quinta-feira, 20 de junho de 2024

25.246 O outro S. João

 
O Porto já adorou um outro S. João. Por acaso, era natural desta cidade.
Os frades Lóios viriam a fundar, no Porto, o Convento de Santo Elói, em 6 de Novembro de 1491, tendo recebido sempre muito apoio dos portuenses, até  à extinção daquela ordem religiosa em 1834, após a revolução liberal.
Conta-se que aqueles Padres Lóios do convento de Santo Elói tiveram um papel primordial na divulgação das festas sanjoaninas, pois, diziam possuir uma lasca do crânio de S. João (S. João do Porto ou de Terzon), relíquia do foro da Igreja do lugar de Cabeça Santa, Concelho de Penafiel, igreja, essa, que esteve sob a alçada da congregação dos padres Lóios, a partir de determinada altura.
Acontece que a data dos festejos dedicados a este S. João de Terzon acontecia a 24 de Junho, data do seu falecimento, coincidindo com a do nascimento do S. João Baptista - o rapioqueiro.
 
 

Convento de Santo Elói, em 1833 – Desenho de Joaquim Vilanova
 
 
 
 

Edifício levantado, em 1860, a partir das instalações existentes, em 1833, do antigo convento dos frades Lóios
 
 
 
No canto inferior esquerdo da foto anterior se situava, em tempos, a Porta de Carros (antes postigo) aberta na muralha fernandina.


 
 

Outra perspectiva do local em que se situou a Porta de Carros (à direita) – Cortesia de “Gaia à la carte”

 
 
A igreja de Cabeça Santa, no concelho de Penafiel, atrás referida, foi fundada pela filha de D. Sancho I, a rainha Santa Mafalda. Segundo a tradição, ainda em tenra idade, a infanta, durante uma das suas peregrinações que todos os anos a levavam a alguns dos mais conhecidos santuários do Porto e arredores, resolveu fundar em honra de “Jesus –Salvador dos Homens –“ aquela igreja.
Aquele S. João de Cabeça Santa era,
 
 
 
“O S. João do Porto, um eremita do séc. IX que nasceu no Porto e viveu vida eremítica junto da cidade de Tui e aqui sepultado. São quase inexistentes as notícias deste Santo, de cognome Terzon, Teizon ou Izon, nascido no Porto.
Em 1282, os Dominicanos ergueram em Tui um convento (hoje desaparecido), sobre o lugar duma Igreja Paroquial, onde estava sepultado João. As suas Relíquias encontravam-se ainda no Séc. XVII na dita Igreja Conventual e era invocado pelos Tudenses contra as febres. Muitos duvidaram que a chamada Cabeça Santa de um João não melhor identificado fosse uma Relíquia insigne deste João, Relíquia venerada na Igreja de S. Salvador da Gândara erigida por Mafalda, mulher de Afonso Henriques. Da mesma relíquia foi retirado um pedaço, colocado depois na Capela (da Cabeça Santa), da Igreja da Senhora da Consolação (dos Lóios), no Porto. Ambas as Relíquias, às quais se atribuem muitos milagres, eram veneradas a 24 de Junho, com uma evidente referência a S. João Baptista. Parece-me que estes elementos são suficientemente esclarecedores dum facto que muito deve de interessar a todos os Portuenses, por lhes ter dado do privilégio de poderem contar entre outros factos que os tornam orgulhosos na sua História na própria História de Portugal, com o terem o seu próprio Santo, aqui nascido. Sendo o S. João do Porto o Santo protector contra as febres e sendo, na Idade Média, uma das terapêuticas para a cura das mesmas, o Alho, não será que o povo, ao festejar o seu Santo, quisesse, com o alho na mão, prestar-lhe homenagem significativa, empunhando aquilo que simbolizava a cura das mesmas febres?”
Fernando Moreira da Silva, In revista “O Tripeiro”
 
 
 
 

Igreja da Senhora da Consolação do convento dos Lóios junto do postigo dos Lóios – Ed. Gouvêa Portuense
 
 
 
 
 
No texto anterior, é referido, erradamente, que Mafalda era a mulher de D. Afonso Henriques, mas trata-se, de facto, da filha de D. Sancho I, que também se chamava Mafalda.
Assim, nos séculos XVI e XVII no dia de S. João muita gente da cidade rumava em peregrinação a uma terra do concelho de Penafiel, lugar de Cabeça Santa, na Idade Média conhecida como São Salvador de Gândara, onde existia uma relíquia, autenticada por bula do papa Leão X em 1519. A dita relíquia era o crânio de S. João, em igreja românica datada do século XIII.
Aliás, sabe-se que em Tui em 1666, a 24 de Junho, ainda se realizava uma grande festa, junto dum convento de dominicanos, que o teriam construído sobre uma pequena ermida onde esteve sepultado o S. João do Porto ou S. João de Terzon.
Entretanto, no fim do século XVI os padres Lóios do convento dos Lóios no Porto que nessa altura tinham o padroado e administravam a igreja em Penafiel, tinham adquirido uma lasca desse crânio, relíquia que será venerada a partir desse momento na cidade do Porto, e que desapareceu misteriosamente após a extinção das ordens religiosas.
Por isso, no dia de S. João, em 24 de Junho se realizava, no convento dos Lóios ou convento de Santo Elói, uma cerimónia, em que o pedaço da alegada relíquia de S. João de Terzon, era alvo de todas as atenções dos crentes. Há quem diga, que a tradição das festas sanjoaninas se intensifica e se enraíza com estes acontecimentos, em que a Relíquia de S. João de Terzon, era venerada no mesmo dia da veneração de S. João Baptista, a 24 de Junho.
No entanto, já está documentado que muito antes de tal facto ocorrer, era usual as grandes decisões para a urbe serem tomadas no dia de S. João, no alpendre do Mosteiro de S. Domingos e esse dia já tinha muita importância e relevo entre o povo.
Hoje existe em Lordelo do Ouro uma rua com o topónimo de Rua de São João do Porto.
 
 
“Junto ao convento de Santo Elói existiria, um padrão-o Padrão de Santo Elói.
Por padrão devemos entender um cruzeiro, ou seja, uma cruz com a imagem de Jesus crucificado. Mas não tinha esta simbologia, embora fosse de cariz religioso, o padrão de Santo Elói. Era dedicado a S. João Evangelista, padroeiro dos cónegos seculares da congregação de S. João Evangelista, vulgarmente chamados Lóios.
Santo Elói designava o sítio em que o padrão fora erguido. Sendo essa memória da invocação de S. João Evangelista, pelas razões acima apontadas, era, todavia, em honra de S. João Baptista que, junto dela, a população local fazia, todos os anos, uma animada festa.
Dessa festividade nos fala o beneditino Manuel Pereira Novais, historiador do século XVII. Diz o seguinte: "Apesar de o padrão de Santo Elói ser dedicado a S. João Evangelista, a festa que todos os anos se faz, junto ao cruzeiro, é no dia 24 de junho em honra de S. João Baptista e o arraial estende-se até à portaria do hospital". Trata-se, como é bom de ver, do hospital de Roque Amador, que ficava à entrada da Rua dos Caldeireiros. Não confundir com o hospital de S. João, situado mais acima, também na Rua dos Caldeireiros, mas na confraria da Senhora da Silva, onde também o S. João era rijamente festejado. O sítio onde estava o cruzeiro, digamos assim, muito alterado, claro, ainda existe, mas com outra denominação: é o Largo dos Lóios.
Ora, o tal padrão de Santo Elói ficava já na parte baixa da Rua de Mendo Afonso, numa espécie de largo que se abria perto da antiga Rua do Souto, hoje Rua dos Caldeireiros, em frente à entrada do Hospital de Roque Amador, de que ainda existem vestígios no interior de um pátio com entrada pela Rua dos Caldeireiros, e da Casa da Roda, onde eram abandonadas as crianças recém-nascidas, por não poderem ser criadas pelas próprias mães.
E de Santo Elói, porquê? Por causa do mosteiro de Santo Elói, que soa Lóios, também conhecido por mosteiro novo de Santa Maria da Consolação, aí fundado, no século XV, a partir de umas casas e de uma capela, da invocação daquela padroeira, que uma benemérita, Violante Afonso, "mulher rica e viúva", doara aos cónegos azuis de S. João Evangelista, vulgarmente conhecidos pelos frades Lóios”.
Com a devida vénia a Germano Silva
 
 
Os fadres Lóios tinham S. João Evangelista, como patrono.
Resumindo: no que aos padres Lóios diz respeito e ao dia 24 de Junho, junto do cruzeiro de Santo Elói, dedicado a S. João Evangelista, comemorava-se o S. João Baptista (ou seja o solstício pagão) e o S. João do Porto (o eremita nascido nesta cidade, do qual tinham uma relíquia).
Nos dias de hoje, existe no Museu da Santa Casa da Misericórdia, em exposição, uma “Cabeça Relicário”, que, há quem diga, estar relacionada com a dos padres Lóios.
Existe, no entanto, uma outra versão da história da relíquia da igreja de Cabeça Santa.
Nas Inquirições de 1258, a Igreja é referida sob a designação de igreja de São Salvador da Gândara, denominação que irá manter-se até ao século XVII, quando começa a ser também intitulada de igreja de Cabeça Santa, em referência a um crânio guardado em relicário de prata e exposto em altar próprio, situado na nave da Igreja. Vem já dos tempos após a sua fundação, a sua associação ao tal crânio, origem de muitos milagres.
São Salvador de Gândara tornou-se, assim, local de peregrinação, um sítio de passagem dos romeiros que iam até Santiago de Compostela.
A Cabeça Santa era, de facto, um crânio de uma criança. Ninguém sabe como apareceu, mas terá chegado há vários séculos à localidade de Gândara, hoje, a freguesia de Cabeça Santa.
Naquela versão da história narra-se, também, a actividade já descrita dos padres Lóios, relacionada com essa relíquia, que acabaria por ser roubada, no Verão de 1981, não tendo aparecido até hoje.
 
 
 
 

Fachada lateral da igreja de Cabeça Santa – Fonte: “rotadoromanico.com”

 
 

O Crânio desaparecido – Ed. Leonel de Castro/Global Imagens

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