Por norma, estas
personagens que, em tempos, se tinham dedicado e feito fortuna com a exploração
de outras pessoas e povos, tentavam ao ver aproximar-se a hora de prestar
contas ao Criador, fazer as pazes com a humanidade, praticando o bem-fazer.
No término da
existência, os destinatários de parte ou da totalidade dos bens legados eram as
Ordens Religiosas Terceiras, que exploravam cemitérios privados ou que, a
partir da institucionalização dos cemitérios públicos, neles tinham as suas
áreas privativas.
Joaquim Ferreira dos Santos (Conde de Ferreira)
Joaquim Ferreira dos
Santos (1782-1866), nascido a 4 de Outubro de 1782, no lugar de Vila Meã, na
freguesia de Campanhã, era o quinto filho de uma família pobre de lavradores, tendo
chegado a estudar no seminário, não mostrando, no entanto, qualquer vocação nem
entusiasmo.
Cedo, embarca para o
Brasil para junto de um familiar, dedicando-se ao comércio e acabando por
tornar-se traficante de escravos.
“Depois de um curto período como caixeiro no
Porto, contrariando os pais, emigrou para o Brasil em 1800, levando consigo
carta de recomendação dirigida a um parente que se encontrava estabelecido como
comerciante no Rio de Janeiro. No Brasil, ajudado e protegido pelo seu parente,
foi prosperando no negócio, dedicando-se ao comércio por consignação de
produtos enviados do Porto.
Depois de ter estabelecido relações
comerciais entre a sua casa e a praça de Buenos Aires, dirigiu as suas atenções
para África, com o intuito de alargar as suas relações com essa parte do mundo,
foi três vezes a Molumbo, Angola, onde criou várias feitorias e montou um
lucrativo negócio negreiro, importando cerca de 10 mil escravos para o Brasil”.
Cortesia de Rui
Cunha
No Rio de
Janeiro, Joaquim Ferreira dos Santos casou com D. Severa Lastra,
uma senhora argentina, natural de Buenos Aires, detentora de uma enorme
fortuna. O único filho que tiveram morreu em criança e, quando Joaquim Ferreira
dos Santos enviuvou, tornou-se herdeiro de todos os bens de sua mulher.
Joaquim Ferreira dos
Santos é um dos muitos casos de personagens que enriqueceram no Brasil com
negócios ligados ao tráfico de escravos e que, de volta a Portugal, continua
com as suas actividades comerciais e bancárias e se torna, ainda, um apoiante
de D. Maria II, que o nomeia barão, visconde e conde.
Tendo abraçado a
corrente política em ascensão do Liberalismo, foi membro do Conselho de Sua
Majestade, comendador da Ordem Militar de Cristo e da Ordem de Nossa Senhora da
Conceição de Vila Viçosa, e recebeu, em Espanha, a Grã-Cruz da Ordem de
Isabel, a Católica.
Morre em 1866, sendo
sepultado no cemitério de Agramonte.
Não tendo
descendentes directos o Conde de Ferreira, deixa a sua fortuna a uns poucos
amigos, uns sobrinhos, à Santa Casa da Misericórdia, à Ordem Terceira da
Trindade, Ordem Terceira do Terço, Ordem Terceira de S. Francisco e Ordem
Terceira do Carmo.
Uma verba
considerável, 144 contos de réis, destina-a ao ensino primário, para que o
estado construa 120 escolas primárias, para ambos os sexos, em vilas sede de
concelho, obedecendo a um mesmo projecto e dotadas, ainda, de residências para
os professores.
Antes da sua morte,
em 1866, o conde de Ferreira nomeara seu testamenteiro um tal José Gaspar da
Graça, que devia dar cumprimento ao seu desejo de que, com o remanescente da
herança, que era 600 contos de réis, se procedesse à construção de um hospital
de alienados.
Para cumprir o
destino do remanescente da herança, foi adquirido, a 26 de Novembro de 1867, um
terreno cuja escritura de venda mencionava uma quinta situada na Cruz das
Regateiras (Rua de Costa Cabral) vendida por José Ferreira Pinto Basto, filho
do fundador da Vista Alegre, com o mesmo nome do seu pai.
Em 25 de Julho de
1869, realizou-se no Porto uma manifestação exigindo o cumprimento do legado,
pois, passados três anos sobre a morte do conde, o hospital continuava sem ver
a luz do dia.
Por fim, o hospital
seria inaugurado em 24 de Março de 1883 e entregue à Santa Casa da Misericórdia
do Porto, que ainda hoje o administra, depois de uma passagem (26 anos) pelas
mãos do Estado.
O projecto do
hospital é entregue inicialmente ao professor de arquitectura da Escola de
Belas Artes do Porto, Manuel d’ Almeida Ribeiro, arquitecto e professor na
Academia Portuguesa de Belas Artes, mas devido ao seu falecimento, durante a
construção, o projecto acabará por ser entregue a Faustino Vitória, Director
Geral de Obras Públicas do Norte.
De acordo com o
testemunho de Domingos de Almeida Ribeiro, escriturário do testamento, o novo
hospital a implantar na cidade do Porto fora inspirado por D. Pedro V de
Portugal e correspondia a um outro (Hospício Pedro II), localizado no Brasil.
Seria, então, um hospital para alienados.
Assim, diz-se que, a
arquitectura do Hospital do Conde de Ferreira foi inspirada no Hospício Pedro
II, ou Hospital da Praia Vermelha, inaugurado no Rio de Janeiro em 1852 e que
foi o primeiro hospital psiquiátrico do Brasil e o segundo da América Latina.
Entretanto, em 21 de
Setembro de 1877, já após a morte do conde de Ferreira, o escultor Soares dos
Reis (1847-1889) entrega uma estátua do falecido e referido conde, sendo-lhe
pago, no dia seguinte, 600 mil réis, após aprovação da estátua pela Academia
Portuguesa de Belas-Artes, de acordo com o contrato da empreitada assinado em 2
de Setembro de 1875.
Essa estátua, em mármore,
acabará por ser transferida do mausoléu do cemitério de Agramonte (Secção da
Ordem da Trindade) para o Museu Soares dos Reis, ficando no seu lugar uma outra
réplica em bronze.
Uma outra estátua do
conde, em mármore de Carrára, da autoria de José Joaquim Teixeira Lopes
(pai) foi colocada no frontão da fachada principal do Hospital do Conde de
Ferreira, tendo sido transferida, c. 1900, para um plinto nos jardins do
hospital.
Joaquim Pinto da
Fonseca e Manoel Pinto da Fonseca
Manoel Pinto da Fonseca
nasceu em 10 de Outubro de 1804, em Divino Salvador de Moure, Felgueiras.
Era o filho primogénito
de Francisco Pinto Lemos e Violante Ribeiro da Fonseca e irmão de Joaquim Pinto
da Fonseca (1816-1897) e António Pinto da Fonseca (nascido em 04 de Maio de
1814).
Manoel Pinto da
Fonseca tendo chegado ao Brasil, em 1825, vai como funcionário caixeiro de um
estabelecimento no Rio de Janeiro, a partir de 1835, assumir os negócios dessa
firma, começando a ter o seu nome ventilado nas páginas de anúncios dos
jornais, relacionando-o com a importação de produtos vários.
É quando se associa
a esse negócio, o de tráfico de escravos, com a participação conhecida e bem
documentada do seu irmão Joaquim.
Do outro irmão,
António, não se conhece qualquer ligação àquele tráfico.
Manoel Pinto da
Fonseca morre em 20 de Agosto de 1855, em Paris, onde estava à procura de uma
cura para uma doença que o atormentava.
Sabe-se que, em 1872, Camilo Castelo Branco mandou
inutilizar toda a edição de um romance que então tinha a imprimir: - "A
Infanta Capelista"; e que, nesse mesmo ano, alguns meses passados, fazia
publicar, editado pela editora de Ernesto Chardron, um outro romance, "O
Carrasco de Vítor Hugo José Alves", cuja acção e personagens são em tudo
semelhantes aos do livro inutilizado.
Nesse romance são referidos os grandes negreiros Fonsecas,
Manuel e Joaquim.
O primeiro, Manoel Pinto da Fonseca, foi porventura o único
grande negreiro invocado, até então, pelo nome próprio, na ficção portuguesa e
assim classificado, na década de 1840, no Rio de Janeiro, pelos comissários
ingleses, ali destacados para fiscalizarem o tráfico de escravos, como o maior de
todos os negreiros.
Manuel Pinto da Fonseca, proprietário de várias feitorias na
costa ocidental africana e no Brasil, foi benemérito de várias ordens
religiosas, entre as quais a do Bom Jesus de Braga.
Após o regresso de Manoel Pinto da Fonseca a Portugal, em
1851, Camilo Castelo Branco faz-lhe referência na obra atrás referida, bem como
ao seu cognome de “o Conde de Monte Cristo”, pela ligação que ele tinha tido ao
tráfico de escravos no Brasil, onde fez uma fortuna colossal e por, na
realidade, ter atingido o título nobiliárquico de conde.
"Manoel Pinto da Fonseca", na sua acção de
benemérito ficou com o seu nome ligado ao "Asilo D. Luís I" e ao
"Convento de Marvila".
“O «Mosteiro de
Marvila» foi suprimido por decreto de 11 de Abril de 1872. Depois da carta de
lei de 10 de Abril de 1874, o Governo ofereceu as instalações para o "Asilo
D. Luís I", fundado em 1861, com um legado testado pelo comendador "Manuel
Pinto da Fonseca".
Depois da implantação
da República, logo em 1911, o nome do ASILO, foi substituído por "Asilo Manuel
Pinto da Fonseca". E, em 1928, vagando esta casa, por o Asilo se ter
transferido para o "Porto Brandão", nela foi instalado o "Asilo
dos Velhos de Campolide", com secção para cegos de ambos os sexos. O
edifício tem capacidade para albergar cerca de 500 internos. Actualmente, no
portão do corpo central do pátio de entrada, vê-se a legenda de «Asilo de
Velhos de Marvila»”
Fonte: Blogue “Ruas de Lisboa com Alguma História”
O texto seguinte faz
referência aos dois irmãos de Manoel Pinto da Fonseca, Joaquim Pinto da Fonseca
e António Pinto da Fonseca.
“Sobre os Irmãos
Fonseca corriam as coisas mais fantasiosas, reveladoras da sua espetacular
fortuna: um deles, dizia-se, comia em baixelas de prata renascentista, bebia em
taças de oiro e fazia-se conduzir em caleches reais; outro, instalara-se com
pompa e circunstância, no Palácio Palmela, ao Calhariz, tendo, pouco depois,
comprado, em Sintra, a Quinta do Relógio, além do Palácio da Mitra, à
Junqueira, tudo edifícios sumptuosíssimos.”
Cortesia de Maria Filomena Mónica
António Pinto da Fonseca e Joaquim Pinto da Fonseca, em
1860, vão ser sócios da casa bancária lisboeta, “Fonseca, Santos & Viana”,
juntamente com Carlos dos Santos Silva e de Francisco Isidoro Viana, o seu
fundador.
Desde há anos, com ligação à actividade bancária, Joaquim
Pinto da Fonseca, falecido em 1897, à data, morador na Rua Formosa, 203, vai
ter como última morada e por sua vontade, o cemitério de Agramonte, mas vai
ainda assistir à fundação, no Porto, em 1896, da Casa bancária “Pinto da
Fonseca & Irmão”, pela mão dos seus filhos, Manuel e Joaquim que, em 1933,
haveria de abrir falência.
Joaquim Pinto da Fonseca viveu durante anos na morada da Rua
Formosa, nº 203, onde faleceu e que tinha pertencido ao juiz de Direito
Criminal substituto João Pereira Baptista Vieira Soares e, depois, aos seus
herdeiros e cujo nome aparecia nos Autos de Querela do julgamento no qual
Camilo Castelo Branco foi réu.
Em 1857, já Joaquim Pinto da Fonseca era proprietário do
prédio aí situado, pois solicitava à Câmara do Porto, nesse ano, autorização
para lhe acrescentar um andar.
Mais a montante da Rua Formosa, entre aquela morada e o
palacete do visconde Pereira Machado, no nº 163, se entrava pela porta-cocheira
do prédio para um caramanchão, e na área que encontrávamos pela frente, em anos
da segunda metade do século XIX, funcionou um Tivoli, cujos terrenos pertenceriam
à família Pinto da Fonseca e tinham feito parte da Quinta do Adro que se
estendia até às imediações da igreja de Santo Ildefonso.
Mais tarde, nesses terrenos, se instalaria o Jardim Passos
Manuel e, posteriormente, o Coliseu do Porto.
“A fundação da casa
bancária Pinto da Fonseca & Irmão data de 30 de dezembro de 1896.
Constituída sociedade comercial em nome coletivo, com responsabilidade
ilimitada, estabeleceu a sede social na Praça da Liberdade, no Porto. Foram
sócios fundadores Joaquim Pinto da
Fonseca e Manuel Pinto da Fonseca”.
Fonte: Banco de Portugal (Arquivo Histórico)
Casa Bancária “Pinto da Fonseca & Irmão”, em 1897 e o local na
actualidade
Manuel Pinto da Fonseca irá viver num palacete situado na
esquina da Rua dos Belos Ares e da Avenida da Boavista, mandado por si
construir, e o seu irmão Joaquim Pinto da Fonseca passará a viver num palacete
da Praça da República (onde esteve alojado durante alguns anos o Instituto
Francês), cuja propriedade era do conde Alves Machado, que vivia no Hotel
Francfort.
O palacete de Manuel Pinto da Fonseca, na Avenida da
Boavista, seria pasto das chamas num incêndio ocorrido em 14 de Outubro de
1926, quando já era propriedade do capitalista Manuel Joaquim de Oliveira.
Cartaz de homenagem aos seis bombeiros que pereceram no
combate ao incêndio do palacete de Manuel Pinto da Fonseca, no qual é visível
um esboço do edifício
Joaquim Pinto da Fonseca (1846-1920), o filho, assegurará a
continuidade da actividade bancária de “Pinto da Fonseca & Irmão”,
juntamente com o seu irmão Manuel Pinto da Fonseca até que, antes do seu
falecimento, em 1920, associou à firma, os seus filhos Joaquim Pinto da Fonseca
Júnior e Carlos Pinto da Fonseca.
O prédio de primeira instalação da Casa Bancária Pinto da
Fonseca & Irmão passaria a ser ocupado pelo Banco Nacional Ultramarino e,
assim, nos seus últimos anos de actividade, esteve alojada numa loja do
Palacete das Cardosas, na Praça da Liberdade.
Sobre a foto anterior, em 1920, pode ver-se a loja
entaipada, situada no palacete das Cardosas, onde não tardaria a funcionar a
casa bancária Pinto da Fonseca & Irmão, até 1932, e onde, posteriormente,
abriria até aos nossos dias a Farmácia Vitália.
Excelente recordação histórica - sou bisneto de Comerciantes no Rio de Janeiro e S Paulo, desde miúdo ouvia estas histórias... Assim, documentada e datada é uma maravilha saber. Obrigado Américo!
ResponderEliminarComo te deves ter apercebido, a Filomena Mónica escreveu sobre estas personagens. Abraço
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