domingo, 8 de janeiro de 2023

25.174 Grande Hotel de Paris - Hotel do Louvre

 
No prédio do gaveto formado pelas actuais ruas do Rosário e de D. Manuel II,  abriu portas, em 1865, pela primeira vez, o Grande Hotel de Paris que ficaria celebrizado como Hotel do Louvre, desde da década de 1870.
Após cerca de quinze dias, seria inaugurado o Palácio de Cristal.


 
“Abre-se o hotel denominado Grande Hotel de Paris no primeiro de Setembro próximo; é situado na Rua do Rosário, fazendo duas faces, sendo outra para a rua do Triunfo, perto do palácio de Sua Majestade.”
In jornal “Restauração”, 19 de Agosto de 1865 – Sábado

 
 
Ao Hotel do Louvre ficariam ligadas diversas personalidades importantes que o escolheram para nele se hospedar.
Assim, por lá passaram nomeadamente, Lady Jane Franklin, viúva do célebre explorador do Pólo Norte, John Franklin (1786 - 1847) que, enquanto esteve hospedada no Grande Hotel de Paris, em 1869, visitou a cidade e os seus monumentos.
Na segunda metade do ano de 1879, possivelmente em Julho, é Maria Ratazzi que é recebida no hall do Hotel do Louvre, procurando hospedagem, mas não concretizaria os seus intentos em consequência do modo deselegante como foi recebida pela gerência do hotel e abala para se acomodar no Hotel Francfort.
Mas, teria sido, em Março de 1872, quando aí se hospedou durante oito dias o imperador D. Pedro II do Brasil e a imperatriz D. Teresa Cristina Maria de Bourbon, durante uma visita ao Porto, que o hotel ficou para sempre na história da cidade e, desde esse momento, o imperador ficou, também ligado a uma outra estória, na qual ele, por influência do cônsul do Brasil, no Porto, achando especulativa a conta da estadia, se recusou a liquidá-la. Um escândalo!
A dona do hotel, após um tribunal, ao fim de 5 anos, lhe ter dado razão na acção judicial que entretanto correu, haveria de embarcar num navio para o Brasil, tentando resgatar a conta em dívida de mil libras.
Para obstar ao escândalo quatro ricos portugueses residentes no Brasil pagariam do seu bolso a dita maquia.
Durante aquela visita do Imperador do Brasil, em 1872, um outro episódio ocorreria.
Assim, o imperador ao visitar a Academia Portuense de Belas Artes, sedeada no extinto convento de S. Lázaro, procurou conhecer os pintores Francisco Rezende e João Correia e as suas obras, pelo prestígio que tinham, entretanto, adquirido na cidade.

 
 
“Depois de reparar no mau estado em que se acha o edifício, cuja reparação compete à camara municipal da cidade, subiu às aulas da Academia, e ahi notou os quadros dos srs. Francisco José Resende e João António Corrêa, que elogiou, perguntando pelo primeiro, o qual se não achava presente. Mais tarde foi o sr. Resende recebido no hotel do Louvre, aonde foi offerecer-lhe dois quadros, um de costumes, outro com o retrato del-rei o sr. D. Luiz.”…
In Viagem dos Imperadores do Brasil em Portugal. Imprensa da Universidade. Coimbra 1872. (pág.103)

 
Entretanto, no Jornal “O Primeiro de Janeiro” de 3 de Março de 1872 dizia-se a propósito daquela visita:

 
Hontem, pelas 7 horas da manhã foi o snr. Resende collocalos na sala de espera do hotel do Louvre, e quando procedia áquella operação, entraram na sala o snr. D. Pedro II com os snrs. Marquez de Ficalho, Andrade Corvo e seu secretario António Sampaio, os quais não só muito elogiaram os quadros como também dirigiram affectuosissimas palavras ao notável artista. Suas magestades querem que aquellas pinturas vão já na sua companhia para o Rio de Janeiro.
 
 
 

“Pescadores numa Praia” (1887). Óleo sobre tela 95 x 145 cm, de Francisco José Rezende, exposto no Palácio Nacional de Queluz
 
 
 
Na obra acima, temos uma vista sobre a praia de Matosinhos.
A visita acontecida em 1872, à cidade do Porto, começaria alguns meses antes.
Assim, em 25 de Maio de 1871, D. Pedro II e a sua mulher D. Teresa Cristina de Bourbon (1822-1889) partem do Rio de Janeiro no paquete Douro.
Chegados a Lisboa a 12 de Junho, permanecem de quarentena obrigatória no Lazareto, tendo recusado a oferta de D. Luís para o fazerem na corveta portuguesa Estephanea.
Finda a quarentena, instalaram-se no Hotel Bragança até à partida no caminho-de-ferro para uma digressão pela Europa, em Junho de 1871. Visitaram Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Itália e o Egipto no Norte de África.
No dia 29 de Fevereiro de 1872, estão de regresso, em comboio, a Portugal e dirigem-se para o Porto tendo, aqui chegado, desembarcando na Estação das Devesas, em V. N. de Gaia.
Após uma estadia no Porto, seguiu-se uma visita a Braga, tendo a comitiva brasileira partido para Lisboa, com paragem em Coimbra, Leiria, Alcobaça, Caldas e Batalha. Depois de demorada estadia em Lisboa, no Hotel Bragança, embarcam de regresso ao Brasil.
 
 
 
 

Largo da Feira de S. Bento (com a Igreja dos Congregados, em fundo), preparado para receber o Imperador em 1872

 
 
O chão em que nasceria o Hotel do Louvre teve uma evolução que a seguir se assinala.
Assim, na planta abaixo, de 1808, se observa que a Rua do Rosário (2) já está prevista e o lado norte da Rua dos Quartéis (1) apresenta o corpo do Palácio dos Carrancas (A), com construção iniciada em 1795, e uma outra construção anexa (B).

 
 

Planta (1805) local da parte ocidental da cidade…de Luis Ignacio de Barros Lima



Abaixo, na planta de Balck, de 1813, a área entre o Palácio dos Carrancas e a esquina formada pelo lado norte da Rua dos Quartéis e a Rua do Rosário já se apresenta edificada.


 




Em 1830, o traçado da concordância das ruas dos Quartéis e do Rosário, cuja ultimação e escolha das soluções mais correctas se vinha a arrastar nos últimos anos é, finalmente, decidido.
Então, a esquina da Rua do Rosário com a Rua dos Quartéis, que viria a ser do Triunfo, estava ocupada pela residência (A) de António Caetano da Silva Pedroza Guimarães (filho de José Joaquim da Silva Pedrosa, entretanto, já falecido em 1819) e um terreno (B) com uma casa de que era também proprietário, apenas com os alicerces implantados e que desejava concluir para, posteriormente, tentar adquirir o terreno contíguo (C).
Por isso, António Caetano da Silva Pedroza Guimarães, solicita a informação ao departamento de obras da câmara do Porto de que “perciza por isso que se lhe marque o alinhamento, em que a mesma rua deve ficar desde a sua entrada”.
Para o efeito, entrega uma planta do local, da qual, a seguir, se apresenta um pequeno extrato.

 
 

Planta editada, da confluência das ruas dos Quartéis e do Rosário, de 1830
 
 
Acontece que, algures, na década de 1840, os lotes A, B e C da planta anterior já tinham entrado na posse de outro proprietário.

 
 
«Isto porque, por esta altura, o proprietário dos lotes de terreno que na planta anterior estavam representados pelas letras “A”, “B” e “C” já não era António Caetano da Silva Pedrosa Guimarães, mas o negociante Gaspar Joaquim Borges de Castro que encetara, uns anos antes, a sua efetiva regularização. Nesse terreno de ângulo agudo, o negociante pretendia edificar uma casa com duas frentes. No entanto, esse detalhe morfológico originava problemas quer à circulação das carruagens, quer na organização interna do edifício. Assim sendo, a solução encontrada foi o ligeiro arredondamento da esquina do edifício, de forma a este ficar mais funcional, permitindo também haver mais espaço para a paragem das carruagens, bem como para se realizarem as cargas e descargas necessárias para o seu funcionamento (Livro Plantas de Casa nº28 f.51, 1863, AHP). Este edifício tinha sido pensado e projetado para servir de armazém de vinhos, onde o proprietário poderia guardar as pipas e as garrafas que comercializava, mas o projeto foi alterado e, no seu lugar, acabou por nascer um luxuoso hotel, o mais luxuoso que a cidade havia tido até à data (“O Tripeiro”, série I, ano II), que se anunciava até como “o melhor e mais rico estabelecimento d’esta ordem que conta actualmente a cidade do Porto” (Comércio do Porto, 12-08-1865).»
Cortesia de Daniela Filipa Duarte Alves, Hélder Filipe Sequeira Barbosa e Jorge Ricardo Pinto
 
 
 
 
O prédio onde começaria por estar o Grande Hotel de Paris foi mandado construir, em 1863, pelo negociante Gaspar Joaquim Borges de Castro (sogro do 2º visconde de São João da Pesqueira), casado com Joaquina Augusta Vieira de Castro, com a qual teve nove filhos, que ali pretendia residir e instalar um armazém de vinhos,  intenção que não se concretizaria.
Em 1875, António Joaquim Borges de Castro, sobrinho e testamenteiro de Gaspar Joaquim Borges de Castro, entretanto falecido em 1871, residente, à data, na Rua do Triunfo, solicita na qualidade de tutor das suas filhas menores e, no caso para apreço, de uma jovem herdeira, a cobertura do terraço da casa no cunhal da Rua do Rosário e da Rua do Triunfo. 


Desenho anexo a pedido de licença de obras que obteria o nº 73/1875 para cobertura de terraço de prédio


Antes, em 16 Julho 1859, Henriqueta Augusta Vieira Borges de Castro já se tinha casado com Luís de Sousa Vahia Rebelo de Morais, 2º Visconde de São João da Pesqueira, tendo em 27 Novembro de 1862, nascido desse casamento o futuro 3º Visconde de São João da Pesqueira, Luís Maria de Sousa Vahia Rebelo de Morais que, em 25 Novembro de 1897, desposaria Maria Adelaide Pinto da Silva.
A inauguração do Grande Hotel de Paris (primeira denominação do Hotel do Louvre) ocorre a 1 de Setembro de 1865, a cerca de duas semanas da inauguração do Palácio de Cristal.
 
 
 

In Jornal “O Comércio do Porto” de 12 de Agosto de 1865
 
 
Segundo um leitor da revista “O Tripeiro” o Grande Hotel de Paris abriu portas por iniciativa de Rodrigues da Cruz, um tio da mulher do comandante dos bombeiros, Guilherme Gomes Fernandes.

 
 

In revista “O Tripeiro” de 10 de Agosto de 1909, nº 41, página 127, Iª série, 2º ano, rubrica “Correspondência entre os leitores”
 
 
 
O Hotel do Louvre que se tornou um dos melhores hotéis da cidade chamar-se-ia, então, até c. 1870, Grande Hotel de Paris e, nesta data, seria já administrado por Maria Henriqueta de Mello Lemos e Alvellos, oriunda de uma família distinta da Beira-Alta.
 
 
 

Publicidade ao Hotel do Louvre, In jornal “O Comércio do Porto” de 25 de Setembro de 1870
 
 
 
Maria Henriqueta de Mello Lemos e Alvellos haveria de abrir, primeiro, uma filial do Hotel do Louvre, na Foz do Douro, na Avenida de Carreiros, numa casa propriedade de Manuel Maria da Costa Leite (1813–1896), 1.º Visconde de Oliveira, genro de Gaspar Joaquim Borges de Castro e, após o seu encerramento um outro, com o mesmo nome, ainda, na Foz do Douro, na esquina das ruas do Túnel e do Gama, onde residiu, mais tarde, o clínico e vereador, Dr. Nunes da Ponte.
 
 
 
In revista “O Tripeiro” de 10 de Agosto de 1909, nº 41, páginas 79 e 80, Iª série, 2º ano, rubrica “Correspondência entre os leitores”

 
 
Em 1880, é dada notícia de um incêndio de reduzida dimensão, mas que, no entanto, não teve consequências significativas no estado do hotel.
 
 
“A notícia é de 15 de junho - Às 5 horas e um quarto da tarde. Rua do Triumpho. Propriedade do visconde das Devezas, onde está estabelecido o hotel do Louvre, de D. Maria Henriqueta de Mello Lemos e Alvellos. O incendio que causou insignificantes prejuizos declarou-se na fuligem da chaminé e foi extincto pela bomba dos voluntários.”
 
 
 
Em 1880, o Hotel do Louvre acaba mesmo por fechar as portas, na sequência de um processo que Joaquina Augusta Vieira Borges de Castro, filha de Gaspar Joaquim Borges de Castro, move contra Maria Alvellos, por esta lhe estar a dever a prestação de arrendamento referente aos anos de 1879 e 1880.
A filial da Avenida de carreiros terá estado aberta, apenas, dois anos e a unidade hoteleira da Rua do Túnel, ainda menos tempo.
Em 1904, Maria Henriqueta de Mello Lemos e Alvellos morre na miséria. Passados cinco anos, em 1909, o prédio estava ocupada pela Administração do Bairro Ocidental do Porto.
Foi neste prédio, em  1 de Janeiro de 1881, inaugurada uma das primeiras clínicas particulares da cidade - a Casa de Saúde do Dr. António Bemardino de Almeida e, c. 1930, por aqui se instalou o Orfeão Lusitano.
Nos anos 30, foi sede do velhinho e popular Sport Comércio e Salgueiros seguindo-se o Cineclube do Porto fundado em 1945 e o Movimento Unidade Democrática (MUD) entre 1947 e 1948, até à sua expulsão pela PIDE.
No final do século XX, veio a ser ocupado pela Escola de Condução “A Desportiva”, que ali permaneceu até meados do início do século XXI, na altura da construção do Túnel de Ceuta.
 
 
 
 

À direita, na foto, o edifício do antigo Hotel do Louvre

 
 
Na fachada do prédio, é possível observar em placa afixada na mesma, um texto alusivo à intervenção da Polícia Política do Estado Novo, vulgo PIDE, sobre o MUD (movimento de Unidade Democrática), que teve ali a sua sede.

 
 

Placa alusiva à intervenção da PIDE
 
 
 
Mesmo diante do edifício onde esteve o Hotel do Louvre está hoje um busto de Arthur Wellesley (1768 – 1852) que viria a ser, Duque de Wellington.
De origem Irlandesa, como comandante militar teve  uma actividade vitoriosa em Portugal e Espanha durante as invasões francesas da Península Ibérica.
Com a fuga e retorno ao poder, de Napoleão, o Duque de Wellington foi nomeado comandante das forças aliadas (britânicos, prussianos e holandeses) derrotando o Imperador francês, definitivamente, na batalha de Waterloo.
Membro da Câmara dos Lordes, envolveu-se na política tornando-se primeiro-ministro da Inglaterra, em 1828.
O governo português atribuiu-lhe os títulos de Conde de Vimeiro, Marquês de Torres Novas e Marquês do Douro e, ainda, Duque de Vitória.
Wellington é também, o nome dado a uma cidade fundada em 1840 na Nova Zelândia, sendo a capital daquele país, desde 1865.
 
 
 

Duque de Wellington
 
 
Nos anos de 2021 e 2022, o prédio onde esteve o Hotel do Louvre, sofreu grandes obras que o transformaram num condomínio habitacional.

Sem comentários:

Enviar um comentário