segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

25.292 A urbanização da antiga Rua do Castelo do Queijo (Avenida de Montevideu)

 
Em 15 de Fevereiro de 1865, o empreiteiro Manuel José da Silva arrematou, no 3º Bairro Fiscal, pelo preço de 3 590$000 réis, a empreitada para a construção do 2º lanço (Carreiros - Castelo do Queijo) da estrada marginal Foz - Leça da Palmeira.
Aquele lanço de via que, hoje é, desde 1926, a Avenida de Montevideu, foi, noutros tempos, a Estrada da Marginal ou Rua do Castelo do Queijo, tendo sido começada a ser urbanizada, ainda antes do fim do século XIX.
A Avenida de Montevideu desenvolve-se desde o seu entroncamento com a Rua do Molhe até ao largo onde se encontra o Forte de São Francisco Xavier (Castelo do Queijo).
Na foto abaixo, a Rua do Molhe, à direita, faz a separação das avenidas Brasil e de Montevideu.
 
 
 
 

O carro eléctrico, vindo do Castelo do Queijo, pela Avenida de Montevideu (onde se situam uns magníficos palacetes), vai entrar na Avenida Brasil

 
 
Naquele mesmo local esteve, nos primeiros anos do século XX, a “Casa Gianola”.
 
 
 

Casa Gianola – Confeitaria, Salão de Chá e Restaurante, em chalet na esquina da Rua do Molhe e Avenida de Montevideu – Cortesia de Foto-Porto
 
 
 
Todo o complexo habitacional da Avenida de Montevideu está instalado no lado nascente da avenida e, no lado poente, hoje, apenas está uma construção – a antiga Estação de Zoologia Marinha (Aquário Augusto Nobre).
No início do século XX, um outro prédio se encontrava no areal, como se pode observar na foto seguinte e que teria sido demolido para arranjo do local.

 
 

Rua do Castelo do Queijo, ainda com casa sobre a praia, em 1903 - In revista "Brasil-Portugal”, nº 96, de 16 de Janeiro de 1903
 
 
 
 

Vista aérea da Avenida de Montevideu, c. 1935

 
 
Assim, desde há algumas décadas, caminhando pela Avenida de Montevideu, no sentido do Castelo do Queijo, partindo da “Esplanada 28 de Maio” (Esplanada do Molhe), encontrávamos alguns palacetes de algumas famílias abastadas.
Alguns deles tinham a particularidade de ter acesso, também, pela Rua de Gondarém.
 
 
 
Palacete Andresen
 
 


Palacete Andresen, depois, da família Moreira
 
 
Este palacete, projecto do engenheiro António Silva, foi das primeiras construções a fazerem parte da Estrada do Castelo do Queijo, tendo sido mandado erguer por Alberto Henrique Andresen.
Teve licença de obra n.º: 228/1897.
Pertenceu, depois, até aos nossos dias, à família Moreira, sendo que, em 1924, já era seu proprietário Joaquim Alves Moreira.
Em 2017, o palacete foi vendido ao mesmo operador hoteleiro que lançou o Hotel Teatro, na baixa da cidade, à Rua de Sá da Bandeira.
 
 
 
Casa do Barão de Fermil
 
 
Esta moradia, na Avenida de Montevideu, n.º 66, na primeira década do século XX, era propriedade do negociante de vinhos de nacionalidade inglesa, Albert Mathias Feuerheerd (1870 - 1933), com escritórios na Rua do Rei Ramiro, em V. N. de Gaia.
Para a moradia, Albert Mathias Feuerheerd ainda solicitava, em 1919, à Câmara do Porto, uma autorização para nela executar obras que receberá a licença de obra n.º: 114/1919.
A residência, em questão, passará depois para as mãos do Barão de Fermil e, após ele aí ter falecido, será morada da sua filha, Delminda Sampaio Machado, casada com Dr. Francisco da Cunha Freitas Mourão de Sotomaior.
 
 
 

Casa do Barão de Fermil

 
 
Na casa da foto, anterior, viveu e aí faleceu Manuel Guilherme Alves Machado (Celorico de Basto, Veade, 25.10.1873; Porto, Nevogilde, 05.06.1943), 1º Barão de Fermil, casado, em 1900, com Maria Augusta Sampaio de Brito que, desde 1898, era proprietária do chamado Palacete dos Barroso Pereira, à Praça de Santa Teresa (actual Praça Guilherme Gomes Fernandes).
Em 1956, a sua filha Delminda Sampaio Machado e o seu genro, o Dr. Francisco da Cunha Freitas Mourão de Sotomaior, haveriam de receber a propriedade da Praça Guilherme Gomes Fernandes por doacção.

 
 

Casa do Barão de Fermil, actualmente – Ed. Graça Correia
 
 
 
 
Casa de Alfredo Carneiro Soares ou da “Viscondessa” de Carreiros
 
 
Esta moradia, na Avenida de Montevideu n.º 156, teve licença de obra n.º: 212/1901 e como primeiro proprietário Alfredo Carneiro Soares, que nela faleceu em 1918, tendo sido  casado com Maria Margarida Peixoto Guimarães e Silva Carneiro Soares.
O projecto inicial da moradia remontará a data anterior a 1897, pois, neste ano, é solicitado à Câmara do Porto, licença para levantamento de um portão em muro exterior.
A moradia terá passado, mais tarde, para a família Jervell.

 
 

Casa de Alfredo Carneiro Soares, depois, da família Jervell

 
 

Casa de Alfredo Carneiro Soares, actualmente – Ed. Graça Correia
 
 
 
 
Casa da Família Cálen
 
 
O prédio teria sido mandado construir, na década de 1940, por José Joaquim de Oliveira Cálem.
Em 1943, este proprietário solicita à Câmara do Porto uma licença para construir nessa morada um anexo, que terá como projectista o conhecido arquitecto Manoel da Silva Passos Júnior…o do cinema Júlio Deniz.
Localizada na Avenida de Montevideu, n.º 166, no final do século XX, a propriedade era de Maria Alice Cálen.




Casa da família Cálen

 
 

Casa da família Cálen, actualmente – Ed. Graça Correia
 
 
 
 
Vivenda Maria Borges
 
 


Actualmente (2024), a vivenda em trabalhos de remodelação que foi mandada erguer por Maria Fernandes Borges – Fonte: Google maps
 
 
 
 
A vivenda que, originalmente, em 1951, foi projecto do arquitecto Viana de Lima, foi mandada construir por Maria Fernandes Borges, gestora do Teatro Rivoli e mecenas, à data, viúva, para sua habitação e teve a licença n.º 267/1951. 
Localizava-se na esquina da Avenida de Montevideu e da Rua de Pero da Covilhã.
No ano anterior, para a mesma cliente, o arquitecto Viana de Lima tinha também executado um projecto para um Jazigo-Capela para ser instalado no Cemitério Oriental da cidade, também conhecido como Prado do Repouso.
Maria Assunção Fernandes Borges foi casada com Francisco António Borges (1861-1939), administrador do Banco Borges & Irmão, de cujo enlace houve uma filha, de seu nome, Maria Emília Fernandes Borges (1914-2000), condessa da Covilhã, e um filho, de seu nome, Francisco Manuel Fernandes Borges (1916-1959), de profissão engenheiro e que foi administrador do Banco Borges & Irmão.
Maria Emília Fernandes Borges ostentou aquele título nobiliárquico pelo seu casamento com o 3º conde da Covilhã, Júlio Anahory de Quental Calheiros (1900-1970), de cujo enlace houve a filha, Maria Manuela de Quental Calheiros.
O 3º conde da Covilhã chegou a este casamento, no estado de viúvo, vindo de um primeiro casamento, sem geração, com Vera de Sousa e Cruz, que faleceu muito nova, filha do Banqueiro Sousa e Cruz e de sua mulher, sendo reconhecido pelo povo anónimo como o fundador da fábrica de pneus MABOR.
 
 
 
Moradia de José Prata de Lima
 
 
Na esquina, a norte da Rua Pero da Covilhã e Avenida de Montevideu, situa-se a moradia que foi de José Prata de Lima e tem projecto do arquitecto José Luís Porto e licença de obra n.º: 118/1937.
 
 
 

Moradia José Prata de Lima – Fonte: Google maps
 
 
 
A foto anterior é da moradia emblemática da Avenida de Montevideu, existente no nº 644 (esquina com a Rua Pêro da Covilhã), é um projecto do arquitecto José Porto (1883-1965), autor de imensas obras espalhadas por várias cidades, inclusivamente pelas ex-colónias e, para sempre, ligado à Casa Manoel de Oliveira na Rua da Vilarinha. 
Actualmente, a casa foi intervencionada pelo atelier de arquitectura, Barbosa & Guimarães - Arquitectos, fundado em 1994, pelos arquitectos portuenses José António Vidal Afonso Barbosa e Pedro Luís Martins Lino Lopes Guimarães. 
 
 
 
Palacete do Rosas
 
 
Este palacete foi mandado construir por José Rosas Júnior (1885-1958), um negociante conhecido do sector da ourivesaria, possivelmente, na segunda década do século XX, com projecto do arquitecto Miguel Ventura Terra (1866-1919).
Em 1929, o palacete é dotado de um Jardim de Inverno, sob a autoria do arquitecto Leandro de Morais.
Em 1945, pela licença de obra n.º: 166/1945, são executadas obras importantes no palacete, com projecto do arquitecto António Júlio Teixeira Lopes (1903-1971).
 
 
 

Palacete do “Rosas”, depois o Restaurante D. Manoel, projecto inicial de Ventura Terra

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

25.291 As marcas “Nascimento” associadas ao mobiliário portuense

 
É muito provável que os irmãos António Nascimento e Venâncio Nascimento, dois transmontanos que demandaram o Porto, em finais do século XIX, tenham começado por ter percursos comuns na sua profissão, mas acabariam, na realidade, por percorrer caminhos distintos na sua actividade profissional ligada à marcenaria.
Durante muitas décadas, as firmas sob a responsabilidade de cada um deles eram uma referência de superior qualidade, no que ao mobiliário dizia respeito, servindo tanto a instituições públicas e privadas e, ainda, a uma burguesia em ascensão.
 
 
 
“António do Nascimento & Filhos” – Grandes Armazéns Nascimento
 
 
No cruzamento da Rua de Santa Catarina com a Rua de Passos Manuel, a poente/sul, foi levantado um edifício com projecto de 1914 do arquitecto Marques da Silva, que albergou os Grandes Armazéns Nascimento de António Nascimento e, a partir de 1940, alojou o famigerado Café Palladium.
As instalações da Rua de Santa Catarina dos Grandes Armazéns Nascimento que, à data, tinha a sua sede na Rua de Ferreira Borges, foram inauguradas em 1927, com o objectivo de vender, no Porto, os móveis construídos na fábrica que, entretanto, António Nascimento tinha comprado na Rua do Freixo.
De facto, no início da década de 1920, António Nascimento tinha comprado ao engenheiro Raúl Tavares Basto a fábrica de marcenaria mecânica a vapor "A Económica", em Campanhã.
Antes, António do Nascimento & Filhos teve, também, oficinas na "Marcenaria Nascimento", sita no Largo de Santa Clara (Rua de Saraiva de Carvalho), em prédio onde tinha estado, no ano de 1893, em trânsito, o "Asilo do Terço". Para melhoria das instalações, em 1913 (licença n.º 423) e em 1917 (licença n.º 364), a sociedade solicitava à Câmara do Porto as devidas autorizações, para a morada do Largo de Santa Clara.
 
 
 

Publicidade em 1922
 
 
 
 
“ (…) António do Nascimento e o seu irmão Venâncio, naturais de Trás-os-Montes, instalaram-se no Porto no início da segunda metade do século XIX, tendo o primeiro inaugurado em 1877 (13 de Junho) um estabelecimento de marcenaria e loja de mobiliário, na rua da Ferraria de Baixo. Com o desenvolvimento dos negócios, as instalações da firma transitaram sucessivamente para a rua Ferreira Borges e, em 1927, para a rua Passos Manuel. No início da década de '20, a firma "António do Nascimento e Filhos" encontrava-se numa excelente situação económica, como o comprova o facto de dois anos antes ter adquirido a fábrica de marcenaria mecânica a vapor "A Económica" - ainda segundo António Cardoso, ao engenheiro Raul Tavares Bastos -, o que lhe possibilitava o fabrico de mobiliário, a partir de então, em grande escala, transformando-se deste modo num importante empório comercial e industrial. Na publicidade com que nessa época se apresentava, reclamava constituir "a mais importante fábrica de móveis da península, e o maior estabelecimento de estojos, papéis pintados, decorações, oleados e faianças artísticas". Salvaguardando o possível exagero publicitário, não há dúvida que os Armazéns Nascimento e, principalmente, a sua fábrica "A Económica", apresentavam uma enorme capacidade de produção, investindo igualmente na qualidade do mobiliário que fabricavam, não sendo portanto de estranhar que algumas das mais importantes entidades e empresas nacionais contratassem os seus serviços para mobilar e decorar as respectivas instalações”.
Após um pavoroso incêndio ocorrido em finais de 1934 que destruiu os armazéns e a fábrica da rua do Freixo, a empresa nunca mais seria a mesma. Apesar das instalações fabris terem sido de imediato reconstruídas (…), o certo é que em finais de 1939 a firma se vê obrigada a vender o imóvel de Santa Catarina.
Com a devida vénia a José Manuel Lopes Cordeiro 
 
 
Por outro lado, o projecto (1914) do empreendimento encomendado por  "António do Nascimento & Filhos", na Rua de Santa Catarina, foi do arquitecto Marques de Silva, começado a executar em 1916 e, à data da inauguração, em 1927, já António Nascimento tinha falecido.
 
 
 

Inauguração dos Grandes Armazéns Nascimento, em 13 de Junho de 1927
 
 
 
Nas amplas montras do edifício, passaram, então, a ocorrer várias exposições de produtos, para além do sector do mobiliário de luxo.
Ficaram na memória de muitos os automóveis que eram expostos na montra que fazia esquina das duas ruas.
 
 
 

Em 1939, um Willys Overland em exposição numa montra dos Armazéns Nascimento
 
 
 
Os Grandes Armazéns Nascimento tinham-se especializado, nomeadamente, no fornecimento de mobiliário para a indústria hoteleira tendo, nessa época, fornecido os materiais de decoração de quase todos os grandes hotéis então existentes em Portugal.
A Presidência da República, o Grande Hotel do Porto, o Palácio Ford e o Hotel Tivoli em Lisboa, várias entidades bancárias, a Agência Havas, os cinemas S. João e Tivoli, ou os restaurantes Tavares Rico e Escondidinho, receberam mobiliário dos Grandes Armazéns Nascimento.
Porém, decorridos que foram sete anos, aquela fábrica e armazéns anexos da Rua do Freixo foram destruídos por um incêndio, em 6 de Novembro de 1934, o que levou os herdeiros de António Nascimento a vender o prédio, em 1939, a um grupo de comerciantes e industriais do Porto que fizeram a sua adaptação para o Café Palladium, cujo interior foi de autoria do arquitecto Mário Abreu.


 
In Diário de Lisboa de 7 de Novembro de 1934




 

Aqui, estiveram os Grandes Armazéns Nascimento, mais tarde, Galerias Paladium


 
 

Interior dos Grandes Armazéns Nascimento em 1927
 
 
 
 
 

Publicidade cedida por António Duarte a “restosdecoleccao.blogspot.pt”

 
 
Os Grandes Armazéns Nascimento reservaram, então, apenas, uma pequena área de exposição para os seus artigos, com entrada pela Rua de Passos Manuel, n.º 80, e, a partir daí, continuaram a servir uma clientela endinheirada.

 
 

Café Palladium e, nas lojas, à direita, na Rua Passos Manuel, as instalações que passaram a ocupar os Grandes Armazéns Nascimento, a partir de 1940
 
 
 
 
Em 1975, já a firma era uma sociedade anónima – Grandes Armazéns Nascimento, SARL.
 
 
 
 
"Venâncio do Nascimento & Filho"
 

 
Por outro lado, em 31 de Agosto de 1890, o “Jornal do Porto”, na sua página 2, dava conta de que no dia anterior tinha ocorrido a abertura de um estabelecimento de móveis, na Rua do Bonjardim, próximo da Rua do Estevão, da firma "Venâncio do Nascimento & Filho" e, mesmo defronte, do outro lado da rua, haveria de ter o seu armazém, num prédio mandado restaurar por António Bernardo Ferreira, o filho da Ferreirinha.

 
 
 
Publicidade a Venâncio do Nascimento & Filho, em 1908

 
 
É, um facto, de que os dois irmãos, oriundos de Trás-os-Montes, tiveram percursos comerciais distintos.
 
 
 
Localização de armazém de Venâncio do Nascimento & Filhos, no Largo do Bonjardim, n.ºs 155-159 (Largo Tito Fontes), que obteve a licença de obra n.º 52/1914, para execução de obras
 
 
 
No dia 21 de Março de 1919, era publicitado que a firma Venâncio do Nascimento & Filho tinha sido escolhida para fornecer as mobílias que haveriam de servir nos aposentos do Palácio da Bolsa que se destinavam ao alojamento do Presidente da República na visita que estava previsto fazer ao Porto.
Cumpria, à data, o seu mandato, entre 16 de Dezembro de 1918 e 5 de Outubro de 1919, João do Canto e Castro.

 
 
No local onde iria nascer o Palacete do 1.º Conde de Vizela, na Rua das Carmelitas, à esquerda, em 1919, um painel de publicidade à firma “Venâncio Nascimento & Filho” da responsabilidade das “Propagandas Caldevilla”
 
 
 
Em 17 de Outubro de 1931, a Messe dos Oficiais, à Praça da Batalha, abria com mobiliário da Casa Venâncio Nascimento.
A Câmara Municipal do Porto recebeu, também, mobiliário deste reputado fabricante.
Em 1942, a firma Venâncio do Nascimento & Filho, Sucessores decide transferir-se para a Rua de Antero de Quental, n.º 483, para onde solicitava uma licença de obra (n.º 347/1942) com projecto do arquitecto Júlio José de Brito (1896-1965).

 
 

Por aqui, na Rua de Antero Quental, esteve a fábrica de Venâncio do Nascimento & Filho, Sucessores
 
 
 
Venâncio do Nascimento & Filho, Sucessores encerraria a sua actividade muito antes de se atingir o último quartel do século XX.

domingo, 2 de novembro de 2025

25.290 Os Guardas-mores da Saúde, o “Manco de Gaia” e a Casa de Maravedi

 

Guardas-mores da Saúde
 

Antigamente, a função de Guarda-mor da Saúde era exercida por aqueles que, dada a responsabilidade da função, eram por nascimento ou por suas virtudes elementos destacados da sociedade.
O Guarda-mor da Saúde era escolhido por votação pelas autoridades administrativas do concelho, tendo por missão garantir a defesa da saúde pública, assistindo médicos e cirurgiões e outro pessoal que desempenhava serviço em casas de assistência.
Os Guardas-mores da Saúde pertenciam, por norma, às mais destacadas famílias da cidade e consideravam uma honra a sua escolha para o exercício do cargo.
Em tempos de peste, ao primeiro sinal, o Guarda-mor da Saúde providenciava, com os seus auxiliares, para que os pestíferos fossem isolados e entrassem de quarentena exercendo, ainda, a vigilância sobre as tripulações dos navios que aportavam pela barra do rio Douro ao cais da Ribeira e outros, com origem em portos onde grassava a doença.
Neste último caso, era norma içar uma bandeira visível, num mastro colocado na margem do rio Douro.
Assim, a tripulação quando via a bandeira içada no tal mastro, teria que estacionar no meio do rio, em frente a esse local, e esperar a visita efectuada pelos Guardas-mores da Saúde, para fazerem uma inspecção sanitária.
Aquele conjunto mastro/bandeira situado junto do Palácio das Sereias, ao fundo da Rua da Bandeirinha, era conhecido pela “Bandeirinha da Saúde” e o pilar de granito que o suportava teria sido construído, possivelmente, entre 1597 e 1633, pelo pedreiro Bastião Fernandes, tendo sido um importante marco da cidade durante os séculos XVI e XVII, uma vez que protegia a cidade de doenças trazidas de fora.
Para além daquela marca em Miragaia, terá existido uma outra, a “Bandeirinha de S. João da Foz”.
 
 
 

Bandeirinha da Saúde, junto do Palácio das Sereias
 
 
 
Em pleno século XVI, os Guardas-mores da Saúde estacionavam na Casa de Degredo de Vale de Amores (Valdamores, como então se dizia), sob a égide dos frades capuchos do Convento de Santo António de Vale da Piedade e, posteriormente, no Lazareto, situado mais a jusante, no local que, hoje, fica entre a Igreja Nova da Afurada e a Casa dos Pescadores.
Segundo estudos do Dr. Francisco Ribeiro da Silva, a escolha do local da Casa de Degredo, para recolha dos empestados, teria ocorrido em 1598, embora não fosse aquele o único lugar onde se efectuava o interrogatório dos potenciais infectados.
 



Convento de Santo António de Vale da Piedade – Desenho (1835) de J.J. Forrester



 

Vista, actual, desde Monchique, do que restou do antigo convento – Cortesia de Lucília Monteiro, In revista “Visão”

 
 
O controlo sanitário, em tempos de epidemia, era, também, exercido junto das portas da muralha da cidade.
Para o efeito, a Porta do Olival e a Porta de Cima de Vila eram abertas e fechadas todos os dias e, por determinação dos Guardas-mores da Saúde, o porteiro da Câmara fazia chegar a chave daquelas portas a cidadãos previamente escolhidos para o desempenho daquela tarefa.
 
 
 

Porta do Olival, em reconstituição, de Gouvêa Portuense
 
 
 
No caso das Portas da Ribeira e Porta Nova, aquela incumbência era executada por homens pagos, com a obrigação de as manterem fechadas desde o tanger das Avé-Marias até ao raiar do outro dia.
A primeira acomodação dos frades menores, em Vale de Amores (depois, Vale da Piedade), foi numa propriedade contígua à área onde, pouco-a-pouco edificaram o convento, que ocuparam em 1569.
Na sua obra “Os Narcóticos”, Camilo Castelo Branco refere a existência, na margem esquerda do rio Douro, da Quinta de Vale de Amores, que terá pertencido, em tempos de antanho, a Álvaro Gonçalves, que passou à história como “O Magriço” e a quem Camões se refere no Canto VI, estrofe 68, pela participação num torneio medieval, em Inglaterra, em defesa da honra de umas damas.
Pois…Vale de Amores, sendo um lugar recôndito, era propício à presença de namorados e, daí, o nome. Os frades não descansaram enquanto não o converteram em Vale da Piedade.
Algumas pestes ocorridas no Porto e seu termo, no século XVI, ficaram para a história. No acorrer a essas tragédias, à Câmara competia coordenar as acções de socorro que se impunham e suportar as despesas, que costumavam ser compartilhadas pela Santa Casa da Misericórdia.
Uma peste, em 1577, começada em Matosinhos, levou os Guardas-mores da Saúde, à data, Jorge de Babo e Diogo Leite, até àquele lugar.
Tendo surgido dúvidas sobre a própria saúde deles, após a visita referida, seriam substituídos por dois novos Guardas-mores da Saúde, João Cardoso de Miranda e Luís Pinto.
Nos anos de 1598 e 1599, a peste voltaria a picar, no Porto, para além de outras ocasiões, nomeadamente, durante o decorrer do século XVII.
De 30 de Julho de 1657, é o texto que se segue:
 
 
“ … neste dia foi o escrivão, por mandado do guarda-mor da saúde à cadeia da relação do Porto notificar o piloto da barra de S. João da Foz do Douro, Domingos Gonçalves Delicado, que estava preso por trazer o navio francês (que metera dentro da barra) para baixo do lugar de Vale de Amores, onde costumam lançar ferro, até serem visitados pelos guardas mores da saúde…”
Fonte : “Visitas da Saúde”
 
 
 
 
 “Que a justiça do Manco de Gaia te caia em casa”
 
 
Dos muitos guardas-mores da saúde que serviram na cidade do Porto e seu termo, João Corrêa Pacheco Pereira, passou para a posteridade pelo zelo com que exercia o cargo.
Membro da aristocracia nortenha, nascido em 1679, era filho de João Corrêa Botelho (um fidalgo transmontano, descendente do célebre navegador Diogo Cão e do alcaide-mor de Vila Real, Afonso Botelho) e de Mariana Pacheco Pereira, senhora da Casa de Valinho de Beire (sobrinha-neta do Capitão-mor da cidade do Porto, Sebastião Pacheco Pereira).
Portanto, João Corrêa Pacheco Pereira pertencia a duas das famílias portuenses mais importantes: a dos Pacheco Pereira, da Rua de Belmonte e da Quinta da Vilarinha, e a dos Sem (da Torre da Marca).
João Corrêa Pacheco Pereira tinha um defeito físico numa perna, em resultado de uma queda dada em rapaz, quando cavalgava e, por isso, mancava. Ficou como o “Manco de Gaia”.
Todos os dias, o “Manco de Gaia” vinha de Mafamude, da casa da Quinta do Maravedi, onde viveu e morreu (em 1746), para o Porto, para exercer o seu mandato de Guarda-mor da Saúde. O zelo com que exercia as suas funções era de tal ordem, que passou a ser o terror das vendedeiras dos mercados. Produto deteriorado, insalubre ou sem qualidade era mandado atirar ao rio Douro pelo “Manco de Gaia”.
Passados mais de cem anos, o “Manco de Gaia” continuava a ser referenciado pelas vendedeiras da Ribeira, quando lançavam maldiçoes sobre as rivais: “Que a justiça do Manco de Gaia te caia em casa”.
João Corrêa Pacheco Pereira acabou por ser também Vereador da cidade do Porto, Juiz Almotacé e Deputado do Subsídio Militar e, ainda, Capitão de Milícias e Familiar do Santo Ofício.
Seria sepultado em Valdamores, atrás referido, no Mosteiro de Vale da Piedade, onde foi Provincial um seu filho, Frei José de Gaia.
 
 
 
Casa e Quinta do Maravedi
 
 
A casa onde viveu o “Manco de Gaia”, em Mafamude, V. N. de Gaia, ainda existe após recuperação decidida pela Câmara de V. N. de Gaia, que evitou a sua demolição.
A casa apelidada de Casa de Maravedi fazia parte da Quinta de Maravedi, situada no coração de Vila Nova de Gaia, meio caminho entre as Devesas e o Largo Soares dos Reis.
Provavelmente, a sua construção, inicialmente, é do século XIV.
Quanto aos emprazadores (senhorios), por exemplo, o emprazador, em 1701, era o donatário de Gaia-a-Pequena Álvaro Leite Pereira, fidalgo da casa Real, cavaleiro da Ordem de Cristo, morgado de Quebrantões e senhor do paço e quinta de Campo Belo.
 
“A mais antiga notícia que consegui descortinar sobre a quinta do Maravedi remonta a 1577, ano em que, a 20 de Junho, foi emprazada por três vidas a Isabel de Magalhães.
(…) O emprazador de 1704, que se assina Álvaro Leite Pereira e invoca os títulos acima referidos, tinha nascido em 1646 e era filho de Diogo Leite Pereira e de sua mulher D. Helena de Távora e Noronha, filha de Martim de Távora e Noronha, senhor da quinta de Campo Belo e descendente e representante de Álvaro Anes de Cernache, a quem Dom Duarte doou, a 19.11.1433, o senhorio de Gaia-a-Maior. Diogo Leite Pereira, por seu lado, era trineto daquele Diogo Leite a quem Dom João II doou em 1491 o senhorio de Gaia-a-Pequena e que foi vereador do Senado da Câmara do Porto (1523), Procurador às Cortes (1535) e morgado de Quebrantões, onde vivia”.
Cortesia de Manuel Abranches de Soveral
 
 
Quanto aos detentores do domínio útil, no século XVII, a propriedade pertencia à família do impressor régio Pedro Craesbeeck que tinha casado, em 1709, na Capela (mandada construir em 1620) de S. João Baptista da Quinta do Maravedi, com Mariana Bernarda Angélica Ferreira da Maia, a herdeira da Quinta do Maravedi.
No século seguinte, por herança, a quinta passa por herança para uma neta de Pedro Craesbeeck, Rosa Francisca Craesbeeck de Mello que, em 1715, na capela de S. João Baptista, casa com João Correia Pacheco Pereira, o “Manco de Gaia”.
Os anos de 1691 e 1704 tinham sido de renovação do prazo.
A Quinta do Maravedi é, então, herdada pelo Tenente-Coronel João Corrêa Pacheco Pereira, que foi Governador do Castelo de Leça e era filho do “Manco de Gaia” e que casou, em 1748, com a filha de um Guarda-mor da Saúde. Em 1732, tinha sido renovado, mais uma vez, o prazo.
Em 1832, a Guerra Civil entre liberais e miguelistas obrigou a que os proprietários da Quinta do Maravedi a abandonassem e mudassem residência para uma casa que possuíam em Paredes designada Casa do Barreiro.
Na década de 1980, quando da Quinta do Maravedi só restava a casa, em ruínas, ela vai passar para a autarquia, que a vai classificar, em 20 de Junho de 1983, como Imóvel de Interesse Concelhio.

 
 

Casa da Quinta do Maravedi, na década de 1980 - Fonte: Manuel Abranches de Soveral
 
 
 
No entanto, a área de protecção à casa, então aprovada pela Câmara, acabou por não ser cumprida pela própria autarquia, que autorizou a construção, paredes meias, de um prédio de 27 andares.
Em 1992, a Câmara de V. N. de Gaia cede o espaço, gratuitamente, em regime de comodato, por um período de 70 anos, prorrogável, à Fundação Conservatório Regional de Gaia, comprometendo-se a fundação a recuperar e manter o edifício em bom estado.
Não se perdeu tudo.
 
 
 

Casa de Maravedi, junto da Travessa Barrosa, após a sua recuperação da responsabilidade da Fundação Conservatório Regional de Gaia 

sábado, 25 de outubro de 2025

25.289 O encalhe do navio “Gauss” no Cabedelo

 
Pelas seis horas da tarde do dia 11 de Maio de 1932, encalha na restinga do Cabedelo o vapor alemão “Gauss”.
Acorreram, em socorro, os salva-vidas “Porto” e “Carvalho Araújo” e naufragam.
O salva-vidas “Porto” tinha entrado ao serviço em 1922 e era movimentado por remadores.

 
 

Salva-vidas “Porto” com os seus remadores – Cortesia de Fotomar
 
 
 
Por sua vez, o salva-vidas motorizado “Carvalho Araújo”, tinha chegado a 17 de Setembro de 1931, a Leixões, vindo de Lisboa, para prestar serviço, não só no porto de Leixões, como na barra do Douro.
A viagem até Leixões foi realizada pelos seus próprios meios, desde a estação de socorros a náufragos de Paço de Arcos, Lisboa, para onde havia sido transportado a bordo do vapor Alemão APOLLO.

 
 
 

Salva-vidas “Carvalho Araújo” chegando a Leixões em 17 de Setembro de 1931 – Cortesia de Fotomar
 
 
 
 
Durante as manobras de salvamento do “Gauss”, o salva-vidas “Porto” volta-se, o que provocou que 6 tripulantes, remadores, falecessem por afogamento na barra do rio Douro. Foram eles o Patrão José Pinheiro Brandão e os remadores Serafim Pereira da Silva, António Martins Vinagre, Mário da Silva Rebelo e os irmãos Inocêncio e Matias Baptista da Silva.
O salva-vidas motorizado “Carvalho Araújo” também naufraga, na tentativa de resgatar a equipagem do salva-vidas a remos “Porto”, que se havia voltado junto ao navio naufragado na restinga do Cabedelo. 


 

O vapor alemão “Gauss” após o encalhe no Cabedelo, em 11 de Maio de 1932, com a presença do rebocador “Mars II” – Fonte: revista “O Tripeiro”, Série Nova, Ano I, Nº 6, Maio de 1982


 
 

O navio alemão “Gauss” nas areias do Cabedelo

 
 
Sobre a foto acima, Rui Amaro, aquele que foi uma autoridade e uma fonte inesgotável de conhecimentos, no que concerne ao sector marítimo e à actividade respectiva em Leixões e na barra do rio Douro, cuja memória singelamente homenageamos, escrevia:
 
 
“Depois de grande maresia o mar acalmou, o navio permaneceu em seco durante 22 dias, findos os quais depois de reparado voltou ao canal de navegação e continuou o serviço comercial. Teria sido mais um acidente sem consequências, não fora o salva-vidas que se encontra entre o navio e o rebocador ter-se virado e morrido todos os seus ocupantes. Faz parte dos momentos mais tristes e fatídicos do Instituto de Socorros a Náufragos, pelo único motivo de estarem lá, para tentar salvar umas quantas vidas. O infortúnio colocou-os na história e a imagem quase conta o resto”.
Fonte: Rui Amaro, administrador do blogue “Navios à Vista”
 
 
 
Então, no dia 3 de Junho de 1932, dois salvadegos estrangeiros, Valkyrien, dinamarquês, e Seefalke, alemão, desencalham da restinga do Cabedelo o “Gauss”, que segue para Leixões pelos seus próprios meios, regressando mais tarde ao serviço normal.
Em 20 de Dezembro de 1932, na Associação Comercial do Porto, ao Palácio da Bolsa, decorre uma sessão solene de homenagem aos participantes no salvamento do vapor “Gauss”.
À sessão solene presidiu António de Oliveira Calém, presidente daquela Associação, que tinha à sua direita W. H. Stuve, cônsul da Alemanha no Porto; Dr. Sousa Rosa, presidente da edilidade Portuense; Cte Almeida Teixeira, representante do chefe do Departamento Marítimo do Norte e à esquerda os representantes do comandante da Região Militar do Norte, Governo Civil do Porto e Associação dos Armadores Marítimos, respectivamente.
Na oportunidade, o cônsul da Alemanha prestou justiça à benemérita corporação dos Bombeiros Voluntários do Porto.
 
 
 
“Depois foram chamados o patrão do salva-vidas PORTO, José Maria Caetano Nora e os tripulantes António de Oliveira, Gabriel Sousa Araújo, Herculano Moreira dos Santos, António Cunha Rolha, Luís da Silva Mendonça, António Rodrigues Crista e António da Silva Saragoça.
Seguidamente foi a vez do patrão do salva-vidas CARVALHO ARAÚJO, José Rabumba (O Aveiro) e os seus camaradas Manuel Rabumba, José Fernandes Caseira e Joaquim Rodrigues Crista.
Um a um, o cônsul da Alemanha foi distribuindo os respectivos diplomas”.
Fonte: Rui Amaro
 
 
 
 

Os sobreviventes das companhas dos dois salva-vidas naufragados, durante o desencalhe do “Gauss”, ladeando José Rabumba (O Aveiro), patrão do salva-vidas Carvalho Araújo – Fonte: imagem da imprensa diária
 
 
 
 
 O salva-vidas “Carvalho Araújo” completamente reparado,
fundeou, ontem, na bacia de Leixões
O salva-vidas “Carvalho Araújo”, do Instituto de Socorros a Náufragos, adstrito à Capitania de Leixões, fôra a grande vítima. Mortos muitos daqueles que, então, o tripulavam, sobre a sua carcaça frágil se encarniçaram as vagas, quase a reduzindo a destroços.
Finda a tragédia, amainada a fúria dos elementos, o “Carvalho Araújo” recolheu ao seu posto, impossibilitado de cumprir, naquele estado, doravante, a missão admirável para que fôra construído.
Justiça, porém, se lhe fez. A casa alemã que o construíra, informada de que a ele se devia, em enorme parte, o salvamento do “Gauss” e da sua gente, prontificou-se a repará-lo, o que era, afinal, de elementar justiça.
O “Carvalho Araújo” foi, então, para a Alemanha. Lá esteve, nos estaleiros da casa construtora, em porfiada reparação. Foi, de alto a baixo remodelado, renovado. Ficou – dizem – mais sólido, melhor, mais capaz, para a sua missão de salvar, do que, antes, era.
E, ante-ontem, a bordo dum vapor alemão, o “Carvalho Araújo” aportou a Lisboa.
Dali, partiu, por mar, também, navegando, pelas 5 horas da manhã de ontem. E, às 4 horas da tarde, menos poucos minutos, o salva-vidas chegava, bandeira verde e vermelha drapejando no tope do mastro, nas águas mansas da baía de Leixões.
O simpático patrão do “Carvalho Araújo”, Sr. António Rodrigues Crista, confirmou a hora de saída de Lisboa, adiantou que a viagem correu bem e mais não disse.
Quando deixamos o futuro grande porto comercial, cujas obras vão num crescendo animador, as bandeiras do “Carvalho Araújo” brilhavam, sobre o ancoradouro, ao Sol frio da tarde...”
In jornal “O Comércio do Porto” de 4 de Novembro de 1933




O salva-vidas “Carvalho Araújo” na década de 1960, junto do Farolim do Esporão, à entrada do Porto de Leixões

 
 
Em 1979, o salva-vidas “Carvalho Araújo” foi substituído pelo moderno e sofisticado salva-vidas “Patrão Joaquim Casaca (UAM-673)”, construído no estaleiro do Alfeite da classe Americana “Waverney”.