segunda-feira, 12 de outubro de 2020

25.100 Camões e Alexandre Herculano evocados pelos Portuenses

 
Tricentenário da morte de Camões
 

As celebrações do 10 de Junho sobreviveram a três regimes políticos. Quase que poderemos dizer quatro, já que esta data — muito acarinhada pelos republicanos — foi evocada pela primeira vez em 1880, no reinado de D. Luís.
Em 10 de Junho de 1880, comemorou-se o Tricentenário da Morte de Camões, em grande parte, devido à iniciativa de Teófilo Braga.
Além do cortejo cívico promovido pela comissão de imprensa que organizou os festejos do tricentenário e para o qual Ramalho Ortigão redigiu o programa que representava o povo e as suas sucessivas conquistas de liberdade, merece também destaque, a entronização de Camões no Panteão dos Jerónimos.
Camões torna-se numa arma ideológica dos republicanos contra o regime e a sua obra-prima, os Lusíadas, transformou-se, então, num poderoso elemento de identificação nacional, contribuindo para um certo sentimento de solidariedade nacional.
Em 10 de Janeiro de 1875, no reinado de D. Luís, fundara-se o Partido Socialista Português (Partido Operário Socialista), figurando entre os seus fundadores nomes como os de José Fontana, Azedo Gneco e Antero de Quental. Aquele partido surgiria na sequência das decisões do Congresso de Haia da AIT - Associação Internacional de Trabalhadores.
Em 25 de Março de 1876, seria legalmente criado, com consentimento do rei D. Luís, o Partido Republicano.
Em 7 de Setembro de 1876, em consequência do Pacto da Granja (S. Félix da Marinha – V. N. de Gaia), fundir-se-iam nessa reunião política, o Partido Reformista e o Partido Histórico que, desde 1871, encabeçavam a oposição ao governo regenerador de Fontes Pereira de Melo, acabando por ser formado o novo Partido Progressista, sob a liderança de Anselmo José Braamcamp.
Em 1878, nas eleições de Outubro, o Partido Republicano apresentou-se pela primeira vez ao eleitorado, conseguindo eleger o deputado Rodrigues de Freitas, pelo círculo do Porto. 
É neste contexto político que, em 1880, se realizam as comemorações do Tricentenário da Morte de Camões, com a presença de republicanos ilustres na comissão organizadora da qual se destaca J. C. Rodrigues da CostaEduardo CoelhoSebastião de Magalhães LimaTeófilo BragaRamalho OrtigãoJaime Batalha ReisLuciano CordeiroRodrigo Afonso Pequito e com o envolvimento do Partido Republicano, verificou-se uma aderência significativa do povo, às teses daqueles republicanos.
D. Luís I e o Partido Progressista, no poder, afastaram-se das comemorações, constituindo a trasladação dos restos mortais de Camões e de Vasco da Gama para os Jerónimos, o seu momento mais alto.


 
Gravura de sátira na qual Camões agradece a ausência dos poderes instalados, o que acabaria por dar mais brilho à presença dos republicanos
 
 
 
A participação da cidade do Porto foi também significativa.
O visconde de Samodães seria o Presidente da Comissão Organizadora e Augusto Luso, o responsável pela parte cultural.
 
 
 
“Em 8 de Março de 1880 – Centenário de Camões: reunião da comissão, sendo eleito presidente o Visconde de Samodães”.
 In “Jornal da Manhã”, 10 Mar.1880, p. 3
 
 
 
“Em 12 de Março de 1880 – Centenário de Camões: reuniu ontem e elegeu para presidente da parte cultural o Dr. Augusto Luso e o drama Camões, de Cipriano Jardim, para lavar à cena no 1.º dia dos festejos”.
 In “Jornal da Manhã”, 13 Mar.1880, p. 2
 
 
Augusto Luso da Silva (Porto, 22 de Fevereiro de 1827 — Porto, 13 de Maio de 1902), mais conhecido por Augusto Luso, foi um professor do Liceu do Porto, na Rua de S. Bento da Vitória, onde ensinava geografia e o autor de diversos compêndios, adoptados oficialmente, para o ensino daquela disciplina. Foi Comissário da Instrução Pública e Inspector das Escolas.
Era também poeta e um reputado naturalista, especializado em moluscos, possuindo neste âmbito uma importante colecção, cujo catálogo ainda existe, acompanhado pela descrição das espécies, revista por Augusto Nobre.
Foi colaborador de diversos periódicos, entre os quais “O Primeiro de Janeiro” e “O Ensino” escrevendo, principalmente, sobre matérias relacionadas com a educação. Publicou poesia nos periódicos “Lira da Mocidade” e “Grinalda”, este último dirigido por J. M. Nogueira Lima.
 
 
«Vivia na Rua do Bonjardim e era apaixonado coleccionador de espécimes zoológicos e botânicos, de numismática, cerâmica e curiosidades, de que facultava o exame sempre que lho pediam. Tinha um irmão Henrique Luso, que faleceu em 1862, com 30 anos; desenhava caricaturas satíricas legendadas pelo irmão. No carnaval de 1859 puseram em circulação uma série de litografias satíricas “As 7 maravilhas do Mundo. 1859” O povo dizia: “É cousa dos Lusos...” Numa das litografias a nº 5 é questão do “Porto limpo de dinheiro”.
Professor e poeta portuense, tendo conseguido, no Mosteiro da Batalha, a abertura do mausoléu de D. João II, atreve-se a arrancar do peito um pedaço de carne (!) para o seu museu particular. Testemunharam ao acto os drs. Joaquim Guilherme Gomes Coelho e Elísio Cardoso de Carvalho e Eugénio Fernandes da Silva. O referido museu encontrava-se à Rua de Bonjardim nº 612, onde também havia alguns cabelos do Marquês de Pombal subtraídos quando da trasladação para Lisboa”.
Fonte: “ruasdoporto.blogspot.com/” (curiosidades sobre Augusto Luso)
 
 
Alberto Pimentel faz também uma referência ao Museu Luso, sedeado na Rua do Bonjardim.

 

Alberto Pimentel, In “Guia do Viajante na cidade do Porto e seus arrabaldes” (1877)
 
 
Actualmente, Augusto Luso tem o seu nome na toponímia da cidade, curiosamente, numa rua que liga os liceus Caralina Michaëlis e Rodrigues de Freitas.
Sobre a abertura dos festejos do tricentenário da morte de Camões, o artigo seguinte do “Diário Illustrado”, de Lisboa, é elucidativo.




 
Crónicas do correspondente no Porto do “Diário Illustrado”, de Lisboa, em 12 de Junho de 1880
 
 
 
O Salão Nobre da Associação Comercial do Porto, começado a construir em 15 de Setembro de 1862, sob o projecto de Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa, seria inaugurado em 12 de Junho de 1880, aquando de uma sessão comemorativa do Tricentenário da Morte de Camões.
 
 
 
Salão Árabe do Palácio da Bolsa – Fonte: “ncultura.pt/”
 
 
 
O Ateneu Comercial do Porto, que ganharia esta denominação em 24 de Março de 1884, ficaria também ligado às comemorações, mas, em 1880, ainda era a Sociedade Nova Euterpe, sita na Rua da Porta do Sol.
Seria, então, criado um busto monumental de Camões, esculpido em apenas 4 dias, da autoria de Soares dos Reis, com a colaboração de Marques de Guimarães, que era ainda aluno da Academia Portuense de Belas Artes.
 
 
 
Camões – Obra de Soares dos Reis
 
 
 
Por ocasião das comemorações do Tricentenário da Morte de Camões, merece referência, o lançamento da obra musical “Hino a Camões” da autoria do afamado músico portuense, Augusto Marques Pinto, com poesia de A. H. Rodrigues Cordeiro.
Aquele músico seria um dos fundadores da Sociedade de Quartetos e da Sociedade de Música de Câmara, de cuja fusão nasceria o Orpheon Portuense.
Teve aquele músico, como discípulos, Bernardo Valentim Moreira de Sá e José Pereira Carvalho, conhecido no meio artístico da época por José Casimiro.
Augusto Marques Pinto faleceria aos 50 anos, em 1888, na sua residência na Rua das Liceiras.
Após o seu funeral, à noite, durante a festa artística ao actor Firmino, que decorreria no Teatro Baquet, aconteceu o incêndio e a tragédia naquele teatro, que enlutaria a cidade.
Quem também ficaria ligado à memória de Camões, seria o negociante de secos e molhados, José Gomes Monteiro (Porto, 2 de Março de 1807; Porto, 12 de Julho de 1879) que, na década de 1830, de parceria com José Barreto Feio, financiou a edição das obras de Camões e, ainda, as de Gil Vicente.
Aliás, José Gomes Monteiro, que esteve exilado na sequência das lutas entre D. Miguel e D. Pedro, foi também grande amigo de Almeida Garrett, a quem ajudou durante o exílio do poeta.
De volta ao Porto, após o triunfo dos liberais, José Gomes Monteiro acabou por exercer, durante vários anos, o cargo de Recebedor da Fazenda do 2º Distrito Fiscal do Porto.
José Gomes Monteiro foi um erudito e tradutor admirável, de que se destaca, neste capítulo, entre muitas outras, a obra “Ecos da Lira Teutónica”, tendo sido, ainda, gerente da Livraria Moré, a partir de um momento em que ela se encontrava num estado um pouco decadente e que, com a sua tenacidade, passou a ser uma das livrarias mais notáveis do País. Muitos escritores, em começo de carreira, tiveram uma ajuda preciosa de José Gomes Monteiro.
Voltando a Camões, um ano antes do golpe que instituiu a ditadura militar em 1926, a I República declarou que a “Festa de Portugal se celebrará no dia 10 de Junho de cada ano”.
O Estado Novo manteve a data como “Festa de Portugal”, elevando-a à condição de feriado nacional em 1929.
Algumas décadas depois, em 1952, aquele dia passaria a ser o “Dia de Portugal”.
Em 1977, com Ramalho Eanes, passaria aquela data para “Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas” e, em 1978, a “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”.


 
 
O retrato de Camões, por Fernão Gomes, em cópia de Luís de Resende


Nos nossos dias, no ano de 1980, comemorou-se o 4º Centenário da Morte de Camões.
No Porto, durante as comemorações foi descerrado um busto do poeta, no início da Avenida Brasil, na Foz do Douro, da autoria de Irene Vilar.

 
 
Camões



(Continua)

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