domingo, 16 de janeiro de 2022

25.146 Bem prega frei Tomás

 
A noite caía. Estávamos em 16 de Outubro de 1861, caminhava-se para a meia-noite e pairava no ar a ameaça de uma trovoada. Todos esperavam, no tribunal, o veredicto dos jurados sobre o julgamento de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido pelo crime de adultério.
Alguns meses antes, deambulando pelo país, Camilo hesitava sobre a possibilidade de se entregar às autoridades ou de continuar uma fuga à justiça, que já durava há alguns meses.
Na sequência de queixa apresentada pelo marido traído, após recurso da acusação, a pronúncia respectiva dimanada do Tribunal da Relação, leva Ana Plácido à prisão, a 6 de Junho de 1860, mas Camilo fugirá e só se entregará em 1 de Outubro de 1860.
Nesse corrupio, Camilo escondeu-se, primeiro, na Samardã, em casa da irmã e, depois, em Vila Real.
No jogo do gato e do rato com os oficiais da justiça, passou em seguida por Guimarães e pelas Caldas das Taipas, de onde rumou para Fafe, numa altura em que estaria iminente a sua detenção, esteve aqui escondido na casa do seu amigo José Cardoso Vieira de Castro (1837-1872).
Essa estada de Camilo, em 1860, de cerca de um mês, na “Casa do Ermo”, na Vila de Fafe, freguesia de Paços, é motivo de orgulho para os locais daquela freguesia, que já foi “Passos” (com ss).
No livro "Memórias do Cárcere", surgem as referências a essas passagens por Paços e Caldas das Taipas.
Enquanto se encontrava nas Taipas, Camilo viveu numa casa junto à Pensão Vilas, que seria demolida em 1991.
Actualmente (2022) o prédio onde se alojou aquela pensão encontra-se em estado de ruína.


 

Pensão Villas (Caldas das Taipas) no início do século XX e, à esquerda, a casa que Camilo habitou
 
 
 
Naquela vila, o escritor esteve também refugiado no Solar da Ponte, em Briteiros, propriedade de Francisco Martins Sarmento.
No muito do tempo de que dispunha, Camilo dava passeios de barco no rio Ave com Martins Sarmento, apreciava as frescas carvalheiras, frequentando, por vezes, os bailes da Assembleia, apesar do receio de ser reconhecido.
Sobre esta estadia Camilo conta na sua obra "Memórias do Cárcere":
 
 
 
”A meia légua das Taipas, tem Francisco Martins uma quinta, chamada Briteiros. Na casa magnífica da quinta vivia um par de conjugues decrépitos, antiquíssimos criados de pais e avós do meu amigo. A extensão das suas salas, câmaras, corredores em longitude e forma conventual, de tudo me senhoreei. Escolhi o quarto, cujas janelas faseavam com um recorte horizontal de arvoredos, e a cumeeira chã dum serro onde se divisam as relíquias da antiga povoação, que lá dizem ter sido."
Camilo Castelo Branco
 
 
No que respeita a Paços, na mesma obra literária, escreve Camilo:
 
 
“Fui de Santo António das Taipas para as cercanias de Fafe, quinta do Ermo, onde me esperava com os braços abertos e o coração no sorriso, José Cardoso Vieira de Castro. Falseei a verdade. Vieira de Castro esperava-me a dormir, naquela madrugada dele, que era meio-dia no meu relógio.
(…) Não falei ainda da minha convivência caseira de trinta dias com José Cardoso Vieira de Castro.
Naquele tempo, o descuido deixara à mercê das ventanias de sucessivos invernos o telhado da casa. As chuvas em Junho não eram copiosas; mas, como o ardor do sol fendesse a argamassa, o tecto coava os chuveiros das trovoadas, e pingava sobre a minha cama como abóbada de caverna. Ao deitar-me, abria eu o guarda-chuva, e dormia assim. Se não fosse a constrição do ânimo, que regaladas noites seriam aquelas!
Vieira lia Filinto Elísio, e declamava-o com irónico entusiasmo na versão dos Mártires de Chateaubriand, versão que requer ser vertida para português.
(…) A nossa mesa era lauta em coelhos. Façam ideia do montesinho da terra, sabendo que um criado saía fora de portas com dois cães e um pau, e voltava com uma braçada de coelhos, uns, a meu ver, filados pelos cães, outros derreados a bordoada.
As cerejeiras arqueavam-se sobre as janelas do nosso quarto com os seus frutos de sedutor carmim; as laranjeiras eram lindas à vista; mas o travor do fruto degenerado era tal, que um guisado de coácia e fel seria doce de ovos em comparação com as laranjas do Ermo. O que as densas árvores nos davam era a sua folhagem lustrosa e verde, e a luz coada por elas, e os raios do sol de Julho esfriados na sua frescura (…).
(…) Saí do Ermo, outra vez para as Taipas (…) Chegámos a uma chã, onde estava arvorada cruz de pedra, chamada a cruz de Lestoso.”
Camilo Castelo Branco, In "Memórias do Cárcere"
 
 
 

Casa da Quinta do Ermo
 
 
José Cardoso Vieira de Castro, o escritor Júlio César Machado, o Dr. Ferreira, conhecido também por Dr. Janota e o advogado Marcelino Matos vão estar ao lado de Camilo Castelo durante todo o processo, defendendo-o conforme podem.
De destacar a intervenção pública de José Cardoso Vieira de Castro que, em meados do ano de 1861, faz publicar um livro no qual traça o perfil de Camilo e dá notícia da sua vida na obra Camillo Castello Branco (Notícia da sua vida e obras)”, Porto, Typ. de Antonio José da Silva Teixeira, 1861.
 
 
Pretendia, assim, Vieira de Castro arrastar a opinião pública para o lado do escritor.
 
 
“Em fins de Agosto de 1861, José Cardoso Vieira de Castro publicou o seu famoso livro Camilo Castelo Branco – notícia da vida e obras do gigante da prosa. Este valioso trabalho, escrito em estilo muito elevado, ressente-se, por vezes, do ardor excessivo com que Vieira de Castro defende Camilo e, impiedosamente, fustiga os adversários que o Romancista insensatamente criara. Porém, tal parcialidade é, de certo modo, desculpável – e até meritória – se repararmos que Vieira de Castro teve por objecto salvar a reputação de Camilo, então mal visto pela burguesia sensata, e desde 1 de Outubro de 1860 expiando na Cadeia da Relação do Porto o ‘crime’ dos seus ilícitos amores com Ana Plácido. Camilo veio a ser julgado em 15 de Outubro de 1861, e o livro de Vieira de Castro algo contribuiu para a absolvição do apaixonado Romancista e sua adulterina enamorada.”
Alberto Moreira (“Júlio Dinis, Vieira de Castro e Camilo”) - Revista nº 8 de “O Tripeiro”, de 1955

 
 

“Camillo Castello Branco (Notícia da sua vida e obras) - 2ª Edição de 1863
 
 
Sobre o escritor Júlio César Machado, atrás também referenciado, Camilo Castelo Branco sob a capa do anonimato, ainda que preso, faz publicar, em 7 de Janeiro de 1861, mesmo assim, no jornal “O Nacional”, a seguinte crónica:
 
 
«Lisboa tem um folhetinista militante é Júlio César Machado, que madruga regularmente à uma da tarde, gasta duas horas no toucador, sai a lançar as redes nos pontos onde mais os cardumes se desovam, em novidades, e recolhe por noite alta com as riquezas que já de casa tinha levado – as da sua alegre e buliçosa fantasia. (…) Quem o ler, dirá: “que Virgílio, se fizesse versos latinos como Julio Janin; se algum Mecenas das obras públicas lhe desse nesse poético Minho um lugar de engenheiro conductor!
Que diálogos pastoris, que branduras de Rodrigues Lobo, que metro tão aparado para enfeitiçar-nos de amores da natureza, nua e linda como ela saltou a brincar das mãos de Deus!”
Ó Júlio, como esta gente se engana! Tu admiras a natureza por necessidade. Se não fosse aquele pintassilgo que regorgeia na gaiola da vizinha da frente, tu só acreditavas na existência das aves da praça da Figueira, e nomeadamente das perdizes que tu costumas trazer aos pares para a tuas ucharia, no bolço do paletó, arca económica em que tu, nos grandes cataclismos, te salvas com alguns bichos de consumo. Eu já te vi em extasis diante dum paio de Lamego, e compreendi a que finezas podia ir o amor à natureza morta. Ainda não te vi desabrochar tantos ramilhetes de estilo como naquele dia em que te meteste como Horácio num triclínio de Augusto e viste desfilar escravos com as terrinas de ostras e rodovalhos; e todavia, diante de nós, naquela parca mesa da travessa de S. Julião, a picar-te o estro escandecido, via-se apenas o dente dum goraz, ladeado de arabescos de cebola!
Ó Júlio, tu a meu ver, és um Teócrito, em conformidade com estes tempos: gostas da natureza assada, da natureza guisada, da natureza em compoteiras, da natureza em estado de múmia como a vende o Mata, o homem que descobriu mais harmonias na cozinha que Bernardin de Saint-Pierre no novo mundo.
Se viesses ao Porto… Quer o leitor saber o que fez Júlio César Machado vindo uma vez ao Porto? Desembarcou, viu a torre dos Clérigos, leu um anúncio da saída nesse mesmo dia para Lisboa, foi comprar o bilhete, e deixou-nos. Querem agora admirar-lhe a modéstia? Nem sequer escreveu um livro de “Impressões de viagem” ou Passeios ao norte de Portugal!” Estar duas horas no Porto, e não ir dizer aos de Lisboa que nós falámos galego, que temos os pés muito grandes, que andámos de tamancos, e comemos tripas como em Lisboa se come alface repolhuda! Isto prova bondade suma, por que não pode provar sovinice de imaginativa.»


Camilo Castelo Branco irá dedicar a Vieira de Castro, o autor da sua primeira biografia, o seu romance de 1870, “O Condenado” e na “Correspondência Epistolar entre José Cardoso Vieira de Castro e Camilo Castelo Branco”, obra publicada, no Porto, em 1874, transcreve o modo como se conheceram:


“Eu não o conhecia, naquele tempo, em 1854. Via-o nas janelas da sua casa, que abriam sobre a quinta do Pinheiro, onde eu morava. Observei que ele não desfitava de mim a luneta com uma fixidez que me lisonjeava. E, às vezes, ouvia-lhe as gargalhadas de jovial aplauso, quando eu cavalgava um mau cavalo em pelo; e, remetendo em desenfreado galope por baixo do esgalho de uma árvore, me pendurava no ramo, e deixava em vertiginosa liberdade o cavalo.
Eu tinha 27 anos mais pueris que os dezasseis daquele menino que vertia inteligentemente as misantropias de Zimmermann.
No Nacional, onde eu escrevia, saíram anónimos os folhetins do incógnito tradutor da Solidão. Figurou-se-me que alguns dos derrancados leões de 1830, espreitando o céu pelos invernos álgidos do coração, nos queria guiar a nós, os rapazes de 1854, ao desengano das cousas boas e más que ora enfloram, ora ensilveiram as veredas da mocidade.
Quando, porém, me asseveraram que o intérprete do solitário germânico era o rapazinho louro que se ria do meu selvagismo de gineta e estardiota, desejei estudar aquele espírito que emurchecia envolto em grinaldas de rosas. Volvidos dois anos, vi-o num teatro. Ainda o não conhecia pessoalmente.
Mostraram-mo, exagerando-lhe as verduras amorosas com uma actriz, não sei se dançarina, se dramática. O que quer que fosse alvorejava hipérboles de entusiasmo no moço imberbe, — explosões não aconselhadas por Zimmermann, mas frisantes com os dezoito anos, embora, trovejadas de cima das cadeiras da plateia. Muita palma, muito ‘bis’, muita flor com fitas baratas, louvores e sátiras já eloquentes, muita metáfora, muita moeda falsa de sentimentalismo, brindes à francesa em ceias menos nocivas aos bons costumes que aos estômagos portugueses, e mais nada. Vieira de Castro alegrava-me, dava-me inveja da sua jovialíssima estouvanice, radiava juventude em redor de si.”
Camilo Castelo Branco


Camilo terá conhecido Vieira de Castro, quando ele não teria, ainda, vinte anos e a amizade que entre os dois se desenvolveu durou toda a vida.
Vieira de Castro, filho de Luís Lopes Vieira de Castro (1800-1844), desembargador do Tribunal da Relação do Porto, e de Emília Angélica Guimarães (1815-1882), era sobrinho do deputado setembrista e ministro António Manuel Lopes Vieira de Castro (1766-1842) que seria nomeado, em 1834, governador temporal da Diocese de Viseu, em sequência da fuga do bispo e, ainda, nomeado Guarda-mor da Torre do Tombo, em 1837, e demitido em 1841, por Costa Cabral.
Sobre António Vieira de Castro diz Camilo Castelo Branco:
 
 
“Quem adivinharia então que do pujante António Vieira sairia o ministro dilecto da senhora D. Maria II, o mestre dos liberais, o amigo e conselheiro dos Passos, do Silva Carvalho, e dos mais estremados estadistas da escola robustecida da emigração.”
 
 
Por sua vez, José Cardoso Vieira de Castro, tendo estudado no Colégio da Lapa, onde, desde 1841 e durante os 19 anos seguintes, tinha passado a desempenhar as funções de reitor, Joaquim da Costa Ramalho Ortigão (pai do escritor Ramalho Ortigão), ingressa na Universidade de Coimbra, em 1853, com apenas 15 anos.
 
 
 

Colégio da Lapa ou Liceu da Lapa, junto à igreja da Lapa. No edifício da esquina, antes, funcionou a capela que antecedeu a actual igreja
 
 
Dotado de excepcionais dotes de oratória, na Universidade de Coimbra, assumiu o papel de líder natural dos estudantes, acabando por se revelar como um influente dirigente académico, encabeçando a contestação estudantil aos professores e à instituição universitária.
 
 
“Foi neste contexto que, em 1857, então aluno do 4.º ano, José Cardoso Vieira de Castro se insurgiu violentamente, durante um ato na Sala dos Capelos, contra a Universidade em defesa de Augusto César Barjona de Freitas, que fora preterido, por antipatias políticas, como candidato num concurso interno. Em consequência foi expulso da Universidade, interrompendo os estudos por dois anos, apenas sendo readmitido devido a mudanças políticas entretanto ocorridas. Contudo, o afrontamento público fez dele um herói, catapultando-o a figura nacional, de que os jornais dão notícia, situação da qual irá, depois, procurar retirar ganhos políticos.”
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
A publicação da biografia de Camilo Castelo Branco, muito bem recebida pela crítica e a intervenção acalorada que faz em tribunal em defesa de Ana Plácido, e a sua liderança com intervenções brilhantes na academia coimbrã, lançam Vieira de Castro para a ribalta.
Quando o tribunal da Picaria abre, às 7 horas da manhã, para o segundo dia da audiência do julgamento de Ana Plácido e Camilo, já o jornal “O Nacional” trazia uma crónica na qual Vieira de Castro atacava aqueles que estavam a favor da acusação, denominando-os de «farizeus».
Logo, está a colaborar com os jornais Atheneu (periódico mensal, scientifico e litterario, Coimbra) e o portuense “Nacional” e, entre 1862 e 1863, exerce a vice-presidência da Câmara Municipal de Fafe, então liderada pelo conselheiro Joaquim Ferreira de Melo.
A fama que tinha granjeado em Coimbra faz dele um candidato perfeito ao ingresso na vida política. Assim, mal obteve a sua formatura, foi, ainda nesse ano de 1864, candidato pelo Partido Regenerador numa eleição suplementar no círculo de Fafe, sendo eleito para o parlamento, por onde permanece nos dois anos seguintes.
Em Lisboa, vai morar para Santa Catarina, a dez minutos de S. Bento.
Em Abril de 1866, participa num jantar oferecido por Bulhão Pato, onde estavam o visconde de Seabra, Rodrigues Sampaio, o barão da Trovisqueira (a quem Vieira de Castro devia muitíssimo dinheiro), Rebelo da Silva, Francisco Luís Gomes, Eduardo Cabral, Tomás de Carvalho (…), Luís Augusto Palmeirim, Teixeira de Vasconcelos e Ramalho Ortigão.
Os jantares de homenagem a Vieira de castro sucedem-se, e nem mesmo o abade de S. Cosme (Gondomar) deixa de o demostrar publicamente.



Notícia de jantar oferecido a Vieira de Castro pelo abade da freguesia de S. Cosme – Fonte: “Jornal do Porto”, de 9 de Agosto de 1866
 
 
 
Entretanto, como os seus bens de família se encontrassem muito depauperados, em 4 de Outubro de 1866, chega na Corte do Brasil a bordo do vapor "Oneida" com o confessado objectivo de casar-se com uma herdeira rica, Vieira de Castro. Traz consigo uma edição de 10 000 exemplares dos seus Discursos Parlamentares, publicados nesse ano, que pretendia vender, lá, para resgatar a empenhada Casa do Ermo, pertença da família.
Durante as recepções, palestras e conferências que desenvolve em torno de si, José Cardoso Vieira de Castro acaba por oferecer, a título beneficente, 1 000 Discursos Parlamentares à Real Sociedade de Beneficência da Baía, os quais foram remetidos pelo seu amigo comendador Albino de Oliveira Guimarães, um fafense radicado no Rio de Janeiro, que custeou o despacho dos volumes, no valor de quarenta mil réis. Os restantes exemplares e, ainda, a versão impressa de um discurso sobre a Caridade foram distribuídos por diversas instituições beneficentes.
Vieira de Castro seria recebido com honras invulgares, inclusive pelo imperador D. Pedro II do Brasil que, em 3 de Junho de 1868, o condecorará com o grau de cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa.
 
 
 
“ (…) Viaja e estabelece contacto com os intelectuais brasileiros mais relevantes da época, nomeadamente com Machado de Assis.
O entusiasmo pela sua pessoa era tão generalizado e de tal ordem que os comerciantes portugueses do Rio de Janeiro lhe ofereceram uma coroa de ouro, então avaliada em quatro contos de réis, e foi nomeado presidente honorário do Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro.
(…) Finalmente a viagem atinge o seu objectivo quando, em 28 de fevereiro de 1867, casa na Igreja Matriz de São José, no Rio de Janeiro, com Claudina Adelaide Gonçalves Guimarães, de 18 anos, filha do comendador António Gonçalves Guimarães, natural de Fafe, homem riquíssimo e um dos diretores do Banco Rural e Hipotecário do Brasil. A imprensa da época refere que o comendador Guimarães é o principal capitalista da colônia portuguesa fafense, toda aliás muito notável pelos membros de que aqui se compõe”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
 

José Cardoso Vieira de Castro – Fonte: Almanaque Republicano
 
 
 
Vieira de Castro, após o seu casamento com uma rica herdeira brasileira, passa a lua-de-mel numa longa viagem pela América do Norte e Europa, finda a qual o casal vai fixar residência em Moreira da Maia, na casa da quinta do Mosteiro de Moreira da Maia, pois, desde há alguns anos, a propriedade estava na posse dos pais de Vieira de Castro, se bem que, à data, a sua mãe já fosse viúva.

 
“Os primeiros registos relativos ao Mosteiro de S. Salvador de Moreira fundado pela Ordem dos Cónegos Regrantes de Sto. Agostinho, datam de há mais de mil anos.
Nos primeiros tempos, o Mosteiro foi "misto", isto é,  albergava frades e freiras, mas essa situação terminou em 1162, quando as freiras foram transferidas para o Convento de S. Cristovão, em Rio Tinto.
Nos finais do século XVI, estando o Mosteiro primitivo já muito degradado, deu-se início à construção dos atuais edifícios da Igreja de S. Salvador de Moreira e da Casa da Quinta do Mosteiro, trabalhos que se dariam por terminados em 1622.
No século XIX, a Casa e a Quinta do Mosteiro foram separadas da Igreja (que é hoje a Igreja Paroquial de Moreira da Maia), e vendidas à família do Desembargador Vieira de Castro, cuja viúva as vendeu por sua vez, em 1874, a D. Rita de Moura Miranda (1822-1904), viúva do tribuno liberal, José Estevão Coelho de Magalhães (1809-1862).
Seu filho, O Conselheiro Luís Cipriano Coelho de Magalhães (1859-1935), estadista e um dos intelectuais da "geração de 70", aí viria a estabelecer a sua residência nos últimos anos do século XIX, e durante a sua vida muitos vultos da vida cultural e política portuguesa passaram pela Quinta do Mosteiro, que foi mesmo imortalizada por Eça de Queirós numa das "Cartas de Fradique Mendes", sob o nome de "Quinta de Refaldes".
Fonte: “quinta-do-mosteiro.com/”

 
 

Vista aérea da igreja e Quinta de S. Salvador da Maia
 
 
 

Casa da Quinta do Mosteiro de S. Salvador de Moreira da Maia
 
 
 
 
 
Tanque da Quinta do Mosteiro de S. Salvador de Moreira da Maia
 
 
 
Claudina Adelaide Gonçalves Guimarães (1849-1870) não vai apreciar os ares bucólicos que a passam a envolver e transfere-se para Lisboa, para a Rua das Flores, nº 109, onde passa a ser anfitriã de uma tertúlia composta por Ramalho Ortigão, António Rodrigues Sampaio e José Maria de Almeida Garrett, um sobrinho de Almeida Garrett – um perfeito dândi.
Naqueles encontros, apareciam, ainda, o grande jurisconsulto Paiva Manso, o elegante conde de Rezende, Júlio César Machado e o comerciante Pereira de Miranda.

 
 

Rua das Flores, nº109 (primeira entrada), Lisboa – Fonte: Google maps
 
 
 
A ascensão de Vieira de Castro continuaria na sua vertente de reconhecimento público, como escritor, mas a sua vida política começava a esmorecer, pois, nas eleições gerais de 22 de Março de 1868, tendo concorrido nos círculos de Fafe e de Bouças pela oposição regeneradora, não conseguiu ser eleito. Igual desfecho teve a sua candidatura, em 1869, pelo círculo do Porto.



Vieira de Castro e Claudina Adelaide – Fonte: “osaldahistória”


Entretanto, o relacionamento com a jovem esposa brasileira foi-se azedando, com ciúmes crescentes e suspeitas de infidelidade que se iam avolumando.
José Maria de Almeida Garrett passa a namorar Claudina procurando-a, propositadamente, a horas em que o marido se ausentava.
D. Emília Ortigão, a esposa de Ramalho Ortigão, terá repreendido Claudina, chegando a dizer-lhe que não voltaria ali, se o comportamento dela continuasse nos mesmos moldes.
As servas comentavam e deliciavam-se com os acontecimentos.
 
 

Claudina Adelaide Gonçalves Guimarães
 
 
 
Para Vieira de Castro, da desconfiança à certeza de que estava a ser traído, foi um saltinho de pardal.
Em 7 de Maio de 1870, um Sábado, Vieira de Castro surpreende a jovem mulher a escrever uma carta a José Maria Almeida Garrett.
Como marido traído, ele estava agora na pele do Manuel Pinheiro Alves que, anos antes, Ana Plácido tinha atraiçoado, e a situação não era nada confortável.
Dois dias, mais tarde, o que para o tribunal seria uma prova de premeditação, Vieira de Castro teria o discernimento para agir de forma natural nos seus afazeres, adquirir um fato de luto e clorofórmio com que planeou envenenar a mulher; e esperar que toda a criadagem estivesse a dormir para, então, perpetrar o crime.
Como a aplicação de clorofórmio no rosto da vítima não tivesse resultado, porque a vítima acordou e debateu-se, passou a sufocá-la com a roupa de cama. Depois, voltou a aparentar tranquilidade, quando manteve o cadáver em casa e agiu como se nada se passasse antes de se entregar às autoridades, 30 horas depois.
Para trás, seriam deixados todos os argumentos, razões bem fundadas e fundamentadas que tinham presidido à defesa pública e acérrima de Ana Plácido, alguns anos antes, e que Vieira de Castro tinha protagonizado.
Na manhã seguinte, Vieira de Castro chama a sua casa Ramalho Ortigão e António Rodrigues Sampaio e pede-lhes para junto de José Maria Garrett darem nota do desafio para um duelo, não os informando, contudo, de que Claudina já não era deste mundo.
Em resposta ao desafio, Garrett teria dito:
 
"Não aceito o duelo. Tenho dado tantos desgostos à minha mãe, que não quero causar-lhe mais este. Hoje à noite parto para a França, onde vou entrar num colégio. Queiram dizer isto mesmo ao Sr. Vieira de Castro."
 
 
Garrett indicou a hora da tarde em que sairia de casa, em direcção à Estação do Caminho-de-Ferro em Santa Apolónia e concluiu:
 
"Vou desarmado. O Sr. Vieira de Castro, se quiser, pode ir matar-me no caminho."
 
Deixou com os parentes várias joias e dinheiro, cedeu à irmã os bens de sua herança, reservando para si o necessário e partiu à hora referida sem encontrar o marido ultrajado.
Vieira de Castro entrega-se à justiça, a 10 de Maio, será julgado e condenado a 15 anos de degredo em Angola.
A prova da premeditação do crime foi a causa da condenação, pois, na época, o adultério feminino comprovado eram atenuantes suficientes para isentar de pena o homicida confesso.
Embarca em 1871, e morre no ano seguinte, em 5 de Outubro de 1872, vítima de uma febre fulminante, em Angola, aos 35anos.
Sabe-se que teve uma filiação maçónica (nome simbólico Graccho).
Em Fafe, tem uma rua com o seu nome.
A Câmara Municipal de Fafe, em 2011, decide reeditar a obra esgotada de
Fernando Moniz Rebelo, intitulada “J. C. Vieira de Castro)
 
 
 

 
 
 



Sobre José Cardoso Vieira de Castro, Vasco Pulido Valente dedicou-lhe, também, uma biografia intitulada “Glória – Biografia de J.C. Vieira de Castro”  (Gótica, 2001) e faz a sua apreciação da personagem:
 
 
“Trata-se de um dirigente académico com alguma importância, um jornalista menor, um escritor sem talento, um político sem poder, e ainda por cima, um criminoso e um degredado”.
 
 
Toda a desgraça acontecida, naquele dia de Maio de 1870, na Rua das Flores, em Lisboa, terá inspirado a obra “Tragédia da Rua das Flores”, escrita poucos anos depois, no ano de 1877, da autoria de Eça de Queiroz, e que tendo ficado inédita, durante cerca de um século, seria editada em 1980.
Passados cerca de 20 anos, sobre o homicídio de que Vieira de Castro foi o autor, na portuense Rua das Flores, ocorreria uma outra saga homicida, por envenenamento, que ficaria conhecida como
“O Crime da Rua das Flores”.

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