terça-feira, 12 de janeiro de 2021

25.109 Fajardices e outras aldrabices

O Fajardo
 
Quem é que já não ouviu alguém proferir a palavra fajardo ou uma sua derivação, fajardice?
Pois, essa personagem, “O Fajardo”, existiu mesmo na cidade do Porto e passou a ser essa a designação para todos aqueles que, por certas artes que desenvolveram e praticaram, ligadas ao engano,  providos de uma falsa ostentação, vivem à custa dos incautos.
Em 1908, Alberto Pimentel traçou-lhe o perfil de troca-tintas engenhoso, esperto e finório, na obra “O Porto há Trinta Anos”.
João da Costa Fajardo, tal era a sua graça, viveu da fraude e de enganar tudo e todos, tendo acabado por viver estendendo a mão à caridade, deambulando pelas ruas da cidade.
Seu pai foi um homem honrado, um dos muitos que desembarcaram na praia de Pampolido, para devolver a liberdade aos portugueses.
Em 1837, seu filho, João Fajardo, nascido em 1825, embarcou para o Brasil, tentando uma carreira comercial, num armazém de café no Rio de Janeiro. Esta decisão não teve qualquer efeito prático.
Despediu-se ao fim de um ano, em virtude do fastio que o trabalho lhe provocava.
Peregrinou pelo Estado do Rio de Janeiro e na pequena cidade de Mangarativa, no quarto de um hotel, perspectivou o seu futuro – viver enganando o próximo.
Naquela pequena urbe fez os primeiros ensaios, mas logo voltou para a capital do estado, onde vigarizou sempre que a oportunidade se lhe deparou.
João Fajardo estava, então, com 16 anos, homem alto e bem-parecido esteve quase a casar com a filha de uma baronesa, viúva, mas o negócio de altar esfumou-se à última da hora, devido a um rebate de consciência, contou Fajardo, mais tarde.
Em 1847, depois de explorado o filão brasileiro voltaria para a terra mãe, apresentando-se, algumas vezes, como um negociante do outro lado do mundo.
Numa das suas “fajardices” saca quatro libras a um abastado burguês.
Durante a visita a um brasileiro de torna-viagem, à data, à frente de uma Ordem Terceira da cidade, da qual o seu falecido pai tinha sido membro da irmandade, mostra-se interessado em prestar uma homenagem póstuma ao seu progenitor. Tratados que foram alguns pormenores e estando já de saída, apresenta-se à porta da casa do burguês, uma pedinte, que se diz fugitiva de Espanha, devido a um caso de momentânea loucura amorosa e que estava sem possibilidades de se recolher a casa dos seus pais.
João Fajardo vai ao seu porta-moedas, mas declara só ter notas de banco.
Pede então, ao seu anfitrião, quatro libras, que devolverá ao criado que o acompanhar ao hotel e entrega-as à rapariga.
O criado foi despistado no caminho e, mais tarde, a rapariga espanhola recebeu 4$500 réis de recompensa.
Vestindo bem, sempre de cartola ou chapéu de coco, luvas, gravata e bengala de castão de prata lavrada, vestia de preto, falava diversas línguas e sabia seduzir com toda a facilidade as vítimas de quem se abeirava.
Numa outra ocasião, João Fajardo compra um par de botas.
Ao sapateiro dá uma entrada e o restante propõe-se a pagar em três prestações, o que não cumprirá.
Um dia, ao passar na rua, pelo sapateiro, este exigiu-lhe a devolução do artigo.
João Fajardo ficou descalço, em meias, mas estendendo o chapéu à caridade e dizendo estar a cumprir uma promessa, angariou, logo ali, grossa maquia. Dizia, Fajardo:
 
«Por favor: fiz voto de pedir, descalço, esmola para uma missa de acção de graças…»

 
Em 1892, já andava pelo Porto uma versão do Fajardo, de acordo com a notícia de “O Comércio do Porto” de 26 de Maio.

 


 
 
 
Alves dos Reis
 

Passar de João Fajardo para Alves dos Reis é um salto enorme no abismo.
A cidade do Porto capitalista e burguesa desempenhou papel importante, em 5 de dezembro de 1925, quando foi descoberta toda a trama montada pelo falsário, num caso de âmbito nacional.
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 8 de Setembro de 1896 – 9 de Junho de 1955) ficou conhecido pela maior falsificação de notas da história, efígie Vasco da Gama, em 1925. Antes, já tinha falsificado também documentos e respectivas assinaturas constantes dos mesmos, comprou acções de forma ilegal, além de também ter passado cheques sem cobertura.
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente).
Alves Reis chegou a estudar engenharia.
Inscreveu-se no primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que o negócio do pai faliu.
Para tentar fazer fortuna e, assim, escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família da mulher, devido à diferença de condição social, em 1916, emigrou para Angola, fazendo-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering.
Começou como funcionário público nas obras públicas de esgotos e com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das acções da Companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola.
 
 
“Tornou-se rico e ganhou prestígio
De volta a Lisboa em 1922, comprou uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tentou apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em Julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
A Companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, conhecida por Companhia de Ambaca (Angola, Cuanza Norte), acima referida, explorava o caminho-de-ferro entre Luanda e Ambaca.
Tendo estado preso apenas 56 dias, por razões processuais, foi Alves dos Reis libertado em Agosto de 1924 e, será por esta altura que é gizado o grande golpe.
A ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas, numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Apoiado por vários cúmplices, as 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama, chapa 2, com a data de 17 de Novembro de 1922, começam a ser distribuídas em Fevereiro de 1925.

 
 
Nota de 500 escudos, efígie Vasco da Gama
 
 
Em Junho de 1925, Alves dos Reis fundava o “Banco de Angola e Metrópole”, com os 25% das notas que lhe eram destinadas do bolo total.
Para abertura do banco recorreu também à falsificação do respectivo alvará, entre outros documentos.
Ainda nesse ano, investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou o Palácio do Menino de Ouro (actual edifício do British Council, em Lisboa), adquiriu quintas e uma frota de táxis. Tentou ainda comprar o Diário de Notícias.


 
Delegação no Porto do Banco de Angola e Metrópole – Fonte: revista Ilustração de 1 de Janeiro de 1926
 
 
A delegação do Banco de Angola e Metrópole, no Porto, em foto acima, situava-se no que hoje é a entrada principal do Hotel Intercontinental, na Praça da Liberdade (Palacete das Cardosas)

 
 
Entrada do Hotel Intercontinental

 
A 23 de Novembro, devido a uma investigação jornalística do jornal “O Século”, que desconfia dos juros baixos praticados por aquele banco, começa-se a levantar uma ponta da tramoia.
 
 
“No Porto, os artigos desse jornal saídos em novembro são muito comentados nos cafés, e é certamente de uma dessas conversas que nasce a 'pulga atrás da orelha' ao tesoureiro da casa de câmbio José Pinto da Cunha, Sobrinho, fornecedor de moeda estrangeira ao banco de AR; pois ele sabia que as transações não eram escrituradas. Convencendo-se da falsidade das notas e comentando tal apreensão a colegas do Banco Espírito Santo, a notícia acaba por chegar ao BdP.
É então que o governador envia ao Porto inspetores bancários, acompanhados de agentes da polícia criminal, para investigar a casa José Pinto da Cunha, onde descobrem uma grande quantidade de notas de 500 escudos. Não obstante estas serem dadas como verdadeiras, a casa de câmbios é encerrada uma vez que o seu valor não estava lançado nos livros de caixa (são presos o gerente e guarda-livros). De seguida os inspetores visitam a caixa filial do Angola e Metrópole: mesmo sem provas, o banco é encerrado e apreendido todo o montante encontrado nos cofres, com a prisão do seu gerente. Desnorteados, um dos inspetores propõem levar as notas de 500 que estavam no banco para a caixa filial do BdP, ao largo de S. Domingos, e aí compará-las exaustivamente com as que lá existiam. O trabalho prolonga-se madrugada dentro, e é já no dia 5 de dezembro que finalmente surgem duas notas com o mesmo número de série”.
Cortesia de Nuno Cruz, admin. do Blogue “A Porta Nobre”


 
Casa de câmbios “José Pinto da Cunha, Sobrinho” – Fonte: revista Ilustração de 1 de Janeiro de 1926
 
 
 
Perspectiva idêntica e actual, à da foto anterior, junto da igreja dos Congregados – Fonte: Google maps
 
 
 
 
“A burla é publicamente revelada em 5 de Dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$ novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detectar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves Reis é preso a 6 de Dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 27 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também identificados e presos”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
Entre os cúmplices de Alves dos Reis, contavam-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e José Bandeira, irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia e uma peça fundamental do esquema gizado.
As notas seriam retiradas imediatamente de circulação, tanto as legítimas como as maradas. Ficaram popularmente conhecidas por “VASCOS”.
 
 
Delegação do Banco de Portugal, no Porto, no Largo de S. Domingos – Fonte: revista Ilustração de 1 de Janeiro de 1926
 
 
 
 
Na foto anterior, observam-se as imensas filas que se formaram para a troca das notas de 500 escudos, os “Vascos”.
O escudo, a moeda portuguesa, teve perturbações cambiais e perdeu muito da sua credibilidade e muitos historiadores afirmam, que este acontecimento foi a causa principal que facilitou a revolução de 28 de Maio de 1926, que derrubou o presidente da República Bernardino Machado e deu origem à ditadura e, mais tarde, ao Estado Novo.
O Banco de Portugal processou a Waterlow & Sons nos tribunais londrinos, a empresa que de boa-fé tinha sido vigarizada e que trabalhava habitualmente na impressão de moeda para o Banco de Portugal.
O caso só seria definitivamente resolvido, em 28 de Abril de 1932.
A empresa britânica pagaria uma indemnização ao Banco de Portugal e faliu.
 
 
 
“Alves dos Reis foi finalmente julgado, aos 32 anos de idade, em Lisboa no Tribunal de St.ª Clara em Maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objectivo era simplesmente desenvolver Angola. Foi preso três anos antes do começo da era do Estado Novo. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em Maio de 1945, já durante a era do Estado Novo. Depois da sua saída, procurou a sua mulher, que infelizmente já tinha falecido quando saiu.
Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. E ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola. Mas já não cumpre pena. Morreu de ataque cardíaco a 9 de Junho de 1955, sem fortuna”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”

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