segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

25.113 Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal

 
A Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal (RCVNP), que ficaria conhecida como Companhia Nova ou Real Vinícola, foi fundada em 1889, e sedeada no Porto, com funções de agente intermediário entre a produção e o comércio e de comerciante por conta própria.
Os seus estatutos foram publicados em 8 de Abril de 1889 e, em sequência, a subscrição pública das acções da nova companhia decorreram nos escritórios da Liga de Lavradores do Douro, Banco Mercantil de Viana do Castelo e de Guimarães, Banco Comercial, Agrícola e Industrial de Vila Real, Bragança e Viseu e, ainda, no Banco do Douro, em Lamego.
A “Assembleia-Geral Universal” dos accionistas decorreria no dia 1 de Maio de 1889, no Teatro Gil Vicente, no Palácio de Cristal.

 
 
Palácio de Cristal nos primeiros anos da década de 1860, na fase de construção do telhado


 
Fundadores da RCVNP: Da esquerda para a direita, em cima: José Joaquim Pestana, Manuel d’Albuquerque, J. Pinheiro Leite, António Carlos Pimentel; em baixo: J. Taveira Carvalho, Conde de Samodães, Manuel Pestana, Visconde Villar d’Allen
 
 
 
Na foto acima, para a posteridade, estão os fundadores da RCVNP.
Entre eles, o que mais se destacou foi, sem dúvida, o 2º conde de Samodães.
 
“Francisco de Azeredo Teixeira de Aguilar, 2º Visconde e 2º Conde de Samodães, (Vila Nova de Gaia, 26 de Julho de 1828 - Porto, 4 de Outubro de 1918), bacharel em Matemática pela Universidade de Coimbra, Professor, Engenheiro Civil e Militar, Presidente da Câmara Municipal do Porto. Foi também um conhecido escritor. Em 1851, como resultado da oposição ao golpe militar liderado pelo duque de Saldanha, foi demitido do exército. Eleito deputado pelo círculo de Lamego (1851 e 1857) em duas legislaturas, ascendeu, em 1858, à Câmara dos Pares por direito de sucessão a seu pai. Foi Governador Civil do Porto (1868-1869 e 1871) e ministro dos Negócios Fazenda (1868-1869), no governo presidido pelo marquês de Sá da Bandeira. Membro fundador do Partido Nacionalista, a sua atuação revelou-se preponderante, tendo sido eleito vice-presidente do Centro Nacional do distrito do Porto (1902) e vice-presidente do Centro Eleitoral Nacionalista do Porto (1903). Desempenhou ainda funções de inspetor da Academia das Belas-Artes, de presidente da Associação Católica do Porto e de provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Foi presidente da direção da Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, presidente da Sociedade Camoniana, presidente da Sociedade de Estudos e Conferências e fez parte do Conselho Superior de Instrução Pública e da Comissão Promotora do V Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique. Colaborou em diversos jornais e revistas, tendo sido fundador e diretor do diário portuense A Palavra”.
Fonte: Wikipédia.
 
 
 
Quando foi fundada a RCVNP, começavam a ficar para trás os tempos terríveis dos males causados pelas doenças que tinham devastado os vinhedos, o oídio pelo ataque ao fruto e a filoxera que atacava a raiz da própria planta.
Com a retirada de alguns privilégios à Companhia geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro, após o Cerco do Porto e as lutas que instituíram o liberalismo em Portugal, assistiram-se a períodos em que as relações entre aqueles protagonistas se alteravam significativamente, mas, a partir de 1852, há um corte abrupto nas relações entre o Estado e aquela Companhia e, a partir de 1858, o Estado deixa completamente de intervir nela.
Em 1839, já os lavradores do Douro tinham tentado, ingloriamente, organizar uma Associação Agrícola sob a presidência do conde de Samodães.
Em 1843, verificou-se uma outra tentativa frustrada para criar na Régua uma Associação de Agricultura do Douro.
O conde de Samodães teve, de facto, por esses tempos, uma acção preponderante na participação em exposições agro-industriais, realizadas no Palácio de Cristal, do qual foi director durante anos, mas, também, em certames internacionais, como foi o caso da Exposição de Vinhos do Porto, realizada em Berlim, em 1888.
A sua acção no âmbito do movimento associativo foi também assinalável, de que são exemplo a sua participação na direcção da Comissão de Defesa dos Interesses do Douro, em 1885, coadjuvado pelo visconde Vilar d’Allen e na Liga dos Lavradores do Douro, com sede na Rua do Calvário, nº 70, na cidade do Porto.

 
 
No prédio, em primeiro plano, próximo da igreja de S. José das Taipas, estiveram os escritórios da Liga dos Lavradores do Douro – Fonte: Google maps
 
 
Por fim, foi possível ao conde de Samodães fundar a Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal que, em Novembro de 1891, já estava na Exposição Industrial Portuguesa, realizada no Palácio de Cristal, a apresentar-se como a iniciadora, entre nós, na produção de vinhos espumantes, pelo sistema dos de Champagne, sob a direcção do francês Leopold Mennesson.


 
 
 
Rótulo de garrafa de vinho criado pelo Visconde Villar d’Allen, em 1880 e que, no Brasil, passaria a ser comercializado pela Real Vinícola
 
 
Publicidade, em 1901, na revista “Brasil – Portugal” ao champagne da RCVNP
 
 
 
Publicidade ao champagne da RCVNP
 
 
 
 
Aquando da realização da Exposição Industrial de 1891, era director técnico da RCVNP o visconde Vilar d’Allen e presidente da “Sociedade do Palácio de Cristal”, o conde de Samodães, sendo ministro da Fazenda, Mariano de Carvalho.
O Porto, ao longo do século XIX, assistiu a mais quatro exposições industriais, para além da mencionada em 1891. Assim, efectuaram-se exposições em 1857, 1861, 1865, 1891 e 1897.
A primeira é de âmbito local e a segunda de âmbito nacional, no entanto, ambas são da responsabilidade da Associação Industrial Portuense.
As restantes são da responsabilidade da Sociedade do Palácio de Cristal: a de 1865 é de âmbito internacional e as restantes de âmbito nacional.
A exposição, após a convocação da Associação Industrial Portuense, para a sua realização, abriu as suas portas de 22/11/1891 a 17/1/1892.
Seria considerado pelo conde de Samodães, como um grande feito, já que, segundo ele, “quase que não foi anunciada, e arranjou-se de um dia para o outro”, tendo os expositores, de facto, menos de um mês entre a recepção do convite e o dia da abertura. Era preciso obsequiar o Rei com “elementos de vida” da cidade do trabalho, dado que, da parte do Palácio, havia apenas um lago com gruta para inaugurar.

 
 

Lago e gruta, em postal de 1906
 
 
Em Setembro de 1891, regressariam a Bruxelas os técnicos que procederam à construção da gruta do lago do Palácio de Cristal.
A 6 de Novembro, seria nomeado para calafate da flotilha de 6 barcos a operar no lago, Miguel Pedro Correia.
Na foto acima, observa-se o aspecto do lago e da nova gruta inaugurados, em 1891, durante a exposição industrial.
 
 
“Nunca se realizou exposição em tão pouco tempo. Ao sinal de reunir, compareceram os industriais com os seus produtos, não fabricados ad hoc, mas aqueles que formam o seu stock comercial, o que é muito mais útil, prático e verdadeiro do que essas exibições de mera curiosidade que enchem por vezes as vitrines das exposições. A apresentação que neste momento se fez ao público é exactamente aquilo que a indústrias tem sempre pronto para oferecerem aos seus fregueses”.
Conde de Samodães
 
 
 

Catálogo da Exposição de 1891

 
 
Notícia sobre a “Exposição Industrial de 1891” – In “Jornal do Porto”, em 21 de Outubro de 1891, p. 2


A comitiva real chegaria ao Porto na 4ª Feira, 18 de Novembro de 1891, para proceder, no Domingo seguinte, à inauguração da Exposição Industrial a ocorrer no Palácio de Cristal.
Desembarcada, a comitiva, pelas 15 horas na Estação de Campanhã, cerca de uma hora depois já assistia a uma missa levada a efeito na Igreja da Lapa.
No dia seguinte, 5ª Feira, tiveram honra de visita real a “Fábrica de Fiação Portuense” (Poço das Patas), a “Fábrica de Tabacos Portuense” (Campo 24 de Agosto”, “Real Fábrica de Botões Portuense” (Rua das Doze Casas) e “Fábrica de Fiação de Salgueiros”(Rua da Constituição).
Da parte da Tarde, após o almoço, em privado, teve lugar uma cerimónia de recepção e cumprimentos a diversas instituições e individualidades a que se seguiria uma visita à Escola Normal (Rua da Alegria) e à noite um jantar de gala.
Na 6ª Feira, 20 de Novembro, a família real continuou com as suas visitas.
A “Fábrica de Fiação de Asneiros”, na Rua da Torrinha e a “Companhia Manufactora de Artefactos de Malha”, na Rua da Boavista, tiveram honra de visita real. Pelo meio, foi distinguido com a presença dos soberanos o Hospital de Crianças Maria Pia, à Carvalhosa.
Após o almoço, na Câmara Municipal, houve uma sessão de distribuição dos “Prémios Camões” e uma visita ao Hospital de Alienados do Conde de Ferreira.
À noite, após o jantar, foi levado à cena no Real Teatro S. João, a comédia o “Marquês de Seiglière”.
No dia 21 de Novembro, um Sábado, a manhã foi passada em visitas à Fundição do Bolhão, Real Chapelaria a Vapor (Rua Firmeza), Fábrica de Tecidos de Seda de Francisco José Nogueira (Rua da Alegria) e Real Fábrica Social (Fontinha).
Depois do almoço, seguiu-se a visita à Bolsa do Comércio e à Secretaria da Santa casa da Misericórdia, à Rua das Flores.



 

In “Jornal do Porto”, em 24 Novembro de 1891


 
A inauguração da Exposição Industrial de 1891, ocorreria a 22 de Novembro, um Domingo, bem chuvoso, como nos contam as crónicas.
Durante a manhã a comitiva real visitou o Recolhimento das Orfãs, a S. Lázaro e, após o almoço, que ocorreu no Paço, cerca das 15 horas rumou, bem perto, ao Palácio de Cristal.

 
 
In “Jornal do Porto”, em 24 Novembro de 1891


 
Após a inauguração da exposição seguir-se-ia um jantar no Paço oferecido pelo rei que, para o efeito, convidou os industriais presentes no certame e as autoridades da cidade.
A noite fechou com um espectáculo protagonizado por amadores em benefício da Associação dos Bombeiros Voluntários, realizado no Teatro S. João.
No dia seguinte, 2ª Feira, seriam visitadas diversas unidades industriais: Fábrica de Fiação e Tecidos do Porto (ao Poço das Patas), Fábrica de Lanifícios de Santo António de Massarelos (à Rua D. Pedro V), Fábrica de Fundição de Massarelos, Fábrica de Fundição do Ouro, Real Fábrica de Fiação e Tecidos de Lordelo e antiga Fábrica de Lanifícios de Lordelo.



No prédio primitivo que por aqui existiu (na esquina da Rua D. Pedro V e Rua Salgueiro Maia), esteve a Fábrica de Lanifícios de Santo António de Massarelos, mais conhecida por “Álvaro de Azevedo Meireles e Filhos, Limitada”. Em 2009, na foto, num outro edifício,  estava uma oficina da Mercedes Benz - Fonte: Google maps


 
 

Mesma perspectiva da foto anterior, actualmente – Fonte: Google maps

 
 
Sobre a visita de D. Carlos à fábrica dos irmãos Azevedo Meireles, que se manteve a laborar, nesse local, até c. 1940, o “Jornal do Porto” de 24 de Novembro narrava:









Álvaro Azevedo Meireles (1856-1937) foi um próspero industrial, filho de João Pinto de Azevedo Meireles e Joana Maria de Azevedo Mavinhé, casado em 14/07/1881, com Júlia da Silva Pereira de Magalhães, herdeira da Quinta do Rio, em Ramalde e neta de Jacinto da Silva Pereira, fundador da Fábrica de Fiação e Tecidos Jacinto.
Por isso, em 30/12/1901, o casal é mencionado na escritura de venda do Campo do Lameiro, artigo daquela propriedade, como senhorios directos, que foi feita por Domingos de Sousa e mulher, Rosa Ferreira da Conceição ao Dr. Alfredo Antero de Oliveira.
Por sua vez, Álvaro Azevedo Meireles estava ligado, também, por laços familiares à Quinta das Virtudes.
Como curiosidade diga-se que, a família Azevedo Meireles, por aqui estava, já neste século, pois, em 2006, Maria Adelaide A. Azevedo Meireles era dada como moradora na vizinha Rua do Gólgota, 21, cuja propriedade estava nas mãos daquela família desde 1946 e, hoje, é um empreendimento turístico.
 



 

Ao centro, a casa localizada na Rua do Gólgata, nº 21 – Fonte: Google maps
 
 
 
Voltando à visita real, na tarde daquele dia, enquanto o rei visitou, ainda, alguns quartéis e o Hospital Militar D. Pedro V, à Boavista, a rainha visitaria o Asilo de Vilar e o Hospital da Misericórdia (actual Santo António), sendo poupada, devido à chuva, ao lançamento da 1ª pedra do Asilo-Escola Municipal, à Rua de Serpa Pinto.
O jantar de gala deste dia homenagearia os comerciantes do Porto.
À noite, ocorreu um espectáculo com a peça “Uma mulher para três maridos”, no teatro Príncipe Real (actual Sá da Bandeira).



 
 
 
Programa da comitiva real para os dias 24 de Novembro (3ª Feira) e 25 de Novembro (4ª Feira) de 1891, durante a sua visita ao Porto – In “Jornal do Porto”, em 24 Novembro de 1891

 
 
O dia 25 de Novembro, 4ª Feira, abriria com a visita, bem cedo, do rei à Exposição, onde se demorou junto dos stands, principalmente, mostrou-se muito curioso, em conhecer a elaboração dos vinhos espumantes da RCVNP.
O dia fecharia com o espectáculo no Teatro D. Afonso (há muito demolido), à Rua Alexandre Herculano, tendo sido levada à cena a opereta “Licor d’Ouro”.
E, finalmente, a 26 de Novembro de 1891, uma 5ª Feira, à tarde, ocorreria a inauguração do lago e da gruta, de acordo com a notícia abaixo.

 
 


 
 
Da parte da manhã, tinha sido a visita ao Porto de Leixões.
Durante a tarde foi a cerimónia de alistamento do príncipe Luiz Filipe. Para o efeito, deslocou-se ao Paço um pelotão do regimento de infantaria 18.
O auto ficou assim redigido:
“Aos 26 dias do mês de Novembro de 1891, em parada geral do regimento de infantaria número 18, junto ao Paço Real, foi alistado como soldado, segundo as formalidades superiormente determinadas, sua alteza o príncipe real D. Luiz Filipe, duque de Bragança”.
Nessa tarde, finalmente, seria lançada a 1ª pedra do Asilo-Escola, à Rua de Serpa Pinto, o que sabemos, nunca se viria a concretizar.
À noite, o jantar teria como convidados a magistratura judicial e, à noite, teve lugar o habitual baile no Club Portuense.
Na 6ª Feira, dia 27 de Novembro, após uma visita às instalações da Fotografia União, à Praça de Santa Teresa e à Fotografia Biel, à Rua Formosa e ao almoço, que foi oferecido a representantes da direcção de diversos estabelecimentos de beneficência da cidade, a comitiva real abandonaria o Porto com destino a Braga.
A actual Rua José Falcão que, primitivamente, foi Rua D. Carlos, seria gizada durante esta visita real, como se constata em notícia abaixo reproduzida.
 
 



 
 
Voltando à história da Real Vinícola teve a sua sede, durante dezenas de anos, no palacete que foi mandado erguer em 1861, por Campos Navarro, um capitalista do século XIX, na Rua de Entreparedes, nº 42.
O prédio seria posteriormente ocupado pelo Instituto Comercial do Porto e é, hoje, o Torel Palace Porto (Hotel).
Antes, tinha sido ocupado, entre 1884 e 1887, pelo Liceu do Porto vindo do Poço das Patas, do Palacete dos Cirnes.
O Instituto Comercial do Porto, em 1933, foi desanexado do Instituto Industrial, no qual se encontrava integrado desde 1924, ocupando instalações no edifício da Universidade, na Praça Gomes Teixeira, vulgo Praça dos Leões, na área com fachada voltada para o mercado do Anjo.
Aliás, a raiz daqueles institutos é a mesma, pois têm origem no “Instituto Industrial e Comercial do Porto” fundado, em 1886, pelo Decreto de 30 de Dezembro.
 
 
 
 
O antigo Palacete do Campos Navarro, ocupado, mais tarde, pela Real Vinícola e pelo Instituto Comercial, hoje o Torel Palace Porto (Hotel) – Fonte: Google maps
 
 
A família Campos Navarro, da qual o patriarca António Campos Navarro foi um negociante de relevo da praça portuense, ficou conhecida por privar muito com artistas, em particular, com escritores, tendo por diversas vezes praticado o mecenato com artistas de diversos ramos.
Quanto à arquitectura primitiva do edifício, o seu piso térreo era o palco da cozinha e o local onde se recepcionavam os convidados.
Nos andares seguintes encontraríamos, primeiro, os grandes salões, as maiores divisões do palácio, seguindo-se o andar dos quartos da família e, por fim, os quartos dos serventes.
Na sua decoração destacava-se, para além dos estuques dos tectos e paredes, uma claraboia imponente, com os seus oito painéis, que encimava o palacete.
Enquanto quatro desses painéis apresentam apenas um intrincado novelo floral, outros quatro têm representações específicas.
Um deles enaltece Mercúrio, o deus romano do Comércio, um outro é uma alegoria à Indústria, e outro representa Minerva, a deusa das Artes e da Ciência. Por fim, um painel faz uma alegoria à navegação marítima.
Um dos salões do palacete apresentava, embutido no tecto trabalhado, bustos de Luís de Camões, Alexandre Herculano, Aquilino Ribeiro e Almeida Garrett.
É visível, na foto anterior, a entrada lateral que dava acesso a uma vasta área situada nas traseiras do prédio com ligação à Rua de Alexandre Herculano e que como era habitual, devia ser um acesso às cocheiras.
 
 
“Planta retangular com coberturas diferenciadas, com zona central mais elevada e formando cruz grega em telhados de quatro águas, integrando claraboia elíptica, e ângulos rebaixados, em telhados de duas águas. Fachada principal virada a noroeste, de três pisos, separados por cornija e de cunhais em silharia fendida, organizando-se em três panos; o central, ligeiramente avançado, é rasgado, no piso térreo, por três portais, em arco de volta perfeita, de duas arquivoltas e aduelas em cunha, no segundo, por três janelas de sacada, corrida e de perfil contracurvo, igualmente em arco de volta perfeita, com capitéis e chave de elementos vegetalistas bastante relevados, dispondo-se a sacada sobre mísulas também vegetalistas; no terceiro piso abrem-se janelas de peitoril retilíneas, com molduras rematadas em cornija, e com caixilharia de guilhotina. Os panos laterais, semelhantes, são rasgados por dois portais, em arco de volta perfeita, sobre pilastras toscanas e chave relevada, no piso térreo, janelas de sacada, de verga abatida rematada em cornija, no segundo, e de peitoril, iguais às do pano central, no último. Os portais do piso térreo possuem bandeira com grades em ferro forjado, tal como as guardas das sacadas, decoradas com motivos vegetalistas.”
Cortesia de Paula Noé (2017), In “monumentos.gov.pt/”

 
 
Claraboia do Palacete Campos Navarro – Cortesia de Luís Ferraz, In “Observador.pt”, 30 Agosto 2020
 
 
 
Após a morte de António Campos Navarro, herda o edifício a viúva Liberata de Jesus Barros e, em 1890, o edifício é então ocupado pela Real Companhia Vinícola do Norte, fundada em 1889.
 
 
 
Carro alegórico da RCVNP no carnaval de 1906
 
 
O carro alegórico da foto acima está a passar em frente à sede do Clube Girondinos, próximo da Praça da Batalha, à entrada da Rua Alexandre Herculano, no sentido descendente, à esquerda.
À direita, o local onde esteve o Teatro D. Afonso, entretanto, demolido e que, à data, aguardava pela edificação (1910) de um novo teatro – Teatro Éden.
Este, por sua vez, em 1922, teve um desabamento das suas traseiras que afectou uns armazéns da Real Vinícola.
A área de terreno que se vê apenas ocupada por um barracão, comunicava com o palacete de Campos Navarro, onde estava a sede da RCVNP, na Rua de Entreparedes e, uma parte daquela área esteve, durante dezenas de anos, afecta a armazéns da Real Vinícola, que neles teve um depósito, que funcionou até ao fim da década de 1940, quando no edifício da Rua de Entreparedes já funcionava as aulas do Instituto Comercial.
Para essa zona, existia uma entrada lateral, junta ao palacete, que dava acesso a uns armazéns e depósito, e que já foi mencionada, anteriormente.
 
 
 
Teatro D. Afonso (demolido c. 1903)
 
 
Em 13 de Fevereiro de 1919, durante o restabelecimento da República, substituindo um regime monárquico golpista, que se tinha estabelecido, durante cerca de um mês, as instalações da Vinícola do Norte, na Rua de Entreparedes, foram assaltadas e destruídas pelos republicanos, facto que nos é narrado na notícia seguinte:

 
Jornal “O Comércio do Porto” de 14 Fevereiro de 1919
 
 
 
Em 1922, ainda aqui estavam instalados o escritório da Real Vinícola do Norte e, no seu quintal, que confinava com terrenos do Teatro Éden (localizado na Rua de Alexandre Herculano), um armazém daquela empresa.
Neste ano, a Real Vinícola do Norte absorve a Companhia Vinícola Portuguesa que tinha a sua sede em Matosinhos, que tinha sido fundada por Clemente Meneres.
Em 1929, a Real Vinícola mantinha-se na Rua de Entreparedes, pois solicitava um pedido de licenciamento de obras, no edifício, à Câmara Municipal do Porto.
A partir da década de 1940, a Real Vinícola passa a contar, apenas, com as suas instalações em V. N. de Gaia.
 
 
 
Instalações da Real Vinícola em V. N. de Gaia

 
 
Na gravura acima, identificada com a letra A, observa-se a localização das instalações da RCVNP na Rua Azevedo Magalhães e, com a letra B, as situadas na marginal de V. N. de Gaia, na Avenida Ramos Pinto.
A Companhia Real Vinícola do Norte viria a utilizar para depósito dos seus espumantes um túnel ferroviário que nunca serviria para o efeito para o qual foi construído.
 
 
 

Túnel em Gervide (V. N. de Gaia)
 
 
 
O túnel da gravura acima foi começado a construir em 6 de Março de 1861, para passagem do comboio de Gaia para o Porto, e abandonado posteriormente, sendo substituído por um outro construído ao seu lado.
O túnel seria comprado por Manuel Pestana e, mais tarde, cedida à Companhia Real Vinícola do Norte para ser usado, como depósito de vinhos espumantes.
A este túnel se refere Alberto Pimentel, em 1877.
 
 
 

In “Guia do Viajante no Porto e seus arrabaldes” de Alberto Pimentel (1877)

 
 
Publicidade, em 1946, à Real Vinícola, na qual é possível apreciar, numa vista aérea, as antigas instalações (letra A da gravura anterior) da RCVNP, junto da Rua Azevedo Magalhães - In revista Panorama, nº 28
 
 
Na foto acima, a publicidade respectiva, em 1946, ainda faz referência à Rua de Entreparedes e ao ainda funcionamento de um Depósito da Real Vinícola, naquela morada.

 
 
Antigas instalações (letra B da gravura anterior) da RCVNP, na Avenida Ramos Pinto - Fonte: Google maps
 
 
 
Em 1963, a Real Companhia Velha (assim oficialmente designada desde 1948), de Manuel da Silva Reis, adquire a Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal e a sua quinta do Síbio.
Por estes tempos, a Real Vinícola era uma firma importante na comercialização de vinhos de mesa, sobressaindo, do seu catálogo, o verde da marca “Lagosta” em garrafa característica.




Em 1972, a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro e a Real Vinícola constituem uma companhia comercial denominada “Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro e Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal - agrupamento complementar de empresas, S.A.R.L.”, que adoptou também a denominação de Vinicolândia.
Em 2011, a Real Vinícola, que detinha os activos imobiliários da Real Companhia Velha, foi comprada pela  Fladgate Partnership, detentora da Taylor's e a Real Companhia Velha passou a pagar uma renda sobre as instalações que antes utilizava como suas.

 
 
Entrada das antigas instalações da Real Vinícola na Rua Azevedo Magalhães, em V. N. de Gaia, hoje, pertença da Fladgate Partnership – Foto: Artur Machado/Global Imagens, In JN

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

25.112 Quinta dos Cónegos

Esta quinta está situada na Maia, bem próximo da sede da autarquia maiata, constituindo um magnífico espaço verde no qual sobressai uma casa de estilo “nasoniano”, com uma capela rica em talha dourada, datada do século XVII.
Inicialmente, as propriedades que integravam esta quinta iriam até às margens do rio Leça, com os indispensáveis bosques e até terrenos onde se caçava.
Embora uma pedra da padieira da porta de entrada da capela tenha inscrita a data de 1681, as referências mais antigas levam-nos a 1642, quando a propriedade pertencia aos domínios do mosteiro de Leça do Balio, sob a gestão dos frades hospitalários, que recebiam o foro das mãos de um escrivão do Tribunal da Relação do Porto, Gaspar de Andrade, que fará a transmissão da mesma ao seu filho e, depois, por herança, acabará a quinta na mão dos netos daquele escrivão. Era, então, a Quinta de Barreiros.
O primeiro a herdá-la foi Francisco de Aragão, a que se seguiria, depois da sua morte, o seu irmão, António Gouveia.
Entrados no século XVIII, a eles se ficará a dever o aspecto barroco que a quinta oferece, quer na sua casa, quer nos elementos escultóricos dos seus jardins, como sejam as suas fontes e chafarizes e outros planos de água.
A quinta irá passar, por falta de descendência dos seus anteriores proprietários, para a posse de um primo que autorizará que um seu irmão, também um cónego, de nome Manuel de Aragão, a ocupe e aí habite.
É, então, pela presença de mais um cónego à frente dos destinos da quinta, que ela acabará por tomar o nome pela qual se tornou conhecida – Quinta dos Cónegos.
Em 1864, há registos de que a quinta teria sido colocada no mercado de arrendamento, mas teria já sido vendida, por um dos elementos da família Aragão, alguns anos antes.
Nos inícios do século XX, a quinta está na posse dum capitalista do Porto que, na década de 1920, a irá vender a Afonso Henrique Sobral Mendes, um brasileiro de torna-viagem.
Sobral Mendes virá a ser o proprietário das Minas de S. Pedro da Cova e vai estar, ainda ligado, ao desenvolvimento dos negócios do petróleo, como accionista duma empresa que virá a ser uma referência no sector, durante o “Estado Novo” – a “SACOR”.
Entre 1946 e 1954, irá ocupar o cargo de presidente da Câmara de Penafiel.
João Sobral Mendes, nascido no Brasil, filho de Afonso Henrique, termina o seu curso de Medicina na Universidade do Porto, em 1946, sendo o fundador da Misericórdia da Maia, e o herdeiro de uma fortuna imensa deixada pelo seu pai e tornando-se um grande coleccionador de obras de arte e mobiliário, cerâmica e pintura, com que enriquece e beneficia a Casa da Quinta dos Cónegos.
Amante do ténis edifica um espaço para a prática desse desporto e procede à ampliação do edifício.
 
 
 
Vista aérea da Quinta dos Cónegos
 
 
Casa da Quinta dos Cónegos – Fonte: “visitmaia.pt/”
 
 
 
Quinta dos Cónegos – Fonte: “oportoencanta.com/”


 
Varandim debruçado sobre o interior da capela da Quinta dos Cónegos, donde, normalmente, os seus proprietários assistiam às cerimónias religiosas


 
Na quinta, a água está presente em grande quantidade, proveniente de três nascentes e de um ribeirinho, que é afluente do rio Leça, abastecendo várias fontes, chafarizes e planos de água.

 
 

Chafariz do Dragão nos jardins da Quinta dos Cónegos 




Espelho de água da Quinta dos Cónegos
 
 
 
De frente, a ala da Casa da Quinta dos Cónegos mandada edificar por João Sobral Mendes, na década de 1960, de acordo com a arquitectura pré-existente, mantendo, assim, o estilo barroco


 
Interior da nova ala da Casa da Quinta dos Cónegos (corredor do quarto dos hóspedes)
 
 
 
“Em 1991, sofre um incêndio que devasta por completo a casa, deixando apenas a Capela sem grandes danos. Sendo à altura adquirida pela Fundação Ricardo Espirito Santo, que obedecendo ao projeto de arquitetura e decoração do Arq.º António Pinto Leite, ajudado pela dedicada colaboração dos Arq.º Pais de Figueiredo e Eng.º Santos Farinha, procede à sua integral recuperação, mantendo fielmente a arquitetura, recorrendo a elementos decorativos da própria fundação.
Fonte: “visitmaia.pt/”
 
 
Teria sido num dos quartos dos hóspedes que teria começado por deflagrar o incêndio que destruiu a Casa da Quinta dos Cónegos.
João Sobral Mendes, após o incêndio, vende a quinta aos seus amigos Espírito Santo e passa a viver num edifício levantado em terreno da quinta, próximo à casa principal, que adapta para o efeito.


Habitação do Dr. João Sobral Mendes, após o incêndio - Ed. Manuela Campos


Em 2017, a Quinta dos Cónegos foi adquirida pela Câmara Municipal da Maia” e, em  todos os segundos sábados de cada mês, a autarquia maiata promove, mediante inscrição prévia, visitas guiadas à Casa da Quinta dos Cónegos.