terça-feira, 10 de setembro de 2019

(Conclusão)


Após cerca de 450 anos sobre aquela viagem com começo no Postigo da Praia, já um viajante sairia pela Porta Nobre, resultante da transformação daquele postigo e que antes se tinha chamado Porta Nova, a partir do reinado de D. Manuel I.
Com Filipe I seria, junto dela, erigido um fortim.
A viagem poderia ser então feita por “Carroção”. Um meio de transporte, com o qual se demandava a Foz do Douro, que era alugado na cidade pelos interessados, a partir de c. 1840.
Famílias de posses tinham o seu próprio carroção, que consistia numa grande caixa de madeira com rodas, que uma junta de bois puxava pachorrentamente.
Miragaia, Massarelos, Lordelo do Ouro, iam-se sucedendo, acabando a viagem, finalmente, por terminar na Cantareira junto da capela da Senhora da Lapa.
Ao Cais da Estiva, na Ribeira, desembarcavam dos vapores e lugres e de outros tipos de embarcações, os oriundos de Lisboa, Brasil e de outras paragens.
Desses desembarques, nos é dado conta das peripécias a eles inerentes, no texto seguinte do jornalista Júlio César Machado, na sua obra literária “Scenas da Minha Terra” e que foram por ele vividas, em 1861, durante uma visita que fez ao Porto.



Júlio César Machado


O Hotel Luzitânia referido no texto acima ficava na foz do Douro, no Passeio Alegre, nº 54 e tinha portas abertas desde 21 de Junho de 1857.
Sobre os transportes daquela época nos falam os textos que se seguem.


“Os automóveis desse tempo eram a sege e o carroção, este assente em fortes correias de couro, que balançavam sobre quatro rodas enormes, perfeitamente adaptadas, por sua grande solidez, às ruas escabrosas da cidade do Porto, desses tempos.
O carroção servia para adormecer os vivos em dia de romaria ao Senhor de Matosinhos e também um luxo de famílias abastadas nas noites de récita ao Real Teatro de S. João.
Puxavam a sege dois cavalos lazarentos, um dos quais era montado pelo boleeiro, um tipo de grandes botas de montar, com esporas amarelas, calções esticados, colete vermelho e jaqueta verde ou azul muito apertada nos punhos.
O carroção era puxado a bois, partindo da cidade do Porto pelas cinco horas da madrugada para estar em Matosinhos ao meio dia em ponto.”
In jornal “O Pharol” de 1 de Novembro de 1909


“O meio de transporte habitual das famílias, para o Teatro de S. João, para os bailes, para as romarias, era o famoso carroção, veículo de 4 rodas da forma de um prédio, com duas fachadas laterais de cinco janelas cada uma, e porta ao fundo, a que o passageiro subia por quatro degraus de escada guarnecida por um corrimão. Uma junta de alentados bois de Barroso puxava pelo «monumento».
(…) Havia famílias enormes que não cabiam em duas salas e que se acomodavam num carroção. No Inverno, uma dessas ingentes moles chegava à porta do Teatro S. João. A portinhola abria-se, havia uma escada com corrimão para descer; o carroção começava a despejar senhoras. O pátio do Teatro enchia-se e o carroção continuava sempre a deitar gente. Pasmava-se que ele pudesse conter tantas pessoas, ia-se olhar e encontrava-se ainda, lá dentro, no escuro, a mexer-se e a preparar-se para sair, tanta gente como a que estava fora”.
Ramalho Ortigão, In “As praias de Portugal” (1876)



Carroção semelhante ao descrito por Ramalho, que tinha, porém, 5 janelas laterais em cada lado


Por seu lado, Camilo Castelo Branco refere-se ao carroção do seguinte modo:

“O carroção tinha, por aquelle tempo, dois séculos de moda. Fôra inventado na rua das Congostas para uso de uma família obesa, formada de quinze pessoas adiposas. Esta família derreteu·se no estio de 1650; mas o carroção, parado no largo da Batalha, com a lança vermelha atravessada nas sogas dos ramalhudos bois, viu passar e desapparacer todos os vehiculos adelgaçados pelo cepilho do progresso. O carroção escancarou as guellas, e riu do americano, da victoria, do phaetont, do landau, da caleche, do Daumont, do brougham, do mail-coach, do poney-chaise, do groom, do break”.


Ao carroção sucederia o “Ónibus” ou “Omnibus”, que fazendo o mesmo percurso da nova Alfândega à Cantareira, era movimentado por quatro burros.

“Caixa com feições de arca de Noé – Seis vidraças e sobre o tecto um assento a que chamam varanda; puxado por quatro machos azamelados, guiados por um boleeiro de jaqueta de chita e chapéu de feltro. É o ónibus do Porto.”
Augusto Gama, In “Dois escritores coevos”


“Quanto ao omnibus, contemporâneo do carroção, terá sido introduzido na cidade aquando da constituição da Companhia de Transportes União, em 1839, que importou quatro coches denominados omnibus para transporte de passageiros. A sua forma seria em muitos aspetos semelhante ao carroção, ou seja, uma enorme caixa de madeira envidraçada, assente em dois pares de rodas, mas puxada por "machos” ou cavalos e não por bois.
Existiam ainda na cidade, em meados do século passado, outros meios de transporte público como o char-à-Bancs, muito semelhante ao omnibus, e os Trens de Praça que poderiam ser considerados os táxis da época, já que se fixavam nos principais pontos da cidade para aí tomarem os seus clientes e mesmo bagagens.”
Fonte: “stcp.pt”


E eis que surge o “Charabã” ou “Char-a-Bancs” uma carruagem mais evoluída e puxada por cavalos.


Charabã ou char-à-bancs


Miragaia. A Porta Nobre está a ser sacrificada (1871). No ano seguinte, em Maio de 1872, o carro americano partirá já da Rua dos Ingleses que estará ligada à Alfândega Nova por uma nova artéria



Passadas mais umas dezenas de anos, precisamente em 1872, o viajante começaria a viagem para a Foz do Douro, partindo em frente à nova Alfândega (Miragaia) e fá-lo-ia a bordo de um “carro americano”, em carreiras diárias e regulares.
As rodas do americano rolam em carris de ferro e a tracção tem origem na força animal, caindo a escolha nos cavalos.
Logo que a ligação entre a Rua dos Ingleses (Infante D. Henrique) e a Alfândega ficou concluída, desaparecida já, do local, a velha muralha medieval, a partida daquele transporte passou a fazer-se daquela rua, sob a administração da “Companhia Carril Americano à Foz e Matosinhos”.

“De hoje em diante, os carros daquela empresa farão as suas viagens para a Foz e Matosinhos, saindo da rua dos Ingleses.”
In o jornal “O Comércio do Porto”, de 24 de Maio de 1872 – 6ª Feira

A exploração regular deste meio de transporte efectivou-se, a partir de 9 de Março de 1972 e foi prolongado a Matosinhos, em 15 de Maio, do mesmo ano.
Longe iam os tempos do termo do Porto, já ali.


Carro americano na Praça Infante D. Henrique puxado por mulas para vencer a inclinação da Rua Mouzinho da Silveira. De notar que no jardim ainda não foi levantada a estátua do infante, pelo que, a foto, é anterior a 1894



O carro americano (após 1 Julho de 1875) à porta da Estação de Campanhã – Desenho de Christino


“No dia 1 de Julho terá princípio o serviço para Campanhã desde a Praça D. Pedro”.
In jornal “O Comércio do Porto”, de 29 de Junho de 1875 – 3ª Feira

Para o Bonfim, a linha aprovada em 1876, apenas se efectivaria, em 1894.

“Os moradores da rua do Bonfim festejaram ontem ruidosamente a inauguração da nova linha americana na referida rua.
Durante o dia, tocou ali a banda do corpo de salvação Pública achando-se a rua vistosamente embandeirada.
Quando o primeiro carro americano chegou ao extremo da linha, em frente à igreja do Bonfim, subiu ao ar uma girândola de foguetes. Outro tanto aconteceu quando o carro partiu de novo.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 22 de Junho de 1894 – 6ª Feira


Massarelos em 1887 – Fonte: Eduardo Pires de Oliveira, In OLIVEIRA, 1985,


Em 1907, já era o carro eléctrico, desde há 12 anos, a fazer o percurso ribeirinho até Leça da Palmeira.
A partir de Março de 1906, a “Companhia Carris de Ferro do Porto” explorava, apenas, transportes de viação americana, já que a “Companhia Viação Eléctrica do Porto”, tinha ganho o concurso para a exploração dos transportes colectivos eléctricos, urbanos.
Porém, em Agosto de 1908, aquelas duas companhias fundem-se, e o carro americano tinha o seu destino traçado.



Cais de Massarelos em 1907

Cais de Massarelos, c. 1920




Movimento de barcos junto da Alfândega do Porto – Ed. “Illutração Portugueza” (14 Out. 1907)



Miragaia – Ed. “Illutração Portugueza” (14 Out. 1907)


Rua do Infante D. Henrique, antes foi a Rua dos Ingleses tendo começado como Rua Formosa

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