sexta-feira, 15 de setembro de 2023

25.203 “A mulher do padeiro”

 
 
No dia 7 de Maio de 1943, o “Jornal de Notícias” informava os seus leitores de que o lançamento da “mulher do padeiro”, efectuado no dia anterior, tinha sido um grande êxito e se tinha instalado, em sequência, o “fim do mundo” na baixa portuense.
A “mulher do padeiro”, uma boneca, depois de lançada de uma avioneta, tinha caído no telhado da casa da Rua de Santo António, nº 190.
Um idoso, correndo risco de vida, vai apanhá-la e oferece-a à sua neta Maria Odete, de 4 anos.
Pouco depois, uma delegação composta pela menina, o seu pai, Artur O. de Vasconcelos, proprietário do Mercado Filatélico do Norte, e o seu “priminho” Aníbal, dirigiram-se à sede do “Jornal de Notícias” onde receberiam das mãos do sub-director do periódico, a quantia de 1000 escudos contra a entrega da boneca.
Maria Odete pouco se interessou pelo que se passava à sua volta, apenas pretendia que não lhe tirassem a boneca.
Na ocasião, uma multidão aguardava à porta da sede do jornal, na Avenida dos Aliados, pelo desfecho da cerimónia e aplaudia os sortudos.
Tudo tinha começado uns meses antes, quando o “Jornal de Notícias” começava a divulgar um concurso, mais precisamente, no dia 11 de Fevereiro de 1943, anunciando o concurso “Bonecos Animados”, com início daí a dias.
Consistia o concurso na recolha pelos leitores de uns quadradinhos de uma estória, que seriam impressos diariamente e que teriam que ser recortados conjuntamente com a legenda respeitante à cena do quadradinho, impressa na penúltima página do periódico, sendo esse conjunto colado numa caderneta vendida na sede do “Jornal de Notícias”. Quando completada, a caderneta seria trocada por senhas numeradas que dariam acesso a um sorteio de prémios que, nessa primeira série, subiam aos 1000 contos.
O primeiro quadradinho seria impresso a 21 de Março, num Domingo, traduzindo-se por um enorme êxito.



 

Quadradinho da 1ª série de “Bonecos Animados” – Da col. de Manuela Campos
 
 
 
Passaram, então, a fazer parte do quotidiano dos portuenses as personagens “Mulher do Padeiro”, “Padeiro”, “Alcinda”, “Mete o Nariz em Tudo”, “Pipocas”, “Aninhas da Ribeira”, “31”, “Amola a Faca” e três regateiras do Mercado do Bolhão (“Micas”, “Maria Rita e “Maria Augusta), entre outras.
Foram milhares os participantes, de tal modo que começou a ser perspectivada uma segunda série e sucedendo-se a procura desenfreada por jornais publicados em dias anteriores.
Dado o êxito do concurso, a lista de prémios aumentava todos os dias pela adesão de inúmeras casas comerciais da cidade, que disponibilizavam toda uma diversidade de artigos.
Em grande número, os prémios referiam-se a artigos de mercearia ou para o lar, mas não só.
Assim, constava da lista mobílias, galináceos, porcos, cabazes de alimentos e até “um almoço de Domingo, durante seis meses, no Restaurante do Palácio de Cristal”.
De acordo com a mecânica do concurso, a busca da legenda do quadradinho, feita na penúltima página, a da publicidade classificada do jornal, permitia o contacto dos participantes com as firmas aderentes.
 
 
 

Legenda do quadro nº 44
 
 

Nas semanas seguintes, os leitores estavam identificados com as personagens; os responsáveis pelo jornal encenavam entrevistas às personagens da série “Bonecos Animados” que, era, na prática, uma história de banda desenhada.
Assim, o “Jornal de Notícias”, em 4 de Maio, escrevia, como introdução a uma entrevista totalmente encenada à “Mulher do Padeiro” que, no argumento da história, andava pela capital:
 
 
“É grande o entusiasmo na cidade do Porto pela descida na Avenida dos Aliados ou Praça da Liberdade, em paraquedas da “Mulher do Padeiro”, que, conforme vimos anunciando se realiza, depois de amanhã das 18 para as 19 horas.
A “Mulher do Padeiro” que descerá, depois de amanhã das 18 às 19 horas, em paraquedas na Avenida dos Aliados falou ao “Jornal de Noticias”.
A gentil e encantadora protagonista dos “Bonecos Animados” que se encontra hospedada num dos melhores hotéis de Lisboa, recebeu, ontem, um dos nossos redactores que, propositadamente, a foi ouvir sobre a sua próxima viagem à capital do Norte, em avião gentilmente cedido pelo Aero Club do Porto e pilotado por distinto aviador (…)”.
 
 
À introdução, acima expressa, seguia-se uma série de perguntas e respostas.
Preparava-se, então, o dia do lançamento em paraquedas da “Mulher do Padeiro”, que desceria na Avenida dos Aliados, a partir de uma avioneta, supostamente vinda da capital.
Em 5 de Maio, o “Jornal Notícias” publicava em anúncio de 1/4 de página:
 
 
 

 
 



Conforme o que estava previsto, no dia 6 de Maio, a boneca foi lançada e recolhida pela Odete.
 
 
 

A célebre boneca “A Mulher do Padeiro” – Da col. de Manuela Campos
 
 
 
O êxito do concurso obtido e os proventos inerentes foram tais, que o “Jornal de Notícias” haveria de promover uma segunda série dos “Bonecos Animados”, pelo que, no dia 25 de Maio de 1943, encenava a chegada à Estação Ferroviária de S. Bento, apeados do rápido oriundo da capital, as personagens (actores) que desfilaram em carro aberto sob os aplausos de uma multidão de portuenses.
Após a comitiva se ter dirigido para a sede do “Jornal de Notícias”, na Avenida dos Aliados, proceder-se-ia ao sorteio, entre aqueles que se tinham apresentado a concurso, de três Libras em ouro.
Também se disse que, nessa ocasião, o “Padeiro” e a Mulher do Padeiro caíram nos braços um do outro, para gáudio do povo.
 
 
 
A opereta “A Mulher do Padeiro”
 
 
O Porto não iria ver-se livre da “Mulher do Padeiro”.
No início de 1944 vai estrear, no Teatro Sá da Bandeira, a opereta popular em 2 actos e 7 quadros, a “Mulher do Padeiro”.
Um original de Arnaldo Leite e Campos Monteiro e a ilustração associada de Cruz Caldas.
Os autores aproveitavam a onda.
As interpretações estiveram a cargo de Mirita Casimiro (Fininha), Vasco Santana (Tibério), Costinha (Firmino), Luíza Durão (Miquelina), João Perry, Domingos Marques, Zita Trindade, Maria Mesquita, Carlos Viana, João Pio e Peggy & Humberto.
 
 
 


 
 
 


 
 
 

Costinha, Luísa Durão, Vasco Santana e Mirita Casimiro, caracterizados para os seus personagens: Firmino, Miquelina, Tibério e Fininha – Col. Museu Nacional do Teatro


 
 

Artigo, de Arnaldo da Fonseca, de homenagem prestada a Arnaldo Leite e Campos Monteiro, em 1944, durante a representação da opereta “A Mulher do Padeiro”

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