domingo, 16 de fevereiro de 2020

25.81 Parque das Camélias e outras vivências dos portuenses


O Parque das Camélias foi um espaço, situado na Rua Alexandre Herculano, próximo à Praça da Batalha que, durante grande parte do século XX, esteve afecto a diversões variadas, de cariz ambulante e, ainda, a um clube histórico da cidade, o Sporting Clube Vasco da Gama, cujo nome foi uma decisão de familiares de emigrantes no Brasil, adeptos do Club de Regatas Vasco da Gama.
Já nas duas últimas décadas do século XIX, aquele topónimo era associado ao local, pois, existiu bem perto, o Restaurante Floresta das Camélias.
A origem fidedigna do topónimo é, porém, desconhecida, mas deve radicar, de algum modo, naquela flor que viria a tornar-se um símbolo do Porto, embora originária da Ásia.



Rua Alexandre Herculano e o carnaval de 1906. No terreno livre, à direita, haveria de surgir o Parque das Camélias e, em parte, também, a ampliação do Hotel Universal, hoje, a Messe dos Oficiais – Fonte: AHMP




No terreno à esquerda da foto acima, à data, tinha estado o Teatro D. Afonso (já demolido) e, a partir de 1910, instalar-se-ia o Teatro Éden, em novo edifício.



“Em 20 de Fevereiro de 1920, na Rua 6, casa 7, do Bairro Herculano, que ficou para a história como sendo a sua primeira sede, um punhado de jovens operários uniu as mãos e resolveu fundar o Sporting Clube Vasco da Gama, para ocupar os seus tempos livres com a prática desportiva. Os sócios fundadores são, entre outros, os irmãos Quintela,  Armando Plácido, João Vidrago, Boaventura, José Garrido e José Norton. Os dois últimos foram os primeiros presidentes conhecidos do S.C.Vasco da Gama.
(…) O S.C. Vasco da Gama sempre jogou em recintos alheios, percorrendo 84 anos de vida desportiva, a fazer jogos oficiais e a treinar noutros recintos, até que veio parar ao Parque das Camélias, mas de onde foi expulso na década de 1950, aquando da sua venda à Direcção Geral dos Transportes Terrestres, que tencionava construir naquela espaço uma central de camionagem, que nunca chegou a concretizar-se. Viveram-se a partir dessa data momentos de muita incerteza, tendo-se então passado a utilizar os recintos do “Grupo Desportivo Ferroviários de Campanhã” e do “Círculo Católico”, a quem a Câmara Municipal do Porto, a pedido do Vasco da Gama, cimentou o piso, remodelou os balneários e a instalação eléctrica do recinto do jogo, ambos recintos ao ar livre. Quando chovia, ou estava mau tempo, utilizavam os ginásios dos liceus “Alexandre Herculano”, “ Soares dos Reis”, “Oliveira Martins” e “Cal Brandão”.
(…) Um ano após o 25 de Abril de 1974, mais propriamente no dia 05 de Abril de 1975, em pleno período de agitação política, um grupo de associados ocupou, o “Parque das Camélias” que passou a ser de novo a “casa do Vasco”.
(…) e só a partir de 14 de Fevereiro de 2004, é que passou a dispor de um recinto coberto, designado por “Oficina de Basquetebol Alves Teixeira” o qual apesar de lhe faltar uma parede, permitiu passar a  realizar treinos com regularidade, e jogos oficiais de “Minis”, “Iniciados” e “Cadetes”, o que foi um privilégio, por puderem, finalmente, jogar, nos escalões citados, no mesmo recinto em que treinam. Em Abril de 2010, com a ajuda da Câmara Municipal do Porto, foi finalmente construída a parede em falta, fechando-se o recinto desportivo, continuando nos escalões superiores (Juniores B/ Juniores A/Seniores) a jogar em pavilhões alheios”.
Fonte: “scvascodagama.com”



Homenagem a Joaquim Alves Teixeira, um dos grandes jornalistas portugueses do século XX, director do jornal “O Norte Desportivo” e um símbolo do Sporting Clube Vasco da Gama, no acesso às instalações desta agremiação – Fonte: JPortojo




"O Norte Desportivo" (1934-1983) era um bissemanário (saía às 5ªs Feiras e Domingos) que pretendia defender o universo portista dos adversários lisboetas.
"O Norte Desportivo" arrancou pela mão do jornalista Rodrigues Teles (1906-1975), um indefectível portista, jornalista do bissemanário desportivo "Sporting" e que se tornaria historiador ao publicar a história do seu clube do coração, desde 1906 a 1933.
Mais tarde, Rodrigues Teles completaria a tarefa, contando-a em fascículos, em 1955, reunidos em 3 volumes em 1958 e publicação completa em 1962.




Nesses tempos, a “Bola” era do SL Benfica, o “Record” do SCPortugal e o “Mundo Desportivo” balançava entre os dois principais clubes da capital.



“Saído para as bancas a 18 de fevereiro de 1934, o Norte Desportivo foi uma outra publicação que obteve bastante sucesso durante o tempo que durou. Sucessor d’O Porto Desportivo, “O Norte”, como era conhecido, era um bissemanário de qualidade, em formato grande, à semelhança dos melhores jornais generalistas da altura. Em outubro de 1936 passou a exibir o subtítulo: “O jornal da especialidade com maior tiragem e expansão aquém Mondego.” Nesta fase, esta reconhecida publicação contava com colaboradores de enorme prestígio. Não fugindo à regra, a guerra obrigou O Norte Desportivo a suspender as suas publicações entre julho de 1941 e janeiro de 1942, devido à escassez de condições económicas. Após retornar às 13 bancas, o jornal foi sofrendo alterações tanto no formato como a nível gráfico, passando a ter cor vermelha no cabeçalho e nos títulos. Apesar de todas as dificuldades com que se deparou durante o período da guerra, aliado ao demolidor impacto da concorrência, O Norte Desportivo foi o único jornal a sobreviver à chegada de A Bola e do Record.
Conseguiu manter-se com sucesso durante as décadas seguintes, afirmando-se como o claro sucessor do Sporting no que toca à defesa dos interesses do Porto e do Norte, tanto no desporto como na vida nacional. Assim foi até junho de 1983, altura em que desapareceu a primeira série deste jornal”.
Cortesia de Pedro Miguel Silva Ferreira, Mestre em Jornalismo (2017)



O jornal do Alves Teixeira, como alguns diziam, tinha uma edição no final da tarde de Domingo que saía um pouco depois de acabarem os jogos da jornada, com começo geral, às 15 horas.
Minutos após os seus términos, eram afixados os resultados das partidas, à porta do Jornal “O Primeiro de Janeiro”, em cujas oficinas tipográficas, na Rua de Santa Catarina, ele era impresso e onde, por norma, se apinhava uma multidão.
Ao fim dessas tardes de Domingo, pelas praças do Porto, ouviam-se os ardinas num pregão, bem cantado, que se tornou bem conhecido:
- “Olha… o Norte Desportivo, Olha…“O Norte”!




Cabeçalho de “O Norte Desportivo” de 6 de Dezembro de 1973, que dava conta da chegada ao F. C. do Porto, do jogador Teófilo Cubillas




Saído que era “O Norte Desportivo”, da edição de Domingo, pouco depois das 18 horas, os portuenses invadiam os cafés da Praça da Liberdade e da Avenida dos Aliados e, devorando as crónicas dos jogos, com os dedos sujos de tinta da impressão ainda recente, comentavam as peripécias dos jogos, obtidas através de sucessivos telefonemas ao longo da duração dos mesmos, de repórteres que transmitiam para as redacções, de tempos-a-tempos, alguns factos.
Da colagem final desses telefonemas resultava a crónica.
A partir de determinada altura, a tecnologia evoluiu e os resultados dos jogos começaram a aparecer quase, como se diz agora, on-line, impressos num placard de luzes (dinâmico), situado no cimo do Palacete das Cardosas, na Praça da Liberdade, que passava notícias recentes e que os transeuntes liam de pescoço esticado para o céu.
Nesse placard, os “pixels do screen” dos nossos dias, eram realizados por uma miríade de pequenas lâmpadas incandescentes que acendiam e apagavam a preceito.



Não visível nesta foto o placard luminoso de notícias, situava-se à direita do anúncio à máquina de costura Husqvarna. O café mais à esquerda era o Astória



Cabeçalho do “Mundo Desportivo” no ocaso da década de 1960



“Quem se lembra do Parque das Camélias? Por muito que pesquise, não encontro referências sobre este espaço, com o seu ringue onde se praticava o andebol e o basquetebol, digamos que era a casa do Vasco da Gama. E de vez enquanto armava-se outro ringue para a Luta-Livre Americana, onde o espanhol Saludes era o mau da fita. O campeão era sempre o mesmo, o nosso José Luís. Mas havia também o Mascarilha, não me lembro já se era este o seu nome "artístico".
Texto de JPortojo



No auge dos anos dos espectáculos com palco montado a preceito, no Parque das Camélias, os espectadores vibravam com as sessões de boxe, em que pontificava o ídolo da modalidade da época, o José Santa Camarão.
O Camarão era alcunha de família. Família de pescadores, está claro! Nascido em Ovar, passou muitos anos no Brasil e nos Estados Unidos, onde casou. Era um atleta de excepção, mas com um carácter muito bondoso. Teve uma carreira muito vitoriosa naqueles países e na Europa, em especial na Alemanha.
Em 1930 entrou no filme “Amor e Ringue” sobre a vida do pugilista alemão Max Schmeling.
Arthur Duarte, actor, realizador, director de “O Leão da Estrela” e de “A Menina da Rádio”, fazia um papel pequeno, secundário, de manager, naquele filme.
Santa Camarão entrou em combates históricos. Como o do Madison Square Garden, em Nova Iorque, no dia 6 de Dezembro de 1932, em que defrontou o campeão do mundo de pesos pesados, Primo Carnera, tendo, porém, desistido, devido a uma lesão.
No dia 5 de Abril de 1968, faleceu José Santa “Camarão”, com 66 anos de idade, que durante sete anos foi campeão nacional de todas as categorias, entre os anos vinte e trinta do século passado.
Célebres, ficaram as sessões contínuas de cinema exibidas no Salão-Cinema do Parque das Camélias. Conta quem lá esteve, as horas seguidas a ver o mesmo filme ou uma sucessão de filmes, versando temas diferentes, sem quaisquer paragens.



Santa Camarão




Pela porta à esquerda, que dá acesso a uma longa rampa, se faz a entrada para o antigo Parque das Camélias – Ed. MAC



O Parque das Camélias, em meados do século XX, haveria de comunicar com a Rua Augusto Rosa, para instalação de uma central de camionagem, que ainda funciona nos nossos dias, mantendo o topónimo, tendo deixado de ser, porém, o local de diversão que, foi, durante algumas décadas.
Por sua vez, o topónimo Augusto Rosa pretende homenagear o actor Augusto Rosa, que se estrearia, no Porto, no Teatro Baquet, em 31 de Janeiro de 1872, interpretando a personagem de António Soares, do Morgado de Fafe de Camilo C. Branco. 
Aquele actor era filho e irmão de dois outros grandes actores, João Anastácio Rosa e João Rosa, respectivamente.
Antes, o arruamento era identificado por Rua da Batalha e, brevemente, por Rua dos Matadouros - "em frente da Casa Pia."





O Parque das Camélias fixar-se-ia, em grande parte, na área alodial com entrada pela Rua de Alexandre Herculano com comunicação com a Rua Duque de Loulé – Fonte: Planta de Telles Ferreira de 1892



Entre a “Casa de Sousa Avides” e o Hotel Universal esteve, em tempos, instalado o hotel “Nova Itália”, onde muitos dos artistas a actuar no Teatro S. João costumavam hospedar-se. Era conhecido, ainda, por no seu restaurante, praticar o serviço de self-service, uma novidade para a época.



Planta de casas com frente para a Rua da Batalha (actual Rua Augusto Rosa) – Fonte: Planta de Telles Ferreira de 1892



Dos prédios com frente para a Rua da Batalha, apresentados na planta acima, foram demolidos para a instalação dos acessos à central de camionagem, todos os situados entre os delimitados a amarelo, incluindo a capela.
Entre eles, destacam-se os que chegaram a ser identificados como “Casa de Manuel José Duarte Guimarães”, com uma capela anexa, e a “Casa de Manuel de Sousa Avides”.



Rua Augusto Rosa no local da saída da central de camionagem antes das demolições (vista no sentido descendente). A antiga capela, atrás referida, encontra-se à direita e, à esquerda, está a casa de Sousa Avides– Fonte: Ed. Teófilo Rego; AHMP



Rua Augusto Rosa no local da saída da central de camionagem antes das demolições (vista no sentido ascendente). A antiga capela, atrás referida, encontra-se à direita, a meio da foto – Fonte: AHMP



Em 1947, começa a ser dada execução à instalação no antigo Parque das Camélias de uma central de camionagem, de acordo com a planta cadastral apensa ao projecto respectivo – Fonte: AHMP




À direita, ficaria a “Casa Manuel José Duarte Guimarãres – Ed. MAC



À esquerda, ficaria a “Casa Manuel Sousa Avides” – Ed. MAC



Para orientação, diga-se que no número de polícia, nº 83, à data de 1892, está hoje, na actual Rua Augusto Rosa, 172, o Café Sagres.
Quanto às personalidades que por aqui habitaram, é de relevar que Manuel de Sousa Avides (1854-1920) foi um médico e político associado ao Partido Regenerador.
Foi conselheiro (1904), vereador da Câmara Municipal do Porto (1893-1905) e presidente da Câmara Municipal do Porto (1902-1905).
Com a instauração da República, abandonou a vida política para se dedicar à administração empresarial e corporativa, tendo sido director da Companhia de Seguros Urbana Portuguesa e integrado os corpos gerentes do Banco Aliança.
Foi ainda membro da Irmandade da Lapa e Provedor da Ordem de Cristo.
Por sua vez, Manuel José Duarte Guimarães (1795-1845) foi um brasileiro que ficou conhecido por explorar, por arrendamento, o convento dos Congregados, abrindo lojas com portas nessas instalações, na fachada voltada para a Praça D. Pedro (actual Praça da Liberdade), procedimento que já era adoptado, antes, pelos frades, por baixo da abóbeda da construção.
Foi casado com Rita Vitória Guimarães, falecida, já viúva, em 1860.
O nome de Camilo Castelo Branco ficou associado a esta família, pois, o escritor, faria o elogio fúnebre dum filho do casal, de seu nome Joaquim José Duarte Guimarães (1823-1850), falecido prematuramente, em primeira página do jornal “O Nacional”.
Em 1842, Manuel José Duarte Guimarães já vivia na zona do Largo da Batalha, pois, para a sua residência aí situada, pediu licenciamento para a instalação de uma canalização para transporte de água desde uma mina situada na Rua do Bonfim (Licença de obra n.º: 355/1842).


“Após a extinção das ordens religiosas fruto de uma consolidação dos ideais liberais pelo decreto de Joaquim António de Aguiar de 30 de Maio de 1834, foi o edifício do Convento da Congregação do Oratório da regra de S. Filipe de Néri, à Praça Nova das Hortas, posto em almoeda e adquirido, à Fazenda Nacional: uma parte pelos Contratadores do Tabaco (que tinham a ideia de aí fazer montar a sua fábrica), sendo a outra comprada pelo cidadão brasileiro Manuel José Duarte Guimarães. Passado algum tempo, o capitalista brasileiro diligenciou, e conseguiu, comprar aos contratadores todo o vasto edifício, do qual fazia parte uma torre erguida do lado poente da igreja da qual se lobrigava vista muito assinalável: No sítio da torre e no da portaria conventual, cuja demolição começou em Dezembro de 1842, mandou o novo proprietário construir duas casas de dois andares com frente para o Largo da Feira de S. Bento, que em meados do século passado (1852), estavam arrendadas ao cabeleireiro Heitor Guichard [...] e sua esposa, que ali geria um armazém de modas. // Do lado da Praça de D. Pedro, aproveitando as boas caves de abóbada que os padres costumavam alugar a particulares, mandou outrossim o mesmo novo senhorio, ao rés-da-rua, abrir portas regulares para estabelecimentos e rasgar mais janelas de varanda a todo o correr do primeiro andar. // Depois de concluída a respectiva obra de adaptação, é que os botequins, pouco a pouco, começaram a concentrar-se à volta do extinto edifício do Convento dos Congregados, tanto para a banda da Praça, como para a de Sá da Bandeira (actual de Sampaio Bruno) como ainda para a do Bonjardim (actual Rua de Sá da Bandeira).
Fonte: Horácio Marçal – “Os antigos botequins do Porto”, In O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 72.



Em 27 de Agosto de 1845, por ofício, o Governo Civil remeteu a planta alta oferecida pelo falecido Manuel José Duarte Guimarães para melhorar a frente do edifício do extinto Convento dos Congregados, sobre a Praça de D. Pedro, dando satisfação a pedido solicitado pela Câmara Municipal, em ofício de 20 de Agosto de 1845, onde eram feitas várias considerações sobre a execução da mesma planta.
Nos dias de hoje, toda a área, que esteve de um modo ou outro, em diferentes épocas, afecta ao Parque das Camélias, compreende uma central de camionagem, com saída para a Rua Augusto Rosa, um parque automóvel que tem serventia pela Rua Duque de Loulé e as instalações desportivas do Sporting Clube Vasco da Gama.

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