segunda-feira, 6 de abril de 2020

25.87 Rua de Álvares Cabral – Património de Interesse Público


A Rua de Álvares Cabral, que foi aberta há cerca de um século, encerra um património representativo do que foi a construção na viragem dos séculos XIX-XX e que, por isso, foi alvo de classificação patrimonial como "conjunto de interesse público", em Dezembro de 2012.
Ela foi traçada em terrenos da Quinta dos Pamplonas, uma vasta quinta, também conhecida por Quinta de Santo Ovídio que ia desde da Rua de Cedofeita ao Campo da Regeneração (actual Praça da República).
Grandes e pequenos proprietários, industriais, capitalistas, profissionais liberais (médicos, advogados), brasileiros de torna-viagem, comerciantes e funcionários públicos são os compradores dos lotes resultantes da divisão do terreno.



“ (…) no final de Oitocentos, na posse dos condes de Resende - e reflexo dos tempos de falência da aristocracia -, esta família deparava-se com graves problemas de liquidez. Manuel Benedito de Castro Pamplona, 6.º conde de Resende (e sogro de Eça de Queirós), fez, então, uma proposta inesperada ao município: abriria no percurso do boulevard da quinta uma nova rua, que, sacrificando o palacete, faria a ligação pública entre o Campo da Regeneração e Cedofeita. O conde via aqui uma oportunidade única de valorizar a sua propriedade, que assim passaria a conter duas novas frentes urbanas, que ele iria saber explorar convenientemente.
Não era esta a via que tinha sido prevista no plano ordenador da zona, mas depois de três anos de debate na câmara e de formalidades judiciais, em 1895 o município autoriza a abertura da rua. O conde de Resende avança com a obra e, simultaneamente, com um célere processo de loteamento da nova artéria - inicialmente, é chamada dos Pamplonas -, subdividindo-a em 144 fracções de seis metros de largura, a medida-padrão que vinha do tempo medieval e assim "democratizava" o acesso à frente urbana.”
Fonte: Jornal Público (20 de Março de 2011)



Palacete (fachada voltada a poente, para a Rua de Cedofeita) da Quinta de Santo Ovídio, em 1833 – Gravura de Joaquim Villanova




Foto do palacete, na mesma perspectiva da gravura anterior, onde já se observam os trabalhos para a abertura do arruamento que virá a ser a Rua de Álvares Cabral




Os primeiros projectos são assinados por mestres-de-obras, condutores de obras públicas e também engenheiros, com destaque para Rigaud Nogueira, que terá emprestado o seu traço a algumas obras, aparecendo os arquitectos, apenas mais tarde, a partir das décadas de 1920-30.
Entre os arquitectos que deixaram a sua marca em Álvares Cabral, estão nomes como João Marcelino Queirós, José Ferreira Peneda, Aucíndio Ferreira dos Santos, Rogério de Azevedo e Júlio José de Brito.
Muitos dos que escolhem construir por aqui a sua habitação, vão também, em lotes que adquirem para o efeito, construir prédios para rendimento.
Quem sobe a rua no sentido Cedofeita-Praça da República, apercebe-se duma certa uniformidade arquitectónica do lado esquerdo (passeio norte) em contraste com a sucessão de vivendas que se alinham no passeio sul. 
No topo da rua, com a fachada principal voltada para a Praça da República, deparamo-nos com um palacete em ruínas, em virtude de um incêndio ocorrido em 2008 que, durante anos, foi sede do Instituto Francês do Porto que, em Fevereiro de 1952, passaria a ocupar, também, em complemento, instalações na Rua de Sá da Bandeira, nº 651.



Edifício DKW, na Rua de Sá da Bandeira
 
 
Para o edifício acima, denominado de “DKW”, se transferiu em 1952, em parte, o Instituto Francês.
Aquele icónico edifício foi projectado por Arménio Losa e Cassiano Barbosa, em 1946, para escritórios e habitação, tendo ficado concluído em 1951.
O seu nome – DKW – deve-se à marca de automóveis alemães (criada em 1916 e extinta em 1969) que aí tinha os seus escritórios. Posteriormente, o edifício albergou durante muitos anos os escritórios da IBM no Porto.
A partir de 30 de Setembro de 2004, terminaria a presença, de décadas, do Instituto Francês na cidade do Porto.
Fundado no início da década de 1940, o Instituto Francês, ainda no início da década de 1950, ocupava instalações na Rua Cândido dos Reis.
Os primeiros anos do Centro Portuense do Instituto Francês em Portugal (Instituto Francês no Porto) vão ter como director, a partir de 1944 até 1947, do Prof. Paul Teyssier, que chega oriundo da Ecole Française de Lisbonne, o futuro Instituto Francês, onde tinha estado a leccionar entre os anos 1941 a 1944.
Paul Teyssier (Argentan, 12 de Dezembro de 1915 – Meudon, 10 de Janeiro de 2002) foi um linguista, lusitanista e tradutor francês. Ficou conhecido, principalmente, por ter escrito uma das primeiras gramáticas de português, publicadas na França.
O prédio na Praça da República onde, durante anos, se manteve também sedeado o Instituto Francês do Porto, foi mandado construir em 1898, pelo conde de Alves Machado, de seu nome Manuel Joaquim Alves Machado, nascido em 1822, na Quinta de Barbeita, junto a Cabriz, freguesia de Cerva, concelho de Ribeira de Pena. 
Era filho de Bernardo José Alves Machado (lavrador) e de Maria Rosa da Costa Machado.
O conde de Alves Machado comprou o terreno a 8 de Julho de 1896, tendo solicitado a respectiva licença de construção a 18 de Julho de 1898. O projeto é do Eng. Estêvão Torres e o mestre-de-obras foi José Joaquim Mendes.
Após a construção do prédio, o conde de Alves Machado, que vivia no Hotel Francfort, empresta-o, em 1902, ao banqueiro Joaquim Pinto da Fonseca, com o mesmo nome de seu pai, o também banqueiro Joaquim Pinto da Fonseca (1816-1897), um dos fundadores do Banco Fonsecas, Santos & Vianna, que conhecia ainda dos tempos passados no Brasil.
Deste prédio, actualmente, em ruína completa, parece que se irão salvar as suas fachadas primitivas.




Palacete (construção do século XIX) na Praça da República, 75, em 1958, onde funcionou o Instituto Francês – Ed. Teófilo Rego



Emigrado no Brasil, com 12 anos de idade, o conde de Alves Machado exerceu actividade principal ligada ao comércio de café, entre muitas outras.
Em 1873, depois de uma longa viagem pela Europa, fixou residência no Porto, no Hotel Francfort, onde viveu cerca de 40 anos, nunca chegando, por isso, a ocupar a casa na Praça da República.
Acabará também por receber por herança de um seu irmão, José Bernardino Alves Machado, um palácio, situado na Rua do Salitre, 66, em Lisboa, mandado poe ele construir em 1875.
Alves Machado foi agraciado com o título de Visconde em 1879, por D. Luís e elevado a Conde, por D. Carlos, em 1896.
São conhecidos os diversos actos de grande amizade protagonizados pelo conde de Alves Machado para com o imperador do Brasil D. Pedro II, durante exílio deste, nomeadamente custeando as despesas de funeral da imperatriz e auxiliando pontualmente o imperador na sua estadia em Paris.
D. Manuel II também no exílio foi auxiliado algumas vezes, em dinheiro, pelo conde.
O conde de Alves Machado teve uma vida privada cheia de mistérios.



“Mas falemos do lado mais privado da vida de Manuel Joaquim Alves Machado...
Rio de Janeiro, dia 26 de abril de 1855... D. Maria de Jesus Almeida, solteira, dá à luz uma menina à qual chamou Amélia. Essa menina foi criada por Manuel Joaquim, segundo ele como "filha"... Uns anos mais tarde, no Porto, em 1862, nasceu Manuel, que também foi criado como "filho"... Bem, segundo descendentes de Amélia, Alves Machado de apelido, eram filhos dele e as evidências assim o apontam! O que é certo, é que, em 1870, Manuel Joaquim faz o seu primeiro testamento e grande parte dele fala destas duas crianças "criadas como filhos", às quais tinha "afeição como pai" assegurando o seu futuro financeiramente, assim como o da mãe deles, ao mesmo tempo que também deixa quantias em dinheiro a outra mulher de nome D. Antónia Bernarda Dolores Rodrigues, que mais tarde será mãe de outra sua filha ilegítima.
Na verdade nunca casou nem assumiu algum relacionamento ou filhos desses relacionamentos! Mas sempre os contemplou quer no primeiro, quer nos dois testamentos que o seguiram, apesar de deixar bem claro que "nunca tivera filhos". Esta afirmação será o seu maior problema no final da vida!
Amélia Alves Machado, sua "filha", casou com um grande amigo seu chamado José António Machado e Moura, natural do lugar de Asnela, em Cerva, Ribeira de Pena. Quando vieram para Portugal moraram numa quinta do séc. XVIII na freguesia de Atei, em Mondim de Basto, chamada Quinta da Dónega, que também ficou conhecida por "Casa dos Machados", segundo Eduardo Teixeira Lopes, comprada por Manuel Joaquim Alves Machado à família Teixeira Coelho, da Casa do Outeiro, em Veade, Celorico de Basto. E desta união nasceram seis filhos, dois rapazes e quatro raparigas. Eles chamados Pedro e Paulo Machado e Moura e elas chamadas Maria Engrácia, Orminda, Cristina e Laura Machado e Moura. Estes "netos" foram também contemplados em dois dos testamentos, em 1875 e 1890.
(…) A 11 de janeiro de 1891 morre a "filha" Amélia Alves Machado, muito jovem de 35 anos, na sua Quinta da Dónega, em Atei, sendo sepultada na capela da casa. O conde perde uma "filha" mas já tinha outra... Maria Celestina Alves Machado. Começa aqui outro capítulo do enredo de uma verdadeira novela Camiliana!
Maria Celestina havia nascido a 24 de janeiro de 1885, na cidade do Porto. Era filha natural da já falada D. Antónia Bernarda Dolores Rodrigues, portuguesa nascida a 14 de agosto de 1843. Esta senhora conheceu o conde, que na altura ainda não o era, por ocasião de uma viagem que este fez a Portugal e terá mantido com ele um relacionamento que durou anos... Para variar, o conde nunca reconheceu nada! Parece que família não era com ele. Maria Celestina seria fruto dessa relação bastante conturbada e tensa.”
Cortesia de Joaquim Castro Gonçalves (ocastromanco.blogspot.com)



D. Antónia Rodrigues, mãe da sua última filha Maria Celestina, manda construir uma casa, em terreno contíguo ao do palacete que o conde havia mandado construir, em 1898, na Praça da República, mesmo nas traseiras deste.
O prédio de D. Antónia Rodrigues, com fachada principal voltada para a Rua de Álvares Cabral, tem “Licença de obra nº 19/1899”, e Manuel Alves Ferreira é o técnico da obra.
A expectativa de uma vivência conjunta do casal, nunca se viria a concretizar, pois Alves Machado continuaria a viver no Hotel Francfort.
Maria Celestina Alves Machado, a última filha do conde, que se saiba, acabaria por casar com o historiador portuense José Júlio Gonçalves Coelho, vindo a receber um dos filhos do casal, o título de 2º Conde de Alves Machado.
Porém, este casamento não foi do agrado do conde.


“Maria Celestina cresce e apesar da desaprovação do "pai" resolve casar com o juiz e escritor José Júlio Gonçalves Coelho, um homem muito mais velho do que ela. O conde teimoso proíbe o casamento, mas não adianta! Furioso deserda-a! Maria Celestina já não constará do próximo testamento feito em 1904. Começa aqui a batalha pela herança!
Maria Celestina não se conforma com a decisão do "pai" e na tentativa de pela lei contrariar a situação resolve intentar em tribunal uma ação de investigação de paternidade ilegítima. Foi o fim da sua relação "pai e filha". O conde ficou furioso, afinal se quisesse reconhecê-la tinha o feito, mas nunca o fez, sempre o negou oficialmente. Esta ação em tribunal viria a arrastar-se por 10 anos! Sim, 10 anos! Já na altura a justiça também era lenta, muito lenta.
Mas o caricato da situação não ficou por aqui... O conde resolveu "mexer os cordelinhos" para seu favor e subornou o Juiz do Supremo Tribunal de Justiça com 50 000 escudos e jóias para a Palmira, a amante do juiz. A situação foi descoberta e exposta na imprensa! O desfecho foi a favor de Maria Celestina que se viu reconhecida finalmente como filha através do Supremo Tribunal de Justiça a 17 de dezembro de 1912”.
Cortesia de Joaquim Castro Gonçalves (ocastromanco.blogspot.com)


Entretanto, o conde resolveu deixar toda a sua fortuna do Brasil, que incluíam várias fazendas e outros imóveis, à filha do seu grande amigo e já falecido, o imperador D. Pedro II, a princesa Isabel.
A lei no Brasil, ao contrário da portuguesa, não permitia a investigação de paternidade ilegítima e para impedir que Maria Celestina contrariasse a sua vontade, o conde, já com 91 anos, viaja para o Brasil, em 1913, para se naturalizar brasileiro. Só assim como verdadeiro cidadão brasileiro poderia impedir pela lei que os seus bens fossem parar à mão de Maria Celestina. O conde passou, assim, a possuir a dupla nacionalidade.
Claro que, mais tarde, Maria Celestina a 4 de Agosto de 1915, entra na secretaria do Supremo Tribunal de Justiça do Brasil com um pedido de homologação da sentença obtida em Portugal e o assunto só teria um termo, ao fim de 6 anos, quando as duas partes envolvidas, Maria Celestina e a princesa Isabel chegaram a acordo.
O edificado, na Rua de Álvares Cabral, nº 399-401, contíguo à residência do conde Alves Machado, mandado erigir por D. Antónia Bernarda Dolores Rodrigues e que seria herdado por sua filha Maria Celestina, encontra-se, há anos, em estado de ruína.




Notícia da morte do conde de Alves Machado - In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 479, Lisboa, 26 de Abril de 1915


Por este lado norte, no nº 159, da Rua de Álvares Cabral, esteve um estabelecimento de ensino profissional icónico da cidade do Porto, por onde passaram milhares de alunos - a Escola de Esteno -  Dactilografia, “A Tecla” - fundada em 1958, por Dona Consuelo Costa, que rivalizava com uma outra escola do género com instalações no Palácio Atlântico, à Praça D. João I – “A Maratona”.


Publicidade à Academia Tecla, In Jornal de Notícias de 05 de Maio de 1991 - Cortesia de Fernando Barreto


Academia Tecla, na Rua de Álvares Cabral


(Continua)



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