sexta-feira, 26 de abril de 2019

25.43 Porta Nova ou Nobre - Entrada dos ilustres na cidade


Não haverá muitos estudiosos desta parte antiga da cidade que, como Nuno Cruz, a descrevam de modo tão entendível, no seu blogue denominado, precisamente, “Porta Nobre”. Diz ele, então:


“A Porta Nova ou Nobre era uma das entradas medievais na cidade do Porto situada grosso modo a meio da atual rua Nova da Alfândega, ainda que a uma cota inferior. Inicialmente um simples postigo da muralha que abraçava a cidade, foi supostamente alargada e elevada à categoria de porta durante o reinado de D. Manuel I. Por diversas vezes por ela entraram os mais altos dignitários que demandavam esta cidade, vindos da outra banda, atravessando o rio e acostando os barcos de passagem no areal que desapareceu com a construção do edifício da alfândega (fazendo a sua entrada no burgo pela rua dos Banhos). Existiu até 1871, ano em que foi sacrificada em nome do progresso e com ela um pouco mais da história e da memória da cidade”.


Para a construção da nova Alfândega foi necessário proceder a demolições importantes na zona ribeirinha de Miragaia, bem como para abertura do acesso àquela estrutura, o que viria a ser a Rua Nova da Alfândega.


Construção da Alfândega Nova, junto da Porta Nobre, em 1860


A entrada na cidade pela muralha no que tinha sido o Postigo da Praia e depois foi Porta Nova e finalmente Porta Nobre, continuando já intra muros pela Rua dos Banhos, há muito que desapareceu.
Duma passagem adjacente à muralha e que daí corria para nascente, denominada Rua de Cima do Muro, só sobrou um pequeno troço que hoje se chama Muro dos Bacalhoeiros.
O Bairro dos Banhos não resistiu também ao progresso.
O edifício da Alfândega Nova, responsável pela intervenção urbanística de fundo, foi mandado edificar a 25 de Setembro de 1859, na praia de Miragaia, segundo projecto do arquiteto francês Jean-François Colson e devido às características do terreno, assentou sobre estacaria de madeira.
A Alfândega viu o seu primeiro núcleo edificado, inaugurado em 1869 e a construção terminada dez anos mais tarde, apresentando uma área de 36.000 metros quadrados e sendo composto por três corpos principais, com uma disposição de fachadas claramente demonstrativa das suas funções.
A fachada principal está voltada para o rio.


As caves da Alfândega Nova com os seus arcos característicos denominados de Furnas


Em 1888, foi construído um ramal de caminho-de-ferro ao qual se deu o nome de Ramal da Alfândega e que tinha como objectivo a ligação da Alfândega à Estação de Campanhã. Desembocava onde é hoje o parque de estacionamento. 


Estação ferroviária da Alfândega


Aquela faixa ribeirinha seria revolvida na segunda metade do século XIX, impossibilitando o trânsito que passou a ser feito pela Calçada da Esperança, hoje a Rua Tomás Gonzaga.
A abertura da Rua Nova da Alfândega de ligação da Alfândega Nova à Rua do Infante D. Henrique estaria em uso pleno c. 1880, pois, há documentos que nos dão conta disso a propósito duma contenda toponímica, na transcrição de um artigo inserto em O Tripeiro, série V, ANO XIII, escrito por António Sardinha a páginas 63 e no qual é dito que em 1875, apenas uma porção da rua estava construída.
Segue o texto.

“A nova alfândega construída na praia de Miragaya, reclamava uma communicação fácil e condigna da grandiosidade do edifício; houve differentes alvitres, pensando-se em communica-la pela parte baixa da cidade, posta já em contacto fácil pela rua de S. João ou de Ferreira Borges; e também se pensou em abrir uma nova rua por detraz de Monchique a entroncar na Restauração (calçada de Monchique, rua de Sobre-o-Douro). Prevaleceu porém o primeiro alvitre, adoptando-se o projecto, em verdade arrojado, e que se levou já a seu termo. A nova rua, parte da dos inglezes, e fazendo uma curva defronte do antigo convento de S. Francisco, corre depois um alinhamento parallelo á alfândega, entroncando com a rua marginal de Miragaya. A construcção foi feita a expensas do municipio, que já gastou com ella 318:519$573 réis, a maior parte absorvidos em expropriações (Abril de 1875). Com a abertura da nova rua desappareceu o bairro dos Banhos, um dos mais immundos da cidade; a Porta Nobre, o postigo dos Banhos, a maior parte da rua de Cima do Muro e uma parte da Reboleira. A rua está ao abrigo das cheias e absorveu enorme volume de terras, pela maior parte extrahidas do corte feito para o alargamento da rua de Ferreira Borges. A porção construída pela camara é desde a rua dos Inglezes até um pouco adiante da antiga Porta Nobre. Não está empedrada ainda, havendo, porém, já em depósito grande porção de parallelipípedos (pedra de esteio, de Canellas). Na parte direita da rua estão-se construindo já novos prédios, subordinados na fachada a um typo apresentado pela câmara.” 
Pinho Leal (1816-1884) — Portugal Antigo e Moderno


Rua Nova da Alfândega – Ed. Luís Santos


Miragaia e as demolições para a construção da Alfândega junto da Porta Nobre – Fonte: Arquivo Histórico Municipal Porto




Legenda:

1. Casa actualmente ocupada pelo Mirajazz (nas escadas do Caminho Novo)
2. Casa actualmente ocupada pelo Grupo Musical de Miragaia (na antiga Rua das Barreiras, hoje incorporada na Rua da Arménia)
3. Última casa a ser demolida, já no século XX, que se encontrava encostada à muralha, onde actualmente a mesma faz o seu último cotovelo e finaliza
4. Casa actualmente ocupada pela Escola de S. Nicolau, no topo das escadas do Recanto (aquele pequeno correr é o que resta da antiga Rua do Forno Velho de Baixo)
5. Fortim de S. Filipe
6. Terreno terraplanado e proveniente da demolição de prédios que se estendiam até à muralha contígua ao rio
7. Praia de Miragaia
8. Largo de Artur Arcos após demolição das construções existentes




Perspectiva aproximada à anterior – Fonte: Arquivo Histórico Municipal Porto


Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):

4. Escola de S. Nicolau
5. Fortim de S. Filipe
6. Área terraplanada resultante de demolições de prédios que confinavam com a Rua dos Banhos (dava acesso em linha recta com a Porta Nobre)
12. Postigo dos Banhos
13. Igreja de S. Francisco



Publicidade dando conta de que a 8 de Janeiro de 1856, o topónimo “Praia de Miragaia” ainda existia – In jornal “O Commércio do Porto”




Largo de Artur Arcos e completamente à direita observa-se uma entrada de uma estreita viela (à direita do 1º prédio) que é o começo das Escadas do Caminho Novo – Fonte: Google maps




As Escadas do Caminho Novo eram exteriores à muralha e projectavam-se ao longo de um correr de casas encostadas a ela.


A meio da foto as Escadas do Recanto ligando pelas traseiras dos prédios à Calçada do Forno Velho – Fonte: Google maps



Planta de Joaquim Costa Lima de 1839 da zona de Miragaia


Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):

4. Casa actualmente ocupada pela Escola de S. Nicolau, no topo das escadas do Recanto (aquele pequeno correr é o que resta da antiga Rua do Forno Velho de Baixo)
5. Fortim de S. Filipe
7. Praia de Miragaia
8. Rua do Forno Velho de Baixo (Corria onde hoje é o passeio a Norte da Rua Nova da Alfândega
9. Rua dos Banhos
10. Calçada do Forno Velho
14. Rua das Barreiras


Zona interior à muralha junto da Porta Nobre antes da demolição


Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):

P. Porta Nobre
5. Fortim de S. Filipe
6. Centro da área a demolir
11. Edifício à entrada da Porta Nobre



Porta Nobre – Fonte: Nuno Cruz, “aportanobre.blogs.sapo.pt/”

Legenda:

P. Porta Nova ou Porta Nobre
11. Prédio à entrada da Porta Nobre


Sobre a edificação com a referência 11, na foto anterior, diz Sousa Reis:

“Consta a Porta Nobre de um edifício fortemente construído com toda a solidez, quasi quadrado em forma de torre feita de pedra assente: é alta e nela praticado está um elegante arco liso e sem adornos ou maineis; olha ao poente para onde é voltada a fachada principal exterior, e sobre ele se vêm duas ordens de janelas de peitoris (sic), que correspondem aos andares, de que esta torre se compõem, contendo cada um deles duas janelas, e no espaço das primeiras lá se encontra no centro o escudo com as reais quinas portuguesas.
Na face interna deste primeiro andar, e logo sobre a porta estava aberto um oratório, aonde se venerava a imagem de «Nossa Senhora das Neves» que todo era voltado para a rua dos Banhos; acha-se hoje (c. 1865) tapado de pedra e cal (...). 
O segundo andar desta torre era reservado para residência de alguma autoridade civil ou militar, ou finalmente para qualquer repartição pública, como demonstra a grande porta inferior a outro escudo real que sobre a sua padieira se conserva, e é voltada para o lado do sul, e tem comunicação pela escada de pedra fabricada para o cimo da muralha, e próximo ao fortim (...).
Para o mesmo lado do sul corre, desta torre, um pouco mais recuado da linha do frontispício dela, um lanço de muralha lisa, que sobe até à altura da soleira da porta do segundo andar, de que já falei, e pelo lado superior do mesmo lanço foi delineada através de toda a sua grossura a escada, que facilita a entrada para esse andar, mas só por cima do muro de defesa da cidade ao qual se sobe por outro lanço de escadaria também de pedra praticada pela face externa da muralha, de encontro à parede das costas do fortim (...).”


Sobre o oratório referido no texto anterior, Sousa Reis refere que, «primitivamente esteve sobre o arco de S. Domingos, e depois foi transferido para cima do arco da Porta Nobre, onde ainda pelo lado da rua dos Banhos, se vêm os restos».


Segundo Pinho Leal a imagem do oratório colocado por cima da Porta Nobre seria da Nossa Senhora do Socorro.
O texto seguinte dá-nos conta do começo dos trabalhos de demolição da Porta Nobre.


“Arco da Porta Nobre - Conforme já informamos os leitores, anda-se procedendo à demolição do antigo arco da Porta Nobre e do edifício que lhe ficava por cima para a abertura da rua da nova alfândega. No edifício a que nos referimos havia umas armas e uma inscrição que a Exma. Câmara, com louvável desvelo, fez remover para o Museu Municipal da rua da Restauração. A inscrição diz o seguinte: GOVERNANDO AS ARMAS DESTA CIDADE E SEU PARTIDO, O CORONEL ANTONIO MONERO DE ALMEIDA, SE FEZ ESTA OBRA NO ANO DE 1731. No andar que ficava ao nível do pátio do mesmo edifício, apareceu também um letreiro toscamente feito em uma pedra, a qual, segundo se pode entender, diz: 17 DO 6º DE 1410. No espaço que ia de uma a outra janela conhecia-se que havia brechas iguais às de inclinar as peças.”
In “O Comércio do Porto” de 28 de Abril de 1871 

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