quinta-feira, 10 de setembro de 2020

25.98 “O Tripeiro”



Em 2 de Janeiro de 1882, foi publicado um jornal diário com a denominação de “O Tripeiro”, dirigido por Diogo do Couto e Diogo de Macedo e propriedade de L. A. Guerreiro Lima.
Era impresso na Tipografia Aliança, na Travessa de Cedofeita, nº 57, onde também estava sedeada a redacção. Pretendia ter uma acção no campo político, literário e noticioso.
Assim como apareceu, desapareceu.
A revista “O Tripeiro”, que ainda hoje está nas bancas e com grande pujança, foi fundada em 1908. 




Cabeçalho do 1º número (de sempre) de “O Tripeiro”, provisoriamente, com a administração e a redacção na Rua da Fábrica, nº 39, sendo que, passados poucas semanas já estava sedeada na Rua Formosa, nº 199



Apareceu como revista cultural e da cidade do Porto e, ainda é, assim, que os actuais responsáveis a definem.
Em mais de 100 anos, o que mudou foi o público, fruto, também, de uma mudança na abordagem dos assuntos da cidade nas páginas da revista.
Com alguns hiatos na sua publicação, vai hoje na VIIª série e os seus números são, cronologicamente, os que seguem, entre a data da fundação e o ano de 1974:


1.ª série (“O Tripeiro”: repositorio de noticias portucalenses)
Ano I, n.º 1-36 (1908-1909); ano II, n.º 37-72 (1909-1910); ano III, n.º 73-108 (1910-1913).
2.ª série
ano I, n.º 1-12 (1919).
3.ª série
n.º único (1925); ano I, n.º 1-24 (1926); ano II, n.º 25-48 (1927); n.º especial 49 (1928); e n.º 50 (1930).
4.ª série
n.º 1-12 (1930-1931).
5.ª série  (“O Tripeiro”: revista mensal de divulgação e cultura, ao serviço da cidade e do seu progresso)
anos I-XV, n.º 1-12 (1945-1960).
6.ª série  (“O Tripeiro”: revista mensal de divulgação e cultura, ao serviço da cidade e das suas tradições)
anos I-XIII, n.º 1-12 (1961-1972); n.º especial ano XIII (1973) e XIV (1974).


Em resumo: entre 1908 e 1974, são publicados 6 séries, em 36 anos e 508 números.
Alfredo Ferreira de Faria (1867-1930) foi o impulsionador do periódico, trimestral, que se definia como “O Tripeiro”: repositorio de noticias portucalenses”.


“O próprio fundador era o principal subscritor da maioria dos artigos, por vezes simples transcrições de notícias na imprensa e de livros de historiadores ou literatos coevos e perecidos, contando-se como redatores mais assíduos: Alberto Bessa, J. Gomes de Macedo, Pedro Victorino, Alberto Pimentel ou Silva Leal. Ao nível gráfico acompanhando o gosto da época, com destaque para as ilustrações e litografias de relevantes artistas, ficava matizado na capa o brasão da cidade e três divisas: «Pelo Porto» (Club Fenianos), «Honra e Fama» (Club Girondinos) e «Recordar-se, consolar-se» (A. Herculano).
(…) Não se olvidava também o desejo de que tais apontamentos importantes e fidedignos pudessem servir como material documental para o desenvolvimento de trabalhos historiográficos e até de monografias da cidade do Porto, fruindo do acesso privilegiado aos arquivos das vereações do Porto e de Vila Nova de Gaia.
Nesta linha os sumários apresentam um leque de escritos multifacetados: lendas e tradições, biografias das personalidades distintas, monumentos, imprensa, instituições, espetáculos teatrais e tauromáquicos, momentos marcantes da vida citadina, etc.; alguns elencados ao longo dos números em secções próprias como: “Portuenses d’hontem e d’hoje”, “Tipos populares do Porto”, “O Porto descrito por estrangeiros” ou “O que dizem de nós”. Porventura, a mais original destas terá sido a de “Correspondência entre leitores”, convidando os mesmos a colocar perguntas ou esclarecimentos sobre factos e vivências, oportunamente respondidas pelos colaboradores ou outros leitores.”
Cortesia de Francisco Miguel Araújo (Mestre em História da Educação pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto)



Na 1ª série do ano II (1909-1910) foram incluídas novas secções como: “Efemérides”, “Notas ao Tripeiro” ou “Escavações históricas portuenses”, entrando como novos colaboradores, alguns sob pseudónimos há muito omissos, como: Pedro A. Dias, Sampaio Bruno, Rocha Peixoto ou Adolfo Loureiro.
No ano III, desde o nº 73 (1 de Julho de 1910) até ao nº 97 (1 de Março de 1911) a revista publica-se trimestralmente e, neste ponto, a publicação é suspensa e, apenas será retomada, cerca de 20 meses depois, com publicação mensal, desde o nº 98 (1 Setembro de 1912) até ao nº 108 (1 de Agosto de 1913), passando a direcção a ser partilhada, entre o histórico director e o seu irmão Guilherme Ferreira de Faria conhecido, também, como um dos fundadores da “Lutuosa de Portugal”.
No nº 99, a Administração e a Redacção da publicação já estavam sedeadas na Rua de Santa Catarina, nº 103.
“O Tripeiro” veria então a sua publicação ser interrompida devido aos habituais problemas financeiros e só voltaria às bancas, em 1919, com a 2ª série.
No primeiro semestre de 1919, por decisão do fundador e em resposta aos apelos dos antigos colaboradores e leitores, é então dada à estampa uma 2.ª série de 12 fascículos, sem alterações aos conteúdos gráficos e editoriais e de tiragem quinzenal, acentuando o desejo da redação de salvaguardar e difundir toda a documentação relativos à história da cidade e da região norte, que passara a beneficiar com o ensino da História na 1.ª Faculdade de Letras do Porto (1919-1931) e onde participaram autores estreantes como: J. A. Pires de Lima, Carlos de Passos ou António Arroio.
Após a saída de um número único de finais de 1925, resultou o aparecimento de uma 3.ª série (1926-1927), em dois novos anos com 48 novos números, já visados pela comissão de censura e com uma reformulação gráfica da capa, que passa a apresentar gravuras com pequenas legendas sobre monumentos, personalidades, heráldica ou litografias. Na reformulação de algumas secções emergem novidades como: “Jornaes da minha terra”, “Coisas do Passado” ou “História Bairrista”, parecendo ganhar preponderância alguns temas relacionadas com instituições, imprensa e personalidades ilustres do Porto e arredores. Um maior cuidado e rigor histórico revelava-se pelas entradas inéditas dos colaboradores de sempre e individualidades reputadas como historiadores ou intelectuais: A. de Magalhães Basto, Júlio Dantas, Ruy de Serpa Pinto, Eduardo de Noronha, Armando de Matos, João Chagas, Raul Brandão, A. Pires de Lima, F. Macedo Lopes, Hernâni Monteiro, Alberto Meira, Kol de Alvarenga ou Cláudio Basto.
Uma 4ª série (1930-1931) de “O Tripeiro” seria editada com a constituição de uma empresa homónima, do ainda então, jornal mensal, com 12 novos números e tiragem inferior a uma centena de exemplares, sob direcção do arquitecto Emanuel Ribeiro, um dos filhos do pintor Joaquim Ribeiro.
Novas secções surgem, como: “Arquivo nobiliárquico portuense”, “Museu Municipal do Porto”, “Iconografia histórica portuense” ou “Da música portuense”, entre outras, onde assinam esporadicamente: Luís de Pina, Julieta Ferrão, Delfim Santos, Armando Leça, etc.
Nesta 4ª série já participavam Magalhães Basto, Pedro Vitorino, Alberto Meira e Armando de Matos.
Em 1944, após um hiato de treze anos, na publicação da revista e com o comerciante António Sardinha como detentor do registo de propriedade da revista, começa um processo de relançamento da mesma e que visiva que a direcção fosse atribuída a Pedro Vitorino, irmão do anterior director, um conhecido arqueólogo. Entretanto, Pedro Vitorino viria a falecer num desastre ferroviário acontecido numa passagem de nível, em Francelos, na companhia do Dr. Joaquim Ferreira Alves e, assim, a escolha recairia em Artur Magalhães Basto (Porto, 5 de Março de 1894 — Porto, 3 de Junho de 1960).
Com um currículo invejável, Magalhães Basto tem para todos os que se interessam pelas coisas da cidade do Porto, o seu expoente máximo na obra, “O Porto do Romantismo”.



Capa da obra “O Porto do Romantismo”


“Um longo hiato mediou até novo restabelecimento de O Tripeiro em 1945, no rescaldo de um fértil contexto cultural e educacional na cidade do Porto, iniciado cerca de uma década antes, com o incremento de uma política municipal que teve como epicentro o Gabinete de História da Cidade e Magalhães Basto como chefe dos Serviços Culturais da vereação. Será a este que o industrial António Sardinha, após compra dos ativos da empresa O Tripeiro, dirige o convite para assumir a direção do periódico, naquele que se pode considerar o seu período áureo pela sua longevidade, pertinência e visibilidade, adaptando as suas especificidades ao mercado editorial num tom coloquial e de leitura aprazível pela metamorfose em O Tripeiro: revista mensal de divulgação e cultura, ao serviço da cidade e do seu progresso sob o adágio «Do Pôrto – Pelo Pôrto». Ao todo esta 5.ª série (1945-1960) compreende quinze anos com tiragem mensal de 12 números cada, sob um novo layout gráfico da capa e do corpo do texto numa linha mais vanguardista, profusamente ilustrado com diferentes tipos de imagem e organização de índices anuais em diferentes indicadores”.
Cortesia de Francisco Miguel Araújo (Mestre em História da Educação pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto)



António Sardinha nasce no Porto, em 16 de Março de 1902, foi comerciante, bibliófilo, proprietário e editor de “O Tripeiro” desde 1945, ou seja, das 5ª e 6ª séries e um amante da medalhística.
Faleceu em 1994, em Coimbra.
Com Magalhães Basto, secções como: “Figuras portuenses”, “Achegas arqueológicas e iconográficas”, “Da Arte e dos artistas”, “O que deseja saber acerca do Porto?” ou “Comunicações aos leitores” mantém-se na senda das anteriores; a par dos artigos de fundo reservados às primeiras páginas numa imensidão de temas e objectos de estudo com tónica comum portuense ou nortenha: questões e notas do património material, figuras literárias, personalidades categorizadas, instituições públicas e privadas, evolução topográfica e toponímica, eventos citadinos, imprensa, impressões de visitantes estrangeiros, etc.
Entre o rol dos colaboradores mais activos desta série, encontram-se nomes como: Horário Marçal, L. Nunes da Ponte, Flávio Gonçalves, J. A. Pinto Ferreira, M. Cruz Malpique, Hernâni Cidade, Jorge de Sena, Alfredo Ataíde, Mendes Corrêa, Maria Barjona de Freitas, etc. e uma pequena presença de autores estrangeiros: António Castilo de Lucas, Arnold Hawkins ou Lorenzo di Poppa.
O agravamento do estado de saúde de Magalhães Basto e o défice financeiro acumulado anualmente instigaram a nova suspensão de “O Tripeiro” pelo seu proprietário, mas um novo grupo de redactores acabaria por relançar a 6.ª série (1961-1974) de “O Tripeiro”: revista mensal de divulgação e cultura, ao serviço da cidade e das suas tradições e sob o lema «Pelo Porto – repositório de notícias portucalenses». sendo que  Eugénio Andrea da Cunha e Freitas seria o quarto director da publicação que se manteve com os 12 números mensais, durante treze anos e com o aparecimento de novas secções: "Tripeiros de Ontem", "Ainda se lembra?...", "Aconteceu há 50 anos”, "O Porto há 100 anos" ou “Tripeiro Camiliano”, etc.
Foram tempos da colaboração de B. Xavier Coutinho, F. Cyrne de Castro, Guilherme Felgueiras, Damião Peres, José Régio, Cândido dos Santos, Elaine Sanceu e Robert C. Smith.


“O nosso querido e ilustre investigador morreria na sua última residência, no Porto, no nº 500 da rua de Gondarém, arriscando nós rematar com uma digna nota deixada pelo professor Luís Duarte no catálogo da exposição que ao mestre seria dedicada em 2005 na Galeria do Palácio: ”percebemos que na história da nossa terra, houve um antes e um depois do magistério e do trabalho de Artur de Magalhães Basto”.



Artur Magalhães Basto


Nos 15 anos, após a direcção de Magalhães Bastos, “O Tripeiro” tornou-se uma revista académica, feita por professores universitários e os artigos passaram a ser densos e longos quando, até então, era uma revista coloquial, cem por cento do Porto e de fácil leitura e com pequenos artigos e algum humor, como aquele que se referia à casa do Maurício.



A “Casa do Maurício” (Edifício Rialto), à Praça D. João I, à data, o mais alto de Portugal




O último número da série foi inteiramente dirigido por António Sardinha que tomou a resolução unilateral de embargar o título pelas razões económicas de sempre, aquiescendo na saída de dois números especiais que encerraram esta 6.ª série: o do VI centenário da Aliança Luso-Britânica e o centenário da Igreja do Bonfim; reaparecendo desde 1981 um 7ª série, ainda hoje detida e publicada pela Associação Comercial do Porto, por convite de António Sardinha.
No cômputo geral a revista cultural, com preocupações literárias, viu a sua publicação interrompida cinco vezes desde a sua fundação, por razões financeiras.
A última interrupção aconteceu devido à idade do proprietário, António Sardinha, que deixou de conseguir rentabilizar a revista.
A partir daí, irá acentuar-se uma renovação em múltiplas direcções de uma historiografia que vinha dos anos 40, e dá-se o alargamento significativo, com uma maior abertura ao exterior da comunidade de historiadores.
Hoje, os editores de “O Tripeiro” definem-a como “Um repositório do nosso imaginário e memória colectivos, uma passagem de testemunho de geração em geração”.

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