O Arco de Sant’Anna estava localizado na rua que teve o
mesmo nome, a partir do século XVIII e, antes, durante a idade média, tinha
sido Rua das Aldas e, depois da construção do colégio de S. Lourenço (Grilos),
Rua do Colégio, embora amputada de uma porção, na sua extensão.
O Arco de Sant'Ana das Aldas era o que restava de uma das
quatro portas da velha cidade do Porto, talvez mesmo um postigo aberto no
extremo da muralha do lado norte, que nesse ponto quebrava em direcção ao sul,
correndo em seguida pelas traseiras da antiga Rua dos Mercadores, paralela à de
Sant'Ana.
Sant’Ana, a avó materna de Jesus Cristo, foi adorada todos os dias
num oratório, implantado num arco da Rua das Aldas.
Aí, correndo em busca de auxílio, as parturientes, em
dificuldades, tinham a devida assistência, numa casa contígua ao oratório que
lhes disponibilizavam, quer durante o dia ou à noite, as Cadeiras de Sant’Ana, nas
quais se recostavam e adquiriam a fé que necessitavam, em troca da oferta de um
pouco de azeite (a lâmpada do Arco mantinha-se permanentemente acesa) ou de uma
pequena dádiva em dinheiro.
A 26 de Julho, dia da festa anual da padroeira, o Arco onde
assentava o oratório com a imagem da Santa era ricamente decorado com panos
(alguns deles bordados a ouro e prata) e flores, dando ao Arco o aspecto de uma
capela-mor.
Quando o Arco de Sant’Ana foi demolido, em 1821, a imagem da
Santa e as Cadeiras de Sant’Ana passaram para a capela de S. Crispim,
junto da Rua da Biquinha, continuando a servir do mesmo modo que anteriormente.
Em 2 de Junho de 1821, começava a ser demolido, por ordem da Câmara, o velho “Arco de Sant’Ana”, junto à Sé, resultante de um pedido de Manuel Luiz da Silva Leça e António Joaquim de Carvalho.
Entre muitas outras personalidades, Almeida Garrett foi a voz que mais se fez ouvir, criticando a demolição do Arco de Sant’Ana, manifestando-se nos seguintes termos:
“Cahiste pois tu, ó arco de Sant’Anna, como em nossos tristes e minguados dias, vae cahindo quanto ha nobre e antigo ás mãos de innovadores plebeus, para quem nobiliarchias são chimeras, e os veneráveis caracteres heráldicos de rei d’armas Portugal lingua morta, e esquecida que nossa ignorância despreza, hieroglyphicos da terra dos Pharaós antes de descoberta a inscripção de Damieta!
Assentaram os miseráveis reformadores que uma pouca de luz mais e uma pouca de immundicie menos, em rua já de si tam escura e mal enchuta, era preferível á conservação d'aquelle monumento em todos os sentidos respeitável!
Com que desapontamento deste meu coração, depois de tantos annos de ausência, não andei procurando, em vão!... Na rua de Sant’Anna, uma das primeiras que a minha infancia conheceu, as gothicas feições d’aquellé arco? e a alampada que lhe ardia continua, e os milagres de cera que lhe pendiam á roda, e toda aquella associação de cousas, que me trazia á memória os felizes dias de minha descuidada meninice!”
Almeida Garrett
Aquele elemento arquitectónico, pela pena de Almeida Garrett, haveria de dar, ainda, o nome a um conhecido romance de cariz histórico - O Arco de Sant'Ana.
Então, na tarde de 29 de Junho de 1821, a imagem alvo de
veneração foi, sob o estandarte da irmandade dos sapateiros, curtidores,
surradores e correeiros, conduzida, em procissão e em magnífico andor, pelos
mestres que nesse ano eram juízes ou tinham assento na Casa dos Vinte e Quatro
(em que estes ofícios gozavam do direito de banco), para a capela de S. Crispim
e, aí, colocada em altar especial.
A gravura, abaixo, foi publicada em 24 de Agosto de 1901, na
revista semanal Gazeta Ilustrada, de
Coimbra. Nela se pode observar a Rua de Sant’Ana e, no seu início, à esquerda,
um nicho com uma imagem – o antigo local do Arco de Sant’Ana.
Trata-se de um trabalho de litografia de um conceituado
litógrafo que, à data, assinava como “Pastor” e baseava-se num desenho de
Manuel de Macedo.
De realçar, o pormenor das sacadas, de madeira ou de ferro,
apoiadas nos respectivos cachorros, uma
característica inconfundível das antigas moradias da cidade velha.
Esta gravura foi capa da revista “O Tripeiro”, Série Nova,
Ano I, Número 0, de 1 de Outubro de 1981.
Do velho Arco de Sant'Ana, actualmente, apenas sobrevive a porta
que permitia o acesso ao nicho onde estava a imagem de Sant’Ana com a Virgem e
o Menino, apesar de, em 13 de Maio de 1943, a Câmara Municipal ter aprovado um
projecto para o reconstituir e reimplantar, no seu local primitivo, o que não
se concretizaria.
Hoje, a imagem original de Sant’Ana está esquecida na Capela
de S. Crispim, entretanto, deslocada, nos finais do século XIX, para a actual
Rua de Santos Pousada.
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