quarta-feira, 16 de outubro de 2019

(Conclusão) - Actualização em 8/02/2021


O ambiente das festas e romarias de outrora era para o portuense, um escape do dia-a-dia de trabalho e das poucas alturas em que todos se soltavam e desinibiam.


“Dlim, Dlim, Dlim! Repicam, estrídulas, as campainhas, Os tambores e bombos rufam ratplan, ratplan! Chamando o povoléu, aglomerado numa massa negra e densa, donde rompem apupos, berros, gargalhadas, silvos agudos de gaitas de barro, e o tilintar alegre dos risos gaiatos das costureirinhas que se erguem, em bicos dos pés, para ver as piruetas dos «clowns» e dos macacos nos tablados. Asmáticos realejos vão gaguejando melancólicas árias e roufenhas valsas de operetas centenárias, onde, a espaços, faltam notas…
- É entrar, é entrar! Quem não tem cabeça, não paga nada!
Sobre a algazarra reboante, pregões de vendedeiras vibram agudamente:
- Doces de Paranhos! Pão coado! Cavacas! Quem quer cavacas de Resende?
Pelos arruamentos, entre tendas iluminadas, a turba compacta dos domingos, acotovela-se e alastra num turbilhão de silhuetas de animatógrafo.
Bandos gárrulos de costureiras, de cabelos em bandós, sob mantilha picada dum fulgor de jóia de bazar, esbeltas na sua graça viva de flores do asfalto, deixam um rastro de alegria e um perfume de mocidade na sua passagem; caixeiros de lojas de modas, de bigode frisado e gravatas ostentosas, com olhos de tentadores, acesos para as burguesinhas, de grandes chapéus emplumados e vestidinhos de chita clara.
Lavradeiras dos arredores, de grandes arrecadas e grilhões de ouro sobre os lenços, garridamente cruzados no seio.
Para o lado das tascas de peixe frito, a confusão acentua-se na estúrdia especial dos arraiais.
Em mangas de camisa, vermelhos e obesos como Silenos, os taverneiros apregoam ruidosamente:
- Eh, freguesinho! Da Companhia! É d’um caneco!
Das pipas bojudas, enormes, o vinho jorra, num jacto espumoso e sanguinolento, sob largas canecas vidradas, em volta das mesas cobertas de toalhas manchadas; há risos, disputas, cantigas, turbilhões coloridos de saias que dançam, à roda; numa onda de fumo, crivado de fogachos ruivos de candeias em fila, ao longo das tendas, velhas, acocoradas como bruxas, agitam sobre o lumaréu rubro dos fogareiros as sertãs de cobre onde chiam, frigindo, as «espetadas» num cheiro de azeite fervido e de gordura.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro”, de 1 de Maio de 1902 – 5ª Feira


Fora os tradicionais negócios da venda de comes e bebes, de peixe frito, espetadas e doce de Paranhos, entre outros, por vezes surgiam, fruto da imaginação, outras novidades que passavam a fazer parte do quotidiano.
Assim, no início do século XX, surge o negócio muito lucrativo da venda de limonada, que não faltava em nenhuma romaria ou festança.


“A limonada, apesar de barata, em cortiços cercados de folhas de hera, para a conservar fresca, com um pouco de açúcar mascavo, custa ainda 10 reis cada copo.
E a limonada dos carrinhos de praça, enfeitados de enormes fieiras de limões, já vai mais acima. Custa um vintém.
Mas, vende-se muito.
Ninguém imagina o que se tem apurado neste pequeno comércio da rua. Fortunas, se houvesse juízo…
O «Joaquim do Piolho», que foi o primeiro há onze anos, a apresentar na praça o seu » carro vencedor nº 1», nos três primeiros anos, enquanto lhe não apareceram concorrentes, teve dias de apurar cinquenta e sete mil reis.
E só com o seu «Vencedor», no dia da proclamação da República no Porto, apurou oitenta e cinco mil reis.
Porém, já não é só ele em campo. Há já carrinhos de limonada fresca, de capilé, de limonada de cavalinho, a todos os cantos, em todas as praças, em todas as ruas.
Em muitas lojas se vendem também refrescos vários. Até águas especiais da Amieira, do Sameiro…
Nestas águas de luxo, quem, este ano, inventou um balcão muito chic, com uma caixeira toda risonha e gentil, foi a Tabacaria Teixeira. Aquilo, sim. Aquilo é que é água que mata a sede, água de Pisões, servida em copos de cristal por mãos delicadas e finas. Até dá vontade de ter sede!”
In jornal “ O Porto” de 1 de Junho de 1911 – 5ª Feira


A marca de água gaseificada foi lançada em 1899, pela empresa Águas de Moura, de Pisões-Moura



Um nicho ou oratório com uma figura de um santo ou santa, encostado ou inserido numa fachada de um prédio, era motivo e desculpa, para se montar uma festa, que não dispensava o lançamento de um bom fogo-de-artifício ou um fogo preso, que fazia a delícia dos mais miúdos.


“No sábado e domingo próximos, 23 e 24 de Julho, realizam-se imponentes festejos a nossa Senhora do Carmo, na Rua da Ponte Nova, em frente à Rua Mouzinho da Silveira.
Tanto num dia como no outro haverá música, embandeiramento e iluminação, trabalho este que foi confiado ao ornamentista sr. José de Almeida.
No sábado à noite, haverá um brilhante fogo de artifício, do conhecido pirotécnico sr. Joaquim Devezas. No dia, à tarde, será queimado um vistoso fogo de bonecos.
A imagem da Senhora apresentará, pela primeira vez, um rico vestido e manto, bordados a ouro, oferta de uma comissão de senhoras.
A conceituada casa Jayme Augusto Silva encarregou-se da ornamentação do oratório.”
In jornal “A Província” de 19 de Julho de 1898 – 3ª Feira



Cartão comercial da “Fábrica Nacional de Produtos Pirotécnicos”



O cartão comercial da gravura acima publicita a “Fábrica Nacional de Produtos Pirotécnicos”, que é também referida na notícia anterior, inserida no jornal “A Província”.
Curioso será notar que, a referida fábrica, pelas suas características, estava à data em local bem afastado da cidade, no lugar de Currais, para os lados da Areosa, enquanto os seus escritórios estavam na Rua Visconde de Setúbal, perto da Praça do Marquês.



Rua da Ponte Nova


A Rua da Ponte Nova é cortada pela Rua Mouzinho da Silveira, conforme se vê na foto acima. Em tempos, a Rua da Ponte Nova atravessava o Rio da Vila que corria onde hoje está o chão da Rua Mouzinho da Silveira.
Em muitos casos, a festa associava-se ao culto a um qualquer padroeiro ou orago de uma capela, promovida por alguém do lugar, com posses.
Era o caso do culto ao Senhor dos Navegantes, em Sobreiras, próximo à Cantareira.


“Amanhã há grandes festas em Sobreiras, na capela do Senhor dos Navegantes, próximo da Foz. Os festeiros são o capitão e tripulação da barca «Silêncio», de que é proprietário o sr. António Ferreira Miranda Guimarães. Na véspera há fogo preso e iluminação, música regimental, fogo do ar e arraial.”
In jornal “O Braz Tisana” de 3 de Setembro de 1853 – Sábado



A capela do Senhor dos Navegantes está, há muito, afecta a uma área comercial



Na Foz do Douro, uma outra capela era o alvo das atenções à sua padroeira – Nossa Senhora da Lapa, que envolvia grandes festejos organizados pelos pilotos da barra e que tinha como devotos os pescadores locais, mareantes e embarcadiços.


“No sítio da Cantareira, na rua do Passeio Alegre, da povoação da Foz do Douro, ao Norte da estrada pública, em frente do antigo farol e torre…há outra Capela e Oratório…cujo orago é Nossa Senhora da Lapa…a sua decente edificação e boa ordem dos adornos internos testemunha o gosto do seu fundador e indica o dispêndio feito na erecção deste Santuário…quando se reedificou há bem poucos anos”.
Sousa Reis – Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP)



Capela de Nossa senhora da Lapa – Ed. JPortojo



“Na Foz do Douro, junto ao Passeio Alegre, ergue-se, desde há muitos anos, com a fachada voltada ao mar, uma pequena ermida que tem como padroeira Nossa Senhora da Lapa. Em épocas muito recuadas foram grandes devotos desta padroeira, os pescadores locais; mareantes e embarcadiços; e, ultimamente, os pilotos da barra do Douro, quando esta corporação funcionava por ali perto e a sua atividade era fundamental para o acompanhamento, em segurança, da entrada e saída de navios na perigosíssima barra do rio Douro.
Foi uma das mais queridas capelas da zona da Foz do Douro com direito a festa e arraial que tinham organização primorosa dos pilotos que zelavam, também, pelo culto, asseio, adorno e conservação do pequeno templo. No lintel por cima da porta da entrada no templo está gravada uma legenda em latim que, em vernáculo, diz o seguinte: construída no ano de 1391.
Fundaram-na uns devotos do culto de Nossa Senhora da Lapa, uns pobres pescadores cujo barco teria sido salvo de um naufrágio, por interceção de Nossa Senhora da Lapa, vindo dar ao areal que existia onde agora está o jardim. Devia ser bem pequenina a primitiva ermida. A que agora lá vemos resultou de vários restauros feitos ao longo dos anos e de uma ampliação realizada em 1820.
Muitos outros milagres, diz a tradição, fez a Senhora da Lapa, salvando, nomeadamente, pequenas embarcações de pescadores sanjoaneiros quando pareciam prestes a serem tragados pelo mar revolto em dias de temporais.
De um desses “salvamentos” há registo escrito. Passou-se com o patacho “Rápido” no dia 29 de Janeiro de 1866. O veleiro estava a entrar na barra quando uma vaga mais alterosa o atirou para cima de um rochedo. A história diz que “morreriam todos e o navio perder-se-ia se Nossa Senhora da Lapa não tivesse ouvido as preces que os tripulantes do navio lhe dirigiram…”
Entretanto o culto ao redor da imagem de Nossa Senhora da Lapa foi esmorecendo, decaiu e, entre os homens do mar, está, se não extinto, pelo menos adormecido. Mas o pequeno templo resiste. É hoje propriedade particular. Mas foi durante muitos anos um centro de devoção marinheira e continua a ser, no aparente esquecimento em que jaz, um trono de saudades no coração dos fozeiros”.
Cortesia de Germano Silva



Se as festas ao Senhor da Boa Nova, à Torre da Marca, funcionavam como o abrir do calendário festivo, a romaria à Senhora do Rosário, em S. Cosme, Gondomar, funcionava como o crepúsculo dele.
Esta festa tem lugar no 1º Domingo de Outubro e é, também, conhecida como a romaria das Nozes.
A romaria é levada à prática há mais de 260 anos.
Contam os historiadores que a devoção inicial que mobilizava os devotos a Gondomar seria dirigida a S. Cosme e S. Damião, patronos dos médicos e das doenças más. Posteriormente, passou a ser dirigida à Nossa Senhora do Rosário.



Igreja Matriz de Gondomar


“Ontem foi a última romaria do ano, a Senhora do Rosário. Apesar da manhã ter estado chuvosa, muita gente concorreu, tanto a S. Cosme, como a Campanhã”.
In jornal “O Informador” de 5 de Outubro de 1846 – 2ª Feira


“Foi ontem a romaria de Nossa Senhora do Rosário, em S. Cosme de Gondomar, que é também a última do ano.
Os amigos destas festanças não podiam passar sem assistir ao bota-fora das romarias, por isso era tão grande a concorrência dos romeiros; alguns houve que, para não perderem pitada, já para lá tinham ido de véspera.
Alguns que costumam gostar das romarias molhadinhas, foram os que voltaram mais satisfeitos, porque o Céu veio em seu auxílio”.
In jornal “Restauração” de 2 de Outubro de 1865 – 2ª Feira


“Foi ante-ontem, em S. Cosme de Gondomar, a festividade e romaria da Senhora do Rosário, que é costume verificar-se no primeiro domingo do mês de Outubro, romaria que é o epílogo de todas as funções e arraiais”.
In jornal “O Brio do Paiz” de 4 de Outubro de 1870 – 3ª Feira



Os romeiros, oriundos das redondezas, rumavam à Romaria de Nossa Senhora do Rosário, utilizando todos os meios de transporte de que podiam lançar mão, carros puxados por animais, etc, mas muitos deles faziam-no mesmo a pé, cobrindo grandes distâncias. Era, assim, com esta e com outras romarias, para as quais se partia, em plena madrugada.
No início do século XX, logo nas primeiras décadas, apareceu o transporte por camionetas, com percursos e serviços devidamente concessionados por lei.
No caso de Gondomar, desde 1939, a “Empresa de Transportes Gondomarense”, foi uma bênção para os romeiros portuenses que se dirigiam a S. Cosme.
Deve observar-se que, naqueles tempos, o uso de viatura própria era exclusivo de apenas alguns privilegiados.
Fundada em 1939, a Empresa de Transportes Gondomarense, Lda. resultou da fusão de quatro das seis empresas concessionárias existentes, à data, em Gondomar. As duas empresas remanescentes acabaram também por integrar a Gondomarense, em 1957.
Operava a partir de Atães, para todo o concelho e daí para a cidade do Porto, como empresa de transporte colectivo de passageiros e turismo.
O terminal de camionagem da Empresa de Transportes Gondomarense, Lda., era na Rua Duque de Loulé.
Em 1989, a Gondomarense acabou por ser adquirida pelo grupo JAL, SA, que adquire, ainda, a congénere AAMS - Américo António Martins Soares, sediada em Seixo (Gondomar) e que operava carreiras interurbanas entre o Porto, Valongo e Sobrado.
No dia 1 de Dezembro de 2023, na sequência de um concurso para concessionar todos os transportes de passageiros na Área Metropolitana do Porto, a Gondomarense cessou a sua actividade de transportes públicos, sendo substituída pela UNIR.
Passou, então, a operar no privado, em serviços de aluguer.
 
 


Camioneta da Gondomarense


 

Camionetas da Empresa de Transportes Gondomarense, Lda., em 1968, na Alameda das Fontainhas, o seu local de estacionamento habitual

 
 
Antes da realização da Feira das Nozes, a meio do ano, pelo concelho de Gondomar, mais precisamente em Rio Tinto, tinha lugar uma romaria antiga, que ainda se mantem nos nossos dias, dedicada a S. Bento.
O altar de S. Bento das Peras, em talha dourada, exposto na igreja matriz de Rio Tinto, apresenta-o invulgarmente vestido de bispo, ao contrário da sua representação habitual como monge.
A festa ao S. Bento, em Rio Tinto, realiza-se em 11 de Julho e, na semana seguinte, é festejado S. Cristovão.



 
 

Notícia à romaria de São Bento das Peras, In jornal “A Voz Pública” de 12 Julho de 1900
 
 
 
 

Igreja matriz de Rio Tinto




Festas da Burguesia



No que diz respeito à burguesia, tinha as suas festas privativas que aconteciam ou no recato das suas casas ou dos seus palacetes, com procedimentos muito próprios.
Podemos apontar, organizados pela burguesia, os bailes, os bailes de máscaras, as soirées dançantes, as récitas, os "garden party ", as festas de Verão.
Em 1849, Camilo Castelo Branco, um frequentador assíduo dos salões de baile, escrevia, sob o nome de Saragoçano:


« (…) O Ex.mo conde de Casal deu ontem um baile de ‘costumes’. Foi brilhante a concorrência, e tudo esteve lindo, e digno de ser tratado na crónica com a seriedade de escritor judicioso como tenho a glória de ser. Reputo por mo haverem dito, como soberanas em delicadeza, as senhoras condessas; e se elas o não forem, que carácter distintivo poderão aparentar que as torne excêntricas à plebe!? O sangue ‘azul’ é líquido que flui a ocultas lá no maquinismo vascular, por consequência mister é que hajam actos externos, que tenham o valor daquele “in hoc signo vinces” dos cruzados novos.
Esta ideia está um pouco metafísica, mas é que eu mesmo estou em grandes operações psicológicas, a ponto de recear uma metempsicose.»
Saragoçano (Camilo Castelo Branco), In Eco Popular, de 17 de Fevereiro de 1849





Passados três dias, Camilo Castelo Branco já estava a escrever no “Nacional", não voltando, mais, ao Eco Popular.
Dizem alguns que tal se teria ficado a dever a questões de política e, outros, a altercações entre o escritor e um pretendente à mão de Ana Plácido, D. António Frutuoso Ayres de Gouveia Osório (1828-1916).
Camilo terá conhecido Ana Plácido, precisamente no dia 13 de Fevereiro de 1849, durante um baile, dos muitos que se realizavam pelos salões dos palacetes da burguesia da cidade e, dos quais, o escritor era um assíduo frequentador.
Célebres ficaram, as festas realizadas nos palacetes do visconde Pereira Machado e do conde do Bolhão, à Rua Formosa, ou as levadas a cabo por Barroso Pereira, na Praça de Santa Teresa ou pelo visconde de Pinhel, à Carvalhosa.
Foram tempos em que as danças predilectas da mocidade eram a Polca, a Mazurca, a Valsa e as Quadrilhas (Francesa, Lanceiros, Príncipe e Princesa).
Um baile, nesses tempos, tinha de ter obrigatoriamente quadrilhas e iniciavam-se, sempre, com uma quadrilha de honra, na qual tomavam parte as pessoas de maior prestígio, presentes nessa festa.
As quadrilhas tinham quatro pares dançantes que se movimentavam à voz de um marcador.
Mas, de facto, o rei era o “Cotilhão” ou “Cotillion” que muito usado nos salões da aristocracia francesa, de movimentos complicados e variados, tinha muitos adeptos entre a burguesia portuense e, normalmente, encerrava as sessões dançantes.



“Nas festas da alta sociedade do séc. XIX e até anos 20 do século passado, as meninas levavam um “carnet de bal” no qual iam anotando o nome dos cavalheiros que as convidavam para dançar e que elas aceitavam.
Alguns eram muito luxuosos e mostravam a riqueza da família a que pertenciam. Por vezes causava dissabores ou revolta entre os candidatos, ou porque pretendiam antecipar a sua vez ou mesmo porque lhes era negada a dança pelos pais ou pela pretendida. Não era raro uma menina aceitar sucessivamente a inscrição do mesmo cavalheiro, o que era logo notado e comentado pela assistência. Estamos persuadidos que em casos extremos terá levado a algum duelo.”
Cortesia de Rui Cunha 


“Carnet de Bal” ou “Dance Card”



“Carnet de Bal” – Cortesia de Rui Cunha


Mas havia outro tipo de carnet. Em certos bailes era distribuído um, à entrada, com a sequência das obras que iam ser executadas, seguidas de uma linha onde era anotado o respectivo convidado.
Por outro lado, convém lembrar que os hábitos da época eram em tudo diferentes dos actuais e as regras da etiqueta cumpridas escrupulosamente.
Assim, como ninguém apareceria em festas e reuniões onde se dançasse, mesmo que se tratasse de um casino ou club, sem usar luvas, também nenhum rapaz seria capaz de convidar uma jovem para dançar consigo, sem que antes fosse apresentado aos pais ou pessoas de família que a acompanhavam.


“Eram presenças habituais dessas reuniões dançantes Xisto Lopes, e nelas se faziam ouvir periodicamente alguns conhecidos amadores da cidade como, por exemplo, o tenor Franck de Castro, o barítono Henrique Carlos de Meireles Kendall, o baixo Heitor Guichard, Marques Pinto, D. Sílvia Owen Pinto, D. Berta Arroyo, D. Alexandrina Castagnoli, D. Leonor Chelmiky.
(…) No dia 3 de Fevereiro de 1901, um Domingo, pela 1 hora da tarde, as senhoras D. Maria Guilhermina e D. Maria Adelaide Barbosa de Sousa Faria ofereceram, na sua residência situada na Rua de Santo António, por cima da Joalharia Reis & Filhos, uma festa de dia, a que se deu o nome de "matinée", com o programa seguinte:
Primeira Parte:
1 - Minuette em bemol- Dreyschok, para piano, por Xisto Lopes.
2 - Preghiera de Florenzo - para duas harpas, por D. Henriqueta Pauli e Paulo Navone.
3 - Romania - do 1º acto da ópera "A Tosca" de Pucini, pelo sr. Peireni.
4 - Canção espanhola - pela srª Galan.
Segunda Parte:
1 - Castagnette - Ketten - para piano, por Xisto Lopes.
2 - Antonine - de John Thomas, para harpa, por Paulo Navone.
3 - Duetto da ópera "Cavalaria Rusticana" - de Mascagni, pela srª Galan e pelo sr. Peirani.
4 - Romanzado último acto da ópera "Tosca" de Pucini, pelo sr. Peirani.


Em casa destas duas ilustres senhoras, muitos foram os bailes e outras reuniões que fizeram história na cidade, que no Verão residiam na Foz, à Rua Senhora da Luz.
D. Maria Guilhermina faleceu em 1913, enquanto sua irmã, D. Maria Adelaide veio a falecer nesta cidade, em 1919.
A Foz tornara-se, com o tempo, num dos pontos mais frequentes de reuniões da sociedade e algumas das mais atractivas recepções foram dadas por D. Emília Champalimaud, residente na Rua do Passeio Alegre, por D. Júlia de Lima Barreto, na actual Avenida de Montevideu, pela condessa de Aris, na esplanada do Castelo, por D. Maria Joaquina Pestana da Silva, na Rua da Senhora da Luz, e por D. Carlota Barreiros de Champalimaud Pacheco, na Rua do Gama.
Um outro local, também situado na Foz, e que durante anos foi considerado como um verdadeiro centro de elegância e distinção e na memória de muitos ficaram as festas e os bailes que aí se realizaram, foi o Club da Foz (depois chamado Assembleia).
Ao lado do Club da Foz, encontrámos o Casino Internacional, cujas festas aí organizadas ficaram marcadas pela presença assídua de muitos portuenses ilustres. A matinée de caridade de Maio de 1910, e o baile organizado em Fevereiro de 1911, foram considerados na época como dois eventos elegantíssimos muito concorridos, que contaram com as presenças entre de elementos da nobreza e da burguesia da cidade, como a viscondessa da Ermida e sua filha D. Lucrécia e a viscondessa de Godim e suas filhas, D. Maria Sofia e Guilherme Wandschneider, D. Fernanda e Fernando Van Zeller, entre muitos outros.”.
Cortesia de Maria José de Sousa Ferraria, In “Percursos Burgueses na cidade do Porto (1910 – 1926)”


Pela Foz do Douro, começaram a proliferar os pequenos clubes, que surgem com o intuito de animar as quentes noites de Verão da burguesia trazendo algum bulício e promovendo o encontro de amigos.

"Dava sobre a praia dos banhos o terraço da Assembleia, cuja principal entrada abria para a rua dos Banhos Quentes. Foi n´essa Assembleia que nasceu a primeira rolêta da Foz.
Alberto Pimentel, In “O Porto há 30 anos” (1893)


Naqueles bailes e reuniões era frequente surgir a oportunidade de se fazerem ouvir alguns talentos que, de outro modo, teriam ficado no segredo das famílias.
Ao fundo do Largo de Cadouços, no antigo edifício da Companhia Carris de Ferro, foi dado a conhecer aos presentes a belíssima voz de D. Cândida da Nova Monteiro que, mais tarde, viria a casar com o eng° Alfredo de Carvalho Kendall.



Restaurante/Casino de Cadouços onde se realizavam espectáculos musicais e de teatro e onde deve ter cantado Cândida da Nova Monteiro



“Partiu para o Rio de Janeiro, onde conta fixar-se por algum tempo, a notável amadora de canto e de piano, a sr. D. Cândida da Nova Monteiro Kendall. Acompanhou-a seu esposo e nosso amigo, o sr. engenheiro Alfredo Kendall”.
In revista, “Arte Musical” 15 de Agosto de 1910


«Cristiano Van Zeller deu inúmeros bailes na sua residência, conhecida como Quinta de Vilar, enquanto Arnaldo Ribeiro de Faria, ofereceu na sua casa, na antiga Quinta de Barros Lima, à Rua de Barros Lima, esplêndidos bailes.
Outro notável do Porto, cujos bailes ficaram nos anais da história desta cidade, foi Manuel Pinto da Fonseca, residente na Avenida da Boavista. O mais célebre dos bailes oferecidos por Manuel Pinto da Fonseca foi o baile pela "Micarême" de 1903, no qual se dançou o cotillion, marcando presença a sra D. Elisa de Lima e Barros e o sr. Fernando Nicolau de Almeida. Nesse baile distribuíram-se valiosas lembranças pelos convidados.
António Júlio Machado, um famoso negociante da Invicta Cidade, apaixonado pela música, e que teve a oportunidade de estudar com Carlos Dubini e Vicenzo Sabbatini, inaugurou numa dependência de sua casa, situada em Belos Ares (Avenida da Boavista), onde se realizaram algumas récitas memoráveis, nas quais participaram alguns talentosos amadores, conseguindo levar à cena a ópera O Barbeiro de Sevilha.
(…) No palácio de Cristal, a 26 de Janeiro de 1913, uma comissão de rapazes organizou um bal costumé, a que assistiram cerca de quatrocentas pessoas, grande parte das quais envergava fatos alegóricos, reproduzindo, muitos deles variados trajos de épocas históricas passadas. Os carnets deste baile tinham inscritos vinte números de dança, divididos em nove valsas, três quadrilhas, três two-step, três mélanges e dois lanceiros. Na assistência encontrámos alguns dos nomes mencionados anteriormente, todos eles, senhoras e cavalheiros, vestidos a rigor, com trajes de época. As senhoras vestiram-se com fantasias à "Marie Antoinette", à "1846", à "grega" , à "japonesa" , à "travesti de pomba" ou à "ciganas" , não faltando quem envergasse os tradicionais trajes à " espanhola". Entre os cavalheiros, destacaram-se os trajes mais usados foram à "fidalgo veneziano do séc. XVI", à "marechal do Império", à "Lourenço de Médicis" e à “Luís XV".
(…) comissão organizada por rapazes, e que funda, em 1913, uma espécie de Club, cujo número de sócios estava limitado a cinquenta rapazes solteiros e a cinquenta chefes de família, e que às quintas-feiras à noite organizava no Salão de Festas do antigo Jardim de Passos Manuel, animadas sessões de patinagem e várias sessões dançantes, todas elas muito concorridas.»
Cortesia de Maria José de Sousa Ferraria, In “Percursos Burgueses na cidade do Porto (1910 – 1926)”


Arnaldo Ribeiro de Faria, citado no texto acima, era descendente de uma filha de Francisco José de Barros Lima (membro do Sinédrio e da Junta Suprema do Governo do Reino em 1820, e depois da Junta Provisional Preparatória das Cortes de 1820 e deputado da nação às Cortes de 1820), de seu nome, Rosa Margarida de Lima, casada com Francisco Ribeiro de Faria e que tinham por residência a casa da Rua de Cedofeita, nº 395, que foi quartel-general de D. Pedro IV durante as lutas liberais e do cerco do Porto.
Por essa razão é que, à rua onde morou, foi dado o nome de Barros Lima. Habitou, precisamente, o edifício que, mais tarde, seria arrendado à Secção do Liceu Carolina Michaëla, que se tornaria no Liceu Rainha Santa Isabel, depois de se autonomizar daquele.
Era, aí, que se localizava a Quinta de Barros Lima, onde tinham lugar as festas que ficaram célebres, na altura.
Aquele troço da rua chama-se, hoje, Rua António Carneiro.
António Júlio Machado, também referido no texto acima, foi quem mandou construir, na esquina, a poente, da Rua de Belos Ares e da Avenida da Boavista, um elegante ''chalet'' de veraneio em cujo interior fez um teatro onde se realizaram várias récitas.
O ''chalet'' viria, mais tarde, a ser comprado por Lino Henriques Bento de Sousa (Brasileiro de torna-viagem) e conde de Santiago de Lobão, que ali chegou a residir, tendo a condessa, já viúva (desde 13 de Abril de 1921), legado a propriedade ao Estado.
Presentemente, o “chalet” ainda existe, encontrando-se desocupado, sendo hoje a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, representando o Estado, o proprietário do palacete e anexos.


Palacete de António Júlio Machado. Fachada voltada para a Avenida da Boavista – Fonte: DGPC

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