quarta-feira, 4 de março de 2020

(Continuação) - Actualização em 28/04/ e 02/12/2020


Entre localidades, as carreiras regulares para serviço de transporte colectivo de passageiros tiveram a sua origem na expansão das malas-postas.



Diligência para transporte de mala-posta e passageiros



“Convém recordar que até à segunda metade do século XVIII, quando se procurou estabelecer em Portugal os serviços de transporte de correio da Mala Posta, as escassas vias e as más condições das que existiam obrigavam a que as pessoas continuassem a deslocar-se se a pé ou com o recurso a animais, como vinham fazendo durante a Idade Média, destacando-se neste desgastante labor a secular figura do almocreve ou do recoveiro. As calçadas romanas, originalmente criadas para a deslocação dos exércitos imperiais, mas em grande parte arruinadas por falta de manutenção e confinadas a espaços muito reduzidos, continuavam, ainda assim, a servir como a única alternativa ao movimento da população e à manutenção da vida económica de muitas regiões do interior. Nessa época o transporte de correio fazia-se a pé, de sacola às costas, no dorso de lentos muares, ou, mais raramente a cavalo”.
Fonte: “portoarc.blogspot.com/”



Em 9 de Setembro de 1851, correspondendo ao plano de viação então traçado pelo Governo, foi celebrado um contrato para que a denominada Companhia de Viação Portuense, tendo como principais accionistas os capitalistas José Pedro de Barros Lima, Joaquim Augusto Kopke Schewirin de Sousa (barão de Massarelos) e António Gomes dos Santos, promovesse o melhoramento das estradas da província do Minho.
A Companhia de Viação Portuense, em Maio de 1852, já tinha construído a ligação por estrada entre o Porto e Famalicão e, passado um ano, chegava a Braga com as obras praticamente concluídas, o que viria a acontecer em 1855.



Apesar de a estrada só ter ficado inteiramente concluída em 1855, com excepção da ponte pênsil da Trofa que teve de aguardar ainda mais três anos - as carreiras de diligências entre o Porto e Vila Nova de Famalicão iniciaram-se logo em 5 de Maio de 1852, tendo alcançado a Cidade dos Arcebispos a 4 de Maio do ano seguinte. Enquanto as obras desse troço final não se concluíram, os passageiros eram obrigados a apear-se na travessia do viaduto de Arnoso, uma obra de certa envergadura, que terá talvez justificado a colocação de um obelisco de granito - que ainda hoje ali se encontra, na berma da EN 14 -, precisamente na fronteira entre os concelhos de Vila Nova de Famalicão e de Braga.”
Cortesia de Lopes Cordeiro, In Jornal Público de 19 de Maio de 2002



Sobre a EN14, que ligava o Porto a Braga, atrás referida, originalmente, começava na EN12, no cruzamento do Amial, passando por São Mamede de Infesta e pela Maia, sendo este troço sido desclassificado, depois da construção da via norte.
A continuação para Braga era feita atravessando a Trofa e Famalicão.
No dia 4 de Maio de 1853, começou a mala-posta entre Porto e Braga. Saía às seis horas da manhã de Rua de S. Lázaro e chegava a Braga cerca do meio-dia. Cada passageiro pagava 1440 ou 1200 reis consoante o lugar que ocupava. Tinha 3 mudas durante o percurso. De Braga saía às 3 horas da tarde, chegando ao Porto às 9 horas da noite. Uma pessoa poderia sair do Porto de manhã, almoçar em Braga e regressar no mesmo dia.
Até à sua conclusão integral em 1855 (excepção da ponte da Trofa), os passageiros tinham que apear-se em Arnoso, Famalicão, devido à construção de um viaduto. Hoje, desse facto, resta na berma da EN 14, um obelisco, que o assinala em 3 placas de bronze.




Obelisco de Arnoso, Famalicão - Fonte: Google maps



“Inaugurada em 1858 e tida como uma das “mais elegantes do Reino", como escreveu Alberto Pimental na sua obra "Santo Tirso de Riba d'Ave", a construção da Ponte Pênsil da Trofa, como ficou oficialmente designada, eliminou definitivamente o problema da travessia sobre o rio Ave, até então feita com recurso à utilização de barcas.
(…) As diligências, carruagens puxadas por duas ou três parelhas de cavalos, levavam uma média de 6 a 7 horas na ligação Porto-Braga, incluindo o tempo gasto nas paragens em vendas ou estalagens, que existiam ao longo do percurso Durante esse período a travessia do Ave, era efectuada sobre uma rudimentar ponte de madeira.
Apesar das tentativas da população e das autoridades locais para o evitar, esta ponte foi demolida em 1934, por ser demasiado exígua e não reunir as devidas condições de segurança. Em seu lugar iria ser construída a actual ponte de cimento armado, melhor preparada para o intenso tráfego de uma região e um País em desenvolvimento.”
Cortesia de Jorge Paulo Oliveira



Ponte da Trofa



Ponte Pênsil da Trofa



Em 1860, a Companhia de Viação Portuense chegava a Guimarães.
Em 28 de Setembro de 1861, seriam eleitos os diversos órgãos de gestão da Companhia de Viação Portuense.
 
 

Orgãos de gestão da Companhia de Viação Portuense, em 28 de Setembro de 1861 – In jornal “O Comércio do Porto”, em 30 de Setembro de 1861




Preços praticados pela Companhia de Viação Portuense, em anúncio no “Jornal do Porto”, em 30 de Setembro de 1870


 

 

Raimundo dos Santos Natividade, nasceu em Leiria, em 1838, e faleceu no Porto, em 1890. Durante muitos anos foi um dos mais prestimosos funcionários dos Correios, tendo a seu cargo a condução de malas (mala-posta) entre o Porto e Coimbra.
Mais tarde, abandonou os CTT e montou uma alquilaria (casa ou lugar onde se alugam transportes que são puxados por bestas), que instalou nas proximidades da “Porta do Olival” antes de se fixar na sua casa da Rua Formosa.
A alquilaria de Raimundo dos Santos Natividade, na Rua Formosa, esteve, onde mais tarde, se instalou a “Lã Maria”, conhecida casa de artigos para o lar.
As cavalariças eram ao fundo do terreno e ele, por hábito, estava sentado num banco, à porta do estabelecimento.
Os trens, as parelhas arreios, librés dos cocheiros estavam sempre um primor.
O Raimundo prestava o seu serviço a Casamentos, baptizados, funerais e passeatas.
Era um cavaleiro exímio e um negociante sabedor da raça cavalar.
A empresa primitiva tinha a firma de Raymundo dos Santos Natividade & Cia, passando depois a Raymundo dos Santos Natividade & Filhos e tinha clientes de nomeada como Joaquim Cândido de Sotto-Maior, morador na Praça Marquês do Pombal, o banqueiro Joaquim Pinto da Fonseca, Francisco José de Araújo, entre outros, que tinham sempre de reserva os serviços da alquilaria.
As carruagens eram puxadas, umas a parelha, outras a um só cavalo, sendo o fardamento dos cocheiros de cor bege, ou azul-escuro, ou verde-escuro, a dizer com a cor dos trens que quase sempre eram coupés de dois e quatro lugares.
Quando morreu, Raimundo dos Santos Natividade, ficaram três filhos: Raimundo, Alfredo e Manuel.
O primeiro e o último, sobre a firma de Raimundo & Irmão continuaram a explorar a alquilaria até ao aparecimento do automóvel que acabou com o negócio.

 
 
Carruagem de luxo usada em casamentos

 
 
A carruagem da foto acima, com rodas de borracha e estofada a seda lavrada e prateada azul-claro e branco, com as lanternas em prata e os seus vidros com a gravação RI (Raimundo & Irmão), pertenceu a Raimundo dos Santos Natividade, tendo acabado por servir em Lisboa.
Em 22 de Dezembro de 1899, jornais da época davam conta de que, na alquilaria de Raimundo & Irmão, estacionavam doze magníficas parelhas de grande luxo, seis brancas e seis castanhas, destinadas a serviços de casamento e baptizado.
Raimundo Santos Natividade & Cia, com o serviço de mala-posta, fez boa fortuna, assegurando a carreira da Régua e, mais tarde, chegando a V. Real, de acordo com publicidade abaixo.
Foi empresário de Praças de Touros e um aficionado da tauromaquia e proprietário de vastas áreas de terrenos, tendo sido, por uma que lhe pertencia, que foi aberta a Avenida Antunes Guimarães, à Fonte da Moura.
As diligências da carreira da Régua saíam da Rua Formosa e custavam, até Valongo, 500 reis, Baltar 800 reis, Paredes 1000 reis, Penafiel 1200 reis, Amarante 2250 reis e Régua 4500 reis; o preço de uma Libra de Ouro.




Anúncio de Raimundo Santos Natividade & Cia – Fonte: “Jornal do Porto” em 30/07/1871




Diligência no percurso Régua até Lamego


Diligência em Valpaços


Em Dezembro de 1859, foi inaugurada uma carreira de diligências para a Vila da Feira com partidas do Porto às Segundas, Quartas e Sextas-feiras e das terras de Santa Maria às Terças, Quintas e Sábados.



Carreira de diligência para a Vila da Feira – Fonte: “Jornal do porto”, em 24 de dezembro de 1859



Nesse mesmo ano, saindo da cerca do antigo convento dos carmelitas, ia-se e vinha-se a S. Tirso, no próprio dia, pelo preço de 800 réis por passageiro.
A estação da mala-posta para Viana do Castelo ficava defronte da igreja dos carmelitas e pegado ao restaurante “Caldos de Galinha”, no Carmo.







Em meados da década de 1860, viajava-se diariamente para Braga, Famalicão, Guimarães, Barcelos, Viana do Castelo e Amarante.




 Informação sobre o serviço de diligência para Caldas de Vizela e Guimarães, no “Jornal do Porto”, em 30 de Setembro de 1871



Em 1871, a concessão atribuída pelo governo, 20 anos antes, à Companhia de Viação Portuense, foi denunciada e a empresa extinguiu-se nesse ano.


“O Governo de então, considerando que a construção das estradas do Minho, um dos seus principais objectivos, há muito que tinha sido cumprido, decidiu rescindir o contrato, o que também implicava a cessação da exploração das carreiras de diligências e mala-postas. Despojada da sua principal fonte de rendimentos, a Companhia de Viação Portuense não irá sobreviver durante muito mais tempo, dissolvendo-se ainda nesse mesmo ano, após ter vendido em hasta pública o seu escritório na Rua de São Lázaro e todo o material de exploração: 94 cavalos, em bom estado; 14 carros ou diligências; 4 mala-postas; 2 americanas de fole; 1 coupé; 4 carros para condução de malas; 66 arreios completos; para além de muitos outros pertences, incluindo o edifício da estação de Famalicão”.
Cortesia de Lopes Cordeiro, In Jornal Público de 19 de Maio de 2002



A Companhia de Viação Portuense, que iniciou a sua actividade em 1852, é substituída por nova firma no mesmo local de acordo com anúncio abaixo, em 1871. Nascia, assim, a “Nova Companhia de Viação Portuense”.
Esta nova empresa, do "brasileiro" Gaspar Ferreira Baltar, o "Baltar do Primeiro de Janeiro", como ele próprio se denominava após ter fundado aquele periódico portuense acabaria, na região, por continuar a fazer serviço de mala-posta e a exercer a actividade de aluguer de carruagens.



Anúncio da Nova Companhia de Viação Portuense – Fonte: “Jornal do Porto” de 08/09/1871




A par das companhias de viação, havia os estafetas ou recoveiros de que são mais conhecidos o João Branco, com escritório na Praça Carlos Alberto e o Sebastião das Neves, com escritório na antiga Rua dos Ferradores que estabeleciam ligações a Viana do Castelo, Caminha, Monção e Valença do Minho com saídas do Porto, às Segundas, Quartas-feiras e Sábados e regresso nos mesmos dias. Paravam junto do Restaurante Caldos de Galinha, na Praça Carlos Alberto.
Para Braga, estacionavam em vários estabelecimentos da Picaria e havia os seguintes: Jacinto Marques, António Valdigem, Manuel José Teixeira, Narciso José Marques, Francisco Mesquita e José António Santa Rita, este último na Travessa da Picaria.
Nessa época havia serviço diário de diligências para a Régua, que saíam às 18 horas, da Rua Formosa, nº 410, com paragens em Valongo, Baltar, Paredes, Penafiel, Regadas, Três Cancelas e Amarante.
Para a Lixa e Penafiel partiam da alquilaria de Bernardo Branco de Oliveira da Rua D. Pedro, nº 168, às Terças, Quintas e Sábados.
A mala-posta do Porto para Braga ou para Guimarães, partia diariamente às 17,30 horas e voltava às 23, 30 horas.
Muitas outras alquilarias existiram espalhadas pela cidade.
Junto ao cruzamento da Avenida Rodrigues de Freitas e da Rua de S. Cosme, esteve a alquilaria Lamas, que servia, então, a vila de Gondomar.
Nas traseiras do Pátio do Paraíso, à Rua do Bonjardim, antes ainda de ele ser ocupado pelos bombeiros, eram recolhidas as diligências e trens da mala-posta, da alquilaria Albano
A construção do caminho-de-ferro levou à extinção dos serviços de mala-posta que existiam entre o Porto, Guimarães e Braga.
No que diz respeito, em particular, à ligação rodoviária entre o Porto e Braga, diga-se que, a partir da década de 1870, começou a fazer-se sentir a concorrência do transporte ferroviário.
Na Linha do Minho, a ligação entre a estação de Campanhã e Nine, ficou concluída em 20 de Maio de 1875. O ramal entre Nine e Braga é inaugurado no dia seguinte.
A partir de Maio de 1875, as cidades de Porto e Braga estão, portanto, unidas por comboio.
A ligação ferroviária que une as cidades do Porto e Valença (Linha do Minho) seria inaugurada, um pouco mais tarde, em 6 de Agosto de 1882.
Quanto às ligações ferroviárias para norte do Porto, com saída pela orla costeira, em Outubro de 1875, foi inaugurada a linha férrea do Porto à Póvoa de Varzim.
Em 19 de Dezembro de 1876, a “Companhia do Porto à Póvoa de Varzim” foi autorizada a prolongar a Linha até Famalicão, onde iria encontrar-se com a Linha do Minho. A construção decorreu sem incidentes, tendo o primeiro troço, até Fontainhas, sido aberto em 7 de Agosto de 1878.
A ligação a Famalicão foi concluída em 12 de Junho de 1881 e haveria de se estender, até Guimarães e Fafe.
Em 14 de Janeiro de 1927, a “Companhia do Porto à Póvoa e Famalicão” foi fundida com a “Companhia do Caminho de Ferro de Guimarães”, formando a “Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal” e, em 14 de Março de 1932, seria inaugurado o percurso entre a Senhora da Hora e a Trofa.
Até 1938, a linha do caminho-de-ferro do Porto à Póvoa de Varzim tinha a sua estação terminal na Boavista.
A partir daí, aberto que foi o túnel da Trindade, passou a terminar no centro da cidade.




(Continua)

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