sua retórica os tortuosos caminhos da psiquiatria, exigindo ainda, que ela fosse realizada sem a presença do réu, pois não queria constrangê-lo com a sua argumentação e, ainda, às tentativas esforçadas, para captar as boas graças dos jurados em favor do casal em julgamento.
Em 1888, o Dr. Ferreira participou na conferência médica, realizada no Porto, sobre a preocupante saúde do escritor, com os colegas Ricardo Jorge, José de Andrade Gramaxo e Manuel Lopes Santiago,
Em 2 de Abril de 1890, temos o Dr. Joaquim José Ferreira, junto do cadáver do menino Mário, sendo ele a declarar: “O menino está morto!”
O jovem era sobrinho do Dr. Urbino, um grande amigo de Camilo, que acabaria sentenciado pelo crime da Rua das Flores, envolvendo duas mortes por envenenamento.
O Dr. Janota esteve sempre, muito presente.
Camilo apenas sobreviveria ao despoletar deste caso perto de dois meses, pois poria termo à vida em 1 de Junho de 1890.
Seria enterrado em espaço de um jazigo do cemitério da Lapa, que lhe foi cedido por Freitas Fortuna, irmão do Dr. Urbino.
O Dr. Joaquim José Ferreira seria dos poucos que acompanharam o cadáver do infeliz amigo ao cemitério da Lapa.
A casa de saúde do Dr. Ferreira, atrás referida, acabaria por ser mudada para novas instalações, na Rua Duquesa de Bragança, nº 286, tendo o prédio respectivo sido alvo de obras de beneficiação importantes.
Assim, em 1877, José Joaquim Ferreira Sampaio, possivelmente um familiar de Joaquim José Ferreira, requer à Câmara do Porto uma autorização para adicionar um andar e uma água-furtada ao prédio sito na Rua Duquesa de Bragança que, actualmente, ocupa a morada da Rua D. João IV, 570-588, obtendo a licença nº 387/1877.
Em 1878, solicita, para o mesmo local, uma outra autorização para levantar um muro, obtendo a licença nº 243/1878.
Portanto, em 11 de Julho de 1886, Camilo Castelo Branco quando em carta dirigida ao seu editor e amigo, Eduardo Costa Santos, o informa da sua partida de S. Miguel de Seide e da chegada à “Casa de Saúde do Dr. Ferreira”, ela já ocuparia as suas novas instalações.

 
 
Capa da obra “Delictos da Mocidade” de Camilo Castelo Branco, editada pela “Livraria Civilisação de Eduardo da Costa Santos & Sobrinhos”


 
Por aqui, esteve a “Livraria Civilisação de Eduardo da Costa Santos & Sobrinhos”, sita na Rua de Santo Ildefonso, nºs 4-12, ocupando a área das duas lojas da foto – Fonte: Google maps
 
 
 
Em 1887, é Soares dos Reis em carta dirigida ao Secretário da Academia Portuense de Belas Artes (APBA), a antecessora da Escola Portuense de Belas Artes, a fazer referência à casa de saúde do Dr. Ferreira e a situá-la na Rua Duquesa de Bragança.

 
 


 
Entrado o século XX, a clínica viria a ser conhecida como Casa de Saúde Portuense.

 
 
A “Casa de Saúde Portuense” esteve por aqui, na Rua D. João IV, nº 588 (antes, Rua Duquesa de Bragança, nº 286) – Fonte Google maps

segunda-feira, 21 de junho de 2021

25.127 Coats & Clark

 

A origem da Coats tem as suas raízes a partir do momento em que as famílias Clark e Coats criaram as suas indústrias de fiação e tecelagem em Paisley, na Escócia, em finais do século XVIII.
Fazendo uma caminhada separadamente ao longo do século XIX, as empresas Coats e Clark acabam por, em 1896, se fundirem formando a J&P Coats Ltd.
Em 30 de Janeiro de 1905, a J&P Coats decide instalar-se em V. N. de Gaia com uma fábrica e nasce, assim, a Companhia de Linhas Coats & Clark, Lda, como subsidiária da casa-mãe, passando a ser uma referência no sector, durante mais de um século.
 
 
 
Caixa de costura (século XIX) com dez carrinhos de linhas de costura, de várias cores, da empresa J&P Coats
 
 
 
Cartão comercial da J &P Coats
 
 
 
A Companhia de Linha Coats & Clark esteve, desde a sua criação, instalada na Quinta de Cravel, na freguesia de Mafamude, em Vila Nova de Gaia.
Foi no ano de 1907, que ficaram concluídas as obras da fábrica, iniciando-se o processo de instalação da maquinaria.
Curiosamente, neste mesmo ano, o empresário Delfim Pereira da Costa iria inaugurar uma fábrica de carrinhos de linha de algodão para coser e bordar, na Senhora da hora – A “Efanor”.
Entretanto, em 1908, dá-se a abertura da fábrica da Coats & Clark, mais concretamente, a 17 de Fevereiro, com o início da produção e com 280 trabalhadores. É nesta data que se começa a escrever a história da actividade produtiva da J & P Coats em Portugal.
A multinacional inglesa chegou a empregar na sua unidade em V. N. de Gaia, cerca de dois mil trabalhadores, dedicando-se à produção de linhas de costura industrial e fabricando as conhecidas linhas de crochet "Âncora" e "Corrente".
Mais do que uma mera propriedade industrial, a antiga fábrica da Coats & Clark é um marco histórico em V. N. de Gaia.
De facto, a empresa manteve o seu funcionamento neste local durante mais de 100 anos.


 
Vista aérea das instalações da Coats & Clark em V. N. de Gaia
 
 
Vista aérea das instalações da Coats & Clark, vendo-se, à esquerda, um pequeno troço da E.N. 222
 
 
No Porto, a Coats & Clark chegou, durante grande parte do século XX, a ter um depósito na Rua Duque de Loulé, em edifício icónico com projecto de 1898, nas antigas instalações da Padaria Bijou.

 
 
À esquerda, o edifício onde funcionou um depósito da Coats & Clark – Fonte: Google maps
 
 
Em 2009, a Coats & Clark vai ser atingida pelo processo que se traduz na deslocalização da produção.
 
 
«A Coats & Clark vai despedir 127 funcionários dos cerca de 200 que trabalham na fábrica de Gaia. A empresa, que produz linhas de costura, alega "forte quebra da procura", mas o sindicato diz que está a deslocalizar a produção.
Os 127 trabalhadores afectados pelo despedimento colectivo receberam a comunicação na semana passada. Ontem, realizou-se um plenário, no qual foi eleita uma comissão de acompanhamento do despedimento colectivo para representar os trabalhadores não sindicalizados.
As negociações com a empresa deverão começar a 5 de Maio, mas "ninguém acredita que seja possível reverter a situação”»
Fonte: Inês Schreck, In Jn de 29 Abr 2009
 
 
A propriedade onde esteve instalada a Coats & Clark era, à data do seu encerramento, constituída por um terreno de 62.223m² com vários edifícios totalizando 24.236m² de construção e acomodava toda a produção de linhas para costura.
Situada no centro da cidade, a propriedade foi estruturada para vir a ser a futura localização de um projecto emblemático com características arquitectónicas e de uso únicas, com um conceito idêntico, de certo modo, ao utilizado nas instalações da antiga Fábrica Lionesa, em Leça do Balio, no actual Centro Empresarial Lionesa.
 
 
“Esperamos durante o próximo ano ter uma ocupação considerável de 50%” dos 33 mil metros quadrados construídos no espaço que se mantém mesmo junto à Estrada Nacional 222, afirmou Mário Almeida, gestor da empresa Fercopor que, no final de 2013, comprou o imóvel por quatro milhões de euros. A ideia passa pela criação de um parque à imagem dos modelos Lionesa (na Maia) ou Lx Factory (em Lisboa), levando para a freguesia do centro urbano do concelho uma nova dinâmica e reativando a atividade económica do espaço. Segundo explicou o responsável, nos 12 pavilhões disponíveis há espaços “chave na mão”, prontos a receber empresas de comércio e serviços, mas a maioria precisará de obras, que terão de ser feitas pelos novos inquilinos”.
Fonte: “viva-porto.pt/” (22 Julho, 2015)
 
 
Entrada para a “Fercopor”, junto da E.N. 222

sexta-feira, 11 de junho de 2021

25.126 Trovoada abençoada

 
Decorria o dia 16 de Outubro de 1861, estava-se próximo da meia-noite e no edifício a funcionar como Tribunal Criminal do Porto, na esquina da Rua da Picaria e da Travessa da Picaria (hoje é o lado norte da Praça de Filipa de Lencastre, gaveto com a Rua da Picaria), os jurados estavam reunidos para decidir o destino de um caso e dos respectivos intervenientes e que, nos últimos meses, tinha despertado o interesse dos portuenses.

 
 
Restaurante Portuense, na Praça Filipa de Lencastre, em meados do século XX, em instalações onde funcionou o Tribunal Criminal do Porto – Ed. Teófilo Rego; Fonte: AHMP
 
 
O julgamento tinha começado, no dia anterior, na manhã do dia 15 de Outubro.
Tratava-se de julgar um caso de adultério de D. Ana Augusta Plácido (1831-1895), pronunciada (sem fiança) em 26 de Março de 1860 e, no qual, Camilo Castelo Branco (1825-1890) foi co-réu.
Ana Augusta Plácido nasceu a 27 de Setembro de 1831, na Praça Nova das Hortas, mas cedo a família se mudou com os seus pais e irmãos, para a Rua do Almada, nº 28, a rua apelidada das “meninas bonitas”, tendo aí vivido no nº 28.
Mais tarde, habitou o nº 378, da mesma rua, mas, desta vez, com o seu primeiro marido, Manuel Pinheiro Alves (1807-1863), com quem casou em 28 de Setembro de 1850.

 
 
Praça Nova das Hortas com o convento e igreja de Nossa Senhora da Consolação dos Cónegos de S. João Evangelista ou Lóios, em destaque  – Gravura de Joaquim Vilanova, em 1833
 
 
 
 
Ana Plácido era filha de António José Plácido Braga e de Ana Augusta Vieira. Quando contava 19 anos, o pai obrigou-a a casar-se com o comerciante Manuel Pinheiro Alves, de 43 anos, que estivera emigrado no Brasil e onde fizera fortuna.
Ana Plácido viria a ser uma escritora e tradutora e teria, ainda, uma assinalável colaboração jornalística.
 
 
 
Ana Plácido
 
 
Naqueles tempos, o homem casado podia impunemente relacionar-se com uma mulher que não fosse casada.
No caso de mulher casada, o adultério da mulher era punível e, relativamente ao homem comparticipante, a punibilidade pressupunha o flagrante delito (sós e nus na mesma cama) ou a existência de cartas ou outro documento escrito.
Dizia então o artigo nº 401 do Código Penal:
 
«O adultério da mulher será punido com o degredo temporário.
1. O co-réu adúltero, sabedor de que a mulher é casada, será punido com a mesma pena, ficando obrigado às perdas e danos que devidamente se julgarem.
2. Somente serão admissíveis contra o adúltero as provas de flagrante delito ou as provas resultantes de cartas ou outros documentos escritos por ele.»
 
No caso em apreço, em 1ª instância, o juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, pai de Eça de Queiroz, titular daquele tribunal, entendeu que aqueles pressupostos não estavam preenchidos e, por isso, não pronunciou o escritor.
A acusação lesta recorreria para a Relação e ser-lhe-ia dada razão. Camilo foi pronunciado por ter copulado com mulher casada.
Acontece que, logo à partida, o juiz Queiroz tinha pedido escusa do processo, por ter, segundo justificou, um sentimento de simpatia por Camilo, argumento que não seria aceite superiormente.
A máquina da justiça, tradicionalmente lenta, neste caso, revelou-se estranhamente célere e bem oleada, enquanto Camilo esteve fugido à justiça. A partir do momento em que foi encarcerado, tudo voltou ao normal.
Assim, já depois de Camilo se ter apresentado à prisão, a defesa recorre para o Supremo Tribunal da decisão da Relação, mas sem sucesso. O requerimento é indeferido, mas a resposta já demora sete meses.
Por queixa de Manuel Pinheiro Alves, marido de Ana Augusta Plácido, foi então instaurado processo de querela, por adultério, contra Camilo Castelo Branco e Ana Plácido.

 
 
Manuel Pinheiro Alves
 
 
Aquela queixa seria assinada pelo advogado Alexandre Couto Pinto, em representação do queixoso e marido traído, e os acusados tiveram como defensor Marcelino de Matos, pai do que viria a ser o famoso psiquiatra Júlio de Matos.
O processo tinha sido objecto de despacho lavrado, em 22 de Dezembro de 1859, pelo juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queirós.
Na sequência da pronúncia, Ana Plácido é presa a 6 de Junho de 1860, e Camilo foge à justiça, durante algum tempo, mas acaba por se entregar a 1 de Outubro de 1860.
Ambos ficaram detidos na Cadeia da Relação, no Porto, aguardando o julgamento e tendo, durante a forçada estadia nas masmorras, recebido por duas vezes a visita do rei D. Pedro V.
A primeira vez, na badalada visita de 23 de Novembro de 1860.
A outra, mais discreta, durante uma visita do monarca ao Porto e ao Norte do País, no fim de Agosto de 1861. 
Camilo por lá esteve 12 meses, Ana penou durante mais quatro.
O amigo e escritor Júlio César Machado, após visitar Camilo, em Abril de 1861, escreve:
 
«A cadeia da Relação é horrível. Eu nunca tinha visto paredes tão negras, corredores tão escuros — e quartos inficionados por uma atmosfera tão mortífera. Quando perguntei ao carcereiro:
— O Sr. Camilo Castelo Branco? — tremeu-me a voz. Onde ia eu encontra-lo e como?!
Camilo está no quarto em que gemeu o duque da Terceira durante todo o tempo da Junta, e donde o Gravito marchou para a forca em 1829; um quarto, ainda assim, melhor do que eu esperava, quando subi as escadas da cadeia.
Uns livros numa estante, alguns papéis sobre uma mesa de escrita, nenhum jornal, e nas paredes…”
 
 
 
 
Cadeia da Relação do Porto – Gravura de Joaquim Villanova, em 1833
 
 
 
Cela de Camilo Castelo Branco na Cadeia da Relação do Porto – Ed. JPortojo
 
 
 
Importa referir que esta estória tinha começado, alguns anos antes, quando Camilo conhece Ana Plácido, precisamente no dia 13 de Fevereiro de 1849, durante um baile, dos muitos que aconteciam na cidade nos salões da burguesia ou, com toda a probabilidade, no salão da Assembleia Portuense, à Praça da Trindade, de cujas instalações era senhorio, António Bernardo Ferreira, o filho da Ferreirinha da Régua e que, após concluída na totalidade a sua construção, aí passou também a residir, numa ala mais a sul.


 
À esquerda, a igreja da Trindade e a sua escadaria de acesso; em frente, no módulo central, mais alto, era o salão de baile da Assembleia Portuense que acabou por se instalar no módulo à esquerda do observador, concluído que foi a sua construção; no extremo oposto morava António Bernardo Ferreira, após o clube ter sido daí desalojado
 
 
António Bernardo Ferreira (1835-1907) e Camilo conheciam-se bem, não só pela vida de boémia que experimentavam deambulando pelos diversos locais de diversão da cidade, mas, também, por serem figuras de destaque da sociedade.
António Bernardo Ferreira, à data do julgamento, era presidente da Associação Industrial Portuense, hoje chamada Associação Empresarial de Portugal, cargo que desempenharia entre 1859 e 1867.
Era também cunhado de Ana Plácido, por ter casado em 1852, com uma sua irmã, de seu nome, Antónia Cândida Plácido Braga (1836-1875).
Reflectindo um pouco o que se passava na sociedade, mesmo em ambiente familiar, as opiniões sobre o caso, subido a tribunal, dividiam-se: António Bernardo a favor do marido atraiçoado; Antónia Cândida a favor da irmã.
Voltando ao baile, o certo é que Ana e Camilo ter-se-ão enfeitiçado um pelo outro.
Acontece que, naqueles tempos, os casamentos realizavam-se, muitos deles, de acordo com interesses e acordos envolvendo os familiares dos noivos, e no caso de Ana Plácido, não fugia a essa regra. A jovem estaria prometida a um abastado brasileiro de torna-viagem de seu nome Manuel Pinheiro Alves e acabaria por com ele casar. Camilo ficou destroçado.
Após o baile, Camilo tem uma passagem por Lisboa, mas quando soube do casamento de Ana Plácido, regressa rapidamente ao Porto. Nada podia fazer!
 
 
 
Casa onde viveram Manuel Pinheiro Alves e Ana Plácido, na Rua do Almada
 
 
Camilo refugia-se então em Coimbra, para curtir mágoas e levado por um chamamento divino, tem uma experiência mística e frequenta o Seminário Episcopal, a funcionar junto da Catedral. Deve ter percebido mal o tal chamamento e depressa deixa para trás a devoção.
Frequenta os abadessados e, entre 1849 e 1856, vive os acontecimentos que o envolveram com José Augusto Pinto de Magalhães e Fanny Owen e que culminam na tragédia conhecida.
Em 1856, Camilo terá passado por Viana do Castelo, onde trabalharia, por breve período, no jornal “Aurora do Lima”, acabado de aparecer nas bancas, sendo um dos seus primeiros jornalistas remunerados. Fixa-se em Viana a 7 Abril, mas dado à sua irrequietude, com menos de dois meses de estada, regressa a 28 Maio de 1856, ao Porto.
Desta vez, estava decidido a fazer os últimos esforços por Ana Plácido.
O ano de 1856 parece, então, ser aquele em que os dois futuros amantes se reencontram e Camilo reinicia uma investida para conquistar Ana Plácido.
Esta acabava de perder a mãe, quando já tinha visto o pai morrer no célebre naufrágio do vapor “Porto”, na entrada da barra do rio Douro, em 1852.
 
 
Camilo Castelo Branco
 
 
 
As más-línguas da época afirmavam que Ana Plácido, aborrecida com o seu casamento, saía de uma experiência extra-matrimonial, na qual se tinha envolvido com um galã portuense, de seu nome, António Ferreira Quiques que tinha acabado por zarpar para o Brasil.
Dizia-se, ainda, que Camilo conheceria o tal Ferreira e, até, teria em seu poder cartas comprometedoras desse relacionamento, essenciais para a sua aproximação a Ana Plácido, aproveitando-se, assim, da fragilidade por ela vivida, em virtude daquele desenlace. Nunca o saberemos.
O certo é que Ana Plácido continuava casada com Manuel Pinheiro Alves e ainda sem descendência.
Entre 1857 e 1859, período em que o relacionamento de Ana e Camilo terá tomado os caminhos do adultério, para além do próprio leito conjugal da Rua do Almada, ela passaria completamente só, algumas temporadas, na Quinta de S. Miguel de Seide.
 
 
 
Casa da Quinta de S. Miguel de Seide
 
 
Por outro lado, na companhia de sua irmã Maria José, esteve no Bom-Jesus-do-Monte, em Braga, onde esta apanhava bons ares para combater a tísica.
O ano de 1858, será aquele em que Ana Augusta perde a sua irmã mais querida, de nada valendo as estadias em altitude e, será aquele, ainda, em que dará à luz o seu primeiro filho, Manuel Plácido Pinheiro Alves (1858-1877) que será registado como tendo por progenitor, Manuel Pinheiro Alves, facto que nem os mais crentes acreditam.
Naquele ano de 1858, durante mais uma estadia das duas irmãs, em Braga, onde se encontravam a ares, no dia 23 Outubro de 1858, a muito jovem Maria José morreu e, assim, Ana Plácido via partir a confidente e permanente acompanhante, desde que a sua mãe tinha também deixado este mundo, em 1855.
Dois dias depois, em 25 de Outubro, o jornal “O Comércio do Porto, dava conta do falecimento de um irmão de Ana Plácido de seu nome José Plácido.

 
 

Anúncio de agradecimento de comparência ao funeral de Maria José Plácido - In jornal “O Comércio do Porto” de 4 de Novembro de 1858

 
 

Anúncio do falecimento de José Plácido – In jornal “O Comércio do Porto” de 25 de Outubro de 1858


Serras Pinto, um tio de Ana Plácido, ordena-lhe que pusesse fim à relação extra-matrimonial. Porém, não obtendo quaisquer resultados práticos da sua tomada de posição, denuncia-a ao marido.
Assim, no dia 28 de Janeiro de 1859, Serras Pinto revelou a Pinheiro Alves o que sabia sobre o comportamento da sua esposa.
Levados os factos ao conhecimento do marido, Ana é expulsa de casa e é alojada com o seu pequeno filho, na Rua D. Maria II, próximo do Largo dos Lóios, em casa de um amigo do marido, de seu nome Agostinho Velho.
Cedo, todos se apercebem que Eufrásia Carlota de Sá, uma alcoviteira ao serviço de Camilo, mantinha os dois amantes em contacto, levando e trazendo mensagens.
Eufrásia era governanta de Maria Felicidade do Couto Brown, uma poetisa e escritora medíocre (segundo Camilo) que a cidade dizia ser, mais uma conquista de Camilo, se bem que já entrada para lá dos cinquenta anos.
Um dos filhos da senhora, um espadachim de eleição, de seu nome Ricardo Brown, parece ter dado, por isso, uma boa ensinadela a Camilo.
O patriarca deste ramo da família dos Brown era Manuel Clamouse Brown, morador na, há muito desaparecida, Rua da Cancela Velha, nºs 5-7 (lado Norte).
Deve ter sido aí que Camilo frequentou o salão de baile dos Brown e experimentou as sessões de poesia com a anfitriã ou e, ainda, num palacete do Carregal, residência da filha do casal, Manuel e Felicidade Brown, de seu nome Júlia Clamouse Brown que, em 1851, casou com o 2º Visconde de Vilarinho de S. Romão.
Quanto a relação com mulheres de experiência, parece que a freira Isabel Cândida Vaz Mourão, que velava pela sua filha Amélia, no convento de S. Bento da Ave-Maria, também lhe teria passado pelas mãos.


 
Convento e igreja de S. Bento da Ave-Maria, c. 1850
 
 
Mas, voltando ao caso em apreço, Ana é expulsa e vai com a alcoviteira alojar-se numa casa, na Rua de Cedofeita.
O alojamento foi breve, pois o par acaba por seguir em 20 de Fevereiro, para Lisboa no vapor “Duque do Porto”.
 
 

 
Jornal “O Comércio do Porto” de 21 de Fevereiro de 1859
 
 
Na capital, ao fim de um certo tempo, o dinheiro começa a escassear e o casal resolve embarcar e voltar ao Porto.
Ana Plácido aceita, então, a proposta inicial e que tinha rejeitado no começo da contenda: irá entrar no Convento de Nossa Senhora da Conceição de Braga (1612-1896).
Regressados ao Porto, Ana hospeda-se num hotel e Camilo recolhe-se aos cuidados de Eufrásia.
A bracarense decisão ficou a Manuel Pinheiro Alves por novecentos mil réis (uma fortuna), pois era necessário preparar as acomodações para a mãe, ama e pequerrucho, obter licenças eclesiásticas, etc.
No fim de contas, era o convento a funcionar, apenas, como recolhimento já que, de acordo com a lei, teria que ser encerrado em 1883, com o falecimento da última religiosa.
 
 
 
“Os recolhimentos funcionavam no pressuposto de que não constituíam residência para as recolhidas, mas sim num local temporário de acolhimento para resolverem um problema do casamento ou para se dedicarem ao serviço de Deus. Serviam de resguardo durante um período em que as mulheres eram consideradas em risco e estavam mais vulneráveis ao descaminho, precisando de ajuda”.
Cortesia de Maria Marta Lobo de Araújo
 

Ana Plácido deixou o Porto, no dia 18 de Junho, com destino ao Convento da Conceição, em Braga. Camilo dá deste modo notícia ao seu amigo José Barbosa, em carta de 17 de Junho:
 
 
“Meu amigo
A D. Ana parte amanhã para o Convento da Conceição em Braga. Creio que estará no Bom Jesus oito dias, esperando que se reparem os quartos que ela vai ocupar no convento. Acompanha-a daqui uma Caldas, amiga antiga dela, e o marido.
Eu não sei dizer-te o que tem sido a minha existência desde que cheguei aqui. Há desgraças que atordoam, e privam até da consolação do queixume. O que em mim sinto hoje é uma alma sem uma qualidade boa. Perdi fé, perdi tudo…
Vive e goza, meu amigo.
Teu muito grato
Camilo. C. Brc. º
Porto, 17 de Junho de 1859”
 
 
Ana Plácido entrou no Convento da Conceição no dia 27 de Junho e saiu, intempestivamente, no dia 3 de Agosto.
Assim, ao fim de cerca de um mês, já uma comitiva partia de Braga e, no caminho, em Famalicão, entrava Camilo.

 
 
 
Entrada do Convento de Nossa Senhora da Conceição de Braga
 
 
 
 
O destino é o Porto e, desta vez, o casal instala-se na “Casa de Hóspedes da Picaria”.
Toda a saga vivida pelo casal de amantes era do conhecimento de José Barbosa e Silva, o amigo de sempre de Camilo e seu financiador nos momentos de crise financeira, que era mantido ao corrente das particularidades da relação com Ana Plácido, no qual se incluíam as irmãs Maria José e Antónia, a mulher de António Bernardo Ferreira, com quem José Barbosa e Silva, já em tempos se relacionara e, com quem, instigado por Camilo, mantinha à data correspondência.
Segue-se a Foz do Douro, em plena época balnear, mas face ao mal-estar e à escandaleira que aquela relação representava para a burguesia, a banhos, o casal separa-se.
Camilo vai para Lisboa e Ana refugia-se, ao cuidado de Eufrásia Carlota, na Rua de Cedofeita.
Por pouco tempo, pois, em Dezembro, já está com Camilo em Lisboa.
Aqui, numa noite, assistem no Teatro da Rua dos Condes, à peça camiliana “O último acto”, cujo enredo anda à volta do casamento de uma jovem com um ricaço que já teria gozado imensos carnavais.
A personagem feminina chamava-se Ana Augusta.
 
 
Teatro da Rua dos Condes – Editado a partir de um desenho de Macedo e Christino
 
 
Ao saber-se disto, no Porto, o caldo entornou: havia que incriminar os adúlteros.
Manuel Pinheiro Alves avança com um processo na justiça.
Ana Plácido volta, por via marítima, para o Porto e à despedida estão Camilo, o amigo inseparável, José Cardoso Vieira de Castro (1837-1872) e o escritor Júlio César Machado.
Camilo não demora a chegar também ao Porto. Segue-se uma fuga pelo Norte do País, correndo “Ceca e Meca” até entregar-se.
Numa dessas deambulações, passa por Fafe pela casa de Vieira de Castro, como nos conta no romance “Memórias do Cárcere”:
 
Fui de Santo António das Taipas para as cercanias de Fafe, quinta do Ermo, onde me esperava com os braços abertos e o coração no sorriso, José Cardoso Vieira de Castro, Falseei a verdade. Vieira de Castro esperava-me a dormir, naquela madrugada dele, que era meio-dia no meu relógio”.
 
 
Durante o cativeiro, Camilo receou que o tio de Ana Plácido, que esteve na base da descoberta da situação, pagasse a alguém, dentro da Cadeia, para o matar.
Ao desabafar os seus temores perante Zé do Telhado, com quem se viria a relacionar, aquele sossegou-o garantindo-lhe que podia estar descansado, pois, se alguém ali lhe tocasse com um dedo, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos.
A gratidão de Camilo levá-lo-ia a compartilhar o seu advogado de defesa e, assim, talvez poupar Zé do Telhado à pena de execução.
O célebre julgamento, realizado no Tribunal da Rua da Picaria, não seria presidido por José Maria de Almeida Teixeira de Queirós que, entretanto, tinha sido transferido para Vila Franca de Xira.
Por outro lado, a defesa tentava atrair para o seu lado a opinião pública e Vieira de Castro publicava uma biografia intitulada “Camilo Castelo Branco – Notícia da sua vida e obra”.
O círculo da acusação, com o mesmo propósito, dava à estampa um artigo de Camilo, de há dez anos atrás, na altura do casamento de Ana Plácido, quando ele tinha zurzido a burguesia portuense por entregar as suas donzelas a “traficantes-argentários” e quando disse do Porto, o que Maomé não disse do toucinho.
Durante o julgamento, deu brado a intervenção do Dr. Janota, o Dr. Ferreira, amigo presente em muitos episódios da vida de Camilo.
A não existência do flagrante delito haveria de determinar o desfecho do caso, se bem que, ainda tenha sido tentado pela acusação realçar o outro requisito que podia incriminar o réu, ou seja, a existência de uma prova escrita.
Neste caso, foi escolhida uma carta escrita, supostamente, por Camilo ao tio que fez a denúncia.
A defesa argumenta:
 
que valor a dar a uma carta não assinada, escrita por um Camilo qualquer, que seguramente não é este, que fala duma sobrinha não a nomeando? etc, etc.”
 
Uma das testemunhas, um jornalista conhecido por “Novais dos óculos”, a quem Camilo tinha dado umas bengaladas à saída do Teatro S. João, não seria chamada a depor e um dos jurados foi o professor Luso Soares, que veio a ser uma figura conhecida na cidade.
Um dos seus momentos altos do julgamento e que seria decisivo, foi quando o advogado dos acusados, Dr. Marcelino de Matos, durante uma defesa notabilíssima, perante uma tremenda tempestade que se vinha a abater sobre a cidade, se aproveita do momento de um rebentamento de um trovão e exclama:
 
“É Deus falando contra a iniquidade deste processo e não levando a bem a monstruosidade desta prisão”.
 
O julgamento iria entrar pela noite dentro, no segundo dia de audiências. Recolhidos os jurados à sala das deliberações demoraram-se cerca de meia-hora, e constrangidos por todo o ambiente criado, inclusive com as mensagens celestiais, decidiriam, por maioria, considerarem os réus como inocentes.
 
“Em vista da decisão do júri, julgo não provado o crime de adultério de que era acusado Camilo Castelo Branco o absolvo da culpa, dando-se baixa nele, e passando o seu mandado de soltura, e pague o A. as custas do processo. Porto, 16 de outubro de 1861".
 
A sentença proferida já no dealbar do dia 17 de Outubro de 1861 (peça que, presentemente, não se encontra no processo por ter desaparecido), limitou-se a absolver os acusados e emitir mandados de soltura e o pagamento das custas do processo a cargo de Manuel Pinheiro Alves.
Os amantes viveriam em comum, até 1888, quando casaram numa casa da Rua de Santa Catarina, estando presentes ao acto, entre outras, duas personagens muito presentes na vida de Camilo: O Dr. Ferreira (o Janota) e o Dr. Marcelino de Matos.

 
 
Eternizando o amor entre Camilo e Ana, a estátua “Amor de Perdição”, da autoria do Mestre Francisco Simões, no Campo Mártires da Pátria, desde 2012

 
 
Sobre a escultura anterior, em Setembro de 2023, estalaria uma polémica na cidade, pois numa petição dirigida ao presidente da Câmara, Rui Moreira, por 37 pessoas que se diziam famosas, era exigida a retirada da obra por atentado ao pudor.
Levantou-se em peso a cidade e o senhor presidente acabou por recuar, já depois de ter despachado favoravelmente o pedido da "polícia do gosto".


 
Epílogo e outras curiosidades
 
 
Durante a primeira década, da segunda metade do século XIX, em que decorre toda a saga atrás narrada, Camilo Castelo Branco, para além da contribuição jornalística em vários jornais, publicou:
 
Maria, não me mates, que sou tua mãe (folheto de cordel, 1848), O Marquês de Torres Novas (teatro, 1849), O Caleche (sátira, 1849), O Clero e o sr. Alexandre Herculano (polémica, 1850), Inspirações (poesia lírica, 1851), Anátema (novela, 1851), Mistérios de Lisboa (novela, 1854), Livro Negro de Padre Dinis (novela, 1855), Cenas Contemporâneas (1855), A Filha do Arcediago (novela, 1855), A Neta do Arcediago (novela, 1856), Onde está a felicidade? (novela, 1856), Um Homem de Brios (novela, 1857), Carlota Ângela (novela, 1858), O Que fazem Mulheres (novela, 1858), Cenas da Foz (novela, 1861)
 
 
Um sobrinho de Camilo, filho da sua irmã Carolina Rita,  António de Azevedo Castelo Branco (1842-1916), à data dos acontecimentos, estudante em Coimbra, de férias e de visita ao tio, em Junho de 1861, contaria a amigos, de quão louco e provocador era o seu tio.
Camilo tinha permissão de saídas da cadeia e, muitas vezes, foi visto e reconhecido a passear pelas ruas da baixa do Porto.
Numa delas, provocador, desceria a Rua de Santo António, com um par de botas de senhora (não embrulhadas) que tinha comprado para oferecer a Ana quando chegasse à Cordoaria.
Estes passeios tomaram tal dimensão que o ministro da justiça Alberto António de Morais Carvalho dirigiria uma missiva ao juiz do 1º distrito criminal do Porto, do seguinte teor:
 
«(…) faça examinar aquele preso (Camilo Castelo Branco) por três facultativos, e, no caso de se concluir do exame que sofre actualmente de moléstia grave, pela qual necessite dos passeios requeridos, haja de regular a permissão deles de modo que sejam só para remédio, e não para outro qualquer efeito, empregando, porém, todas as cautelas e seguranças necessárias.»
 
O sobrinho de Camilo, atrás referido, tinha chegado ao Porto vindo de Coimbra no dia 1 de Junho e tinha sido convidado pelo visconde e viscondessa de Pereira Machado, que o conheciam desde os 3 anos, para um grandioso baile que se realizaria no dia 8, desse mês, no palacete da Rua Formosa.
O baile comemorava um aniversário de uma filha do visconde e ficaria na história pela sua grandiosidade, e por ter sido meticulosamente narrado por Camilo, na imprensa da época, fruto das informações que lhe terão passado alguns amigos, pois, desgraçadamente, não lhe foi possível estar presente:
 
“Dançou-se no Porto na semana passada, pela primeira vez, a quadrilha franceza denominada «Príncipe Imperial». Este acontecimento foi arquivado nos jornais da cidade eterna, e devia sê-lo. O cavalheiro que deu azo a esta novidade foi o sr. Guilherme Augusto Machado Pereira, abrindo os salões do seu magnífico palácio. Entre seiscentas pessoas concorreram duzentas senhoras, á competência de galas e formosura.
Trajam ricamente as damas portuenses. Ainda que fossem menos belas, sairiam com muito lustre destas brilhantes exposições pelo muito esmero de luxo com que enfeitam os corpos.
Não pompeiam menos em adornos do espirito; estes, porém, nem são essenciais á beleza, nem mesmo proveitosos á vida.
O sr. Machado Pereira deu aos seus convidados uma ceia de Apício: a profusão só podia ser deslumbrada pelo gosto. No Porto cozinha-se muito
bem, etc, etc,”
 
 
Importa referir que no baile estiveram duas personagens notáveis da época, Casal Ribeiro e o conde de Ficalho, vindos expressamente de Lisboa.
 
 
Por sua vez, à janela da sua cela, Ana Plácido provocava e espantava os portuenses ao fumar ostensivamente os seus grossos charutos ou atroava os ares com os acordes do seu piano e do seu canto.
Manuel Pinheiro Alves morre em 1863, quando vivia numa pensão em Famalicão, e perto da hora da morte, durante o acto da confissão, não conseguiu perdoar Camilo e, assim, deixou de caminhar para o Paraíso.