segunda-feira, 8 de abril de 2024

25.237 Tragédia no Cais das Pedras, em 1911

 
No dia 10 de Dezembro de 1911, um Domingo enevoado, chegava a Leixões, ao seu porto de abrigo, o paquete inglês Antony, vindo do Brasil, onde tinha escalado as cidades de Belém e Manaus.
 
 
 

Prado de Matosinhos e porto de abrigo de Leixões, no fim do século XIX

 
 
Ao aproximar-se do cais para atracar, junto do molhe norte, o navio teve problemas e sofreu danos no varandim de pôpa.
 
 
 

À esquerda, o cais de embarque e desembarque, em 1911
 
 
 

À direita, o cais de embarque e desembarque, em 1911, junto à torre da estação semafórica
 
 
 
 
Desembarcados, os passageiros seguiram para a cidade do Porto no carro eléctrico nº 203, comprado à UEC de Preston, na Inglaterra – um carro inglês.
Acompanhavam aquele carro motor os atrelados nº 29 e nº 33, cada um deles com 14 passageiros distribuídos por 2 bancos.

 
 
 

Estação ferroviária, junto ao castelo da Senhora das Neves, em Leça da Palmeira, onde se apanhava, também, o carro eléctrico, no início do século XX

 
 
 

Outra perspectiva do mesmo local da foto anterior, onde já se observa um carro eléctrico. Do lado de cá, a poucos metros, ficava o cais de embarque e desembarque do porto de Leixões


 
 
 
Carro eléctrico nº 205 (idêntico ao nº 203), na Praça D. Pedro
 
 
 
A viagem, começada em Leça da Palmeira, seria interrompida na Foz do Douro devido a uma avaria da viatura, pelo que foi necessário fazer um transbordo para o carro eléctrico nº 150.
Este veículo, de plataformas abertas, seria idêntico ao nº 124, que se pode observar, em primeiro plano, na foto abaixo.

 
 

Carro eléctrico nº 124



Carro eléctrico nº 163, de 6 janelas com 2 atrelados, passando no Passeio Alegre, idêntico ao carro eléctrico nº 150, que teve o desastre, na linha Infante/Leça da Palmeira 





Em Massarelos, o guarda-freio n.º 54, António Mendes Júnior, foi rendido pelo seu colega n.º 73, Manuel Monteiro.
Pelas 13,30 h, quando o veículo passava no Cais das Pedras, em frente à fábrica da louça, cuja firma era, à data, “Empresa Cerâmica Portuense Ld.ª”, em Monchique, descarrilou e precipitou-se no rio Douro, juntamente com o primeiro atrelado, já que o outro por se ter partido o engate, ficou no cais.
Tudo se terá ficado a dever aos materiais acumulados nos carris, provenientes de enxurradas que provocaram o seu assoreamento. Acorreram à tragédia, da qual resultaram 31 feridos e 14 mortos, os bombeiros municipais e voluntários e comandou o socorro o capitão do porto Cornélio Silva e, na rectaguarda, no hospital de Santo António, o conhecido médico Couto Soares.
Entretanto, nos primeiros instantes da ocorrência, o proprietário da fábrica de Massarelos, Archibald James Wall, acompanhado por Isolino Alves, um serralheiro mecânico daquela fábrica, mergulharam nas águas do rio e teriam salvado da morte, segundo as crónicas, 15 náufragos.
Sobre a acção de um outro herói, de seu nome António de Sousa Ferreira, que seguia no “comboio”, na qualidade de condutor do atrelado n.º 29 e havia entrado ao serviço, momentos antes, em Massarelos, que tinha tido o discernimento e o sangue frio de cortar a ligação da última carruagem, impedindo que ela caísse também ao rio, disse o “Jornal de Notícias”:
 
 
“Quando, depois dos primeiros momentos de angústia, no meio daquele infernal coro de gritos de dor e de socorro lhe veio a serenidade, correu e pôde ainda prestar alguns serviços de salvamento, ajudando, por exemplo, a tirar para terra, ainda com vida, um homem muito gordo que estava prestes a morrer afogado.”
 
 
 
 
A multidão no local do desastre, junto fábrica da louça - Ed. Illustração Portugueza de 25 Dezembro de 1911
 
 
 
 

Retirada do carro eléctrico do rio Douro com o apoio da barcaça “Tâmega” e da maquinaria de movimentação de cargas, cedida pela empresa de navegação Garland Laidley & Cia. – Ed. Illustração Portugueza de 25 Dezembro de 1911
 
 
 
A tragédia, segundo muitos, foi devido à falta de experiência do pessoal da Carris envolvido no acidente, admitido pela empresa 6 meses antes, em Julho, na sequência de uma greve da empresa.
Assim, nesse ano de 1911, viviam-se os tempos tumultuosos do início da República que afectou também a vida da Carris. Os seus operários organizaram-se e, não vendo as suas reivindicações satisfeitas, convocaram uma violenta greve, no verão, que obrigou à intervenção da Câmara para garantir a continuidade da prestação de serviços ao público.
Numa outra greve de 1909, tinha sido necessário recorrer aos serviços do exército.



Na greve ocorrida em 1909, na Praça D. Pedro, um militar conduzindo um eléctrico




Para outros, tu se tinha ficado a dever a incúria da gente de mando.
No último trimestre daquele ano, as águas do rio não galgaram as margens, porém, as fortes chuvas e subsequentes enxurradas expuseram o deficiente escoamento das águas pluviais, no local onde, se veio a dar o desastre.
Em Outubro, já a Carris tinha comunicado à Câmara Municipal do Porto dois descarrilamentos no Cais das Pedras, originados pelo assoreamento da via com areia proveniente de um cano de esgoto roto, na calçada de Sobre-o-Douro.
Por sua vez, para obstar ao perigo da formação usual de comboios longos de veículos, pouco estáveis, dizia o “Regulamento para o serviço de tracção eléctrica”:
 
 
Não poderão formar-se comboios de mais de dois carros engatados. Nos comboios assim constituídos, deverá, para além do guarda-freio do primeiro, ir, na plataforma do segundo carro, um outro empregado, cuja única função será a manobra do freio aos sinais dados pelo primeiro.
 
 
O guarda-freio Manuel Monteiro seria ouvido pelas autoridades, tendo declarado, segundo a versão do jornal “O Comércio do Porto”:
 
 
“Eu, apesar de estar em grande sobressalto, empreguei todos os esforços para fazer parar o comboio, dando ao carro o freio elétrico e apertando o travão manual. […] Mal posso reconstituir o que se passou nesse momento terrível, nem dizer o motivo por que os freios não sortiram o efeito que eu desejava.”
 
O guarda-freio, Manuel Monteiro e o engenheiro chefe do serviço de exploração da Carris foram considerados culpados, em sentença proferida no dia 18 de Maio de 1912.
A CCFP (Carris), por decisão dos tribunais, pagou o que foi determinado aos lesados, mas na maioria dos casos, tudo se passou na sombra.

Sem comentários:

Enviar um comentário