No dia 10 de Dezembro de 1911, um Domingo enevoado, chegava a
Leixões, ao seu porto de abrigo, o paquete inglês Antony, vindo do Brasil, onde
tinha escalado as cidades de Belém e Manaus.
Ao aproximar-se do cais para atracar, junto do molhe norte,
o navio teve problemas e sofreu danos no varandim de pôpa.
Desembarcados, os passageiros seguiram para a cidade do Porto
no carro eléctrico nº 203, comprado à UEC de Preston, na Inglaterra – um carro
inglês.
Acompanhavam aquele carro motor os atrelados nº 29 e nº 33,
cada um deles com 14 passageiros distribuídos por 2 bancos.
Estação ferroviária, junto ao castelo da Senhora das Neves,
em Leça da Palmeira, onde se apanhava, também, o carro eléctrico, no início do
século XX
Outra perspectiva do mesmo local da foto anterior, onde já
se observa um carro eléctrico. Do lado de cá, a poucos metros, ficava o cais de
embarque e desembarque do porto de Leixões
A viagem, começada em Leça da Palmeira, seria interrompida
na Foz do Douro devido a uma avaria da viatura, pelo que foi necessário fazer
um transbordo para o carro eléctrico nº 150.
Este veículo, de plataformas abertas, seria idêntico ao nº
124, que se pode observar, em primeiro plano, na foto abaixo.
Carro eléctrico nº 124
Em Massarelos, o guarda-freio n.º 54, António Mendes Júnior,
foi rendido pelo seu colega n.º 73, Manuel Monteiro.
Pelas 13,30 h, quando o veículo passava no Cais das Pedras,
em frente à fábrica da louça, cuja firma era, à data, “Empresa Cerâmica
Portuense Ld.ª”, em Monchique, descarrilou e precipitou-se no rio Douro,
juntamente com o primeiro atrelado, já que o outro por se ter partido o engate,
ficou no cais.
Tudo se terá ficado a dever aos materiais acumulados nos
carris, provenientes de enxurradas que provocaram o seu assoreamento. Acorreram
à tragédia, da qual resultaram 31 feridos e 14 mortos, os bombeiros municipais
e voluntários e comandou o socorro o capitão do porto Cornélio Silva e, na
rectaguarda, no hospital de Santo António, o conhecido médico Couto Soares.
Entretanto, nos primeiros instantes da ocorrência, o
proprietário da fábrica de Massarelos, Archibald James Wall, acompanhado por
Isolino Alves, um serralheiro mecânico daquela fábrica, mergulharam nas águas
do rio e teriam salvado da morte, segundo as crónicas, 15 náufragos.
Sobre a acção de um outro herói, de seu nome António de
Sousa Ferreira, que seguia no “comboio”, na qualidade de condutor do atrelado
n.º 29 e havia entrado ao serviço, momentos antes, em Massarelos, que tinha
tido o discernimento e o sangue frio de cortar a ligação da última carruagem,
impedindo que ela caísse também ao rio, disse o “Jornal de Notícias”:
“Quando, depois dos
primeiros momentos de angústia, no meio daquele infernal coro de gritos de dor
e de socorro lhe veio a serenidade, correu e pôde ainda prestar alguns serviços
de salvamento, ajudando, por exemplo, a tirar para terra, ainda com vida, um
homem muito gordo que estava prestes a morrer afogado.”
A multidão no local do desastre, junto fábrica da louça - Ed. Illustração Portugueza
de 25 Dezembro de 1911
Retirada do carro eléctrico do rio Douro com o apoio da
barcaça “Tâmega” e da maquinaria de movimentação de cargas, cedida pela empresa
de navegação Garland Laidley & Cia. – Ed. Illustração Portugueza de 25 Dezembro de 1911
A tragédia, segundo muitos, foi devido à falta de
experiência do pessoal da Carris envolvido no acidente, admitido pela empresa 6
meses antes, em Julho, na sequência de uma greve da empresa.
Assim, nesse ano de 1911, viviam-se os tempos tumultuosos do
início da República que afectou também a vida da Carris. Os seus operários
organizaram-se e, não vendo as suas reivindicações satisfeitas, convocaram uma
violenta greve, no verão, que obrigou à intervenção da Câmara para garantir a
continuidade da prestação de serviços ao público.
Numa outra greve de 1909, tinha sido necessário recorrer aos serviços do exército.
Para outros, tu se tinha ficado a dever a incúria da gente
de mando.
No último trimestre daquele ano, as águas do rio não
galgaram as margens, porém, as fortes chuvas e subsequentes enxurradas
expuseram o deficiente escoamento das águas pluviais, no local onde, se veio a
dar o desastre.
Em Outubro, já a Carris tinha comunicado à Câmara Municipal
do Porto dois descarrilamentos no Cais das Pedras, originados pelo assoreamento
da via com areia proveniente de um cano de esgoto roto, na calçada de
Sobre-o-Douro.
Por sua vez, para obstar ao perigo da formação usual de
comboios longos de veículos, pouco estáveis, dizia o “Regulamento para o
serviço de tracção eléctrica”:
Não poderão formar-se
comboios de mais de dois carros engatados. Nos comboios assim constituídos,
deverá, para além do guarda-freio do primeiro, ir, na plataforma do segundo
carro, um outro empregado, cuja única função será a manobra do freio aos sinais
dados pelo primeiro.
O guarda-freio Manuel Monteiro seria ouvido pelas
autoridades, tendo declarado, segundo a versão do jornal “O Comércio do Porto”:
“Eu, apesar de estar
em grande sobressalto, empreguei todos os esforços para fazer parar o comboio,
dando ao carro o freio elétrico e apertando o travão manual. […] Mal posso
reconstituir o que se passou nesse momento terrível, nem dizer o motivo por que
os freios não sortiram o efeito que eu desejava.”
O guarda-freio, Manuel Monteiro e o engenheiro chefe do
serviço de exploração da Carris foram considerados culpados, em sentença
proferida no dia 18 de Maio de 1912.
A CCFP (Carris), por decisão dos tribunais, pagou o que foi
determinado aos lesados, mas na maioria dos casos, tudo se passou na sombra.
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