domingo, 4 de dezembro de 2022

25.170 Comemorações do 1º centenário da revolução liberal do Porto

 
São já decorridos 200 anos sobre a madrugada do dia 24 de Agosto de 1820, quando a cidade sublevada por um pronunciamento militar, a que a população de imediato aderiu, proclamou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e deu o primeiro passo para edificar o Portugal moderno, concretizando a revolução liberal.
A cidade do Porto, como polo fundamental desse acontecimento histórico seria, por essa razão, o centro das comemorações do 1º centenário daquela revolução.
Assim, o presidente da República, António José de Almeida, chegou à cidade no dealbar da manhã do dia 23 de Agosto de 1820, véspera do aniversário da revolução liberal, depois de desembarcar no comboio-correio, vindo da capital e de ter passado pelas estações ferroviárias de Campanhã e S. Bento.
A sessão de boas-vindas ao Chefe de Estado decorreria na Câmara Municipal a funcionar, à data, no antigo palácio episcopal, à Sé.


 

Câmara do Porto, funcionando na Sé, com a estátua do “Porto” guardando a entrada
 
 
 
Entretanto, o paço episcopal estava pelo solar dos Terena, ao Palácio de Cristal, depois de uma breve passagem pelo palacete de Sacais, ao Bonfim.
 
 
 

Palacete de Sacais (Rua António Granjo), no início do século XX
 
 
 

Solar dos Terena, em frente ao Palácio de Cristal, antes da abertura da Rua de Júlio Dinis (pela esquerda), na década de 1930
 
 
 
Seguir-se-ia o lançamento da primeira pedra do novo edifício da sede do “Clube Fenianos Portuenses”, à Praça da Trindade.
O icónico clube acabava de ser o alvo da ira dos monárquicos quando, no início de 1919, e durante o seu reinado breve, de cerca de mês e meio, as suas instalações, à Praça da Batalha, foram completamente destruídas.

 
 

Sede do Clube Fenianos Portuenses, em 1935
 
 
 
O presidente António José de Almeida recolheria, depois, ao palácio presidencial, tendo sido, para o efeito, preparado o palacete Braguinha, na Rua Rodrigues de Freitas, a S. Lázaro. Aqui, visitaria as instalações que lhe foram destinadas, tendo como cicerone o vereador do município, Aurélio da Paz dos Reis.

 
 

Palacete Braguinha que alojaria a Escola de Belas Artes do Porto, a partir de 1928
 
 
Depois de uma cerimónia de apresentação de cumprimentos, contemplando uma imensidão de personalidades e instituições, o Presidente da República ofereceria um jantar a alguns comensais, por si escolhidos, conforme noticiava o jornal “O Comércio do Porto” de 24 de Agosto de 1920.
 
 
 



No dia seguinte, 24 de Agosto, o Presidente da República, António José de Almeida, depõe flores no Monumento aos Vencidos do 31 de Janeiro de 1891, ao Prado do Repouso.

 
 

Monumento aos vencidos do 31 de Janeiro – Ed. Foto Guedes; AHMP
 
 
 
 
A jornada continuaria com a cerimónia de descerramento de placa evocativa da data, na frontaria do Quartel de Infantaria nº 6, ao Palácio de Cristal, acto similar que se repetiria, seguidamente, no regimento de infantaria nº 18, à Praça da República.

 
 
 

Descerramento de placa comemorativa do 1º centenário da revolução liberal, junto do regimento de infantaria nº 6 – Fonte: revista “Ilustracção Portugueza” de 6 de Setembro de 1920
 
 
 
Inscrição na placa descerrada na fachada do quartel de infantaria nº 6
 
 
 
Durante a tarde desse dia, seria também lançada a 1ª pedra do Monumento aos Mortos da Grande Guerra, uma vontade da Junta Patriótica do Norte, na Praça Carlos Alberto e, à noite, inaugurado o Museu Histórico da Revolta de 1820, no salão nobre do Teatro S. João, montado pelo Dr. Pedro Vitorino com a colaboração do seu irmão, o arquitecto Emanuel Ribeiro, e do seu pai, o pintor Joaquim Vitorino Ribeiro.
 
 
 

Reprodução de uma gravura de J. Vitorino Ribeiro (1887), com a legenda: "História da Revolução Portuguesa de 1820. O Capitão S. Machado Sousa Magalhães e o Tenente Paulo Correia impedindo a entrada no quartel do regimento de infantaria 6, ao Coronel Grant na madrugada de 24 de Agosto de 1820"



Seguir-se-ia uma récita, com a subida à cena da tragédia “A Castro”, à qual o jornal “O Comércio do Porto” se referia nos seguintes termos:

 
 



O dia 25 de Agosto, começaria com uma visita ao Museu Soares dos Reis (que era onde hoje é a Biblioteca Municipal) e ao atelier do pintor José de Brito (Santa Marta de Portuzelo, Viana do Castelo, 18 de Fevereiro de 1855 — 26 de Março de 1946), conhecido entre outras obras, por ser o autor das pinturas dos tectos do Teatro S. João.
 
 
 
Vista de uma das salas da Biblioteca Pública Municipal do Porto, com várias obras de arte expostas, pertença do Museu Municipal do Porto que, desde 1911, deixou de ser o Museu Portuense para passar a ser designado por Museu Soares dos Reis. Este só em 1942 ocuparia as instalações actuais

 
 
 

Vista de uma das salas da Biblioteca Pública Municipal do Porto. Ao fundo, a maqueta do Monumento aos Mortos da Guerra Peninsular (inaugurado, em 1951, na Rotunda da Boavista) e, à esquerda, a estátua do Conde de Ferreira

 
 
Daqui, a comitiva tomaria o rumo do Porto de Leixões, mas antes ainda ocorreria a tradicional visita à Associação Comercial, ao Palácio da Bolsa.
A caminho de Matosinhos seria então visitada a Colónia Sanatorial Marítima da Foz do Douro, que estava sob a alçada da edilidade.


 
Antiga Colónia Sanatorial Marítima da Foz do Douro, quando já era a escola masculina do Jardim do Passeio Alegre, em 1965
 
 
 
 
Em Leça da Palmeira, seria feita a recepção e, pelas 14,30 horas servido o almoço, nas instalações do Posto de Desinfecção, adaptado para o efeito, que terminaria, apenas, às 19 horas.

 
 

Posto marítimo de desinfecção de Leixões
 
 
 
A comunicação social, por sua vez, tornava público o menú.


 




Durante o repasto, nos discursos da praxe, procurava-se com a retórica dar um empurrão às obras para adaptação do Porto de Abrigo de Leixões, de molde a transformá-lo num verdadeiro porto comercial, que decididas há meia dúzia de anos antes, teimavam a marcar passo.
(Os trabalhos, em primeira instância, consistiram na adaptação, no molhe sul, de um cais acostável, com cerca de 400 metros de comprimento que permitia a sua utilização por navios que podiam atingir até 23 pés de profun­didade. A obra ficaria pronta em 1931, mas logo se percebeu que teria de existir uma solução mais ousada e, em 4 de Julho de 1940, seria inaugurada a Doca nº 1).
Pelas 5 horas da tarde, o Chefe do Estado estaria pelo Palácio de Cristal para presidir a uma cerimónia relacionada com a 1ª Grande Guerra e de homenagem ao Marechal Ferdinand Foch.

 
 


 
 
 
Ao início da noite, António José de Almeida regressaria a Lisboa.

 
 
Acontecimentos antecedentes à revolta
 
 
Para contextualizar a revolta de 1820, será necessário recuar alguns anos e evocar os seus principais antecedentes: a ida da corte para o Brasil em 1807; a invasão napoleónica do Porto e o desastre da Ponte das Barcas, em 1809; a criação, pelo então príncipe regente D. João VI, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1815; a conspiração de 1817 e a execução do prestigiado general Gomes Freire de Andrade, que acicatou ainda mais a revolta contra a presença inglesa e o governo liderado pelo marechal Beresford; e finalmente a constituição, no Porto, da associação secreta Sinédrio, criada por Fernandes Tomás, Silva Carvalho e Ferreira Borges com o exclusivo propósito de organizar a revolução.
Durante a 2ª década do século XIX, viveram-se os anos subsequentes à Guerra Peninsular, em que se assistiu à derrota de Napoleão e à chegada dos soldados portugueses intervenientes em plena Europa, no conflito.
Sobre a chegada ao Porto dos heróis da cidade intervenientes na Guerra Peninsular Alberto Pimentel, no seu romance “O Anel Misterioso”, escreve:
 
 
“Amanheceu festivo para a cidade do Porto o dia 15 d'agosto de 1814.
Esperava-se a brigada de infantaria do Porto, composta dos regimentos 6 e 18, que victoriosa regressava de França depois de haver pelejado com egual denodo pela restauração d'estes reinos e de toda a peninsula.
Os feitos da brigada de infantaria do Porto haviam soado, com assombro dos portuguezes, em Portugal inteiro, mórmente os que praticára na batalha da estrada de Bayona, em França, no dia 13 de dezembro do anno anterior.
O senado da camara tinha-se reunido nos primeiros dias d'agosto para assentar nos festejos com que se devia celebrar o regresso das tropas. Resolveu que se levantassem arcos de triumpho, fazendo-se outras mais demonstrações de alegria, e encarregou da direcção dos preparativos o vereador decano José de Sousa e Mello.
Construiu-se sobre a ponte do Poço das Patas a Porta da cidade, guarnecida com os castellos que lhe são proprios, e com as insignias concedidas por carta regia de 13 de maio de 1813; collocando-se na cimalha da porta a imagem de Nossa Senhora, que entregava a seu Divino Filho uma fita com a legenda Civitas Virginis.
O gosto da pintura, imitando velha cantaria, muito deu na vista das pessoas que percorriam as ruas e estacionavam boqui-abertas em frente do arco.
Tambem na cimalha foi embutida uma lamina de bronze com este distico:
 
HINC GENTI HOMEN;
HINC REGNO PLURIES SALUS;
HINC EUROPAE, ORBI
PRIMA LIBERTATIS LUX NOVISSIME AFFULSIT.
 
No alto da rua nova de Santo Antonio levantou-se um arco de triumpho, de ordem composita, firmado em quatro columnas…
…variegado espectaculo das tropas da guarnição, que estavam postadas em alas até ao largo de Santo Eloy; bem como para ver pegar fogo á bateria collocada no topo da calçada dos Clerigos e destinada a salvar com vinte e um tiros de peça a passagem da brigada pelo arco…
…Na rua nova do Almada baralhavam-se dois formigueiros de povo: um que, receoso do tumulto na aproximação das tropas, demandava o Campo de Santo Ovidio; outro que, tendo visto o obelisco levantado no meio d'este campo, ia procurar logar, na hypothese de encontral-o, junto ao arco da rua nova de Santo Antonio.
Era tambem sobremodo esplendoroso o obelisco n'aquelle campo. Rodeava o pedestal uma espaçosa varanda, adornada com ricas bandeiras portuguezas.
Pouco depois das oito horas e meia, um unisono grito de alegria annunciou a chegada da brigada ao Alto do Senhor do Bomfim.
Então começou o estrondear dos morteiros, o repicar dos sinos e o alarido dos vivas. Quando as tropas chegaram ao topo da rua nova de Santo Antonio, o enthusiasmo attingiu as raias do delirio, tamanho era o alvoroço da multidão que saudava com brados, com os lenços e os chapeus os dois regimentos portuenses. Durante todo o percurso até ao Campo de Santo Ovidio as flôres, as grinaldas e os ramos, que desciam das janellas, figuravam uma chuva iriada e espessa que ia orvalhar de petalas as fardetas dos soldados…”.
 
 
Quanto ao momento que, de facto, teria despoletado todo o movimento revolucionário e que fez transbordar as paixões nacionalistas, decorreria da execução de Gomes Freire.
Gomes Freire de Andrade e Castro, Gomes Freire de Andrade ou, simplesmente, Gomes Freire (Viena, 27 de janeiro de 1757 — Oeiras, Oeiras e São Julião da Barra, Forte de São Julião da Barra, 18 de outubro de 1817), foi um general português, oriundo de uma antiga e ilustre família nobre da Boémia e ainda parente da segunda mulher do Marquês de Pombal.
Destinado à carreira militar, assentou praça de cadete no regimento de Peniche, sendo em 1782 promovido a alferes. Passou à Armada Real, embarcando em 1784 na esquadra que foi auxiliar as forças navais espanholas de Carlos III de Espanha no bombardeamento de Argel.
Foi iniciado na Maçonaria antes de 1785, provavelmente em Viena na Loja Zur gekrönten Hoffnung (À Esperança Coroada), a cujo quadro pertencia, juntamente com Wolfgang Amadeus Mozart, em 1790. Tinha então o grau de Mestre. Ocupa o cargo de Venerável da Loja Regeneração. Em 1801 reúne-se em sua casa a assembleia que levou à organização definitiva da Maçonaria Portuguesa, com a posterior criação do Grande Oriente Lusitano em 1802, sendo eleito como um dos seus principais dignitários.
Gomes Freire, viria a integrar a "Legião Portuguesa" criada por Jean-Andoche Junot e que, sob o comando do marquês de Alorna, partiu para França em Abril de 1808, onde vem a ser recebida por Napoleão Bonaparte no dia 1 de Junho. Participou na campanha da Rússia.
Entretanto, fez parte da Loja Militar Portuguesa Chevaliers de la Croix (Cavaleiros da Cruz), em Grenoble, entre 1808 e 1813 onde vem a ser o 5.º Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, de 1815 ou 1816 a 1817.
Foi detido, preso, condenado à morte e enforcado (embora tenha pedido para ser fuzilado) junto ao Forte de São Julião da Barra, em Oeiras, por crime de traição à Pátria junto com outras onze pessoas: o coronel Manuel Monteiro de Carvalho, os majores José Campelo de Miranda e José da Fonseca Neves e mais oito oficiais do Exército.
Essa data, 18 de Outubro, foi, durante mais de um século, dia de luto na Maçonaria Portuguesa. Ainda hoje o seu nome é venerado como um dos grandes maçons e mártires da Liberdade de todos os tempos, tendo sido numerosas as lojas crismadas com o seu nome e abundantes os iniciados que o escolheram como nome simbólico.
Os britânicos tinham vindo para Portugal para combater os franceses, porém, acabaram por permanecer muito para lá do fim da guerra, exercendo uma tutela política e militar sobre o País, dirigida pelo odiado general William Beresford, e que era vista por certa imprensa portuguesa como uma segunda ocupação, depois da francesa. Além de ser agora uma espécie de colónia do Brasil, Portugal era, assim, igualmente, aos olhos de muitos, um protectorado da Grã-Bretanha
A formação do Sinédrio é, também, fundamental na evolução dos acontecimentos.
Manuel Fernandes Thomaz, apoiado no Sinédrio, é considerado o impulsor do movimento de 24 de Agosto de 1820 que redundou na revolução do Porto.
As reuniões realizavam-se em sigilo, no dia 22 de cada mês, na Foz do Douro, para ajuizarem as notícias do mês anterior e determinarem os propósitos mais oportunos e as acções a tomar, segundo as circunstâncias.
O número dos associados no Sinédrio, que contou desde sempre com a presença de José Ferreira Borges, nunca passou de 13, sendo o último a inscrever-se, em 18 de Agosto de 1820, Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda que depois prestou à causa liberal relevantes serviços.
 
 
 
“Em janeiro de 1818, no Porto, é fundado o Sinédrio, uma organização secreta que tinha como objetivos iniciais, nas palavras de um dos seus membros, José Maria Xavier de Araújo, «observar a opinião pública, e a marcha dos acontecimentos, vigiar as notícias da vizinha Espanha» e, «se rompesse um movimento anárquico, ou uma revolução […], conduzi-la para bem do País e da sua liberdade, guardada sempre a devida fidelidade à dinastia da Casa de Bragança».
O grupo fundador era constituído pelos juristas José da Silva Carvalho, José Ferreira Borges e Manuel Fernandes Tomás, a sua principal figura, e pelo comerciante João Ferreira Viana. Ao longo dos dois anos seguintes, o Sinédrio foi recrutando mais elementos entre a burguesia do Porto, mas só na primavera de 1820, após a estabilização do regime constitucional espanhol resultante de um golpe militar ocorrido em janeiro, é que terá considerado o contexto suficientemente favorável para planear um movimento e aliciar militares para ajudar a pô-lo em marcha, uma tarefa levada a cabo com sucesso.
(…) Na manhã do dia 24 de agosto de 1820, no Campo de Santo Ovídio, no Porto, as tropas comandadas pelo coronel Cabreira reúnem-se e assistem a uma missa, seguida de uma salva de vinte e um tiros de artilharia. Juntam-se-lhes, depois, as forças do coronel Sepúlveda e do tenente-coronel Domingos António Gil, tendo-se constituído um conselho militar e feito duas proclamações, lidas, respetivamente, pelos coronéis Cabreira e Sepúlveda. Na primeira, dizia-se: «Soldados! - Uma só vontade nos una. Caminhemos à salvação da Pátria. Não há males que Portugal não sofra. Não há sofrimento que nos portugueses não esteja apurado. […] É necessária uma reforma, mas esta reforma deve guiar-se pela razão e pela justiça, não pela licença. Coadjuvai a ordem; coibi os tumultos; abafai a anarquia. Criemos um governo provisório, em quem confiemos. Ele chame as Cortes, que sejam o órgão da Nação, e elas preparem uma Constituição, que assegure os nossos direitos. O nosso rei, o senhor D. João VI, como bom, como benigno e como amante de um povo que o idolatra, há de abençoar nossas fadigas. Viva o nosso bom rei! Vivam as Cortes e por elas a Constituição!
Não houve qualquer resistência ao pronunciamento, até porque o comandante militar da cidade do Porto tinha garantido a Sepúlveda que não iria intervir, embora, por lealdade ao Conselho de Regência, também não aderisse. À tarde, em reunião na sede da Câmara Municipal do Porto, enquanto lá fora, na Praça Nova, soldados e povo davam vivas à Revolução, constituiu-se a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, composta por António da Silveira na presidência, Sebastião Cabreira na vice-presidência, Bernardo Sepúlveda, três secretários (entre eles, Ferreira Borges e Silva Carvalho) e doze vogais, estes últimos repartidos entre representantes do clero, da nobreza, da magistratura (Fernandes Tomás), da Universidade, do comércio, e das províncias do Minho, Trás-os-Montes e Beira.
Fonte: parlamento.pt/Parlamento/Paginas/A-Revolucao-Liberal-1820.aspx

 
 

Gravura coligida por Pedro Vitorino na obra Iconografia Histórica Portuense


 

"General Cabreira" - Reprodução de um retrato gravado a representar o militar Sebastião Francisco Drago Valente de Brito Cabreira (1809- 1868). O retratado foi barão de Nossa Senhora da Vitória da Batalha. Portugal, Torre do Tombo, Jorge de Almeida Lima, cx. 57, doc. 1173
 
 
 

Naquele dia glorioso de 24 de Agosto, o povo, juntando-se aos destacamentos militares oriundos do Campo de Santo Ovídio, reunia na Praça Nova (hoje, Praça da Liberdade) “a dar o juramento de se unirem na regeneração de Portugal convocando novas côrtes” (Mattoso, 1993)




Durante os 40 dias que se seguiram à revolta do Porto, vão aderir ao movimento várias cidades, sucessivamente, acabando Lisboa também por fazê-lo.
O único destacamento de tropas importante que não adere é o de Chaves.
O Conselho de Regência que governava, à data, sob as ordens de Beresford, ainda tenta um acordo com a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, o que não é conseguido.
Beresford, em finais de Março, tinha-se deslocado ao Brasil procurando, junto de D. João VI, ser empossado de mais poderes.
Em 15 de Setembro, após várias peripécias, finalmente, em Lisboa, é proclamado um Governo Interino que irá chegar a acordo, a 27 de Setembro, com a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino.
No dia 1 de Outubro, as forças da Junta do Porto entram em Lisboa num ambiente festivo.
Assim, seriam criados dois organismos constituídos de modo misto por elementos da Junta do Porto e do Governo interino: a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, com funções administrativas, e a Junta Provisional Preparatória das Cortes, dividida em dois grupos e que teria como responsabilidade a organização das Cortes, tanto ao nível da logística, como da preparação dos conteúdos que naquelas se discutiriam.
No regresso do Rio de Janeiro, em 10 de Outubro, Beresford foi impedido pela Junta de desembarcar em Lisboa e regressou à Grã-Bretanha.
 
 
“As Cortes reúnem-se em 30 de Janeiro de 1821, aprovando uma Constituição provisória e um Conselho de Regência, para governar em nome de Dom João VI. 
O monarca deixa o Brasil em 26 de Abril e chega a Lisboa em 3 de Julho de 1821. O Brasil proclama a independência a 7 de Setembro de 1822 e no dia 23 desse mesmo mês, é jurada a Primeira Constituição Portuguesa. 
D. João VI, quando regressou a Portugal, deixou como regente o seu filho D. Pedro, herdeiro da coroa portuguesa, que se tornou imperador de Brasil em 12 de Outubro de 1822. Entretanto o monarca, D. João, tinha nomeado a sua filha D. Isabel Maria de Bragança como regente do reino, na ausência do herdeiro e seu irmão. 
Assim, à morte do monarca, a 10 de Março de 1826, D. Pedro IV assume a coroa portuguesa, mas dias depois abdica a favor da sua filha D. Maria da Glória, em 28 de Março de 1826, uma vez que, a constituição brasileira, lhe vedava a possibilidade de ser soberano de mais que um país. Para obviar a possibilidade de D. Miguel, seu irmão, reivindicar a coroa de Portugal, ficou assente que a sua filha casaria com o tio, tentando, assim, selar um armistício entre os partidos que, cada uma das figuras tutelava: liberais e absolutistas”. 
In foranadaevaotres.blogspot.pt


 
A 4 de Julho de 1821, quando o rei desembarcou em Lisboa, já estavam cumpridos dois dos principais objectivos do 24 de Agosto: o primeiro era a Constituição, que estava a ser preparada e de que já existia, então, um documento provisório, e o segundo era o regresso da corte.
Em 23 de Setembro de 1822, seria aprovada a tão ansiada Constituição, que consagraria os princípios ligados aos ideais liberais da época: representação, separação de poderes, igualdade jurídica e respeito pelos direitos pessoais.
A grande figura da revolução, Fernandes Tomás, foi encarregue dos Negócios do Reino e da Fazenda, as duas pastas mais importantes da governação de então. Mas seria como deputado nas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa que se distinguiu entre os autores das bases da Constituição Portuguesa jurada pelo Rei D. João VI, em 1822.
À data da revolução, Fernandes Tomás desempenhava o cargo de desembargador do Tribunal da Relação, para onde tinha transitado, três anos antes, vindo de Coimbra.

 
 
 

Fernandes Tomás discursando

 
 
Manuel Fernandes Tomás foi um grande pensador, grande político e grande patriota, participou nos trabalhos parlamentares até ao seu encerramento, com a aprovação da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, a 4 de Novembro de 1822.
Pouco tempo viveu, após a aprovação da Constituição de 1822, pois faleceu, pobre, disseram, em 19 de Novembro do mesmo ano.
Os seus restos mortais foram sepultados, primeiro na antiga igreja de Santa Catarina, trasladados depois para a dos Paulistas e desta transferidos para jazigo de família, no cemitério dos Prazeres, em Lisboa.
O elogio fúnebre estaria a cargo de Almeida Garrett.
 
 
“ (…) E quem choramos nós: quem lamentam os Portugueses? Um cidadão extremado; um homem único; um benemérito da pátria; um libertador de um povo escravo: Manuel Fernandes Thomaz. Que nome, Senhores, que nome nos fastos da liberdade! Que pregão às idades futuras! Que brado às gerações que hão-de vir! Este nome será só por si a história de muitos séculos; este nome encerra em compêndio milhões de males arredados de um grande povo.
(…) Manuel Fernandes Tomás morreu: derramemos lágrimas de gratidão e de saudade: este é o verdadeiro elogio fúnebre dos grandes homens; estas lágrimas são as honras do seu funeral, são as pompas do seu enterramento: elas terão lugar na história, elas serão o epitáfio eloquente que mostrará aos vindouros o jazigo das suas cinzas gloriosas: molhai com essas lágrimas a pena da verdade, e escrevei-lhe sobre a lápide sepulcral – “Aqui jaz o libertador dos Portugueses: salvou a Pátria, e morreu pobre.”
Almeida Garrett, in “Oração fúnebre de Manuel Fernandes Tomás”, lida a 27 de Novembro de 1822, em sessão extraordinária da Sociedade Literária Patriótica

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