sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

(Continuação 2)


O Bacalhau

Por cá, o bacalhau ou o “ fiel amigo”, como o trata o povo, pode encontrar-se nas mercearias tradicionais do Porto, no formato espalmado, esfiapado, em cabeças e línguas, contudo, ele é o sabor da noite de Natal, hoje, como há mais de cem anos atrás.


“O consumo de bacalhau (Gadus Morhua) faz parte da dieta dos portugueses desde, pelo menos, a Idade Média, sendo conhecidos tratados, datados do século XIV, em que Portugal trocava sal por bacalhau com a Inglaterra. 
Datam do século XVI, porém, os primeiros registos de barcos portugueses envolvidos na pesca do bacalhau na Terra Nova, região situada na costa ocidental do Canadá e onde se encontram os grandes "bancos" deste peixe, "(...) imensas plataformas submarinas a pequena profundidade onde o bacalhau se concentra aproveitando o plâncton, as pescadas e a lula (...)" (GARRIDO, 2010: 26)”
Cortesia: “gaiarevelada.blogspot.com”



A vermelho, pode-se distinguir a Terra Nova


“Já no séc. XVII, se vendia no Porto o bacalhau, que em 1671 tinha o preço máximo de 25 reis o arrátel (459 gramas). Este peixe era vendido na Ribeira, junto da antiga fonte e só por negociantes devidamente autorizados pela câmara. Os barqueiros e particulares estavam proibidos de transportar para Gaia este portuense pitéu, salvo com licença da mesma.
Só a partir de 1830, quando foi elaborada legislação fiscal conveniente aos armadores portugueses, reuniu a frota portuguesa condições para se desenvolver, mesmo assim recorrendo a barcos e tripulações inglesas. A sua vigência foi, no entanto, breve, o que determinou que o número de navios empregue na faina maior tenha oscilado ao sabor das mudanças legislativas que a partir daí foram sendo operadas, nem sempre favoráveis à indústria. Em 1896, para se ter uma ideia, existiam apenas 12 veleiros portugueses empregues na pesca do bacalhau. (MOUTINHO, 1985)
Em 1901, contudo, é dado um importante impulso fiscal para o desenvolvimento da actividade de forma mais sustentada, estabelecendo-se um imposto de 12 réis por quilo de pescado, quando anteriormente, para as novas embarcações que queriam entrar ao serviço, estava previsto um imposto de 39 réis por quilo. Reflexo disso mesmo, em 1924 eram já 65 os veleiros que demandavam os bancos da Terra Nova e com uma tonelagem maior relativamente ao que sucedia no início do século. (MOUTINHO, 1985)”
Cortesia: “gaiarevelada.blogspot.com”


Há referências ao bacalhau seco nas listas de compras dos hospitais e das misericórdias portugueses. Além disso, o bacalhau era um recurso alimentar na Quaresma e quando a Igreja indicava que não se podia comer carne. A facilidade da sua conservação possibilitava também que fosse para terras do interior.


“Não há prova inequívoca de que o bacalhau fosse um alimento dos pobres, mas há prova de que era um alimento popular e urbano de largo consumo”.
Cortesia Álvaro Garrido


Vindo de paragens distantes, o bacalhau é preservado seco e salgado.
O processo de salga e de secagem tem como objectivo eliminar uma grande percentagem de água do bacalhau, assim neutralizando a acção de enzimas e bactérias que, de outro modo, iriam concorrer para a deterioração do produto. Ao permitir conservar as propriedades do bacalhau por um período alargado de tempo, a salga e a secagem do bacalhau tornaram possível a expansão do seu consumo muito para lá do seu território de origem, como é o caso do nosso país.
Secas do bacalhau à volta do Porto, durante o século XX, havia uma área ao fundo da Estrada da Circunvalação, próximo ao Castelo do Queijo, e outra em Lavadores, ao Parque de S. Paio, V. N. de Gaia.
Esta área, em V. N. de Gaia, era da responsabilidade da Empresa de Pesca de Bacalhau do Porto, Lda., que a licenciou em 1937.



Lugre motor “Oliveirense” da SNAB (Sociedade Nacional dos Armadores do Bacalhau) amarrado ao cais do Jones, em V. N. de Gaia, a descarregar bacalhau para a seca de Lavadores. Imagem obtida no blogue “Navios à Vista”




Local da antiga Seca do Bacalhau em Lavadores. A meio da foto (ao longe) o antigo depósito de água que servia o complexo – Fonte: Google maps



No Porto, ao fundo da Estrada da Circunvalação, durante anos, os portuenses habituaram-se a observar uma imagem muito idêntica à da foto seguinte.



Na Seca do Bacalhau, no fim da Estrada da Circunvalação, os bacalhaus secando ao ar livre, com o oceano em fundo




Foto aérea da zona envolvente ao Porto de Leixões e entre a Estrada da Circunvalação e a Avenida da Boavista, c. 1950 – Ed. Alvão


Legenda

1. Farolim do Esporão
2. Molhe Sul
3. Molhe Norte
4. Estrada da Circunvalação
5. Área da Seca do Bacalhau (Hoje, o Queimódromo)
6. Bairro (de lata) de Xangai
7. Avenida da Boavista
8. Castelo do Queijo
9. Praia de Matosinhos
10. Avenida de Montevideu
11. Porto de Leixões
12. Local do actual Parque da Cidade



Seca do Bacalhau, em 1939, junto da Estrada da Circunvalação – Fonte: Fotograma de filme da Cinemateca



Frota Bacalhoeira, em 1939, junto do Cais de Massarelos e da “Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau – Armazéns Frigoríficos” – Fonte: Fotograma de filme da Cinemateca



O bacalhau vendia-se para a consoada e durante todo o ano em quase todas as mercearias. Para aqueles que faziam questão de ter à mesa também o polvo, recorriam aos mercados e peixarias de todos os dias.
A gente abastada recorria a mercearias finas, de produtos escolhidos, como se diz hoje, “gourmet”. Tanto para o bacalhau, como para o polvo. Este era apresentado seco e com cura de lixívia que, alguns poucos, apreciam.



“Feira do Bacalhau” na Rua do Bonjardim, 498 – Fonte: “jpn.up.pt”


Hoje, a concorrência aumentou e outros protagonistas tomaram conta do mercado.
Tudo aconteceu nas vésperas do Natal de 1985.


“No dia 10 de Dezembro de 1985, a tempo das compras de Natal, surgiu o primeiro hipermercado em Portugal, com a inauguração do Continente de Matosinhos. Foi o início de uma revolução no sector.
Resultado de uma parceria entre a Sonae (grupo proprietário do PÚBLICO) e os franceses da Promodès, o hipermercado do Continente de Matosinhos foi construído num terreno comprado à diocese do Porto. É Narciso Miranda, presidente da câmara de Matosinhos em 1985, quem conta a história, recordando que a escolha de local surgiu num almoço com Belmiro de Azevedo, presidente da Sonae.” 
Fonte: Luís Villalobos, In “publico.pt”


E, de repente, dá-se uma revolução. Todos estavam fascinados com a possibilidade de comprar todos os produtos que precisavam para o dia-a-dia no mesmo espaço. A entrada dos clientes era controlada por um funcionário com um apito que avisava sobre a abertura e fecho das portas. Excursões faziam-se a Matosinhos vindas de todo o País.



Continente-Matosinhos em 1985



Vista aérea do Continente-Matosinhos em 1985


(Continua)

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