terça-feira, 25 de outubro de 2022

25.168 Círculo de Cultura Teatral / Teatro Experimental do Porto (CCT / TEP)

 
O Círculo de Cultura Teatral / Teatro Experimental do Porto (CCT / TEP) é a mais antiga companhia de teatro de Portugal, fundada em 1951.
As origens do CCT/TEP remontam a uma noite de Novembro de 1950 em que, por convocatória oral de Manuel Breda Simões, um grupo de cidadãos interessados na teoria e prática teatral reúne - se nas instalações do Instituto Francês, no Porto, então sedeado na Rua de Cândido dos Reis.
Faziam parte do grupo de personagens citado alguns colegas de Manuel Breda Simões da Escola Comercial Oliveira Martins, sita, à data, na Rua do Sol e alguns dos seus amigos que paravam no Café Chave D’ Ouro, na Batalha.
Em 1 de Fevereiro de 1951, ocorre a reunião para aprovação dos estatutos e assinatura do acto de fundação da agremiação, na sede da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
O processo burocrático para registo do Círculo de Cultura Teatral vai correr os seus trâmites e, finalmente, vai ser aprovada pelos poderes instituídos como uma associação, o que o impedirá de organizar espectáculos.
Júlio Gago, personagem ligada ao TEP, desde sempre, como actor, encenador, director e presidente da direcção, lembra-se que a situação foi resolvida com a colaboração dos Fenianos Portuenses e que, por sugestão de um dos fundadores, Eugénio de Andrade, foi escolhido António Pedro para ensaiar os actores.
Recorda, Júlio Gago, que o primeiro ensaio aconteceria em 7 de Março de 1953, nas instalações dos Fenianos Portuenses que, quando estavam interditas, obrigaram a companhia a peregrinar pela sede da Sociedade Editora Norte, à Rua Formosa e pelo atelier de Carlos Carneiro.
A companhia estreou, então, o seu primeiro espectáculo, em 18 de Junho de 1953, sob a direcção de António Pedro (Cidade da Praia, 9 de Dezembro de 1909 — Caminha, Moledo, 17 de Agosto de 1966) que permanece à frente do Teatro Experimental do Porto (TEP), de 1953 a 1961.
António Pedro foi, para além encenador, actor, escritor e poeta.
À história do TEP, estão ligados nomes como Júlio Resende. O pintor foi um dos participantes da primeira Exposição de Artes Plásticas do TEP, em 1954.
O segundo espectáculo sobe à cena no Teatro S. João, sendo representada a peça Antígona.
Já a terceira e a quarta representação ocorrerão no Cine-Teatro Vale Formoso e a quinta no Teatro Sá da Bandeira.
 
 
 

Espectáculos levados à cena no Cine-Teatro Vale Formoso

 
 
 
“A criação da companhia foi iniciativa de um grupo de personalidades da cidade ligadas à cultura, como Manuel Breda Simões, Eugénio de Andrade e o arquiteto Luís Praça, que convenceram o escritor, artista plástico e homem do teatro António Pedro a ser diretor artístico. Até 1957, ano em que foi feita a transição de companhia amadora para profissional, o TEP apresentou peças de sucesso.
(…) Em 1959, foi encenado O Crime da Aldeia Velha, também de Bernardo Santareno, um dramaturgo descoberto pelo TEP. No ano seguinte, António Pedro deixou a companhia, sendo substituído no cargo por João Guedes. O TEP entrou então num período de declínio. Apesar de, por altura do 25 de abril de 1974, ter levado à cena o seu centésimo espetáculo, a companhia continuava a atravessar uma crise. Em 1979, vendeu o Teatro António Pedro, ficando sem um espaço próprio para apresentar espetáculos. Já nos anos 80 o TEP ficou sem subsídios, situação que se arrastou por oito anos, mas conseguiu sobreviver por ser uma associação. A partir de 1981, o TEP passou apresentar os seus espetáculos no antigo edifício da Escola Académica, no Porto, para o efeito renomeado Sala-Estúdio do TEP.”
Fonte: Infopédia
 
 
 
Em 8 de Maio de 1956, subiria ao palco o 6º espectáculo da companhia teatral, na Rua do Ateneu Comercial do Porto, segundo um projecto do arquitecto Luís Praça, o TEP inaugurou com “MACBETH”, de Shakespeare, o Teatro de Algibeira, depois chamado de Teatro de Bolso e, mais tarde, chamado de Teatro António Pedro, sua sede e espaço teatral até 1980.
 
 
 
 

Por aqui, em frente à entrada do restaurante Abadia, esteve o Teatro de Bolso – Fonte: Google maps

 

 

Sala de espectáculos do Teatro de Algibeira
 
 
 
Em 23 de Novembro de 1957, o TEP faria subir à cena a peça de Bernardo Santareno, “A Promessa”.
Como a lotação do Teatro de Bolso era muito reduzida, apenas 134 lugares, A Promessa foi exibida no Teatro Sá da Bandeira. Faziam parte do elenco: Alexandre Vieira, Dalila Rocha, João Guedes e Fernanda de Sousa.
 
 
 
“Há 64 anos, no Sábado 23 de Novembro de 1957, o Jornal de Notícias publica um anúncio do Círculo de Cultura Teatral, subsidiado pela (então recente) Fundação Gulbenkian, publicitando a estreia no Teatro Sá da Bandeira da peça “A Promessa” de Bernardo Santareno (António Martinho do Rosário 1920-1980), pela companhia do Teatro Experimental do Porto dirigida por António Pedro (1909—1966).”
Cortesia do arquitecto Ricardo Figueiredo
 
 
 

Jornal de Notícias, Sábado, 23 de Novembro de 1957


 

Programa da peça "A Promessa"/ Teatro Experimental do Porto (TEP) / Teatro Sá da Bandeira. 1957

 
 

Teatro Sá da Bandeira: Cena de A Promessa, pela Companhia do TEP (1957) – Foto de Fernando Aroso
 

 

“A promessa” (1957), de Bernardo Santareno – Fotografia de Álvaro Portugal
 
 
 
 
«Os meus pais, que assistiram à estreia da peça, pertenciam a um grupo de amigos e conhecidos “da parte mais culta e mais civilizada da nossa cidade” como Ramos de Almeida escreve, “composta, na sua maioria, por escritores, artistas, jornalistas, professores, médicos, advogados, engenheiros, estudantes, isto é, todo um escol intelectual insatisfeito e ansioso.”
Em 1951, tinham estado ligados à fundação do Círculo de Cultura Teatral-TEP e em 1953 quando o TEP apresentou o seu primeiro espectáculo, o meu pai pertencia com João Meneres de Campos (1912-1988) à Direcção presidida por Alexandre Babo (1916-2007) e a minha mãe era membro do Conselho de Leitura, com Ramos de Almeida e Eugénio de Andrade (1923-2005)».
Cortesia do arquitecto Ricardo Figueiredo
 
 
 
Durante as décadas seguintes, até 1980, p TEP manteria sempre uma programação regular.
Em 4 de Março de 1959, o Teatro Experimental do Porto fazia subir ao palco a peça “Linda Inês”, com encenação de António Pedro.
Em 5 de Abril de 1962, o Teatro Experimental do Porto apresentava-se na Universidade de Santiago de Compostela.
Em 1978, o Teatro Experimental do Porto seria co-fundador com a Seiva Trupe, do FITEI.
Entretanto, o Teatro de Bolso seria demolido em 1980.
As novas instalações da sede da companhia teatral passaram, a partir de Janeiro de 1981, para parte do edifício da antiga Escola Académica, à Rua do Pinheiro, onde foi adaptada uma área para uma Sala-Estúdio.
Aí, dividiria o espaço com uma Associação de Moradores fixada nele desde 25 de Abril de 1974.
Em 1985, uma nova direcção artística constituída pelo actor Mário Viegas, cenógrafo José Rodrigues e pelo poeta Egito Gonçalves, tomaria em mãos o rumo da companhia.

 
 

Foyer da Sala-Estúdio durante a apresentação de uma peça teatral em Dezembro de 1985 – Fonte: Arquivos RTP


 
Por lá, ficaria o TEP até 1994, quando um violento incêndio destruiria as instalações da companhia teatral e uma escola primária situada por cima do auditório.
A 9 de Junho de 1995, o TEP foi agraciado com o grau de Membro-Honorário da Ordem do Mérito.
 
 
 
Instalações da antiga Escola Académica – Cortesia de JPortojo
 
 
Estado das instalações da sede do TEP, após o incêndio – Fonte: RTP
 
 
 
 
Após o incêndio ocorrido no prédio da Rua do Pinheiro, o TEP peregrinou por vários espaços, como a Casa das Artes, o Teatro Sá da Bandeira e o Clube dos Fenianos Portuenses, até Fevereiro de 1999.
Por não encontrar alternativa no Porto e falharem as ajudas em termos locais e nacionais, o TEP propôs, então, à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia a sua transferência para este concelho, através do Protocolo assinado em 27 de Março de 1999, passando esta autarquia a ser o seu principal patrocinador.
A companhia passaria a actuar no Auditório Municipal de Gaia.
No verão de 2003, por ocasião do 50.º aniversário de representações, o TEP foi consecutivamente distinguido, com medalhas de ouro, pelas câmaras do Gaia e do Porto. Para assinalar os 50 anos, o TEP repôs "Antígona", na versão encenada por António Pedro. Ao longo do seu historial, passaram pelo TEP encenadores como Rogério Paulo, Ruy de Carvalho, Paulo Renato, Carlos Avilez, Mário Viegas e Norberto Barroca, este último diretor da companhia por ocasião do cinquentenário, juntamente com Júlio Gago.
Assim, entre 1998 e o final de 2009, a companhia foi dirigida por Norberto Barroca, após o que Júlio Gago assumiu essa função. Em 2012, a direção artística foi assumida por Gonçalo Amorim, encenador residente desde 2010.
Na última década o TEP vem peregrinando por diversas salas, com história, do Grande Porto.
O Teatro Nacional S. João foi o palco de espectáculos do TEP, como foi o caso em 2016, quando subiu à cena a peça “Nunca Mates o Mandarim”.
Em 2017, o palco era o Teatro Rivoli e a peça exibida foi “A Tecedeira que lia Zola”.
A peça “A Cara da Morte Estava Viva”, criada pelo Teatro Experimental do Porto sobre o músico brasileiro Cazuza (1958-1990), teve estreia, em Setembro de 2019, no Teatro Municipal de Matosinhos-Constantino Nery.
O TEP, durante este período, serviu-se também do Teatro Municipal do Porto/Teatro do Campo Alegre, onde dividiu instalações com outras companhias.
 
 
 

Largo Estêvão Torres, 631, Vila Nova de Gaia
 
 
No edifício da foto acima funciona a sede social e administrativa do TEP, encontrando-se nele depositado o espólio de 50 anos de memórias do património artístico e documental do teatro.
Entretanto, em Julho de 2021, A Câmara Municipal do Porto decide que o TEP deveria voltar para a cidade, em espaço próprio e digno – O CACE (Centro de Apoio à Criação de Empresas) do Freixo.
 
 
“O CACE, onde anteriormente estavam antigas oficinas da EDP, em Campanhã, sob a Ponte do Freixo, reativa a sua vocação de polo de dinamização cultural, tornando-se um lugar para a futura Extensão da Indústria do Museu da Cidade, para os Ateliers Municipais e, conforme anunciado em reunião de Câmara, residência do Teatro Experimental do Porto.
Depois de nos últimos anos ter sido uma das companhias residentes no Teatro Campo Alegre, no âmbito do programa Campo Aberto, o TEP reclamava um espaço que garantisse melhores condições para o desenvolvimento do seu trabalho.
(…) O arquiteto Guilherme Machado Vaz assina o desenho arquitetónico de reabilitação do complexo de edifícios, numa área total de 14 mil m2, dos quais 4.150 m2 correspondem a armazéns a reconverter em espaços municipais e de acolhimento de outros projetos e associações da cidade, como é o caso do Circolando, incluindo ainda um auditório black box. O projeto de execução deverá estar concluído até ao final deste ano. Os trabalhos têm início previsto para meados de 2022, num investimento estimado de 2,5 milhões de euros”.
Fonte: porto.pt
 
 
 

Instalações do CACE do Freixo, junto à Ponte do Freixo, que se destinam a um polo cultural da cidade
 
 
O edifício da foto acima albergou, originalmente, as oficinas da EDP, tendo sido desenhado, na década de 60, pelo arquitecto Januário Godinho, em terrenos da antiga Sub-Estação Eléctrica do Freixo, erguida em 1919 pela empresa espanhola “Electra del Lima” à qual se juntaria, mais tarde (1926), a Central Termo Eléctrica do Freixo, da responsabilidade da UEP – União Eléctrica Portuguesa.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

25.167 Um lisboeta com ligações à cidade do Porto

 
Em 1893, tinha sido inaugurado o Instituto para Surdos-Mudos Araújo Porto, criado com o legado de José Rodrigues de Araújo Porto.
Em 12 de Novembro de 1899, junto das instalações do Instituto Araújo Porto, iriam ser construídas as que se destinavam ao que veio a ser o Asilo de Cegos S. Manuel e, sobre o lançamento da 1ª pedra, narrava o jornal “O Primeiro de Janeiro”:
 
“A quinta Araujo Porto e o local destinado ao novo Asylo estavam adornados de bandeiras, e o edifício do Instituto dos Surdos-mudos ostentava riquíssimas colgaduras de damasco em todas as suas janellas.
E durante a cerimonia tocou a excellente banda do Asylo do Barão de Nova Cintra, instituição também dependente da Santa Casa da Misericordia do Porto, como se sabe.
O illustre prelado portuense, sr. D. António Barroso, que antes havia assistido á collocação da primeira pedra do bairro operario, de iniciativa do nosso presado collega do Commercio do Porto, chegou ao local pouco
depois da uma hora da tarde. Sua reverendíssima era acompanhado dos srs. dr. Ferreira Pinto, seu secretario, e dos reverendos conegos Filippe Coelho e Correia e Sá, e foi recebido á porta da quinta pelos sr . provedor e mesarios da Santa Casa, corpo docente do Instituto de surdos-mudos muitos convidados, etc, etc.
No local destinado ao edificio do novo ásylo e em que já assentam alguns alicerces e se erguem pequenos trechos de parede, o sr. D. Antonio benzeu o terreno e a pedra que ía ser imposta, lançando por ultimo a bênção a todas as pessoas presentes, entre as quaes havia um grande numero de senhoras.
Sob a pedra foi collocado um cofre com todas as moedas do actual reinado e uma legenda em latim, correspondente ao auto da cerimonia, lida pelo mesario da Santa Casa, reverendo Francisco Patricio.
Foi o sr. governador civil quem conduziu a colhér, o sr. general Cibrão a argamassa, o sr. presidente da camara as moedas, o sr. dr. Paulo Marcellino Dias de Freitas o camartelo e o sr. Branco Rodrigues, o incansavel protector dos cegos, o cofre.
Finda a cerimonia, houve sessão solemne na sala de estudo do Instituto dos surdos-mudos. Presidiu o sr. D. Antonio Barroso, tendo á sua direita os srs. governador civil e general Cibrão, e á esquerda os srs. presidente da camara e Branco Rodrigues”.




Cerimónia do lançamento da 1ª pedra do Asilo de Cegos – Fonte: “Jornal dos Cegos” (Fevereiro de 1900; Lisboa – Editor: Branco Rodrigues); gravuras obtidas a partir de fotografia de Aurélio da Paz dos Reis

 
 
A gravura anterior revela a cerimónia efectuada, em 12 de Novembro de 1899, de lançamento da 1ª pedra do Asilo de Cegos, sendo visível, no horizonte, a igreja da Lapa.
 
 
 

Fanfarra dos alunos do Estabelecimento do Barão de Nova Sintra durante a cerimónia de lançamento da 1ª pedra do Asilo de Cegos – Fonte: “Jornal dos Cegos” (Fevereiro de 1900; Lisboa – Editor: Branco Rodrigues); gravuras obtidas a partir de fotografia de Aurélio da Paz dos Reis
 
 
 
 
Entretanto, em 1904, abriria na Rua das Taipas a «Escola de Cegos do Porto» por iniciativa do jornalista José Cândido Branco Rodrigues (1861-1926), nascido no seio de uma família da alta burguesia lisboeta e editor do “Jornal dos Cegos”, com sede em Lisboa.




Texto extraído do “Jornal dos Cegos”, nº 52, de Fevereiro de 1900, da autoria de José Cândido Branco Rodrigues, do qual era também o editor e director e viria a ser, também, o fundador da “Escola de Cegos do Porto”
 
 
 

Palacete, em Lisboa, residência de José Cândido Branco Rodrigues, sito na Avenida da República, nº 36, esquina da Avenida Visconde de Valmor (1908) – Fonte: “Casa de Branco Rodrigues” (Alfredo d’Ascenção Machado), a Architectura Portuguesa, ano I, nº 10, 1908, pag. 37-38
 
 
 
“No dia 5 de Maio de 1903, o Governador Civil do Porto, Adolpho da Cunha Pimentel, bacharel em direito, aprovava o alvará que José Cândido Branco Rodrigues lhe apresentou com os respectivos estatutos, datados de 1 de Abril anterior, para administrar uma instituição de beneficência denominada «Escola de Cegos do Porto», destinada a instruir e educar crianças cegas de ambos os sexos. Como os estatutos não continham disposição alguma a que se opusessem as leis gerais, foram os mesmos aprovados pelo referido Governador Civil, usando da faculdade que lhe conferia o n.º 8 do art. 252 do Código Administrativo.
Cortesia de Teo Dias
 
 
 
A «Escola de Cegos do Porto» irá ser alojada, inicialmente, na Rua das Taipas, nº 76, no Palacete dos Vilar de Perdizes, a ser correcta a informação obtida a partir da colecção do espólio da “Foto Guedes” pertencente ao Arquivo Municipal do Porto. No entanto, a referida escola mudar-se-ia ainda, em 1904, para instalações na Rua Ferreira Cardoso (antiga Viela de Sacais).
 
 
 

Palacete dos Vilar de Perdizes

 
 
A «Escola de Cegos do Porto» passaria, então, a funcionar na Rua Ferreira Cardoso, nº 103, sob as orientações do seu fundador, Branco Rodrigues e administrada financeiramente pela Santa Casa da Misericórdia do Porto (artº 9º), em edifício que, em 1912, seria alvo de uma intervenção autorizada pela licença camarária, nº 455/1912.





Escola de Cegos do Porto, na Rua Ferreira Cardoso, c. 1905
 

 
O prédio que viria a situar-se adossado à escola, à direita da foto, teve licença de construção nº 16/1907.
A sociedade portuense recebe com muita aceitação a iniciativa de Branco Rodrigues e sucedem-se as iniciativas para a recolha de fundos para a Escola de Cegos.
A 18 de Novembro de 1907, era levado à cena um espectáculo de angariação de fundos.


 


 
 
A 18 de Dezembro de 1908, é posto à venda um número especial da revista “Arte”, de Marques Abreu, em benefício da Escola de Cegos do Porto.
Em 1 de Outubro de 1938, a «Escola de Cegos do Porto» passou a ser totalmente administrada pela Misericórdia, quando era seu Provedor o Dr. António Luís Gomes e Mesário o Dr. Mário de Vasconcelos e Sá. Existiam então, ali, 18 alunos, a quem eram ministradas aulas de Braille e actividades profissionais pelo seu Director, o Prof. Miguel Mota.

 
 

Miguel Mota, director da Escola de Cegos do Porto
 
 
 
No ano de 1945, a «Escola de Cegos do Porto» foi transferida da Rua Ferreira Cardoso para as instalações do Asilo de Cegos, na Rua da Paz, resultando desta fusão o “Instituto Asilo de Cegos de S. Manuel”, que passaria a ter uma média de 25 alunos e alguns asilados. Nesta data, era Director o Dr. Bertino Daciano da Rocha Guimarães e Professor de Música e Braille o Prof. Albuquerque e Castro. Foram estes dois homens os grandes impulsionadores da transformação do “Asilo de Cegos e Instituto de S. Manuel”.
O prédio na Rua Ferreira Cardoso, nº 103 passaria, então, para a posse da Igreja Adventista do Sétimo Dia que, aí, construiria o seu novo templo, que subsiste.

 
 

Igreja Adventista do Porto
 
 
 
Remodelação do Instituto de Cegos S. Manuel
 
“Em 1958, José Ferreira de Albuquerque e Castro foi nomeado Director dos Serviços Tiflológicos da Santa Casa da Misericórdia do Porto, sendo substituído nessas funções por sua mulher, Dr.ª Pilar Ribas de Albuquerque e Castro, quando faleceu em 15 de Abril de 1967.
A 12 de Maio de 1969, celebrou-se o primeiro acordo de cooperação entre o Instituto da Família e Acção Social (IFAS) e a Misericórdia, com vista ao melhor funcionamento do Instituto S. Manuel.
Com o decorrer dos tempos deixaram de ser admitidos asilados e, assim, quando em 1969 o Instituto encerrou para obras, os educandos em idade escolar foram transferidos para o Internato de S. José, que abriu nessa altura, indo os restantes para um Lar instalado num prédio da Misericórdia, na Rua do Rosário.
Em 1972, foram concluídas as obras e o Instituto foi remodelado, não só quanto a instalações, mas ainda nos seus variados aspectos de funcionamento, nomeadamente nas áreas administrativa, pedagógica, educativa e social.
Em 1976, foi revisto o acordo com o IFAS passando, por via dele, para os quadros do Centro de Educação Especial do Porto (CEEP) todo o pessoal técnico do Instituto.
Em Novembro de 1977, graças ao esforço conjunto da Santa Casa e do Centro de Educação Especial do Porto iniciou-se a construção de um ginásio, especialmente concebido para cegos”.
Fonte: Santa Casa da Misericórdia do Porto
 
 
Hoje, a toponímia da cidade passou a ter a pouco conhecida “Rua Instituto de Cegos S. Manuel”, que liga a Rua de Joaquim Vasconcelos à Rua da Torrinha.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

25.166 Uma poetisa no Porto oitocentista

 
Maria da Felicidade do Couto Browne, oriunda de uma família modesta, era filha de Manuel Martins do Couto e de Margarida Máxima Joaquim Guimarães.
Nasceu no Porto, a 10 de Janeiro de 1797 e, aí faleceu, em 8 de Novembro de 1861.
Jaz no cemitério da Lapa, no Porto, em jazigo, junto de seu marido, filhos, filha Eulália Van Zeller e genro Frederico Van Zeller.
Próximo, encontra-se a capela dos Viscondes de Vilarinho de S. Romão, onde repousa a sua filha Júlia Browne, 2ª Viscondessa de Vilarinho.
 
 
 

Notícia do falecimento de Maria Browne – Fonte: Jornal “O Comércio do Porto” de 8 de Novembro de 1861


 

In revista PRISMA (Revista de Filosofia, Ciência e Arte) de Dezembro de 1938
 
 
 
Maria Browne casaria com Manuel Clamouse Browne, bisneto do patriarca da família Clamouse, Bernardo de Clamouse, cônsul de França, em 1720, cuja família tinha uma propriedade em Gaia, a Quinta da Boa-Vista, no lugar de Choupelo, onde dava jantares e grandes festas.
A Quinta da Boavista, mais tarde, daria lugar a outras quintas, entre elas, a Quinta da Fonte Santa (que deve o nome a uma fonte com propriedades terapêuticas, há muito desaparecida) e que foi propriedade de Manuel Clamouse Browne Van Zeller (1851-1928), um neto de Maria Browne, resultado da ligação de sua filha Eulália com Frederico van Zeller.
Aquele neto da poetisa, que era irmão de Henrique Maria Clamouse Browne van Zeller, acabaria por realizar dois casamentos com Emilia Cristina de Araújo Rangel Pamplona e Camila Ernestina de Araújo Rangel Pamplona, sucessivamente.
Maria Browne ficaria viúva a partir de 13 de Fevereiro de 1855.


 

A meio da foto, a entrada para a abandonada Quinta da Fonte Santa, na Rua do Choupelo, em V. N. de Gaia, resultante do parcelamento da Quinta da Boavista. À direita, o local onde esteve parte da Quinta das Palhacinhas, actualmente, um empreendimento urbanístico – Fonte: Google maps
 
 
 
Os Browne, originários da Irlanda, fugidos a lutas religiosas, chegaram ao Porto ainda em meados do século XVIII, pela mão de André Browne, natural de Killarney. Em breve, a família Browne iria juntar-se aos Clamouse.
Assim, uma outra família oriunda de França, sob o mando de Bernardo de Clamouse, chegou ao Porto, no início do século XVIII, tendo conseguido grossa fortuna ao dedicar-se ao comércio, entre Portugal e França, de mercadorias de luxo, peças de seda e galões de ouro e prata. Tinha escritórios e residência na Rua Nova (Rua Infante D. Henrique).
Um seu bisneto, de seu nome, Bernardo Clamouse Browne viria a ser cônsul dos Estados Unidos e dedicar-se-ia ao negócio dos têxteis e um outro, de seu nome, Manuel Clamouse Browne (1790-1855) dedicar-se-ia ao negócio dos vinhos e seria sócio fundador da Associação Comercial do Porto e Vice-Provedor da Irmandade do Carmo.
Manuel Clamouse Browne era filho de Domingos de Clamouse Browne e Maria Custódia do Nascimento Sada e irmão de Genoveva Clamouse Browne, Nicolau de Clamouse Browne e Therése Justine de Clamouse Browne.
A Grande Fábrica de Bernardo Clamouse Browne foi uma das unidades têxteis mais antigas a funcionar na cidade do Porto, vinha já do século XVIII, e esteve instalada na Póvoa de Vilar, tendo sido destruída e incendiada aquando das invasões francesas.
A Póvoa de Vilar situava-se onde hoje está a Faculdade de Arquitectura, na via panorâmica Edgar Cardoso, onde ainda se pode ver a casa da chamada Quinta da Póvoa ou do Gólgata.
Em 1820, já estaria aquela fábrica restaurada e em funcionamento no ramo têxtil, mas, para aproveitamento de instalações, passou a dedicar-se, também, ao ramo dos curtumes. Era a “Real Fábrica de Fiação, Tecidos, Estamparia e Curtumes, de Bernardo Clamouse Brown & Companhia”.
Entretanto, em 1836, a situação deve ter-se degradado, pois é publicitada no jornal “Periódico dos Pobres” n.º 5, de 6 de Janeiro, uma arrematação a acontecer no Tribunal de Comércio do Porto de “uma morada de Casas sita na rua dos Inglezes n.º 57 e 58, de quatro andares, aguas fortadas, soto, lojas, pateo junto às trazeiras e um Armazém sobradado junto a esse pateo... e todas suas mais pertenças, cuja propriedade pertencia à massa falida de Bernardo Clamouse Browne & C.ª”. 
Por sua vez, Manuel Clamouse Browne viria a abraçar o negócio dos vinhos, com grande sucesso.
Casaria com uma jovem Maria da Felicidade do Couto (1800-1861) que, desde sempre, manifestou ter dotes de poetisa.
De destacar que, no século XIX, nomeadamente nas décadas de meados desse século, a sociedade portuguesa se mostrava avessa às produções literárias de autoria feminina.
Após o casamento, Maria Browne viria a publicar poesia em jornais literários e políticos do Porto, como O Nacional, Miscelânea Poética, Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro e O Bardo, com os pseudónimos de “A Coruja Trovadora” e “Soror Dolores”.
Jacinto do Prado Coelho considerou-a, a Florbela do Ultra-Romantismo, e Garrett, com quem Maria Browne se correspondia, também lhe dedicou algumas das suas poesias.
 
 
 
“Após o casamento, achando-se senhora de grande fortuna, amiúde abria os salões da sua casa, que se transformou, em pouco tempo, num verdadeiro cenáculo literário, onde se reuniam as mais célebres personalidades artísticas e literárias da época, como Arnaldo Gama, Ricardo Guimarães, Faustino Xavier de Novais e Camilo Castelo Branco, que lhe estimulou a vocação e motivou a quase totalidade das obras, por volta de 1840-1850 e 1851, que foram anos de grande produção literária.
Em 1855, na Revista Peninsular, tomo II, página 314, é considerada a primeira poetisa portuguesa. A utilização de pseudónimos escondia a autoria, sendo os vários exemplares editados, destinados a ofertas particulares. Numa época em que havia algum recato face à circunstância das senhoras se dedicarem à literatura, Maria Browne tinha o cuidado de escrever nas obras que oferecia “Para não passar a outra mão”; apesar desta advertência, consta que, após a sua morte, em 1861, um dos filhos tentou destruir os pouco exemplares que restaram, para evitar escândalo, para que a honra da mãe, da família, ficasse intacta.”
Cortesia de João Cabrita, In “Jornal Nordeste”






Camilo, uma das visitas e interveniente nas sessões culturais em casa dos Browne, sita na Rua da Cancela Velha, dizem, ter-se-á envolvido sentimentalmente com Maria Browne, por volta dos anos cinquenta do século XIX.
O escritor, à data, não teria mais que vinte e cinco anos. Maria Browne cerca de cinquenta.
Camilo dedica-lhe o drama “O Marquês de Torres Novas” para, depois, escrever no periódico “O Nacional”, lindos versos plenos de paixão.
Anos mais tarde, cena análoga protagonizaria Camilo, ao trazer a público levado mais uma vez pela paixão, argumentação em defesa dos seus interesses pessoais, mas em que o veículo escolhido foi o “Jornal do Porto” e a destinatária foi Ana Plácido.
Estávamos em 12 de Agosto de 1859, e o correspondente, em Braga, do jornal (por certo Camilo, auto-investido naquela função), em crónica não assinada, parecia branquear com a sua prosa a saída de Ana Plácido do convento de Nossa Senhora da Conceição, naquela cidade, onde estava alojada a expensas do seu marido, Manuel Pinheiro Alves.
 
 
 

In “Jornal do Porto” de 12 de Agosto de 1859

 
 
O patriarca, acima referido na notícia, foi o décimo Patriarca de Lisboa com o nome de D. Manuel I. Trata-se de Manuel Bento Rodrigues da Silva, C.S.J.E. (Vila Nova de Gaia, 25 de Dezembro de 1800 – Lisboa, 26 de Setembro de 1869) que, àquela data, chegava a Braga para tomar ares e visitar a sua mãe.
Voltando ao caso entre Maria Browne e Camilo, propaga-se, então, pela cidade do Porto, que existiria uma ligação libidinosa entre os dois.
Entre outros, o grande defensor da moral pública era o jornalista do jornal “A Pátria”, João Augusto Novais Vieira, conhecido como o “Novais dos óculos”. Estávamos, precisamente no dobrar de meados do século XIX.
João Augusto Novais Vieira denunciava, em escritos jornalísticos, as relações promíscuas de Camilo com a freira Isabel Cândida, do convento de S. Bento da Avé-Maria, guardiã da filha do escritor, para além das muito badaladas com a poetisa Maria Browne.
Em sequência, o “Novais dos óculos” haveria de apresentar às autoridades queixa sobre agressões que teria sofrido em salões do Teatro S. João e na Rua de Sá da Bandeira, respectivamente em 23 e 25 de Janeiro de 1851.
Um dos filhos de Maria Browne, de seu nome Ricardo Browne, face aos rumores, vai defender a honra da mãe, primeiro com uma sessão de bengaladas desferidos entre o filho zeloso e o escritor, acabando com um posterior duelo, à espada, do qual Camilo saiu ferido numa perna. Este facto será lembrado pelo escritor no 3º Volume de “Noites de Insónias”.
 
“Ridículo me vi eu dez anos depois, quando saía de um duelo com uma cutilada”
 
 
Sobre a cena das bengaladas, Firmino Pereira conta que se passou em pleno café Guichard quando “o cônsul alemão Friedelain impediu que Ricardo Browne, ardendo em cólera, chicoteasse Camilo que, para se defender, puxara duma navalha toledana, como numa rixa sórdida de magarefes ou almocreves”.
Ricardo Browne era muito conhecido no meio portuense. Nascido em 1822 ou 1823, faleceu na sua residência, na Rua do Passeio Alegre, S. João da Foz, em 2 de Julho de 1870.


 
“Jornal do Porto” de 5 de Julho de 1870
 
 
Mundano, gostava de música, tocava violoncelo, jogava armas, fazia charadas e versos às damas, passeando-se pelas ruas no seu dog-cart, uma charrette de nova invenção.
Era, para os jovens da sua época, um modelo de elegância e de cultura.
Sobre esta faceta mundana de Ricardo Browne, Alberto Pimentel escrevia, em 1877, no seu “Guia do Viajante na cidade do Porto e seus Arrabaldes”.
 
 
 


 

O outro seu irmão, Manuel Clamouse Browne Júnior, de feitio mais sereno, chegou a ser ministro de Portugal na Turquia.
Ricardo Browne acabaria por ficar ligado, também, ao naufrágio do vapor Porto, ocorrido na foz do rio Douro, em 29 de Março de 1852, pelo papel de relevo que teve na assistência aos náufragos, com actos de grande valentia. Por isso, seria agraciado com a ordem da “Torre e Espada”.
Entretanto, Manuel Clamouse Browne, pai de Ricardo, na sequência daquele naufrágio, haveria de fundar, a expensas suas, a “Real Sociedade Humanitária de Socorros a Náufragos”, da qual ainda resta parte do edifício no Passeio Alegre, na Foz-do-Douro.
 
 
Retrato (1851) de Ricardo Clamouse Brown da autoria de Auguste Roquemont (1804 - 1852) exposto no Museu Soares dos Reis



Seria na Quinta da Boavista ou numa propriedade resultante do seu parcelamento que, possivelmente, os filhos de Felicidade Browne teriam montado uma fábrica de cerveja que, em 1863, de acordo com o anúncio abaixo, parecia dar os primeiros passos.
 
 
 

In “Jornal do Porto” de 1 de Agosto de 1863

 
 
 
 
O casal, Manuel Clamouse Browne e Maria Browne, teve ainda uma filha, Júlia Clamouse Brown que viria a casar com o Visconde de Vilarinho de S. Romão, passando a residir num palacete, ao Carregal.
Júlia Browne, a exemplo se sua mãe, neste palacete, costumava reunir a nata da intelectualidade da cidade.
Uma outra filha, Eulália Ernestina Clamouse Browne haveria de casar, a 28 de Abril de 1847 com Frederico van Zeller, que nasceu a 31 de Março de 1803 e faleceu em Março de 1871, filho de Henrique Pedro van Zeller e de D. Maria Juliana Kopke, neto paterno de Arnaldo João van Zeller e de D. Ana Francisca Henckell e materno de Nicolau Kopke e de D. Dorotea Schwerin.
Ligaram-se, por este casamento, no Porto, os Brownes com os van Zellers.
Eulália Ernestina e Frederico Van Zeller tiveram um filho, Manuel Clamouse Brown Van Zeller.
 
 
 
Poesia de Maria da Felicidade Browne
 
 
Publicou quatro livros de versos, hoje bastante raros, porque a edição foi limitada e não entrou no mercado.
Os quatro volumes são: Sonetos e Poesias Llricas, Sóror Dolores, Virações da Madrugada e Coruja Trovadora.
Não trazem nome de autor. Tem sido discutido se Coruja Trovadora e Sóror Dolores, títulos de dois deles, são também pseudónimos de que se serviu para firmar poesias que apareceram em jornais do tempo, mais frequentemente na Miscelânea Poética, semanário que, por 1851, via a luz do dia no Porto. Quanto ao segundo não pode haver dúvidas de que o usou, porque ela própria o declara a páginas 56 das Virações da Madrugada. Precedendo a poesia No Prado do Repouso, lê-se: «Por ocasião de se publicarem os versos à Morte do Vate, debaixo do pseudónimo de Sóror Dolores».
Sóror Dolores contém 56 poesias, 141 páginas e tem por editor, Gandra & Filho, Porto – 1849.
A obra Virações da Madrugada (1854), sem lugar nem impressor, tem 91 poesias, sendo as primeiras 56, as publicadas em Sóror Dolores.
Coruja Trovadora contém 24 poesias, em 58 páginas não numeradas, enquadradas em filetes duplos. Sem nome de autor nem indicação de lugar, ano e tipografia.
 
 
 
 
 
“É tarde”, de Virações da madrugada (1854)
 
 



“Jardim de S. Lázaro”, de Virações da madrugada (1854)
 
 


 
“O Beijo da Meia Noite”, de Virações da madrugada (1854)
 
 


O poema, supra, foi escrito na Quinta da Boa-Vista, ao Choupelo, à data, um lugar completamente rural como mostra a foto, abaixo, arquivada no acervo fotográfico da Câmara Municipal de V. N. de Gaia. Nela se observa a entrada da Quinta da Fonte Santa, traçada em terrenos da Quinta da Boa-Vista.
A Quinta da Fonte Santa era propriedade de Manuel Clamouse Browne Van Zeller.
 
 

Entrada da Quinta da Fonte Santa