terça-feira, 30 de abril de 2019

(Conclusão)


Uma mentira muitas vezes dita


Aqueduto da Serra do Pilar – DGPC


O aqueduto da Serra do Pilar destinava-se a abastecer de água o mosteiro da Serra do Pilar desde o século XVI.
Em 1834, mercê dos ferozes combates acontecidos, nesse local, entre as tropas de D. Pedro IV e D. Miguel, a igreja e o mosteiro da Serra do Pilar ficaram com marcas de destruição que, só muitos anos mais tarde, seriam reparadas.



As marcas dos confrontos resultantes do Cerco do Porto exibidas pela igreja e mosteiro da Serra do Pilar



Pela clareza com que é apresentado um tema que importa ser conhecido, dadas as imprecisões como costuma ser abordado normalmente, em muitas publicações, se dá conta a seguir de um texto, cortesia de António Conde.


“O mosteiro da Serra do Pilar, cuja fundação remonta ao ano de 1527, no reinado de D. João III, situa-se nos lugares antigamente chamados Monte de Quebrantões ou da Meijoeira, uma eminência rochosa onde não seria fácil encontrar água em quantidade suficiente e que corresse pela lei da gravidade. A solução foi encontrada, logo no ano seguinte, nas proximidades da igreja de Mafamude, no manancial do Agueiro.
Assim, em 20 de Fevereiro de 1538, resolveu-se a questão de propriedade do chão em que assentaria o mosteiro tendo sido adquirido, por escambo, o casal de Cimiel e as pesqueiras da Ponta dos Guindães, no Douro. Cerca de 3 meses volvidos, Frei Brás de Braga, o religioso incumbido da construção do mosteiro, foi ao monte da Meijoeira acompanhado de Diogo de Castilho e João de Ruão e, segundo as suas palavras se traçou o mosteiro e se abriram os alicerces em a igreja e o claustro, e à tarde veio o Bispo e se lançou a primeira pedra.
Por instrumento de escambo, de 23 de Maio de 1538, celebrado entre o dito Frei Brás de Braga e Diogo Leite, senhor de Gaia pequena e da Casa de Campo Belo, o segundo outorgante em cumprimento de uma provisão régia cedeu ao dito clérigo “a água dos seus casais do Agueiro, e casal de Trancoso, e do casal que traz Gonçalo Rodrigues, que todos estão sitos na freguesia de Mafamude do Julgado de Gaia, os quais pertencem a sua terra de Gaia, pequena, e que ele Diogo Leite por fazer serviço ao dito Senhor, e por a dita água vir para o mosteiro que o dito Senhor manda ora fazer ao dito Padre Frei Brás no monte e outeiro da Meijoeira”.


O traçado do aqueduto e os vestígios existentes


Como foi referido o aqueduto tinha o seu manancial no lugar do Agueiro. Existem ainda na Quinta do Marques do Agueiro três respiros em terreno agrícola e um, de maior grandiosidade, no jardim da Praceta Adelino Amaro da Costa. A mina depois de receber água destes pontos atravessa a rua D. Pedro V e recebe água de outros pontos situados no lugar de Trancoso, junto ao Colégio de Gaia. Entre a Rua D. Pedro V e a via de cintura existem dois respiros, nas traseiras dos prédios, que foram preservados aquando das obras de construção daquela via.
De seguida a mina atravessa a Avenida da República em direção à Travessa Particular Honório Costa onde ainda existe um respiro, de grandes dimensões que foi louvavelmente integrado em condomínio de prédio. Daí o aqueduto seguia até ao sítio da atual praceta 25 de Abril onde existiu um pequeno outeiro chamado das Pedras de Pé de Azeite onde, antes da construção da praceta, existia a casa da família Cal Brandão. A partir daí o aqueduto seguia à superfície e em arcadas pela rua 14 de Outubro, passava junto à Fonte do Casal (que abastecia) e depois pela atual Alameda da Serra do Pilar, onde faz a separação entre as freguesias de Santa Marinha e Oliveira do Douro. A entrada no atual Quartel da Serra dava-se junto ao portão nascente. A meio da Alameda da Serra do Pilar ainda existe, integrado numa habitação, parte dum arco do aqueduto, cuja imagem aqui se reproduz. Ao longo do percurso há ainda algumas estruturas de apoio à mina que ainda abastecem o quartel, porém de construção atual e de reduzido valor arquitetónico.


A ruína do aqueduto


Nos finais do séc. XIX era visível o estado de degradação de alguns arcos do aqueduto, havendo reclamações de particulares para que os mesmos fossem apeados considerando-se que, para além da segurança, eram um entrave ao progresso. O jornal “A Luz do Operário”, de 3 de Junho de 1926 dá-nos conta da preocupação dos moradores, temendo pela sua segurança e alertando para a necessidade de por fim a tal “pesadelo”. Foram os últimos arcos a ser derrubados.
Curiosamente o Estado que nada fez pela preservação deste monumento, em 20.08.1946, pelo Decreto-Lei nº 35.817 procedeu à classificação como imóvel de interesse público do troço existente do aqueduto da Serra do Pilar (lugar do Sardão, freguesia de Oliveira do Douro)". Tratou-se de classificar um monumento já inexistente e confundi-lo como parte de um outro que nada tem de comum. Esta incongruência ainda hoje se mantém na página eletrónica do IGESPAR onde o aqueduto dos Arcos do Sardão é referido como “troço existente do aqueduto da Serra do Pilar”.
Quisemos aqui evocar este monumento hoje desaparecido cuja memória perdura nas imagens que ficaram e nos vestígios de que aqui damos conta que faziam parte da mesma estrutura.
Cortesia de António Conde



Respiro do aqueduto da Serra do Pilar na Rua engenheiro Adelino Amaro da Costa, ao Agueiro - Ed. António Conde



Estrutura de antigo arco do aqueduto da Serra do Pilar, integrado na construção, na Alameda da Serra do Pilar – Ed. Graça Correia


Aqueduto e Festa da Senhora do Pilar no Campo de Manobras c. 1930


O arraial da Senhora do Pilar, de que a foto acima é testemunho, era das mais concorridas das redondezas.
O dia 15 de Agosto é dedicado no calendário religioso à Assunção de Nossa Senhora ao Céu. O culto a Nossa Senhora do Pilar teve origem em Espanha, em pleno séc. XVII e terá sido trazido para Portugal depois da Restauração. 

“Foi ontem o arraial da Senhora do Pilar, no sítio da Serra.
A concorrência àquele local, tão povoado de recordações e tão assinalado pelas devastações do tempo e da guerra, tocam as raias de extraordinária.
Na Serra achava-se um número de pessoas, talvez não inferior a 28 ou 30.000.
Tão extraordinário foi o arraial que tudo ficou literalmente vazio, vindo muitas das vendedeiras de novo à cidade abastecer-se de pão e outros géneros para ocorrer à enorme procura que eles ali tinham.
Toda a qualidade de fruta, especialmente as melancias, tiveram grande extracção.”
In jornal “O Comércio do Porto”, 17 de Agosto de 1865 – 5ª Feira



Vista do convento e igreja da Serra do Pilar através do aqueduto



Ao longe, na linha do horizonte, o aqueduto do mosteiro da Serra do Pilar


Rua de Rocha Leão contornando o maciço rochoso da Serra do Pilar e que durante 2 décadas constituiu o acesso Sul ao tabuleiro superior da ponte Luís I



Vista sobre o rio Douro obtida em 1950 a partir do adro da igreja da Serra do Pilar


Igreja da Serra do Pilar em 1950 ainda muito danificada, com vista obtida da Rua Rocha Leão


Vista parcial da igreja da Serra do Pilar obtida a partir do Jardim do Morro, na segunda metade do século XX

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