domingo, 26 de dezembro de 2021

25.144 Um aniversário natalício passado na Granja

 
De recordar que a praia da Granja foi descoberta, no século XVIII, pelos monges Agostinhos de Grijó e foi lá que os frades Crúzios do Mosteiro de Grijó construíram a Quinta da Granja, que habitavam nos meses de Verão. Mais tarde, a quinta tornou-se propriedade do estado e vendida em sequência da extinção das ordens religiosas, em 1860, a Fructuoso José da Silva Ayres ​(1804-1881), casado com Maria Máxima de Gouveia Osório Braga. É este capitalista que funda a Praia da Granja, tal como a conhecemos, como estância balnear.
O casal teve como filho D. António Frutuoso Aires de Gouveia Osório (Porto, 13 de Setembro de 1828 — Porto, 17 de Dezembro de 1916), bispo titular de Betsaida (na grafia da época bispo de Bethsaida) e arcebispo de Calcedónia, foi um professor de Direito da Universidade de Coimbra, especialista em assuntos penitenciários, e prelado católico que, entre outras funções, foi Ministro da Justiça e Cultos.
Este prelado haveria de ter o seu nome ligado à capela da Granja, como bispo de Betsaida.
A partir do século XVIII, a Santa Sé instituiu o título episcopal de Betsaida, uma sede titular já suprimida da Igreja Católica.
Em 1876, Ramalho Ortigão publica “As Praias de Portugal”, onde faz um retrato da Granja, entre o elogio e a crítica, de extraordinária perspicácia: “A Granja é uma povoação diamante, uma estação bijou, uma praia de algibeira (…) ao chegar tem a gente vontade de a examinar ao microscópio; ao partir apetece levá-la, entre as camisas, como um sachet”.
 
 
Também, em 1876, foi celebrado a 7 de Setembro, na Granja, o Pacto da Granja, onde surgiu um novo partido político, o Partido Progressista, como resultado da junção do Partido Histórico e do Partido Reformista, liderado por Anselmo José Brancaamp, como oposição ao Partido de Fontes Pereira de Melo, o poderoso Partido Regenerador.
Já em pleno século XX, Sophia de Melo Breiner (1919-2004) teve a sua vida ligada à Granja, local onde passava os meses de veraneio e conheceu o seu companheiro, durante 40 anos, o Dr. Francisco Sousa Tavares (1920-1993) e escreveu algumas poesias e contos. A partir da conhecida “Casa Branca”, fronteira ao mar.
 
“Era uma vez uma casa branca nas dunas, voltada para o mar. Tinha uma porta, sete janelas e uma varanda de madeira pintada de verde. Em roda da casa havia um jardim de areia onde cresciam lírios brancos e uma planta que dava flores brancas, amarelas e roxas”.
A Menina do Mar - Sophia de Melo Breiner
 
 
Aos 25 anos, numa carta dirigida a Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner confessava:
 
“A Granja é o sítio do mundo de que eu mais gosto. Há aqui qualquer alimento secreto”.
 
 
 
Voltando a D. Maria Pia, que com o seu marido tinha andado pela Granja, dez anos antes, agora, em 1891, aí voltava em condições muito especiais.
Seu filho Carlos já era rei desde 28 de Dezembro de 1889, por morte de seu pai e, por isso, Maria Pia já estava viúva.
No início de Setembro de 1891, chegava à Granja acompanhada pelo seu filho e Duque do Porto, o infante D. Afonso (1865-1920), para passar um período de veraneio balnear, tendo ocupado a “Villa Amélia”, que funcionaria como Paço Real.
Esta residência era a morada de veraneio do capitalista Henrique Burnay (1838-1909), a quem D. Luiz tinha atribuído, em 1886, o título de conde – Conde de Burnay.
A atribuição da denominação de “Villa Amélia”, àquela morada, homenageava a condessa Maria Amélia Carvalho de Burnay.
 
 

“Villa Amélia”, do conde de Burnay, na Granja, junto da estação ferroviária. Pelo pinhal, à esquerda, passaria a Rua da Quinta do Bispo 
 
 

Vista actual do prédio que, outrora, foi a "Villa Amélia" - Fonte Google maps


 
 
A “Villa Amélia” era um típico chalet, de planta em L e com as águas dos seus telhados com uma inclinação acentuada e as empenas triangulares.
Um parque anexo dotado de pequenas pontes e um lago foi gizado no pinhal das Lagoinhas.
Já no século XX, teria uma intervenção a mando de Maria Amélia Carvalho Burnay, a pedido do seu filho Eduardo, executada, em parte, por Álvaro Miranda, que tinha uma oficina de marcenaria na Granja e que lhe daria o aspecto do típico solar português. Junto, situava-se a capela de Santa Cruz.
Álvaro Pinto de Miranda é conhecido, também, por ter colaborado com o desenhador Manuel Duarte no projecto da casa-oficina do pintor António Carneiro, um seu amigo, entre 1925-1930, ao Bonfim, e tido, ainda, intervenções em várias outras vivendas na Granja, inclusive no restauro do Hotel da Granja.
Inaugurado, em 1886, o Hotel da Granja, após servir durante dezenas de anos, acabaria por ficar ao abandono ainda no século XX e seria transformado num condomínio habitacional em 2006.

 


 
 
 

Fachada posterior do antigo Hotel da Granja, após a intervenção de “Manuel Correia Fernandes, Arquitecto & Associados, Lda”
 
 
 

Capela de Santa Cruz da Granja
 
 
A Irmandade de Santa Cruz da Praia da Granja, que hoje administra a capela, sucedeu à Pia Associação de Santa Cruz da Praia da Granja criada na Capela de Santa Cruz da Praia da Granja, em 21 de Novembro de 1921, por D. António Barbosa Leão, bispo do Porto.
 
 

Capela de Santa Cruz, actualmente, na Rua da Estação (EN109)

 
 

Em perspectiva, actual, é visível, à esquerda, a capela de Santa Cruz e, à direita, o edificado em que se tornou o antigo chalet da família Burnay que, durante algumas semanas, funcionou como Paço Real - Fonte: Google maps
 
 
 
A “Villa Amélia” onde se hospedou D. Maria Pia e o Duque do Porto foi, sem dúvida, um dos maiores chalets da Granja, construído antes de 1879, e só tinha rival no denominado chalet do Dr. Forbes (José António Forbes de Magalhães) construído na mesma ocasião e que, mais tarde, viria a pertencer à família Albuquerque.
Voltando à visita de Maria Pia, em homenagem ao senhor infante, a 8 de Outubro, a rainha ofereceu um jantar de gala no «Paço», às figuras mais importantes das colónias balneares da Granja e de Espinho e, durante a estadia, foram organizadas as mais brilhantes soirées na Assembleia da Granja, bazares a favor dos pobres, touradas em Espinho, etc.
 
 
 

Família Burnay, na Granja, em 1890 – Cortesia “Casa de Mateus”: Ed. Albino Pereira da Silva (Photographo)
 
 
 

Praça de Touros, de Espinho, em 1905
 
 
 

Festa, em 1909, na Assembleia da Granja
 
 

Batalha de Fores diante da Assembleia da Granja – Fonte: Revista Brasil – Portugal, 1 de Outubro de 1912
 
 
 
 
Em 16 de Outubro de 1891, uma 6ª Feira, Maria Pia passava na Granja o seu 44º aniversário natalício tendo, para o efeito, recebido, aí, os cumprimentos das personalidades importantes da cidade do Porto, inclusive do seu bispo o cardeal D. Américo.
Houve um comboio especial para irem dar os parabéns à Granja, composto pela máquina 20 e 4 carruagens de 1ª, 3 de 2ª, uma de 3ª e dois “fourgons”, sendo vendidos 251 bilhetes, incluindo 74 para os internados na Oficina de S. José, que foram em 3ª classe. A música de Infantaria 18 percorreu a Granja demorando-se no palácio real e na casa dos Condes de Vila Real.
À data, o conde de Vila Real era D. José Luís de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos (1843 - 1923), 8.º morgado de Mateus.
O “Jornal do Porto”, de 17 de Outubro de 1891, página 2, deste acontecimento, não deixaria de dar o devido relevo.



 


Maria Pia partiria para Lisboa no dia 18 de Outubro de 1891, um Domingo.
O Porto, a partir de então, ficava aguardando a chegada de D. Carlos para a inauguração, nos finais do mês seguinte, da Exposição Industrial do Palácio de Cristal.
Estes acontecimentos tinham como antecedentes o Ultimato Inglês ocorrido no começo do ano anterior (1890) e da malograda revolução de 31 de Janeiro de 1891.

sábado, 18 de dezembro de 2021

25.143 O menino-prodígio

 
Arthur Napoleão dos Santos (Porto, 6 de Março de 1843 — Rio de Janeiro, 12 de Maio de 1925) foi um pianista, compositor, editor de partituras musicais, professor e comerciante luso-brasileiro.
Filho de Napoleone Alessandro (n. em Milão, na Itália) e de Joaquina Amália dos Santos (n. em Portugal). Casou-se com Rita de Cassia Carneiro Leão - Sazíta (1858-1936).
Cerca de 1840, instala-se no Porto o músico italiano Alessandro Napoleone que cria, em pouco tempo, uma sólida reputação de respeitabilidade e competência profissional, tornando-se num dos mais procurados professores de piano da cidade, ainda que mantendo actividade internacional. Casaria com a portuense Joaquina Maria dos Santos de quem teve três filhos que viriam a ser pianistas.
Artur Napoleão, que era o mais velho, tinha Aníbal Napoleão e Alfredo Napoleão, como irmãos.
Artur Napoleão, o mais talentoso dos três, pode ser considerado, enquanto jovem, um menino-prodígio, tendo dado o seu primeiro recital aos sete anos de idade.
Aos 8 anos, apoiado por Fernando II de Portugal, Napoleão deu os seus primeiros concertos internacionais, visitando cidades como Londres (onde tocou na Embaixada de Portugal) e Paris.
Sobre o início de actividade de Artur Napoleão, João Heitor Rigaud diz:
 
 
“Depois da sua primeira apresentação pública, que aconteceu no Real Teatro de S. João, em 1850, iniciou a imensa lista das suas viagens indo a Lisboa dar concertos em S. Carlos e no Palácio das Necessidades, perante a D. Maria II e D. Fernando II; logo a seguir foi levado a Londres onde repetiu o sucesso da anterior viagem, tendo também tocado perante a Rainha, e seguiu viagem, tocando quer em salas de concertos, quer para as diversas Cortes, passando por todos os grandes centros musicais europeus, de Paris a S. Petersburgo: em Berlim foi o consideradíssimo compositor Giacomo Meyerbeer quem o apresentou à Corte, e em Weimar contou, entre o público, com a presença de Franz Liszt que lhe dirigiu os mais encorajadores elogios”.
Cortesia de João-Heitor Rigaud (2009)
 
 
 

Artur Napoleão dos Santos, Varsóvia, c. 1860 – Fonte: Biblioteca Digital da Biblioteca Pública de Nova York
 
 
 
 
Posteriormente, Artur Napoleão viajou por toda a Europa e América, às vezes, fazendo duetos com Henri Vieuxtemps ou Henryk Wieniawski . Aos 15 anos, apresentou-se em Nova York.
Mudou-se em 1866 para o Brasil, onde viveu o resto da sua vida.
 
 
“Além da música, interessava-se pelo xadrez, tendo sido o autor da Caissana Brasileira, um livro com problemas de xadrez, publicado em 1898. Três anos mais tarde, participou do primeiro jogo de xadrez disputado à distância (em consulta e por telégrafo) por uma equipe do Brasil e uma da Argentina que terminou com a vitória da Argentina.”
In “pt.wikipedia.org/”


 

Referência à morte (12 de Maio de 1925) de Artur Napoleão, na revista " O Tripeiro", Vª série, Ano XV, nº 1, Maio 1959

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

25.142 Arranque de construção de ponte a tiro de dinamite

 
Em 1881, D. Luiz, a rainha Maria Pia e os príncipes acompanhados do presidente do conselho Fontes Pereira de Melo e do ministro do reino Thomaz Ribeiro e das obras públicas Hintze Ribeiro visitaram o Porto, tendo chegado à cidade, à Estação Ferroviária de Campanhã, no ocaso do dia 24 de Novembro de 1881, uma 5ª Feira.
Aquela estação tinha sido inaugurada, em 21 de Maio de 1875, nos terrenos da antiga quinta do Pinheiro e, por isso, designada por Estação do Pinheiro até 1877, quando ganhou o nome actual.
 
 
 

Estação de Campanhã, c. 1900 – Ed. Photo Guedes
 
 
 
Após umas visitas a estabelecimentos de instrução e de assistência e de terem estado presentes em dois espectáculos de caridade nos Teatros do Príncipe Real e no Real Teatro S. João, os soberanos, no Domingo seguinte, seriam recebidos com pompa na Associação Comercial, onde puderam assistir às obras que decorriam na cobertura metálica do pátio central e na escadaria.
 
 

Associação Comercial, em 1881
 
 
 
No dia seguinte, 2ª Feira, aconteceu no Palácio de Cristal uma sessão magna da Sociedade Humanitária portuense com a distribuição de diversas distinções aos muitos beneméritos, nos quais se incluíam o rei e a rainha.
 
 
 

Nave central do Palácio de Cristal
 
 
Naquela cerimónia seriam distinguidos, entre muitos outros, os humildes cidadãos Cego de Maio (José Rodrigues Maio), pescador da Póvoa de Varzim e Cabo Simão (Simão da Costa Neves), sargento da Companhia de Incêndios de V. N. de Gaia, cujos feitos ficaram para a posteridade.
O primeiro (ficaria com uma pensão diária de 400 réis, a cargo do rei), pelos inúmeros salvamentos que efectuou entre a comunidade piscatória da vila poveira e o segundo (ficaria com uma pensão diária de 400 réis, da responsabilidade da rainha), pelas mesmas razões, mas cujo palco de actuação foi o rio Douro.
Ambos seriam agraciados, também, com a Ordem de “Torre e Espada”.
À noite, decorreria na nave do Palácio de Cristal um sarau musical oferecido aos soberanos pela Associação Comercial, que teria a actuação do violinista Nicolau Ribas, que seria agraciado, no dia seguinte, com a Ordem de S. Thiago.
 
 

Lançamento de fogo de vistas (fogo-de-artifício) no Palácio de Cristal, em 1881
 
 
A gravura acima foi publicada na revista “Occidente” (Nº 108 de Dezembro de 1881) e enviada para a sua redacção, em Lisboa, pelo correspondente artístico presente à visita de Luiz I ao Porto.
Na noite de 3ª feira, ainda no Palácio de Cristal, realizar-se-ia um grande baile, que teve a comparência, para além dos homenageados, de 4000 convidados.
Para a multidão seria servido um bufete, enquanto a comitiva real teria à sua disposição o restaurante do Palácio de Cristal.
Sobre este baile, a revista “O Tripeiro” de Maio de 1952, pág. 26, escreve:
 
“Baile real, no Palácio de Cristal: na 1ª quadrilha dançou a Rainha D. Maria Pia com Francisco Inácio Xavier (presidente da Associação Comercial), D. Luís com a Viscondessa de Silva Monteiro, D. Carlos com a Viscondessa de Samodães; na 2ª quadrilha dançou a rainha D. Maria Pia com Visconde de Silva Monteiro, el-rei com a Condessa de Resende (mãe) e a rainha com o presidente da Câmara e Conde de Samodães”.
 
 
No dia 30 de Novembro, 4ª Feira, a comitiva real deslocou-se numa visita, breve, a Braga.
No dia 1 de Dezembro, 5ª Feira, realizou-se no Paço (Palácio dos Carrancas) a fundação dos “Albergues Nocturnos do Porto” ficando nomeada uma comissão provisória com o cardeal bispo do Porto, a presidir e como secretários, o presidente da Câmara Dr. Correia de Barros e presidente da Junta geral do Distrito, José Guilherme Pacheco.
Para vogais foram destacados os viscondes da Trindade, de Silva Monteiro, de Alves Machado, Dr. José Frutuoso Ayres de Gouveia, Joaquim Pinto da Fonseca, Francisco José de Araújo, Dr. Henrique Carlos Miranda e Conselheiro Adriano Machado.
Nesse dia, a real comitiva deslocar-se-ia a igreja da Lapa, a que se seguiria na serra do pilar à inauguração dos trabalhos de lançamento da ponte metálica, que acabaria por substituir a ponte Pênsil.
Durante a cerimónia, que teve lugar, o rei accionou um botão que por intermédio de um fio eléctrico, comunicava com uma carga de dinamite introduzida num maciço rochoso, que explodiu com fragor. Estava, assim, aberto caminho para a construção da pretendida ponte.
 
 
 

Ponte Pênsil, c. 1850
 
 

Construção da ponte Luiz I, em 1885
 
 

Ponte Luiz I, em 1907 – Fonte: HC White Co., Library of Congress; cortesia de Porto Desaparecido
 
 
À noite, foi levado a cabo o tradicional baile no Clube Portuense, que no ano anterior se tinha fundido com a Sociedade Filarmónica Portuense, criando o Grémio Portuense.
Dia 2 de Dezembro, 6ª Feira, o dia começaria com uma visita à tenebrosa cadeia da Relação, seguindo-se a presença do rei na nave do Palácio de Cristal, onde seria servido um “lunch” a centenas de crianças asiladas em diversos estabelecimentos.
À noite, foi servido no Paço um jantar de despedida para o qual foram convidados as autoridades da cidade e representantes de instituições de beneficência.
No Sábado, a família real, numa visita realizada por caminho-de-ferro até à Régua, desfrutou das deslumbrantes paisagens da região duriense, tendo o rei ficado alojado no palacete acabado de construir de D. Antónia Ferreira (Ferreirinha), em Caldas de Moledo.
Dois anos antes, em 1879, já tinha o comboio chegado à Régua.
 
 
 

Gare da Régua, na década de 1880 – Ed. Emílio Biel
 
 
 

Palacete da Ferreirinha, em Caldas de Moledo, Régua – Cortesia de João Pedro Sequeira
 
 
 
No Domingo, regressada ao Porto, a comitiva real embarcada em Campanhã, seguiria por comboio para Lisboa, sendo acompanhada até à Granja, por destacadas personalidades da sociedade tripeira.
 
 

Vendedeiras de doces, junto à Estação de Campanhã, c. 1900

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

25.141 Os empresários Arnaldo Moreira Rocha Brito e Artur de Oliveira Valença e o ilustrador António Cruz Caldas

 
Arnaldo Moreira da Rocha Brito (1880-1969), casado com Rosa Leonor Moreira da Rocha Brito, foi um conhecido empresário da cidade do Porto que, para além do comércio de automóveis de marcas como a Chrysler ou a Dodge, detinha a Garagem Passos Manuel, explorou o Teatro Sá da Bandeira entre 1909 e 1969 e, durante oito anos, o Coliseu do Porto, tendo chegado a exercer aquela mesma actividade no Teatro Águia D’Ouro.
Em 18 de Julho de 1969, o jornal “Diário do Norte”, de 19 Julho1969, p. 3, anunciava:
 
“Morreu no Porto, ontem, o empresário Arnaldo Moreira da Rocha Brito, comerciante, industrial nascido em Cedofeita em 1 de Fevereiro de 1880, fundador da Alfaiataria do Bolhão aos 21 anos, explorador do Sá da Bandeira, do Águia de Ouro e do Coliseu, etc.”
 
 
Personalidade com uma intervenção acentuada na vida da cidade nas vertentes empresarial e do espectáculo, cinco anos antes daquela nefasta data, tinha sido alvo de uma proposta de um vereador da Câmara do Porto para ser agraciado pela cidade. A intervenção, então, teve o seguinte teor e ficou exarada em acta da sessão realizada em 18 de Fevereiro de 1964:
 
 
«O Vereador Senhor Abrantes Jorge, pedindo a palavra, diz:
Ex.mo Senhor Presidente
Exmos Senhores Vereadores
É esta a segunda sessão da Excelentíssima Câmara, a que tenho a honra de assistir; é esta, também, a segunda vez que eu uso da palavra, o que muito me apraz, porque o faço em obediência às imutáveis determinantes da justiça.
Completou no passado dia 2 de Fevereiro oitenta e quatro anos de idade e mais de setenta e três anos de vida de trabalho incansável uma popularíssima figura do Porto, que pode ser apontada como um dos mais nobres exemplos de amor a este velho e invicto burgo.
É Arnaldo Moreira Rocha Brito ou simplesmente Rocha Brito que toda a cidade estima e admira.
Nascido em mil oitocentos e oitenta, nesta cidade, no seio de uma numerosa família burguesa, de origem duriense, não se expatriou para o Brasil, na adolescência, como o fizeram os restantes seus irmãos.
Aqui no Porto, iniciou ainda muito criança a sua dura vida de trabalho, como então a iniciavam, os que nada tinham a não ser a indomável vontade de triunfar: como marçano.
De marçano subiu a caixeiro e de caixeiro a comerciante de uma pequena loja de panos brancos.
Depois abalançou-se e fundou a que ainda hoje é uma das mais elegantes alfaiatarias desta cidade: «Londres no Porto» que durante muito tempo ostentou de direito e com orgulho a divisa de «Fornecedor da Casa Real».
Seguidamente passou a ser, como toda a gente sabe, o maior negociante de automóveis do Norte de Portugal.
Mas onde a actividade de Rocha Brito mais se notabilizou e com a qual prestou os mais assinalados serviços à cidade do Porto, foi como empresário teatral.
Pelo Teatro Águia D’Ouro, celebrizado por Júlio Dinis, no seu belo romance da vida portuense «Uma Família Inglesa», Rocha Brito fez passar, em espectáculos maravilhosos, as mais afamadas companhias de ópera, opereta e zarzuela.
Depois, no Teatro Sá da Bandeira, de que é arrendatário desde mil novecentos e nove, Rocha Brito ofereceu à cidade do Porto tudo o que de melhor tem havido na cena portuguesa e na estrangeira, através das idades.
Aqui trouxe o grande Zaconi, a prodigiosa Mimi Aguglia, as irmãs Gramáticas, a Commédie Française e todos os anos tinha temporada certa a companhia de Brasão e dos Irmãos Rosas.
Companhias famosas estrangeiras como as do Teatro Bataclan e Caramba aqui vieram pela mão de Rocha Brito.
Construído o Coliseu do Porto, logo Rocha Brito foi seu empresário, e dizer das noites gloriosas de ópera com as maiores figuras da cena lírica mundial, dos concertos sinfónicos com as mais afamadas orquestras do mundo, entre as quais é justo destacar a Orquestra Filarmónica de Berlim e de outros espectáculos de grande nível artístico e cultural, é fazer história, que por ser recente, está na memória de todos, ainda dos muito novos.
Os espectáculos líricos que em todas as nações civilizadas do mundo custam somas avultadas aos respectivos governos, ofereceu-os Rocha Brito, durante oito anos consecutivos, à cidade do Porto, sem jamais haver recebido o mais pequeno subsídio.
Para tudo resumir, bastará dizer que, havendo deixado de ser empresário do Coliseu do Porto, acabaram, para não mais terem voltado, as maravilhosas noites de espectáculos líricos na cidade do Porto.
Já com oitenta anos, Rocha Brito, num prodígio de vontade indomável e como prova de amor a esta cidade que o viu nascer, gastou milhares de contos, na remodelação total do Sá da Bandeira, fazendo do velho casarão, que era, o belo teatro que hoje todos admiram.
Para obras de caridade teve Rocha Brito abertas sempre as portas dos seus teatros, sem receber sequer as despesas da «seral».
Que o digam os grupos beneficentes e a comissão das senhoras desta cidade que se têm dedicado a socorrer os necessitados.
Tudo isto fez com que o Governo da Nação concedesse, muito justamente, a Rocha Brito a comenda da benemerência.
Ainda recentemente Rocha Brito abriu as suas portas do Teatro Sá da Bandeira aos concertos para a juventude, em boa hora levados a efeito pela magnífica Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música do Porto, sob a direcção do insigne maestro Silva Pereira.
Este mecenato de Rocha Brito recebeu justa exaltação no próprio seio da Assembleia Nacional.
Este exemplo de trabalho, de desinteresse, de dedicação á cidade do Porto, parece ser digno de reconhecimento por parte do burgo que ele tanto tem amado e servido.
Por isso julgo que o Porto deve manifestar de forma inequívoca esse reconhecimento por intermédio da sua legítima representante que é esta Câmara Municipal.
Assim, proponho que ao cidadão portuense Arnaldo Moreira da Rocha Brito, seja concedido o galardão que a Comissão de Recompensas julgar por bem conferir-lhe.
O Senhor Vice-Presidente, usando de novo da palavra, diz:
Senhor Vereador
Ouvi a proposta apresentada por Vossa Excelência e tal como Vossa Excelência refere, ela será enviada à Comissão de Recompensas para apreciação.»
 
 
Em 18 de Março de 1939, como resultado de um projecto, de 1930, do arquitecto Mário Abreu e do Engº Teixeira Rego, seria inaugurada a chamada “Garagem Passos Manuel”, um edifício que se tornou icónico, situado em frente ao Coliseu, um investimento de Rocha Brito e do empresário António Sardinha, cuja firma proprietária do imóvel era "Amorim, Brito & Sardinha, Lda.".





A Garagem Passos Manuel seria construída no terreno (invisível), à direita da foto, inclusive no chão da construção térrea. O prédio alto, a meio da foto, ainda existe

 
 
Garagem Passos Manuel na década de 1940
 
 
 
Sobre os serviços que a garagem de Passos Manuel prestava, dizia a sua publicidade na revista “Panorama”, em 1941:
 
 


 
 

Garagem Passos Manuel em 1982 – Fonte: Mário Novais; Flickr, Biblioteca de Arte, Fundação Calouste Gulbenkian



Stand da firma A. M. da Rocha Brito na Garagem Passos Manuel, em 1940

 
 
 
Em 1940, o arquitecto Mário Abreu acabaria por ser, também, o autor do projecto da residência de Rocha Brito para a Avenida de Vasco da Gama, nº 115, Valadares, V. N. de Gaia.

 
 

Fachada principal da residência de Rocha Brito, em Francelos – Fonte: C.M. - Gaia
 
 
 
Arnaldo Moreira da Rocha Brito haveria de exercer, também, a sua actividade no comércio de automóveis, na Rua de Sá da Bandeira, nº 112, junto ao teatro.
Com intervenção acentuada no comércio das marcas Chevrolet e Opel, entretanto, em Fevereiro de 1955, era anunciado que 10 mil visitantes tinham ocorrido ao stand Rocha Brito para ver o novo automóvel IFA, carro a dois tempos, construído na Alemanha de Leste nas antigas fábricas DKW.


 

IFA de 1954
 
 

Grupo de trabalhadores da empresa Arnaldo Moreira da Rocha Brito, nas escadas do restaurante do Palácio de Cristal, c.1940 – In Porto Desaparecido; Fonte: Alvão, CPF
 
 
A meio da foto acima é possível observar o comendador Arnaldo Moreira da Rocha Brito e seu filho, Arnaldo Rocha Brito Júnior.
 
 
 
 

Publicidade do stand “A. M. da Rocha Brito”, na Rua de Sá da Bandeira, nº 122 – Fonte: Jornal “O Comércio do Porto”, 16 de Junho 1934


 
Interior do stand de Arnaldo Moreira da Rocha Brito, Lda. - Automóveis, na Rua de Sá da Bandeira, em 1939 - In Porto Desaparecido; Fonte: Alvão, CPF

 
 

Publicidade ao Opel-Kadett, começado a produzir em 1937 e, na Europa substituído, em 1991, pelo “Astra”
 
 
Em 1982, a empresa A. M. da Rocha Brito, L.da, que era a importadora, entre outros, dos camiões da marca Hino, estava em situação de falência, tendo sido adquirida pela Salvador Caetano.
Esta tomada de posição no mercado viria a tornar-se, para a Salvador Caetano, a rampa de lançamento da empresa no universo dos veículos BMW, no mercado Português.
Foi, então, convertida e criada a firma Baviera, representando oficialmente a BMW.
Como empresário do mundo do espectáculo, Rocha Brito ficou com o seu nome ligado para sempre ao Teatro Sá da Bandeira.
Um dos mais notáveis empresários do Teatro Sá da Bandeira foi Afonso Taveiro que o adquire em 3 de Março de 1903, mas, a partir de 1909, passa a ser seu arrendatário Arnaldo Moreira da Rocha Brito que o manteria na sua posse, até à sua morte em 1969.
Afonso Taveiro morreria de apoplexia, em plena plateia do Teatro Sá da Bandeira, quando dirigia um ensaio geral da revista “O Dia de Juízo”.
 
 
 

Teatro Sá da Bandeira na década de 1950
 
 
Pela mão de Rocha Brito, o Teatro Águia D’Ouro levaria à cena alguns espectáculos de ópera, opereta e zarzuela, que extasiaram os portuenses.
Arnaldo Moreira da Rocha Brito seria, também, durante oito anos, na década de 1940, o empresário do Coliseu do Porto, acabando por abandonar aquela tarefa em rota de colisão com o regime político de então.
Talvez, por isso, em 1959, uma proposta do Ministro da Educação Francisco de Paula Leite Pinto, para ser agraciado com o grau de “Cavaleiro da Ordem da Instrução Pública”, acabaria por ser recusada superiormente.
Rocha Brito foi ainda membro do Ateneu Comercial do Porto e, em meados do século XX, foi responsável pelos desfiles carnavalescos pelas ruas da cidade, em colaboração com um empresário do mundo do circo, Juan Carcellé, numa tentativa de reanimar os corsos de começo do século, que ficaram célebres, a cargo dos Fenianos.
Apesar dos esforços encetados, a cidade continuava a não aderir ao Carnaval como dava conta, na gravura seguinte, “O Porto” chorando perante o “Zé Povinho” a morte do antigo Carnaval.

 
 

Jornal “O Comércio do Porto”, 8 de Fevereiro de 1959
 
 
Alguns, poucos, ainda guardam memória de Rocha de Brito fazendo-se passear nos seus carros descapotáveis, por fumar avantajados charutos e como acompanhante das beldades do mundo do espectáculo que actuavam nos teatros que dirigia.



 

Rocha Brito representado dentro de um automóvel descapotável, fumando um charuto, em gravura (1941) de Cruz Caldas,
 
 
 
António Cruz Caldas, o autor da gravura acima foi um conhecido caricaturista, escritor, ilustrador e publicitário português, nascido a 17 de Dezembro de 1898, no Porto, e falecido em 1975, na mesma cidade.
Nascido no seio de uma família de artistas, o pai e o irmão eram escultores, teve ainda como padrinhos duas referências importantes do mundo artístico, a pintora Aurélia de Sousa e o escultor Teixeira Lopes.
Colaborou nos jornais diários, “Jornal de Notícias” e “O Primeiro de Janeiro” e nos jornais humorísticos Córócócó e Pirolito.
Foi director artístico da empresa MABOR, fez desenhos de boca de cena para o Coliseu do Porto (1941), cartazes publicitários do Coliseu, ilustrações para livros e jornais, etc.
Foi várias vezes premiado, nomeadamente, pela Sociedade Nacional de Belas Artes (1954 e 1956).
Cruz Caldas está também ligado, desde 1923, ao jornal desportivo semanário “Sporting” fundado em 25 de Março de 1921, por várias personalidades, entre elas, Lobão de Carvalho, que seria seu director até 1923.
 
 

Capa do bissemanário “Sporting”, no 18º aniversário, da autoria de Cruz Caldas
 
 
 
O jornal passa a ficar sedeado na Rua da Cancela Velha, nº 39, e a ser dirigido por Artur Oliveira Valença (1897-1978), servindo-se das mesmas oficinas de impressão do jornal humorístico o “Pirolito” do qual era também proprietário.
Oliveira Valença foi um portuense nascido na freguesia da Vitória, órfão de pai aos sete anos, interno do Colégio dos Meninos Orfãos, emigrante no Brasil (com 13 anos) e com dezasseis anos, em Paris (para aprender a profissão de alfaiate) e um grande entusiasta do boxe e promotor da primeira volta a Portugal em bicicleta e conhecido, ainda, por ter sido Presidente do Boavista Futebol Clube (1933-1935) e um grande e acérrimo opositor ao Estado Novo.
Nos anos de juventude, durante a 1ª Guerra Mundial, integrou o chamado Batalhão de Voluntários Portugueses e Brasileiros, que abandonou, a pedido da mãe dirigido às autoridades, por ainda ser de menor de idade.
Na obra “É a Guerra” Aquilino Ribeiro critica a opção bélica de Oliveira Valença, numa disputa que deu brado, à época.
Como Presidente do Boavista Futebol Clube introduziu o equipamento axadrezado, que se mantem actual, substituindo o então vigente de camisolas listadas verticalmente de preto e branco.
Antes, entre 1925 e 1926 e, posteriormente, entre 1929 e 1933, foi presidente da direcção do Real Clube Fluvial Portuense, instituição fundada em 1876.
Com alguns períodos de suspensão da sua publicação, como é o caso entre 14 de Maio e 14 de Novembro de 1924, o “Sporting”, também conhecido pelo “rosa”, devido à cor do seu papel de impressão, passa a partir de 1926 a bissemanário e desapareceria definitivamente das bancas, a partir de Setembro de 1953.
 
 

Capa do bissemanário “Sporting”, em 12 de Junho de 1939, da autoria de Cruz Caldas
 
 
Aliás, em sequência de um mandado, a PIDE encerrou a Tipografia Sporting, de Artur Oliveira Valença, onde era impresso um folheto intitulado Missão e Fins do Socialismo Democráticoe, assim, o jornal Sporting veria suspensa a sua publicação, após 32 anos de actividade.

Cortesia de Jorge Valente Rebelo (tripeirodefibra.blogspot.com)



Por outro lado, no que diz respeito ao “Sporting”, aquele epíteto de “rosa”, já tinha, no entanto, desaparecido durante os anos da 2ª Guerra Mundial, pois começaria a ser impresso em papel branco, muito mais barato.
Dizendo sempre ser um anti-comunista, o que confundia a Pide, Oliveira Valença alinharia ao lado de Norton de Matos, Quintão Meireles, Humberto Delgado e Mário Soares.
A Tipografia Sporting, devido ao reordenamento urbanístico na zona da Cancela Velha, instalar-se-ia na Rua Formosa, nº 189.
 
 


 
 
 

Cartaz elaborado pela Fotogravura Sporting para divulgação do Campeonato do Mundo de Bilhar, realizado em Espinho, em 1932, da autoria de Cruz Caldas
 
 
Por outro lado, Oliveira Valença continuaria, ao longo dos anos, ligado à profissão de alfaiate, pois tinha era diplomado pela École International de Coupe et Couture de Paris e, por isso, tinha um estabelecimento do ramo na Rua de Cedofeita, nº 35.

 
 

Colecção de Primavera/Verão de 1917
 
 
Na Rua da Cancela Velha e, depois, na Rua Formosa, nº 193, teve Artur Oliveira Valença a sua empresa denominada “SLAV” (cuja sigla significa Sociedade Luso-Americana de Vestuário), uma loja especializada em couros e gabardines.


 


 
 



Hoje, na freguesia de Ramalde, a Câmara Municipal do Porto homenageia Artur Oliveira Valença com uma placa toponímica para uma rua.