segunda-feira, 22 de julho de 2019

25.58 O Molhe de Carreiros


O Molhe de Carreiros, que haveria de dar existência ao Porto de Carreiros, composto, na realidade, por dois molhes contíguos, tem um comprimento total de 165 metros, cabendo ao molhe baixo 115 metros, e ao molhe alto 50 metros.
O Porto de Carreiros tinha uma importância fundamental para embarques e desembarques de mercadorias e passageiros, quando tal se mostrava impossível de ser executado, durante os temporais que assolavam a entrada da barra do Douro. De notar, que o porto de Leixões, ainda era um sonho, começado a ser concretizado em 1882.
Segundo investigações do engenheiro Henrique Vieira de Oliveira, o início das obras do Porto de Abrigo de Carreiros, seria em 1825, com uma primeira fase concluída em 1862.
Neste período, em 1833, durante o Cerco do Porto, este local revelou-se fundamental, pois, neste ponto da costa, foi possível ao exército sitiado movimentar alguma logística.
Naquele ano, os trabalhos de edificação do molhe eram inexistentes, pois, segundo Adolpho Loureiro, um entendido nestas matérias, dizia:

“Depois da restauração do governo legítimo…em 1838, só havia aplicáveis os fundos destinados ao varadouro de Carreiros”.

Ainda assim, era possível, devido às condições naturais do local, tirar algum proveito do mesmo.
Em 1869, o engenheiro Afonso Nogueira Soares toma conta da obra e, em 1882, é concluído o prolongamento do paredão, que passa a apresentar o seu molhe alto.
Em 1884, é lançado concurso para fornecimento do gradeamento do molhe alto. Ganhou a fundição “Devesas-Porto”, o que era observável na base de algumas das suas colunas.
Os dois molhes não estão alinhados, apresentando um desvio de 7 graus, que deve ter sido determinado pela disposição dos afloramentos de rocha no qual assenta.
Em 1989, o engenheiro Henrique Vieira de Oliveira, natural de Nevogilde, solicitou à APDL (Administração dos Portos de Douro e Leixões) que fosse colocada no piso do molhe baixo uma placa com a orientação Norte-Sul e de uma placa de bronze, à entrada do molhe alto, com a história breve sobre o Porto de Carreiros.


Placa indicativa da orientação Norte-Sul cravada no piso do molhe baixo – Ed. Graça Correia



Placa de bronze, à entrada, à esquerda, do molhe alto


Reprodução do texto da placa de bronze


Molhe de Carreiros c. 1900

Na foto acima, é possível verificar que, no molhe baixo (na sua parte mais estreita, na rampa de acesso à praia), à sua entrada, à esquerda, existiam dois bancos de pedra colocados contiguamente.



Em primeiro plano, é possível observar-se que os dois bancos de pedra, no início do molhe baixo, em 08 Novembro de 1931, já foram substituídos – Foto de Rodolfo Silva; colecção de João Macedo Silva; Fonte: “Achegas para a História do Porto de Carreiros” de Henrique Vieira de Oliveira



O Molhe de Carreiros - Ed. José Fernando Magalhães


Na foto acima, é possível ver, em primeiro plano, um dos bancos de pedra que substituiu um outro, que tinha desaparecido. Simetricamente (do lado direito da foto) encontra-se o outro, que não está visível.
Pode ainda apreciar-se, o desvio entre os molhes baixo e alto e o afloramento rochoso que invade um pouco o molhe baixo, e que é chamado de “Flor Granítica”.
Foi assim, que Ramalho Ortigão (1836/1915), portuense e habitual frequentador da Foz, escreveu a propósito desse rochedo, que possui uma lápide alusiva:

“No paredão do quebra-mar sobressai da superfície plana da cantaria uma ponta da rocha negra, áspera, duramente recortada, como uma grande flor granítica.
Essa rocha, em que eu me sentei em criança, com o meu chapéu de palha, e o meu bibe cheirando ao algodão novo azul e branco da Fábrica do Bolhão, reconheci-a com a mesma ternura saudosa com que se torna a ver um velho móvel de família! Boas pedras! Entre tantas cousas que desapareceram, ou se transformaram, umas para mal outras para pior, vós, somente, persistis como éreis! Servistes de canapé a minha avó, que muitas vezes me trouxe aqui pela mão, pensativa e triste, porque já a avó dela a trouxera também em pequena a ver o mar, deste mesmo sítio…Eu vos abençoo e peço às vagas do mar e ao fogo do céu, que vos poupem, até que os que descendem de mim, que não tenho eira nem beira nem ramo de figueira que testar aos netos, venham encontrar no vosso conhecido relevo amigo a lembrança que em vós fica daqueles que passam, como fica num travesseiro tépido o vestígio da cabeça de um ente amado…”.




Embarques e desembarques no Porto de Carreiros


Na crónica de uma viagem da carreira de navios a vapor, de propulsão por rodas, da “Companhia a Vapor da Península” que ligava, então, o porto do Sul de Inglaterra, Southampton, com Lisboa, tocando na Corunha e em Vigo, fundeando em frente à Foz do Douro, seguindo depois para Lisboa, dizia-se:

“As sobras da noite tinham acabado de cair sobre o mundo (como cantam os poetas) quando chegamos ao largo da Foz do Douro.
A escuridão tinha pouca importância, pois a noite estava bela, o mar calmo, e Nossa Senhora da Luz brilhou benignamente para tornar bem-vinda e guiar a nossa rota.
Este farol está sobre um monte a cerca de um quarto de milha da Foz do Douro, do lado norte, e logo a seguir à localidade de S. João da Foz.
As rodas de pás pararam, e um tiro de canhão foi dado para chamar a atenção de um piloto, cujo barco se mantem sempre pronto para desembarcar os sacos de correio e os passageiros. (…)
(…) O conjunto da casas caiadas, com uma igreja no meio, o farol num monte à esquerda, e o castelo baixo que guarda a entrada do rio à direita, é a povoação de banhos, pesca e pilotagem de S. João da Foz.
Observa-se outra elevação para norte do farol (Monte Crasto).
Poucos centos de jardas mais para norte aparecem alguns abrigos de barcos, e aqui um belo molhe de pedra entra pelo mar formando um porto pequeno para barcos. (Molhe de Carreiros).
Neste molhe construído ultimamente, quando a corrente do rio é demasiado forte, ou o mar está muito agitado na barra, para se entrar com segurança, o navio do correio desembarca os sacos e os passageiros.”




Catraia. Era o barco usado para ir buscar o correio ao largo e fazer o transporte de passageiros - Fonte: Portugal Illustrated. Rev. W. Kinsey B. D. 1829



Numa outra descrição de um desembarque no Porto de Carreiros, Dorothy Wordsworth filha do famoso escritor e poeta romântico inglês William Wordsworth descreve na sua obra “Diário de uma viagem a Portugal e ao Sul de Espanha”:

 
Chegada ao porto de Carreiros do vapor Queen, em 12 de Maio de 1845


 
Em 1 de Abril de 1846, Dorothy Wordsworth, ainda no porto de Carreiros, embarcava no Queen rumo a Inglaterra.
Desde uma pousada dirigida por uma irlandesa, casada com um português, situada na Rua Direita, até ao bote (catraia) que a conduziu a ela e aos companheiros de viagem, o trajecto foi cumprido a pé.

 
 

Embarque de Dorothy Wordsworth no Porto de Carreiros em 1846



Molhe de Carreiros no fim do século XIX



O Farol da Senhora da Luz e um alinhamento de 2 marcas de pedra, uma situada num rochedo e outra na então Estrada de Carreiros, permitiram ao longo dos anos a entrada no Porto de Carreiros.
O Farol da Senhora da Luz foi construído junto da Ermida da Senhora da Luz, à época, existente no mesmo local.
Situa-se no Alto do Monte da Luz, ao cimo da Rua do Farol.



Farol de Nossa Senhora da Luz em 1833 – Gravura de Joaquim Vilanova



Alto do Monte da Luz, actualmente – Fonte: Google maps



As “Marcas”, dentro das elipses desenhadas, permitiam o alinhamento para a entrada no Porto de Carreiros



“Marca” de pedra assente num rochedo



“Marca” na Avenida Brasil



Nota: As informações baseadas nos estudos do Engenheiro Henrique Vieira da Silva, bem como, a transcrição da crónica do desembarque do navio da "Companhia a vapor da Península", foram obtidas por consulta da obra daquele estudioso, intitulada "Achegas para a História do Porto de Carreiros", da qual foram impressos 100 exemplares numerados, patrocinada pelo grupo "RAR" e com a colaboração da Junta de Freguesia de Nevogilde, Associação de Cultura e Turismo da Foz e Progresso da Foz.

2 comentários:

  1. Crónica útil. Poderia ter citado claramente a origem e a localização das informações (nomeadamente a do livro do Eng° Oliveira e a Crónica da Companhia a Vapor da Península"). Como nota crítica (alás repetida por vários estudiosos da cidade e do Cerco do Porto) o facto de a Praia do Molhe não dever ter sido a dos desembarques de alimentos e armas para os sitiados no Porto. Isto porque esta praia é dominada pelas alturas do Monte do Crasto, onde havia forte bateria miguelista. As praias do Castelo e dos Ingleses seriam provavelmente as preferidas (a da Luz e do Ourigo são muito pedregosas para o efeito).

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    1. Por concordar com a sugestão que me faz, acabo de verter, no lançamento acima, as informações que reclamou. Aliás, devia tê-lo feito de início, até pelo facto de ser portador de um exemplar da obra do engº Henrique Oliveira, desde da sua publicação e ser,assim, fácil fazê-lo. Aproveito para lhe agradecer as suas amáveis palavras e espero poder continuar a merecer as suas visitas a este blogue que faço com todo o denodo e carinho. Cumprimentos

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