quinta-feira, 20 de junho de 2024

25.246 O outro S. João

 
O Porto já adorou um outro S. João. Por acaso, era natural desta cidade.
Os frades Lóios viriam a fundar, no Porto, o Convento de Santo Elói, em 6 de Novembro de 1491, tendo recebido sempre muito apoio dos portuenses, até  à extinção daquela ordem religiosa em 1834, após a revolução liberal.
Conta-se que aqueles Padres Lóios do convento de Santo Elói tiveram um papel primordial na divulgação das festas sanjoaninas, pois, diziam possuir uma lasca do crânio de S. João (S. João do Porto ou de Terzon), relíquia do foro da Igreja do lugar de Cabeça Santa, Concelho de Penafiel, igreja, essa, que esteve sob a alçada da congregação dos padres Lóios, a partir de determinada altura.
Acontece que a data dos festejos dedicados a este S. João de Terzon acontecia a 24 de Junho, data do seu falecimento, coincidindo com a do nascimento do S. João Baptista - o rapioqueiro.
 
 

Convento de Santo Elói, em 1833 – Desenho de Joaquim Vilanova
 
 
 
 

Edifício levantado, em 1860, a partir das instalações existentes, em 1833, do antigo convento dos frades Lóios
 
 
 
No canto inferior esquerdo da foto anterior se situava, em tempos, a Porta de Carros (antes postigo) aberta na muralha fernandina.


 
 

Outra perspectiva do local em que se situou a Porta de Carros (à direita) – Cortesia de “Gaia à la carte”

 
 
A igreja de Cabeça Santa, no concelho de Penafiel, atrás referida, foi fundada pela filha de D. Sancho I, a rainha Santa Mafalda. Segundo a tradição, ainda em tenra idade, a infanta, durante uma das suas peregrinações que todos os anos a levavam a alguns dos mais conhecidos santuários do Porto e arredores, resolveu fundar em honra de “Jesus –Salvador dos Homens –“ aquela igreja.
Aquele S. João de Cabeça Santa era,
 
 
 
“O S. João do Porto, um eremita do séc. IX que nasceu no Porto e viveu vida eremítica junto da cidade de Tui e aqui sepultado. São quase inexistentes as notícias deste Santo, de cognome Terzon, Teizon ou Izon, nascido no Porto.
Em 1282, os Dominicanos ergueram em Tui um convento (hoje desaparecido), sobre o lugar duma Igreja Paroquial, onde estava sepultado João. As suas Relíquias encontravam-se ainda no Séc. XVII na dita Igreja Conventual e era invocado pelos Tudenses contra as febres. Muitos duvidaram que a chamada Cabeça Santa de um João não melhor identificado fosse uma Relíquia insigne deste João, Relíquia venerada na Igreja de S. Salvador da Gândara erigida por Mafalda, mulher de Afonso Henriques. Da mesma relíquia foi retirado um pedaço, colocado depois na Capela (da Cabeça Santa), da Igreja da Senhora da Consolação (dos Lóios), no Porto. Ambas as Relíquias, às quais se atribuem muitos milagres, eram veneradas a 24 de Junho, com uma evidente referência a S. João Baptista. Parece-me que estes elementos são suficientemente esclarecedores dum facto que muito deve de interessar a todos os Portuenses, por lhes ter dado do privilégio de poderem contar entre outros factos que os tornam orgulhosos na sua História na própria História de Portugal, com o terem o seu próprio Santo, aqui nascido. Sendo o S. João do Porto o Santo protector contra as febres e sendo, na Idade Média, uma das terapêuticas para a cura das mesmas, o Alho, não será que o povo, ao festejar o seu Santo, quisesse, com o alho na mão, prestar-lhe homenagem significativa, empunhando aquilo que simbolizava a cura das mesmas febres?”
Fernando Moreira da Silva, In revista “O Tripeiro”
 
 
 
 

Igreja da Senhora da Consolação do convento dos Lóios junto do postigo dos Lóios – Ed. Gouvêa Portuense
 
 
 
 
 
No texto anterior, é referido, erradamente, que Mafalda era a mulher de D. Afonso Henriques, mas trata-se, de facto, da filha de D. Sancho I, que também se chamava Mafalda.
Assim, nos séculos XVI e XVII no dia de S. João muita gente da cidade rumava em peregrinação a uma terra do concelho de Penafiel, lugar de Cabeça Santa, na Idade Média conhecida como São Salvador de Gândara, onde existia uma relíquia, autenticada por bula do papa Leão X em 1519. A dita relíquia era o crânio de S. João, em igreja românica datada do século XIII.
Aliás, sabe-se que em Tui em 1666, a 24 de Junho, ainda se realizava uma grande festa, junto dum convento de dominicanos, que o teriam construído sobre uma pequena ermida onde esteve sepultado o S. João do Porto ou S. João de Terzon.
Entretanto, no fim do século XVI os padres Lóios do convento dos Lóios no Porto que nessa altura tinham o padroado e administravam a igreja em Penafiel, tinham adquirido uma lasca desse crânio, relíquia que será venerada a partir desse momento na cidade do Porto, e que desapareceu misteriosamente após a extinção das ordens religiosas.
Por isso, no dia de S. João, em 24 de Junho se realizava, no convento dos Lóios ou convento de Santo Elói, uma cerimónia, em que o pedaço da alegada relíquia de S. João de Terzon, era alvo de todas as atenções dos crentes. Há quem diga, que a tradição das festas sanjoaninas se intensifica e se enraíza com estes acontecimentos, em que a Relíquia de S. João de Terzon, era venerada no mesmo dia da veneração de S. João Baptista, a 24 de Junho.
No entanto, já está documentado que muito antes de tal facto ocorrer, era usual as grandes decisões para a urbe serem tomadas no dia de S. João, no alpendre do Mosteiro de S. Domingos e esse dia já tinha muita importância e relevo entre o povo.
Hoje existe em Lordelo do Ouro uma rua com o topónimo de Rua de São João do Porto.
 
 
“Junto ao convento de Santo Elói existiria, um padrão-o Padrão de Santo Elói.
Por padrão devemos entender um cruzeiro, ou seja, uma cruz com a imagem de Jesus crucificado. Mas não tinha esta simbologia, embora fosse de cariz religioso, o padrão de Santo Elói. Era dedicado a S. João Evangelista, padroeiro dos cónegos seculares da congregação de S. João Evangelista, vulgarmente chamados Lóios.
Santo Elói designava o sítio em que o padrão fora erguido. Sendo essa memória da invocação de S. João Evangelista, pelas razões acima apontadas, era, todavia, em honra de S. João Baptista que, junto dela, a população local fazia, todos os anos, uma animada festa.
Dessa festividade nos fala o beneditino Manuel Pereira Novais, historiador do século XVII. Diz o seguinte: "Apesar de o padrão de Santo Elói ser dedicado a S. João Evangelista, a festa que todos os anos se faz, junto ao cruzeiro, é no dia 24 de junho em honra de S. João Baptista e o arraial estende-se até à portaria do hospital". Trata-se, como é bom de ver, do hospital de Roque Amador, que ficava à entrada da Rua dos Caldeireiros. Não confundir com o hospital de S. João, situado mais acima, também na Rua dos Caldeireiros, mas na confraria da Senhora da Silva, onde também o S. João era rijamente festejado. O sítio onde estava o cruzeiro, digamos assim, muito alterado, claro, ainda existe, mas com outra denominação: é o Largo dos Lóios.
Ora, o tal padrão de Santo Elói ficava já na parte baixa da Rua de Mendo Afonso, numa espécie de largo que se abria perto da antiga Rua do Souto, hoje Rua dos Caldeireiros, em frente à entrada do Hospital de Roque Amador, de que ainda existem vestígios no interior de um pátio com entrada pela Rua dos Caldeireiros, e da Casa da Roda, onde eram abandonadas as crianças recém-nascidas, por não poderem ser criadas pelas próprias mães.
E de Santo Elói, porquê? Por causa do mosteiro de Santo Elói, que soa Lóios, também conhecido por mosteiro novo de Santa Maria da Consolação, aí fundado, no século XV, a partir de umas casas e de uma capela, da invocação daquela padroeira, que uma benemérita, Violante Afonso, "mulher rica e viúva", doara aos cónegos azuis de S. João Evangelista, vulgarmente conhecidos pelos frades Lóios”.
Com a devida vénia a Germano Silva
 
 
Os fadres Lóios tinham S. João Evangelista, como patrono.
Resumindo: no que aos padres Lóios diz respeito e ao dia 24 de Junho, junto do cruzeiro de Santo Elói, dedicado a S. João Evangelista, comemorava-se o S. João Baptista (ou seja o solstício pagão) e o S. João do Porto (o eremita nascido nesta cidade, do qual tinham uma relíquia).
Nos dias de hoje, existe no Museu da Santa Casa da Misericórdia, em exposição, uma “Cabeça Relicário”, que, há quem diga, estar relacionada com a dos padres Lóios.
Existe, no entanto, uma outra versão da história da relíquia da igreja de Cabeça Santa.
Nas Inquirições de 1258, a Igreja é referida sob a designação de igreja de São Salvador da Gândara, denominação que irá manter-se até ao século XVII, quando começa a ser também intitulada de igreja de Cabeça Santa, em referência a um crânio guardado em relicário de prata e exposto em altar próprio, situado na nave da Igreja. Vem já dos tempos após a sua fundação, a sua associação ao tal crânio, origem de muitos milagres.
São Salvador de Gândara tornou-se, assim, local de peregrinação, um sítio de passagem dos romeiros que iam até Santiago de Compostela.
A Cabeça Santa era, de facto, um crânio de uma criança. Ninguém sabe como apareceu, mas terá chegado há vários séculos à localidade de Gândara, hoje, a freguesia de Cabeça Santa.
Naquela versão da história narra-se, também, a actividade já descrita dos padres Lóios, relacionada com essa relíquia, que acabaria por ser roubada, no Verão de 1981, não tendo aparecido até hoje.
 
 
 
 

Fachada lateral da igreja de Cabeça Santa – Fonte: “rotadoromanico.com”

 
 

O Crânio desaparecido – Ed. Leonel de Castro/Global Imagens

quinta-feira, 13 de junho de 2024

25.245 Algumas instituições matosinhenses com ligações a destacadas famílias e diversas personalidades

 
Em 1918, D. Ana Emília Maia dos Reis Costa Braga, já viúva do conselheiro Artur Costa Braga, vendeu à Confraria da Santa Casa do Bom Jesus de Matosinhos o seu magnífico palacete, onde foi instalado o Asilo de Nossa Senhora da Conceição (actual Internato de Nossa Senhora da Conceição).
O referido palacete, situado bem perto da igreja de Matosinhos, era mais uma das casas erigidas para sumptuosas residências, em Matosinhos, mandadas construir por brasileiros de torna-viagem, que tinham enriquecido na América do Sul.
Neste caso, foi mandado edificar pelo conselheiro Artur António da Costa Braga.
 
 
 

Asilo de Nossa Senhora da Conceição, c. 1920




À esquerda, c. 1930, observa-se um pouco da fachada do palacete que foi, até 1918, de Ana Emília Maia dos Reis Costa Braga, situado na Avenida Vitória, actual Avenida Afonso Henriques
 
 
 
 
 
“Este palacete foi mandado construir na parte sul dos jardins da Confraria de Matosinhos por Arthur Antonio da Costa Braga, marido de Anna Emilia Maia dos Reis (Costa Braga) que era filha do médico-cirurgião Jose Ventura dos Santos Reis Junior, tendo ela o 'vendido' em 1918, após o falecimento do seu marido antes de 23/12/1910, por uma quantia simbólica de 4 contos, quando o seu real valor seria de dezenas de contos, à Confraria do Santo Crucifixo de Matosinhos do Bispado do Porto, hoje Santa Casa da Misericórdia do Bom Jesus de Matosinhos”.
Fonte: José Rodrigues
 

 
 

Rua de Santana de acesso da margem do rio Leça à Avenida Vitória (Avenida Afonso Henriques), c. 1930. À esquerda, a igreja de Matosinhos.
 
 
 
 
O pai da benfeitora Ana Emília Maia dos Reis Costa Braga, Jose Ventura dos Santos Reis foi personalidade de grande destaque em Matosinhos, então, ainda concelho de Bouças.
José Ventura dos Santos Reis (1840 – 1901), cirurgião, foi chefe do Partido Regenerador de Bouças e presidente da Câmara Municipal desde 2 de Janeiro de 1899.
Foi o fundador da Associação de Socorros Mútuos Matosinhos-Leça.
Teve acção notável como jornalista, no jornal “O Comércio Português”, que passou a chamar-se “Onze de Janeiro”, a 29/01/1890, como protesto contra o Ultimatum inglês, e que se transformou, a 19/04/1890, no jornal “República” e, a 09/05/1891, no jornal “Voz Pública”.
Por outro lado, o Asilo de Nossa Senhora da Conceição tinha sido fundado, a 1 de Janeiro de 1896, por iniciativa do Dr. Albano Sá Lima, num prédio do antigo Largo do Areal, doado pela viscondessa de Santa Cruz do Bispo, há muito desaparecido em virtude das obras de expansão do Porto de Leixões.


 
 
In jornal "A Voz Pública" de 3 de Janeiro de 1896
 
 
 
 
O Dr. Albano Sá Lima foi uma personalidade de relevo tendo ficado conhecido por ter desempenhado o cargo de administrador do concelho de Bouças.
Por sua vez, Maria Dias de Sousa (Santa Cruz do Bispo: 30/12/1816; Matosinhos: 12/03/1899), a viscondessa de Santa Cruz do Bispo, foi uma benemérita que, por isso, ficou com o seu nome para sempre ligado a Matosinhos e a Santa Cruz do Bispo, a sua terra natal.
 
 
“Maria Dias de Sousa nasceu a 30/12/1816 na freguesia de Santa Cruz do Bispo: descendia de família pobre e era analfabeta.
Casou em Santa Cruz do Bispo a 24/02/1837 com Antonio Francisco Pereira, um marítimo que foi capitão da Marinha Mercante e conhecido pela alcunha de 'Mirão'.
Herdou avultada fortuna do Brasil, legada pelo seu tio José Dias de Sousa, falecido em Porto Alegre no Brasil em 1865.
Viveu a maior parte da sua vida no lugar da Ponte, na freguesia do Salvador de Matosinhos, mas esteve profundamente ligada à vida social e religiosa da sua terra natal.
(…)
A 30/06/1892, foi concedido o título de Viscondessa a D. Maria Dias de Sousa, por el-rei D. Carlos I: Mercê nova. Alvará de 30 de Junho de 1892. As suas armas: "Escudo. Lisonja partida em pala; a primeira em campo de oiro, e a segunda de vermelho com uma cruz de prata lisa e dentro dela uma pequena cruz negra. Coroa da Viscondessa. Timbre: uma estrela de oiro”.
Fonte: José Rodrigues


 

Largo do Areal – Ed. Manuel Rios

 
 
Na foto (obtida a partir da ponte de 19 arcos), acima, à esquerda, o palacete do Conde S. Salvador de Matosinhos e, atrás, o palacete do Conde do Alto do Mearim. Por aqui esteve, também, a morada da viscondessa de Santa Cruz do Bispo, na Alameda Passos Manuel, há muito desaparecida.


 
 

Largo do Areal. Pela esquerda, seguia a Rua Conde Alto do Mearim e, pela direita, a Rua 13 de Fevereiro



Perspectiva actualizada de foto anterior



 
 
O edifício da família Costa Braga foi alvo de remodelações e ampliações (em imóveis anexos), posteriores, com o objectivo de aumentar a capacidade de internamentos e, hoje, é o Internato Nossa Senhora da Conceição, gerido pela Santa Casa da Misericórdia do Bom Jesus de Matosinhos.
 
 
 
 
 
Palacete da família Costa Braga, na Avenida D. Afonso Henriques, nº 365, c. 1930 – Fonte: Google maps
 
 
 
A referida família Costa Braga haveria de ficar com o seu nome ligado a um outro edifício icónico de Matosinhos, que se situava na Rua Brito Capelo e, hoje, é património classificado.
Na foto abaixo, o eléctrico passa à porta da residência da família Costa Braga, na Rua Juncal de Cima (Rua Brito Capelo), que acabou sendo propriedade do industrial Edmundo Ferreira (fundador do “Hotel Porto-Mar” localizado do outro lado da rua). Nesse prédio, alojar-se-ia, em meados do século XX a Biblioteca Municipal e, após legado a favor do Lions Clube de Matosinhos, acabaria por ser cedido à Associação Empresarial do Concelho de Matosinhos, tendo alojado, ainda, a Escola de Comércio daquela associação e a Universidade Sénior Florbela Espanca.
 
 
 
 

Eléctrico com atrelado na Rua Brito Capelo
 
 
 
Ainda, nos dias de hoje, a Associação Empresarial do Concelho de Matosinhos tem a sua sede naquele prédio, dividindo instalações com a Universidade Florbela Espanca.

 
 

Antiga sede da Associação Empresarial de Matosinhos

 
 
Antes, entre 1909 e 1962, a Associação Empresarial de Matosinhos esteve na esquina das ruas França Júnior e Conde S. Salvador, conforme visualização da foto acima.
 
 
“A Associação Empresarial do Concelho de Matosinhos foi fundada em 10 de Outubro de 1901, com a denominação de Associação Comercial de Bouças.
Após a publicação em Maio de 1909, do Decreto-Lei que alterou o nome do Concelho de Bouças para o de Matosinhos, em Assembleia-geral de Julho do mesmo ano, foi deliberado que fosse adotada a designação de Associação Comercial e Industrial de Matosinhos.
Em 1938, depois de um período de transição, a Associação teve que transformar-se no Grémio do Comércio do Concelho de Matosinhos.
Com o 25 de Abril de 1974, voltou a adquirir o seu antigo estatuto de Associação constituída livremente pelos seus associados, passando a denominar-se Associação Comercial do Concelho de Matosinhos.
Finalmente, em Assembleia-geral de 27 de Fevereiro de 2003, foi deliberado por unanimidade, que passasse a denominar-se Associação Empresarial do Concelho de Matosinhos”.
Fonte: “aecm.pt/aecm/breve-historia”
 
 
 

No prédio, que tinha sido da família Costa Braga, esteve a Biblioteca de Matosinhos, na Rua de Brito Capelo – Foto: 1955
 
 
 
Ainda no âmbito da acção da Misericórdia de Matosinhos, alguns anos antes, em 3 de Maio de 1898, tinha sido criado o Hospital Asilo de Santa Violante, o qual viria a ser o expoente máximo da assistência praticada pela Misericórdia de Matosinhos, resultado de diversas dádivas materiais e financeiras, destacando-se as de Jose Ventura dos Santos Reis e José Nogueira Pinto, que ofereceram à Câmara Municipal de Bouças quantias consideráveis para a sua construção.
Inicialmente, o primitivo Hospital Asilo de Santa Violante foi instalado na Casa dos Milagres (construída no último quartel do séc. XIX, por João José dos Reis – Conde de S. Salvador de Matosinhos, junto da igreja de Matosinhos), no espaço que hoje constitui o Salão Nobre da Misericórdia e, no qual, havia uma escada interior para os serviços de apoio situados no rés-do-chão.
 
 
 

Casa dos Milagres e Escola do Adro, em 1904





 
 

domingo, 9 de junho de 2024

25.244 Ramal de Leixões, ou Ramal de Matosinhos, ou Linha de Leça - Revisitado

 

Em 1884, os empreiteiros Dauderni & Duparchy, que tinham sido contratados para levantar os molhes do Porto de Leixões, construíram, em 1884, para a Companhia das Docas do Porto, uma linha ferroviária para o transporte de pedra desde as pedreiras de S. Gens até à zona do porto de abrigo, com bitola de 900 milímetros, a chamada Linha de S. Gens.
Em 1884, seria começada a construir a Ponte de Ferro ou Ponte do Comboio, para fazer chegar a pedra ao molhe norte.
Esta ponte tinha 60 m de comprimento e unia a zona da actual Rua Heróis de França (antes, Rua da Praia ou Rua João Chagas) em Matosinhos, à Rua da Praia em Leça da Palmeira.
A pedra destinada ao molhe sul ficava pelo estaleiro levantado junto do cruzeiro do Senhor do Padrão.
A pedra que começou por ter origem nas pedreiras de Aguiar (na margem direita do rio Leça), em Santa Cruz do Bispo, cedo esgotaria o seu stock, razão pela qual, se passou a recolher aquele material nas pedreiras de S. Gens (na margem esquerda do rio Leça).
A importância da exploração dos recursos das pedreiras de S. Gens foi de tal ordem que o Governo de Sua Majestade, em 1885, mandou edificar, nas proximidades do Monte de S. Gens, um barracão com serventia hospitalar para prestar assistência médica aos operários, que na pedreira trabalhavam, devido ao surto de cólera que tendia a alastrar-se no país.
Em tempos anteriores à retirada da pedra para a construção dos molhes do Porto de Leixões, podia observar-se um belo monte que tinha sido dotado de uma “atalaia” (vigia) e no seu cume de uma capelinha da evocação de Nossa Senhora de S. Gens e que, mais tarde, após uma remodelação, passou a evocar Nossa Senhora da Nazaré.
A instalação da atalaia tinha sido uma decisão de D. João II, em Agosto de 1484.
Hoje, face a anos e anos de retirada do granito das pedreiras de S. Gens, o terreno, nada mais é que uma enorme cratera, tendo desaparecido, como é óbvio, a referida atalaia e a capelinha.
Situado num ponto privilegiado, a 137 metros de altitude, deste Monte de S. Gens ou Monte de Custóias, como também era chamado, podia avistar-se uma vasta extensão em redor, pelo menos até à serra de Valongo.
Sobre a referida e desaparecida capela, dizia Pedro Vitorino, “poucos se lembrarão já do perfil imponente do seu vulto, rematado no alto por uma capelinha recolhida à sombra de dois enormes pinheiros mansos. (…) Atacado por máquinas e fendido por pólvora, aos migalhos, abriu-se em princípio e multiplicou escombros que afastaram as aprazíveis digressões”.
 
 
Sobre o Monte de S. Gens, Dorothy Wordsworth, filha do famoso escritor e poeta romântico inglês William Wordsworth descreve, na sua obra “Diário de uma viagem a Portugal e ao Sul de Espanha”, o local quando o visitou em 1845.
 
 
 
 
 





Em 16 de Novembro de 1891, foi publicada uma portaria que estabeleceria as condições para o arrendamento da antiga Linha de S. Gens, à Companhia do Caminho de Ferro do Porto à Póvoa e Famalicão.
A partir da conclusão da construção do Porto de Abrigo de Leixões, em 1892, a população de Matosinhos mobilizou-se na exigência do aproveitamento da linha para serviço público de transporte de passageiros e mercadorias até à estação da Senhora da Hora que pertencia à Linha da Póvoa de Varzim.
Em 6 de Maio de 1893, aproveitando a estrutura da Linha de S. Gens, iniciou-se, então, um serviço ferroviário de passageiros, tendo o transporte de mercadorias sido autorizado por uma portaria de 2 de Junho daquele ano. À Linha de S. Gens sucedia, assim, aquela que foi conhecida por Ramal de Leixões, ou Ramal de Matosinhos, ou Linha de Leça.
O Ramal de Leixões apenas seria encerrado no dia 30 de Junho de 1965, com o argumento que, por causa do seu traçado urbano, causava muitos acidentes na sua passagem pelas principais ruas de Matosinhos.
 
 
 
 
 
Percurso inicial do ramal de Leixões
 
 
 
Pedreiras de S. Gens

 

Arruamento entre a Rua da Barranha e a Avenida António Domingos dos Santos – Ed. Manuela Campos
 
 
 
 
Pelo arruamento (sem trânsito) da foto acima, passava, em tempos, o comboio do Ramal de Leixões vindo das pedreiras de S. Gens, depois de atravessar a Senhora da Hora, a caminho da zona da Vilarinha (na estrada da Circunvalação), tendo por destino final a foz do rio Leça, onde descarregava o granito que transportava e, depois, os veraneantes.


Comboio, no Ramal de Matosinhos, passando na Senhora da Hora




Para esse efeito, a primeira paragem era junto ao Monumento do Senhor do Padrão, onde descarregava a pedra que iria servir para a construção do molhe Sul, seguindo depois para Leça da Palmeira, onde descarregaria o restante granito, para levantamento do molhe Norte. Esta estação, como serviço de passageiros, tinha por destino as praias de Matosinhos.
Para a frente do local indicado na foto anterior, o seu trajecto coincidia, até à chamada “Rotunda dos Golfinhos” (próximo do Hospital Pedro Hispano), com o actual percurso do Metro.
 

 
 
Entre os pontos 2 e 3, o trajecto do comboio e do Metro é comum e, entre os pontos 1 e 3, corresponde ao arruamento entre a Rua da Barranha e a Avenida António Domingos dos Santos – Fonte: Google maps




Apeadeiro da Biquinha, antes de chegar à Vilarinha na Estrada da Circunvalação

 




À esquerda, a Quelha Vitório Falcão, por onde chegava o comboio à Estrada da Circunvalação (em frente ao teatro da Vilarinha) – Ed. Google maps
 


 

Estrada da Circunvalação após a passagem pela Vilarinha - Fonte: Google Maps
 
 
Pela parte do terreno elevado que se vê na foto acima, na margem da via, na confluência da Estrada da Circunvalação com a Praceta Dom Nuno Álvares Pereira, vindo da Vilarinha, passava o Ramal de Leixões.
 
 
 
 

Avenida Afonso Henriques - Fonte: Google Maps

 
 
Por onde está agora o portão, na foto acima, vinha o comboio da Circunvalação que se dirigia para o Senhor do Padrão.


 
 

Em frente, é a direcção para a Rua Afonso Cordeiro - Fonte: Google Maps
 
 
 
O arruamento central, da foto anterior, é a via por onde o trajecto do comboio se desenrolava e que desembocava no cruzamento com a actual Rua D. João I.


 

Vista aérea de Matosinhos sul
 
 
Legenda:
 
1. Rua Manuel Dias da Fonseca confluência com Rua Dr. Afonso Cordeiro
2. Rua D. João I
3. Rua Brito e Cunha
4. Cruzamento de Rua Brito Capelo com Rua Sousa Aroso
5. Rua Carlos Carvalho
 
Na vista aérea acima pode ver-se no terreno o sulco natural por onde passava o Ramal de Leixões, no local designado por “Diagonal”, vindo da Senhora da Hora e da Vilarinha.


 

“Diagonal” em Matosinhos Sul – Ed. José Magalhães (actualmente)
 
 
 

Passagem de nível na Rua Brito Capelo, no troço denominado de “Diagonal”
 
 
 


Foto actual do local da passagem de nível da foto anterior
 
 
 
A linha férrea saía da esquina mais próxima, à esquerda da foto e, em diagonal, dirigia-se pelo canal formado agora por dois blocos residenciais à direita no sentido da seta.
Presentemente, foi aproveitada a faixa de terreno público, da antiga linha férrea entre a Rua Afonso Cordeiro e o cruzamento da foto acima, para levantar um arruamento pedestre denominado “Broadway”.
 
 
 

Estação do Senhor do Padrão
 
 
 
Em 22 de Setembro de 1897, num descarrilamento acontecido no Senhor do Padrão, voltou-se uma carruagem de 2ª classe, tendo os passageiros que enchiam o comboio sofrido, apenas, pequenas escoriações e um grande susto.
 


 

Rua do Godinho, junto do Senhor do Padrão, em 1950


 
 

Locomotiva do Ramal de Leixões ou Ramal de Matosinhos, em manobras, em 1964, junto da capela do Senhor do Padrão, em Matosinhos

 
 
 
Percurso ferroviário final do Ramal de Leixões entre o Senhor do Padrão e o Forte da Senhora das Neves
 
 


Estaleiro para apoiar construção do molhe sul do Porto de Leixões, montado junto do Senhor do Padrão

 
Após a conclusão da construção dos molhes do Porto de Abrigo de Leixões, a linha ferroviária existente continuou em funcionamento até Leça da Palmeira, junto do forte de Nossa Senhora das Neves.


 

Comboio na Rua Heróis de França (Rua da Praia), junto da lota – Fonte: Vítor Monteiro

 

Estuário do rio Leça

 
 
Na foto anterior, vemos Leça da Palmeira, à esquerda, e Matosinhos, à direita, e a unir as margens, uma ponte pedonal, a Ponte de Pau ou Ponte de Madeira.
Mais para jusante, já na chegada do rio Leça ao oceano, foi levantada uma outra ponte, que ficou conhecida pela Ponte de Ferro ou Ponte do Comboio.
Para vencer o rio Leça, o comboio atravessava, então, a Ponte de Ferro vindo do apeadeiro do Padrão, junto ao Monumento do Senhor do Padrão, em direcção ao apeadeiro de Leça da Palmeira onde entrava pela Rua da Praia.
 
 
 
 
 

Ponte de Ferro ou Ponte do Comboio, em 1900
 
 
 
Na foto acima pode ver-se o pormenor de, ao fundo, sobre a esquerda, ainda ser visível o Senhor do Padrão.


 
 

Ponte do comboio com Matosinhos no horizonte

 
 

Ponte do comboio e casario de Leça – Fonte: Óscar Fangueiro

 
 
 

Ponte do Comboio com Leça da Palmeira em 1º plano - Ed. José Rodrigues


 
 
Quando foi necessário transformar o Porto de Abrigo de Leixões, num verdadeiro porto comercial, teve que se entrar em desaterros terra dentro, desapareceu a chamada ponte do comboio e o Ramal de Leixões ficaria por Matosinhos, no Senhor do Padrão, até à década de 60 do Século XX, transportando pessoas, em especial na época estival, com os banhistas a deslocarem-se para a praia a partir da Senhora da Hora.
 
 
 
 

Estação de Leça da Palmeira e, na sua frente, a torre de posto Semafórico - Ed. Estrela Vermelha
 
 
 

Comboio junto do Forte de Nossa Senhora das Neves
 
 
 
Já um pouco distante do estuário do Leça, por outra ponte icónica se desenvolveu a linha férrea do Minho e que é apresentada na foto seguinte.

 
 

Ponte ferroviária sobre o Leça (situada entre a Travagem e Ermesinde) - Ed. Emílio Biel