quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

25.141 Os empresários Arnaldo Moreira Rocha Brito e Artur de Oliveira Valença e o ilustrador António Cruz Caldas

 
Arnaldo Moreira da Rocha Brito (1880-1969), casado com Rosa Leonor Moreira da Rocha Brito, foi um conhecido empresário da cidade do Porto que, para além do comércio de automóveis de marcas como a Chrysler ou a Dodge, detinha a Garagem Passos Manuel, explorou o Teatro Sá da Bandeira entre 1909 e 1969 e, durante oito anos, o Coliseu do Porto, tendo chegado a exercer aquela mesma actividade no Teatro Águia D’Ouro.
Em 18 de Julho de 1969, o jornal “Diário do Norte”, de 19 Julho1969, p. 3, anunciava:
 
“Morreu no Porto, ontem, o empresário Arnaldo Moreira da Rocha Brito, comerciante, industrial nascido em Cedofeita em 1 de Fevereiro de 1880, fundador da Alfaiataria do Bolhão aos 21 anos, explorador do Sá da Bandeira, do Águia de Ouro e do Coliseu, etc.”
 
 
Personalidade com uma intervenção acentuada na vida da cidade nas vertentes empresarial e do espectáculo, cinco anos antes daquela nefasta data, tinha sido alvo de uma proposta de um vereador da Câmara do Porto para ser agraciado pela cidade. A intervenção, então, teve o seguinte teor e ficou exarada em acta da sessão realizada em 18 de Fevereiro de 1964:
 
 
«O Vereador Senhor Abrantes Jorge, pedindo a palavra, diz:
Ex.mo Senhor Presidente
Exmos Senhores Vereadores
É esta a segunda sessão da Excelentíssima Câmara, a que tenho a honra de assistir; é esta, também, a segunda vez que eu uso da palavra, o que muito me apraz, porque o faço em obediência às imutáveis determinantes da justiça.
Completou no passado dia 2 de Fevereiro oitenta e quatro anos de idade e mais de setenta e três anos de vida de trabalho incansável uma popularíssima figura do Porto, que pode ser apontada como um dos mais nobres exemplos de amor a este velho e invicto burgo.
É Arnaldo Moreira Rocha Brito ou simplesmente Rocha Brito que toda a cidade estima e admira.
Nascido em mil oitocentos e oitenta, nesta cidade, no seio de uma numerosa família burguesa, de origem duriense, não se expatriou para o Brasil, na adolescência, como o fizeram os restantes seus irmãos.
Aqui no Porto, iniciou ainda muito criança a sua dura vida de trabalho, como então a iniciavam, os que nada tinham a não ser a indomável vontade de triunfar: como marçano.
De marçano subiu a caixeiro e de caixeiro a comerciante de uma pequena loja de panos brancos.
Depois abalançou-se e fundou a que ainda hoje é uma das mais elegantes alfaiatarias desta cidade: «Londres no Porto» que durante muito tempo ostentou de direito e com orgulho a divisa de «Fornecedor da Casa Real».
Seguidamente passou a ser, como toda a gente sabe, o maior negociante de automóveis do Norte de Portugal.
Mas onde a actividade de Rocha Brito mais se notabilizou e com a qual prestou os mais assinalados serviços à cidade do Porto, foi como empresário teatral.
Pelo Teatro Águia D’Ouro, celebrizado por Júlio Dinis, no seu belo romance da vida portuense «Uma Família Inglesa», Rocha Brito fez passar, em espectáculos maravilhosos, as mais afamadas companhias de ópera, opereta e zarzuela.
Depois, no Teatro Sá da Bandeira, de que é arrendatário desde mil novecentos e nove, Rocha Brito ofereceu à cidade do Porto tudo o que de melhor tem havido na cena portuguesa e na estrangeira, através das idades.
Aqui trouxe o grande Zaconi, a prodigiosa Mimi Aguglia, as irmãs Gramáticas, a Commédie Française e todos os anos tinha temporada certa a companhia de Brasão e dos Irmãos Rosas.
Companhias famosas estrangeiras como as do Teatro Bataclan e Caramba aqui vieram pela mão de Rocha Brito.
Construído o Coliseu do Porto, logo Rocha Brito foi seu empresário, e dizer das noites gloriosas de ópera com as maiores figuras da cena lírica mundial, dos concertos sinfónicos com as mais afamadas orquestras do mundo, entre as quais é justo destacar a Orquestra Filarmónica de Berlim e de outros espectáculos de grande nível artístico e cultural, é fazer história, que por ser recente, está na memória de todos, ainda dos muito novos.
Os espectáculos líricos que em todas as nações civilizadas do mundo custam somas avultadas aos respectivos governos, ofereceu-os Rocha Brito, durante oito anos consecutivos, à cidade do Porto, sem jamais haver recebido o mais pequeno subsídio.
Para tudo resumir, bastará dizer que, havendo deixado de ser empresário do Coliseu do Porto, acabaram, para não mais terem voltado, as maravilhosas noites de espectáculos líricos na cidade do Porto.
Já com oitenta anos, Rocha Brito, num prodígio de vontade indomável e como prova de amor a esta cidade que o viu nascer, gastou milhares de contos, na remodelação total do Sá da Bandeira, fazendo do velho casarão, que era, o belo teatro que hoje todos admiram.
Para obras de caridade teve Rocha Brito abertas sempre as portas dos seus teatros, sem receber sequer as despesas da «seral».
Que o digam os grupos beneficentes e a comissão das senhoras desta cidade que se têm dedicado a socorrer os necessitados.
Tudo isto fez com que o Governo da Nação concedesse, muito justamente, a Rocha Brito a comenda da benemerência.
Ainda recentemente Rocha Brito abriu as suas portas do Teatro Sá da Bandeira aos concertos para a juventude, em boa hora levados a efeito pela magnífica Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música do Porto, sob a direcção do insigne maestro Silva Pereira.
Este mecenato de Rocha Brito recebeu justa exaltação no próprio seio da Assembleia Nacional.
Este exemplo de trabalho, de desinteresse, de dedicação á cidade do Porto, parece ser digno de reconhecimento por parte do burgo que ele tanto tem amado e servido.
Por isso julgo que o Porto deve manifestar de forma inequívoca esse reconhecimento por intermédio da sua legítima representante que é esta Câmara Municipal.
Assim, proponho que ao cidadão portuense Arnaldo Moreira da Rocha Brito, seja concedido o galardão que a Comissão de Recompensas julgar por bem conferir-lhe.
O Senhor Vice-Presidente, usando de novo da palavra, diz:
Senhor Vereador
Ouvi a proposta apresentada por Vossa Excelência e tal como Vossa Excelência refere, ela será enviada à Comissão de Recompensas para apreciação.»
 
 
Em 18 de Março de 1939, como resultado de um projecto, de 1930, do arquitecto Mário Abreu e do Engº Teixeira Rego, seria inaugurada a chamada “Garagem Passos Manuel”, um edifício que se tornou icónico, situado em frente ao Coliseu, um investimento de Rocha Brito e do empresário António Sardinha, cuja firma proprietária do imóvel era "Amorim, Brito & Sardinha, Lda.".





A Garagem Passos Manuel seria construída no terreno (invisível), à direita da foto, inclusive no chão da construção térrea. O prédio alto, a meio da foto, ainda existe

 
 
Garagem Passos Manuel na década de 1940
 
 
 
Sobre os serviços que a garagem de Passos Manuel prestava, dizia a sua publicidade na revista “Panorama”, em 1941:
 
 


 
 

Garagem Passos Manuel em 1982 – Fonte: Mário Novais; Flickr, Biblioteca de Arte, Fundação Calouste Gulbenkian



Stand da firma A. M. da Rocha Brito na Garagem Passos Manuel, em 1940

 
 
 
Em 1940, o arquitecto Mário Abreu acabaria por ser, também, o autor do projecto da residência de Rocha Brito para a Avenida de Vasco da Gama, nº 115, Valadares, V. N. de Gaia.

 
 

Fachada principal da residência de Rocha Brito, em Francelos – Fonte: C.M. - Gaia
 
 
 
Arnaldo Moreira da Rocha Brito haveria de exercer, também, a sua actividade no comércio de automóveis, na Rua de Sá da Bandeira, nº 112, junto ao teatro.
Com intervenção acentuada no comércio das marcas Chevrolet e Opel, entretanto, em Fevereiro de 1955, era anunciado que 10 mil visitantes tinham ocorrido ao stand Rocha Brito para ver o novo automóvel IFA, carro a dois tempos, construído na Alemanha de Leste nas antigas fábricas DKW.


 

IFA de 1954
 
 

Grupo de trabalhadores da empresa Arnaldo Moreira da Rocha Brito, nas escadas do restaurante do Palácio de Cristal, c.1940 – In Porto Desaparecido; Fonte: Alvão, CPF
 
 
A meio da foto acima é possível observar o comendador Arnaldo Moreira da Rocha Brito e seu filho, Arnaldo Rocha Brito Júnior.
 
 
 
 

Publicidade do stand “A. M. da Rocha Brito”, na Rua de Sá da Bandeira, nº 122 – Fonte: Jornal “O Comércio do Porto”, 16 de Junho 1934


 
Interior do stand de Arnaldo Moreira da Rocha Brito, Lda. - Automóveis, na Rua de Sá da Bandeira, em 1939 - In Porto Desaparecido; Fonte: Alvão, CPF

 
 

Publicidade ao Opel-Kadett, começado a produzir em 1937 e, na Europa substituído, em 1991, pelo “Astra”
 
 
Em 1982, a empresa A. M. da Rocha Brito, L.da, que era a importadora, entre outros, dos camiões da marca Hino, estava em situação de falência, tendo sido adquirida pela Salvador Caetano.
Esta tomada de posição no mercado viria a tornar-se, para a Salvador Caetano, a rampa de lançamento da empresa no universo dos veículos BMW, no mercado Português.
Foi, então, convertida e criada a firma Baviera, representando oficialmente a BMW.
Como empresário do mundo do espectáculo, Rocha Brito ficou com o seu nome ligado para sempre ao Teatro Sá da Bandeira.
Um dos mais notáveis empresários do Teatro Sá da Bandeira foi Afonso Taveiro que o adquire em 3 de Março de 1903, mas, a partir de 1909, passa a ser seu arrendatário Arnaldo Moreira da Rocha Brito que o manteria na sua posse, até à sua morte em 1969.
Afonso Taveiro morreria de apoplexia, em plena plateia do Teatro Sá da Bandeira, quando dirigia um ensaio geral da revista “O Dia de Juízo”.
 
 
 

Teatro Sá da Bandeira na década de 1950
 
 
Pela mão de Rocha Brito, o Teatro Águia D’Ouro levaria à cena alguns espectáculos de ópera, opereta e zarzuela, que extasiaram os portuenses.
Arnaldo Moreira da Rocha Brito seria, também, durante oito anos, na década de 1940, o empresário do Coliseu do Porto, acabando por abandonar aquela tarefa em rota de colisão com o regime político de então.
Talvez, por isso, em 1959, uma proposta do Ministro da Educação Francisco de Paula Leite Pinto, para ser agraciado com o grau de “Cavaleiro da Ordem da Instrução Pública”, acabaria por ser recusada superiormente.
Rocha Brito foi ainda membro do Ateneu Comercial do Porto e, em meados do século XX, foi responsável pelos desfiles carnavalescos pelas ruas da cidade, em colaboração com um empresário do mundo do circo, Juan Carcellé, numa tentativa de reanimar os corsos de começo do século, que ficaram célebres, a cargo dos Fenianos.
Apesar dos esforços encetados, a cidade continuava a não aderir ao Carnaval como dava conta, na gravura seguinte, “O Porto” chorando perante o “Zé Povinho” a morte do antigo Carnaval.

 
 

Jornal “O Comércio do Porto”, 8 de Fevereiro de 1959
 
 
Alguns, poucos, ainda guardam memória de Rocha de Brito fazendo-se passear nos seus carros descapotáveis, por fumar avantajados charutos e como acompanhante das beldades do mundo do espectáculo que actuavam nos teatros que dirigia.



 

Rocha Brito representado dentro de um automóvel descapotável, fumando um charuto, em gravura (1941) de Cruz Caldas,
 
 
 
António Cruz Caldas, o autor da gravura acima foi um conhecido caricaturista, escritor, ilustrador e publicitário português, nascido a 17 de Dezembro de 1898, no Porto, e falecido em 1975, na mesma cidade.
Nascido no seio de uma família de artistas, o pai e o irmão eram escultores, teve ainda como padrinhos duas referências importantes do mundo artístico, a pintora Aurélia de Sousa e o escultor Teixeira Lopes.
Colaborou nos jornais diários, “Jornal de Notícias” e “O Primeiro de Janeiro” e nos jornais humorísticos Córócócó e Pirolito.
Foi director artístico da empresa MABOR, fez desenhos de boca de cena para o Coliseu do Porto (1941), cartazes publicitários do Coliseu, ilustrações para livros e jornais, etc.
Foi várias vezes premiado, nomeadamente, pela Sociedade Nacional de Belas Artes (1954 e 1956).
Cruz Caldas está também ligado, desde 1923, ao jornal desportivo semanário “Sporting” fundado em 25 de Março de 1921, por várias personalidades, entre elas, Lobão de Carvalho, que seria seu director até 1923.
 
 

Capa do bissemanário “Sporting”, no 18º aniversário, da autoria de Cruz Caldas
 
 
 
O jornal passa a ficar sedeado na Rua da Cancela Velha, nº 39, e a ser dirigido por Artur Oliveira Valença (1897-1978), servindo-se das mesmas oficinas de impressão do jornal humorístico o “Pirolito” do qual era também proprietário.
Oliveira Valença foi um portuense nascido na freguesia da Vitória, órfão de pai aos sete anos, interno do Colégio dos Meninos Orfãos, emigrante no Brasil (com 13 anos) e com dezasseis anos, em Paris (para aprender a profissão de alfaiate) e um grande entusiasta do boxe e promotor da primeira volta a Portugal em bicicleta e conhecido, ainda, por ter sido Presidente do Boavista Futebol Clube (1933-1935) e um grande e acérrimo opositor ao Estado Novo.
Nos anos de juventude, durante a 1ª Guerra Mundial, integrou o chamado Batalhão de Voluntários Portugueses e Brasileiros, que abandonou, a pedido da mãe dirigido às autoridades, por ainda ser de menor de idade.
Na obra “É a Guerra” Aquilino Ribeiro critica a opção bélica de Oliveira Valença, numa disputa que deu brado, à época.
Como Presidente do Boavista Futebol Clube introduziu o equipamento axadrezado, que se mantem actual, substituindo o então vigente de camisolas listadas verticalmente de preto e branco.
Antes, entre 1925 e 1926 e, posteriormente, entre 1929 e 1933, foi presidente da direcção do Real Clube Fluvial Portuense, instituição fundada em 1876.
Com alguns períodos de suspensão da sua publicação, como é o caso entre 14 de Maio e 14 de Novembro de 1924, o “Sporting”, também conhecido pelo “rosa”, devido à cor do seu papel de impressão, passa a partir de 1926 a bissemanário e desapareceria definitivamente das bancas, a partir de Setembro de 1953.
 
 

Capa do bissemanário “Sporting”, em 12 de Junho de 1939, da autoria de Cruz Caldas
 
 
Aliás, em sequência de um mandado, a PIDE encerrou a Tipografia Sporting, de Artur Oliveira Valença, onde era impresso um folheto intitulado Missão e Fins do Socialismo Democráticoe, assim, o jornal Sporting veria suspensa a sua publicação, após 32 anos de actividade.

Cortesia de Jorge Valente Rebelo (tripeirodefibra.blogspot.com)



Por outro lado, no que diz respeito ao “Sporting”, aquele epíteto de “rosa”, já tinha, no entanto, desaparecido durante os anos da 2ª Guerra Mundial, pois começaria a ser impresso em papel branco, muito mais barato.
Dizendo sempre ser um anti-comunista, o que confundia a Pide, Oliveira Valença alinharia ao lado de Norton de Matos, Quintão Meireles, Humberto Delgado e Mário Soares.
A Tipografia Sporting, devido ao reordenamento urbanístico na zona da Cancela Velha, instalar-se-ia na Rua Formosa, nº 189.
 
 


 
 
 

Cartaz elaborado pela Fotogravura Sporting para divulgação do Campeonato do Mundo de Bilhar, realizado em Espinho, em 1932, da autoria de Cruz Caldas
 
 
Por outro lado, Oliveira Valença continuaria, ao longo dos anos, ligado à profissão de alfaiate, pois tinha era diplomado pela École International de Coupe et Couture de Paris e, por isso, tinha um estabelecimento do ramo na Rua de Cedofeita, nº 35.

 
 

Colecção de Primavera/Verão de 1917
 
 
Na Rua da Cancela Velha e, depois, na Rua Formosa, nº 193, teve Artur Oliveira Valença a sua empresa denominada “SLAV” (cuja sigla significa Sociedade Luso-Americana de Vestuário), uma loja especializada em couros e gabardines.


 


 
 



Hoje, na freguesia de Ramalde, a Câmara Municipal do Porto homenageia Artur Oliveira Valença com uma placa toponímica para uma rua.
 


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