domingo, 8 de maio de 2022

25.156 A indústria têxtil em Crestuma

Companhia de Fiação de Crestuma
 
 
«A industrialização em Vila Nova de Gaia terá começado nas tanoarias da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e na sua ferraria de Lever, como iremos referir mais à frente, na Fábrica de Verguinha e Arcos de Ferro de Crestuma, que mais tardiamente ergueu a Companhia de Fiação de Crestuma.
(…) Não pode deixar de ser referenciada, uma vez que constituiu uma ideia pioneira na indústria do ferro, a Fábrica de Verguinha e Arcos de ferro de Crestuma, cuja fundação remonta ao longínquo ano de 1790 e então sob a alçada da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. A fábrica marca um período importante na história industrial do Porto, e eventualmente ajuda a justificar o porquê de posteriormente Crestuma ter adquirido importância industrial, apesar da sua pequenez e ruralidade. Francisco Queiroz refere que “a fábrica chegou ao ano de 1830 dotada de casa nobre para habitação e arrecadação, quatro moinhos, uma casa de azenha, uma casa de lavoura e suas casas da eira, para além de vários edifícios destinados exclusivamente à actividade industrial, com uma importante secção de fundição, tudo movido por várias rodas hidráulicas montadas sobre um canal do Rio Uíma!”. Apesar de empregar cerca de quarenta operários, a Fábrica de Verguinha e Arcos de ferro de Crestuma adquiriu um papel importante ao que a novas técnicas e mecanismos diz respeito. Aliás, terá sido nesta fábrica que foi produzido armamento no período miguelista, durante o período do Cerco do Porto».
Cortesia de Raquel Santos e Jorge Ricardo Pinto (ISCET – Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo – Porto); II Congresso Internacional sobre Património Industrial, 22-24 Maio de 2014
 
 

Um de dois canhões que ainda se encontram no solo da Companhia de Fiação de Crestuma, possivelmente, usados nas lutas liberais de 1833 - Ed. JPortojo, em 2014
 
 
 

Moinho do rio Uíma a montante do local da instalação da Companhia de Fiação de Crestuma




Foz do Rio Uíma, no Douro – Ed. JPortojo, em 2014
 
 
 
Em 1853, a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro requereu autorização para leiloar a antiga fábrica de fundição «no sittio de Crestuma da freguesia de Santo Andre de Lever».
A petição foi deferida em 20 de Outubro de 1853 e, em 29 de Março de 1854, o cirurgião portuense António Ferreira Braga, lente da Escola Médico-Cirúrgica, morador nos Lavadouros, arrematou-a com um lanço de 36 contos e 201 mil reis.
António Ferreira Braga (1802-1870) formará uma parceria com três capitalistas portuenses, um deles, o visconde de Castro e Silva e, só em 1870, por falecimento dele, essa parceria foi transformada na Companhia de Fiação de Crestuma.
As posições accionistas dos 4 sócios eram as seguintes: Dr. António Ferreira Braga, 37,5%; visconde de Castro Silva, 18,75%; António Ferreira Baltar, 25%; Manuel Gualberto Soares, 18,75%.
O Dr. António Ferreira Braga terá para sempre o seu nome também ligado ao Palácio de Cristal, pois, foi ele, durante uma reunião da Sociedade do Palácio de Cristal, ocorrida a 7 de Julho de 1864, na sede da Associação Comercial do Porto, quem avalizou com os seus capitais, para que fosse possível a inauguração daquele empreendimento e ele decorresse com uma mostra internacional.
Voltando ao tema da Fábrica de Fiação de Crestuma, ela seria fundada por decreto de 26 de Junho de 1864, o qual aprovou os seus estatutos. Contudo, em 1854 a fábrica começara já a fiar algodão, sendo, nesse tipo de produção, a segunda no Norte do país.
Localizada no lugar das Hortas, da freguesia de Lever, a Fábrica de Fiação de Crestuma começou, então, a funcionar em 1854, pelas mãos de quatro capitalistas e negociantes da cidade do Porto, cujo objectivo principal era a fiação de algodão.
 
 

Companhia de Fiação de Crestuma, perto da Estrada Nacional 222, em Crestuma, na freguesia de Lever, no início do século XX. Ao longe, à direita, o chalet de António Pimenta da Fonseca
 
 
 
Em 30 de Agosto de 1878, a Companhia de Fiação de Crestuma, para garantir um empréstimo de 50.000$00 réis, contraído à Companhia Utilidade Pública, hipoteca os seus bens.
Até àquela data, a Companhia de Fiação de Crestuma já tinha obtido distinções nas: Exposições internacionais de Londres de 1862, Portuguesa de 1865 e de Filadélfia, 1876; Exposição Nacional de Lisboa em 1863, Industrial do Porto, em 1861 e Universal de Paris em 1878.
Neste ano (1878), a estrutura de gestão mudou e ocuparam o cargo, António Pereira de Loureiro e Augusto César da Cunha Morais.

 
 
“A hipoteca incluía a maquinaria da fábrica, que vem descriminada no documento. Alguns anos depois, quando da realização do Inquérito Industrial de 1891, um membro do concelho fiscal da Companhia, Leonardo Torres, relata à Comissão de Inquérito os problemas porque passava a fábrica, «em estado decadente», motivados pelo excesso de produção e concorrência, e adianta as razões que estiveram na origem da fundação dessa unidade fabril.
Segundo ele, o grande lucro que a Fábrica de Vizela –a primeira do Norte - tinha obtido com a guerra Civil nos EEUU, que fizera subir muito o preço do algodão, levara a que muitos pretendessem imitar o seu sucesso, criando unidades industriais de fiação de algodão. O conhecimento da existência de um açude com dez metros de altura em Crestuma (Fig. 9) fez com alguns indivíduos se precipitassem para aí fundar a Fábrica de Fiação, «que tem estado sempre em miséria constante» (INQUÉRITO, 1881:91-93). No fundo, as mesmas razões que tinham levado à instalação, nesse mesmo local, dos antigos moinhos”.
Cortesia do Dr. José Ferrão Afonso (Professor auxiliar da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa); II Congresso Internacional sobre Património Industrial, 22-24 Maio de 2014

 
 
Trinta anos depois, da abertura da Companhia de Fiação de Crestuma, em 1884, chega a seu director José Moreira Pimenta da Fonseca, ocupando esse lugar até à data da sua morte, ocorrida em 1920, sucedendo-lhe no cargo seu filho António Pimenta da Fonseca.
A propósito das unidades industriais existentes na região, o Jornal dos Carvalhos, em 1891, dizia:
 
 
“Entre todas é digna de louvor a Direcção actual da Fiação de Crestuma, composta dos Snrs. Manoel Ribeiro Fernandes e José Moreira Pimenta da Fonseca. Este último é industrial bem conhecido do operariado portuense que o respeita como pae terno e carinhoso… isto nos seus estabelecimentos do Porto, aqui [C.F.C.] tem sido de gigante o impulso dado por elle à indústria; não fosse elle o Director da Fiação de Crestuma, a maior parte da população morreria à mingua, pois que, graças á sua energia, e sábia administração se deve o trabalhar continuo da fábrica, o que não sucedia em outro tempo”.
 
 
A sede da companhia, no Porto, chegou a ser na Rua Infante D. Henrique, nº 25-A-1º.
A secção de tinturaria abriria em 1905, enquanto a de tecelagem, cardação e acabamentos ocorreria em 1906.
Em 1912, na sequência de um grande incêndio, seriam destruídos dois terços da secção de fiação.
Na década de 1940, em pleno conflito mundial, a fábrica vai proceder à construção de um edifício para creche, refeitório, balneário e sala de reuniões, de modo a atender às necessidades dos seus trabalhadores.
Acções com mesmo cariz assistencial aos trabalhadores, consistindo no fornecimento de refeições, já tinham acontecido durante os anos da 1ª Guerra Mundial.
Em 1979, abriria falência.
Em 1992, o cidadão brasileiro Ricardo Haddad comprou os 32 hectares da propriedade, do complexo fabril, totalmente demarcada por muros.
O grande impulsionador da companhia de Fiação de Crestuma, José Moreira Pimenta da Fonseca, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, foi condecorado como Comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, em 1897, pelo rei D. Carlos. Foi membro da direcção do Hospital Geral de Santo António. Faleceu, no Porto, na Rua de Santo Ildefonso, nº 433, onde residia, a 8 de Setembro de 1920, tendo deixado testamento.

 
 

José Moreira Pimenta da Fonseca
 
 
Suceder-lhe-ia, à frente dos destinos da Companhia de Fiação de Crestuma, o seu filho António Pimenta da Fonseca que obteria o estatuto de comendador, em 21 de Maio de 1929.
Tendo sido mesário da Ordem do Carmo, no Porto, participou ainda, no âmbito da sua actividade filantrópica, no apoio à construção da igreja do Marquês, cuja escultura de Santo António, que ostenta a fachada, foi por si patrocinada.
Tem ainda o seu nome ligado a escolas, em Lever, e ao parque de jogos do Clube União Desportiva Lever (agremiação fundada, em 1939, por Manoel Vieira Rocha), a cuja inauguração ainda presidiu, antes de morrer, em 1954.
 
 
 

Companhia de Fiação de Crestuma, em 2014 – Ed. JPortojo
 
 
 
 

Palacete do comendador António Pimenta da Fonseca, junto da fábrica, em 2014 – Ed. JPortojo

 
 

Busto de António Pimenta da Fonseca, da autoria de Henrique Moreira, junto do antigo edifício da administração – Ed. jornal “O Gaiense”

 
 

Edifício do corpo privativo dos bombeiros da Companhia de Fiação de Crestuma, em 2014 – Ed. JPortojo

 
 
O comendador António Pimenta da Fonseca, que à data do falecimento do seu pai (1920) ainda era solteiro, construiu um edifício grandioso, onde predomina o azulejo, na Rua de Santa Catarina, no Porto, no local onde já existia, há alguns anos, um outro dotado de uma torre e que foi sua residência durante anos.
As intervenções principais ocorreram, a partir de 1923, pelas licenças camarárias, nº 323 de 1923 e nº 917 de 1924.
Conhecido como Castelo de Santa Catarina é, agora, uma unidade hoteleira.


 
 

Castelo de Santa Catarina
 
 
 
 
Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais
 
 

Uma outra unidade industrial, que marcou uma era, em Crestuma, foi a Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais.
A Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais abriu falência em 2007 e, actualmente, encontra-se num processo de leilão a fim de se encontrar comprador.
Augusto César Cunha Morais (Coimbra, 1852 – 31 Jan 1939, Porto), engenheiro de formação, criará uma empresa, em Crestuma, na década de 80, no século XIX, que se dedicava à produção de balões venezianos.
Talvez pelo facto de ter feito, em 1878, parte da direcção da Companhia de Fiação de Crestuma, em 1890, Augusto César Cunha Morais voltou a escolher Crestuma para a instalação da fábrica, o que viria a motivar o estabelecimento da residência da família também em Crestuma, na denominada Quinta da Estrela.
A casa da Quinta da Estrela foi projectada para ser uma fábrica de balões e, mais tarde, seria adaptada para residência, sendo o seu projecto anterior ao do edifício principal, tal como os jardins, foram traçados pelo fundador desta empresa.
 
 
“A Quinta da Estrela situa-se junto ao Lugar de Crestuma, a uma distância de 19,2 Km da foz do Rio Douro e ocupa uma área de 4,48 hectares. Embora não seja marginal ao Rio Douro, está situada muito perto deste, no sopé de uma encosta na qual foi instalado um complexo fabril de finais do séc. XIX. Identifica-se pela estrela ajardinada em talude que é visível até a partir do próprio rio. A habitação, com 2 pisos, cave e águas furtadas, data de 1903 e apresenta um estilo revivalista, sendo o autor do projecto João Teixeira Lopes. Está adossada ao antigo Complexo Fabril de Fiação e Tecelagem A.C. Cunha Morães. Ambas constituem um património edificado, de grande valor arquitectónico e cultural, com elevada possibilidade de restauro. A vivenda está rodeada de áreas arborizadas com espécies ornamentais de interesse, muitas delas características das quintas do séc. XIX. A vivenda, o belo arvoredo que a rodeia e o próprio muro que cerca a propriedade causam um certo impacto para quem passa junto à quinta. A propriedade é atravessada por duas linhas de água que drenam directamente para o Rio Douro, estando toda ela incluída na Estrutura Ecológica Fundamental. Algumas das áreas estão classificadas também como Reserva Ecológica Nacional. Os grandes declives que se verificam, aumentam o risco de erosão, pelo que é importante preservar e requalificar as áreas arborizadas que ainda hoje existem”.
Fonte: cm-gaia.pt/; “O Património das Encostas do Douro”


 

Casa da Quinta da Estrela – Cortesia de Helga Nair (2010); “O Património das Encostas do Douro”
 
 
 
 

Interior da casa da Quinta da Estrela, em 2011 – Fonte: ruinarte.blogspot.com/
 
 
 
Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais – Ed. JPortojo, em 2014
 
 
 
A Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais seria a primeira unidade fabril, em V. N. de Gaia, a ser dotada com um Posto de Transformação.
 
 
“Unidade fabril de enorme importância na indústria do concelho e até do país, uma vez que laborava com teares e maquinaria muito sofisticada para a época, a Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais participou em diversas exposições nacionais e internacionais e foi premiada com medalha de ouro na “Exposição Agrícola-Industrial de Gaya”, em 1894, com um tear movido a gás. (Guimarães, 1995: 229).
Para além deste louvor, a mesma fábrica foi premiada na exposição de Paris, realizada em 1889, bem como noutras que se podem ver no anúncio publicitário da fábrica”.
Cortesia de Daniela Raquel Ferreira dos Santos; Crestuma, património e turismo industrial; ISCET – Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo
 
 
 
O engenheiro Augusto César Cunha Morais, sendo uma pessoa de grande poder económico, em Crestuma e no Porto, possibilitou igualmente a construção da Igreja de Crestuma e de várias casas para os seus trabalhadores.
Considerando-se um republicano de esquerda, embora sem filiação partidária, seguiu a facção de Afonso Costa e conspirou contra o governo de Sidónio Pais, acabando por ser perseguido e preso.
Em 1923, chega a ocupar por um curto espaço de tempo, o cargo de presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia. Foi presidente da Secção Algodoeira da Associação Industrial Portuense entre 1930/44.
 
“Representou a indústria portuguesa do algodão em vários congressos internacionais e foi vogal da Comissão Reguladora do Comércio de Algodão. Mais tarde foi conselheiro de Salazar nos assuntos referentes a esta industria, chegando mesmo a ser convidado a integrar a Câmara Corporativa do estado Novo, embora tivesse declinado.
Já nos anos 60 e à semelhança do seu mestre Leonardo Coimbra, converteu-se ao cristianismo, vindo a falecer em Crestuma no ano de 1968”.
Cortesia de Gastão de Brito e Silva (06/11/2011)
 
 
 
De realçar a visita do almirante Gago Coutinho, amigo pessoal de Augusto Morais, quando visitou Crestuma e a Quinta da Estrela, em 1922.
O engenheiro Augusto César da Cunha Morais seria, ainda, o centro de uma discussão sobre qual deveria ser a nova centralidade da cidade face à abertura da Avenida dos Aliados propondo, em sequência, que a Câmara Municipal deveria ir para a Praça dos Leões.
 
 
“Em 1916, surge um opúsculo intitulado "Os Melhoramentos da Cidade" da autoria do Engº  A. C. da Cunha Morais, cujo objetivo era o de elaborar um estudo que fornecesse indicações sobre as necessidades prementes associadas à expansão da cidade. Este plano ou projeto poderia contribuir com mais e melhor informação para os melhoramentos da cidade. Nesta sua obra apresenta um pequeno texto de fundamentação, uma planta à escala 1:10 000 com as vias existentes e as vias propostas e, ainda, uma descrição dos traçados que propõe nessa planta. Este documento era limitado a norte pela Avenida da Boavista e pelo Monte Cativo - e abarcava toda a zona ocidental da cidade - e, a oriente, terminava no jardim de S. Lázaro. Propõe um novo centro - a Praça de Carlos Alberto - e a sua envolvente”.
Fonte: cm-porto.pt/

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