terça-feira, 13 de outubro de 2020

(Conclusão)

 Centenário do Nascimento de Alexandre Herculano

 
Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo nasceu em Lisboa, a 28 de Março de 1810.
Activista político, escritor, jornalista, polemista e historiador, é principalmente como romancista que Alexandre Herculano é mais reconhecido, partilhando com Garrett a génese do romantismo português.
Até aos 15 anos, frequentou o Colégio dos Padres da Congregação do Oratório de São Filipe de Néri, instalados no Convento das Necessidades em Lisboa. Entre 1830 e 1831, frequentou a aula de Diplomática na Torre do Tombo.
A sua actividade política, de defensor das ideias liberais, leva-o para fora de Portugal.
A obra que lhe dá mais fama é a sua História de Portugal, cujo primeiro volume é publicado em 1846.
A Academia das Ciências de Lisboa nomeou-o seu sócio efectivo em 1852, e encarregou-o do projecto de recolha dos Portugaliae Monumenta Historica, projecto que realiza em 1853 e 1854.
Em 6 de Junho do 1853, saiu de Lisboa, e percorrendo o norte do país, recolhe enorme porção de documentos de todos os arquivos eclesiásticos e seculares.

 
 
Armário/Estante que pertenceu a A. Herculano, à guarda na Torre do Tombo

 
 
A exemplo do que aconteceria por todo o País, também no Porto, o 1º centenário do nascimento de Alexandre Herculano teve o devido destaque.
Em 9 de Abril de 1910, ocorre uma conferência sobre Herculano e a sua obra, no Centro Comercial, protagonizada pelo Dr. Manuel Monteiro.
É o Jornal “A Pátria” que, na sua edição de 3ª Feira, 26 de Abril de 1910, nos dá conta do acontecido durante os festejos do centenário do nascimento de Alexandre Herculano.
Assim, é-nos narrado que “…no Domingo, grandioso cortejo em honra de Herculano com cerca de 20 mil pessoas, quase 200 bandeiras e estandartes e muitas bandas de música, além das autoridades, do Palácio à Biblioteca Municipal, onde foi inaugurado o oferecido busto em bronze, com discursos. Houve sessões no Liceu da Trindade, na Sociedade de Instrução e Recreio Verdi, à Boavista, nas escolas feminina e masculina de Aldoar, onde foram descerrados retratos. À noite, como na véspera, festejos populares na praça D. Pedro, com iluminações e concertos pelas bandas regimentais”.
 
 
 
Cortejo durante Centenário do Nascimento de Alexandre Herculano, em 1910 – Ed. Aurélio da Paz dos Reis; Fonte: CPF

 
 
Na foto anterior, em primeiro plano, está Marcos Guedes, um dos mais apaixonados servidores da Associação de Jornalistas e Homens de Letras e, um pouco atrás, de chapéu de palha, o filho de Aurélio da Paz dos Reis de seu nome Hugo, o terceiro dos seus quatro filhos.
Marcos Guedes foi durante anos redactor do jornal “O Primeiro de Janeiro” tendo, em 18 de Setembro de 1919, abandonado aquelas funções e a sua carreira na imprensa, para se dedicar, exclusivamente, à administração da "Tipografia Empresa Guedes", que fundara em 1902 (Rua Formosa 242-248), onde foram impressas algumas séries da revista “O Tripeiro”.
De notar ainda na foto que, em 1910, se observa no sentido ascendente da Rua de Santo António, a fachada do Bazar de Paris (que foi de Júlio Fassini), que ostenta a indicação de Bazar Mattos, a Sapataria Portuense e, bem na esquina, a Tabacaria Africana.

 
 
Perspectiva idêntica à da foto anterior, em 1940
 
 
 
Cortejo de homenagem a Alexandre Herculano terminando em frente à Biblioteca Municipal, ao Jardim de S. Lázaro, Maio de 1910

 
 
Cortejo de homenagem a Alexandre Herculano terminando em frente à Biblioteca Municipal, ao Jardim de S. Lázaro
 
 
 
 
 
 
Herculano foi o grande obreiro do desenvolvimento da Biblioteca Municipal, tendo começado por ser o seu Sub-Director, por nomeação de D. Pedro IV, que, para o efeito, o retirou das fileiras dos Voluntários da Rainha, (depois de tomarem e ocuparem a Cidade do Porto), confiando-lhe também a salvação do património cultural do País nas Províncias do Minho e de Entre Douro e Minho, cuja vandalização roubo e destruição pelo fogo se havia iniciado, a mando do usurpador, D. Miguel.
Após a vitória dos liberais e do levantamento, em sequência, do cerco de que a cidade tinha sido alvo, entre 1832-1834, Alexandre Herculano foi nomeado como 2º bibliotecário, na então recém-criada Biblioteca Pública Municipal do Porto.



Em frente, na Travessa de S. Sebastião (antiga Viela dos Gatos) viveu Alexandre Herculano



Em 30 de Dezembro de 1833, por o Prefeito do Douro e a Comissão Municipal entenderem que a Biblioteca Pública – provisoriamente instalada no Hospício de Santo António de Vale da Piedade, à Cordoaria, e no Paço Episcopal – necessitava de um edifício mais espaçoso, é mandado examinar, para esse efeito, o «abandonado Convento de Santo António da Cidade», por uma Comissão constituída pelo 1º Bibliotecário, Diogo de Góis Lara de Andrade, pelo Arquitecto da Cidade, Joaquim da Costa Lima Sampaio e pelo 2º Bibliotecário, Alexandre Herculano.
Em 1842, é definitivamente instalada no edifício do Convento a Real Biblioteca Pública do Porto e inaugurada, em 4 de Abril, dia do aniversário da Rainha D. Maria II.

 
 
Primeiras instalações da Biblioteca Pública Municipal do Porto (Cordoaria) onde, nos nossos dias, está a extremidade a sul do Palácio da Justiça

 
 
Dias depois de ter ocorrido a chamada Revolução de Setembro, Alexandre Herculano seria dispensado daquele cargo, numa exoneração com carácter político por decisão dos novos poderes instalados.
Os novos decisores reclamam de Alexandre Herculano, a sua colagem aos novos ares.
Assim, é emitida a seguinte directiva a Alexandre Herculano:

 
“« Illm.º Sr. = Tendo S. M. a Rainha determinado que a Câmara e mais autoridades e empregados jurem a Constituição de 1822, assim o faço saber a V. S.ª para que hoje, ao meio dia, venha ao Paço do Concelho prestar o mesmo juramento, e deferi-lo depois aos empregados dessa repartição. Deus guarde a V. S.ª
 
Porto 17 de Setembro de 1836 = Illmo.º Sr. Alexandre Herculano de Carvalho e Araujo = Manuel Pereira Guimarães, Presidente.»
 


A resposta de Alexandre Herculano não se fez esperar:
 

“«Ilm.º Sr. - Persuadido pela voz da íntima consciência de que não devo prestar o juramento para que V. S.ª me convida no seu oficio de hoje, julguei também que cumpria comunicar-lhe imediatamente a minha resolução.
A fé que prometi guardar à Carta Constitucional da Monarquia, selei-a com as misérias do desterro, e com os padecimentos e perigos de soldado, os quais passei na emancipação da pátria: para a conservação de um cargo público eu não sacrificarei, por tanto, nem a religião do juramento, nem o orgulho que me inspiram as minhas ações passadas.
Pode assim V. S.ª declarar a essa Ilm.ª Camara que o meu lugar de 2º Bibliotecario está vago, para que ela proponha ao governo atual outra qualquer pessoa, que por certo, melhor do que eu, desempenhará as obrigações a ele anexas. Deus guarde a V. S.ª Porto 17 de Setembro de 1836. - Illm.º Sr. Manoel Pereira Guimarães. = Alexandre Herculano de Carvalho.»
 

Passado cerca de um mês, Alexandre Herculano insistia junto do todo poderoso Manuel da Silva Passos (Passos Manuel):
 
 
Exmo.º Sr. Manuel da Silva Passos.
Há um mês que o 1.º Bibliotecário da Biblioteca Pública desta cidade e eu fomos convocados para prestar juramento à Constituição de 1822, que então e hoje, de futuro alterada, felizmente nos regia e rege. Ambos recusamos praticar este ato: procedimento a que, pela minha parte, me levaram as razões que V. Ex.ª verá da resposta que dei, e que remeto inclusa. Foi logo demitido o meu colega, e eu ainda aqui estou esquecido. Não atribuo isto a falta de equidade de V. Ex.ª, porque reconheço a retidão da sua alma e que nem ódio nem afeição seriam capazes de torcer os principios de V. Ex.ª, antes o lanço à conta dos muitos cuidados e negócio que cercam V. Ex.ª no alto cargo em que o colocou o voto unânime da nação e a livre escolha de S. M. a Rainha. Só da minha insignificância me dôo, que fez não ser eu lembrado de V. Ex., que a tantos com mão profusa tem liberalisado a honra da demissão.
Não creia V. Ex.ª, que por este modo a peço: porque nem uma demissão pediria ao governo atual: esta minha carta é apenas um memorandum que levo à presença de V. Ex.ª, como se eu fosse alheio ao caso; porém não indiferente à boa fama e glória de V. Ex.ª.
A Providência não se esqueça de V. Ex.ª nem de nós, como todos precisamos para que Portugal seja salvo.
 
Porto 19 de Outubro de 1836. = Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo.»
 
 
Voltando às comemorações do centenário, na 2ª Feira (23 de Abril de 1910), véspera do cortejo atrás referido, tinham-se iniciado as festas académicas do 1.º Centenário do Nascimento de Alexandre Herculano, no Teatro Príncipe Real, durante as cerimónias que aí tiveram lugar, os presentes assistiriam a uma espantosa oração do grande orador Alexandre Braga.
Em 28 de Abril de 1910, é colocado à venda um folheto (número único) de homenagem a Herculano, pela Comissão de Festas do Centenário, com colaboração de António Carneiro, Abel Salazar, Cristiano de Carvalho, Guerra Junqueiro e algumas outras personalidades em destaque naqueles tempos.
Naquele folheto, comemorativo do primeiro centenário do escritor, Guerra Junqueiro usa o seu proverbial talento retórico para descrever, num texto hoje esquecido, o que a historiografia nacional devia a Herculano:
 
 
«A História de Portugal era um enorme palácio desmantelado, com as janelas trancadas, as paredes fendidas pelos raios (…), e onde ninguém ousara penetrar com medo que desabassem aquelas podres escadarias monumentais, que contavam já setecentos anos de existência. Inspirava terror. Andavam lá dentro lobisomens, aparições lúgubres, fantasmas com sudários (…).
(…) Foi então que apareceu um homem extraordinário – Alexandre Herculano -, que abriu a porta desse pardieiro monumental, que andou lá dentro durante vinte anos consecutivos a levantar as escadas, a limpar os móveis, a abrir as gavetas, a consultar os livros, a erguer as paredes, os tectos, as colunas, e que, depois de um trabalho incalculável, sobre-humano (…), veio à rua dizer com simplicidade aos transeuntes estupefactos: “Podem entrar.”»
 
 
 
 
O 2º Centenário do nascimento de Alexandre Herculano, ocorrido em 2010, em plena actualidade, passaria praticamente ao lado das nossas vidas. Sinais dos tempos!
 
 
“Comemora-se amanhã o bicentenário do nascimento de Alexandre Herculano. Ou, mais exactamente, comemorar-se-ia, se o país que o sepultou nos Jerónimos, ao lado de Camões, não tivesse esquecido o homem que elevou a historiografia portuguesa a disciplina científica e que foi visto, por sucessivas gerações, como uma reserva moral da nação”.
Luís Miguel Queirós, In jornal “Público”, 27-03-2010
 
Em volta das comemorações do 2º Centenário do Nascimento de A. Herculano, no que diz respeito à cidade do Porto, destaca-se uma sessão evocativa promovida pela Cooperativa Árvore e pelo editor José da Cruz Santos que incluiu uma intervenção de Guilherme de Oliveira Martins, uma leitura de poemas pelo actor António Durães e o lançamento do álbum “Cinco Retratos para Herculano”.

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