segunda-feira, 2 de março de 2020

25.83 Alquiladores, Alugadores e Fabricantes de Trens. O transporte urbano sem carris e a sua evolução para o automóvel


Antigamente, as pessoas deslocavam-se a pé ou com o auxílio de animais. Para vencer a distância entre locais mais distantes, o povo mais humilde, continuava em muitos casos, a fazê-lo de modo pedestre ou recorria normalmente aos burros, quando os tinham.
Os mais abastados faziam uso do cavalo e, mais tarde, de veículos por eles movimentados, como a liteira e a sege.
Por vezes, recorriam à força humana de outrem, como era o caso das cadeirinhas, que começaram em meados do século XVII a aparecer no Porto.



Cadeirinha



Liteira


Sege exposta no Museu de Lamego



Nas primeiras décadas do século XVIII, na cidade do Porto, apareceu o que se pode chamar de um primeiro transporte colectivo.
Consistia num caixote enorme, puxado por uma junta de bois, com a forma de um prédio, munido de quatro rodas, com duas fachadas laterais de cinco janelas, cada uma, e porta ao fundo, ao qual o passageiro subia por quatro degraus de escada guarnecida por um corrimão. Tinha dois bancos corridos laterais para 8 ou 10 pessoas, cada um. Era o “Carroção”.
Em 1836, deu brado, um acidente que sofreu uma família vinda do teatro, no seu carroção. Acontece que, estando a passar uma banda marcial do exército, em plena actuação, os bois lançaram-se, assustados, e dispararam  a correr rua abaixo. Separaram-se do carro que, aos trambolhões, se imobilizou em frente à fonte, e continuaram a sua marcha rebocando apenas as rodas frontais, até populares os imobilizarem em frente à igreja da Misericórdia (Rua das Flores)!



«Num outro apontamento, na Vedeta da Liberdade de dezembro do ano seguinte, 1837, entre vários casos policiais relatados, conta-se a da prisão de um indivíduo que  “furtou uma junta de bois à porta do Teatro, que aí tinham conduzido um carroção com a família dos Machadinhos”.
E, para finalizar, vejam-se estes curiosos anúncios de outubro do mesmo ano, também da Vedeta, que se referem a carroções, mas também a outros meios de transporte. Com efeito, estava para venda “um carroção de muito boa figura, seguro, e em bom uso; uma traquitana quase nova, e uma caixa de sege com cortinas, vários arreios de bolea [sic], e duas cadeirinhas”. Na Vedeta do mesmo mês “vende-se um carroção de bom gosto montado em boas molas”. Já em novembro outro que diz “quem pretender comprar uma elegante carruagem inglesa, fale com o Segeiro Francisco José Gomes...”
Cortesia de Nuno Cruz, do blogue “A Porta Nobre”


A ligação entre o Porto e a Foz do Douro ou Matosinhos, feita por carroção, ficou célebre pela pena de muitos escritores.



Carroção com 4 janelas laterais


O carroção tinha, por aquele tempo, dois séculos de moda. 
O carroção era puxado a bois, partindo da cidade do Porto pelas cinco horas da madrugada para estar em Matosinhos ao meio dia em ponto.
Os carroções do Manel Zé de Oliveira ficaram para sempre na história pela pena de Ramalho Ortigão ou Alberto Pimentel”.


O carroção para rumar, por exemplo, à Foz do Douro, na mesma manhã, era ronceiro demais para o permitir. As famílias preferiam, para esses casos, o aluguer de burros - a “burricada”.
Neste negócio, os animais que eram mais pretendidos pertenciam aos empresários do ramo, conhecidos por Mariquinhas do Laranjal” ou Corta-Macho”.
Noutro âmbito, Manel Zé ou José Manuel Oliveira era, à data, o empresário que pontificou, no Porto, durante muitos anos, como alugador dos carroções.
Um dia a concorrência surgiu sem avisá-lo, como conta Ramalho Ortigão.


“…O primeiro golpe na popularidade enorme de Manel Zé  foi-lhe verberado pelo segeiro Tavares, da rua da Boavista. Em certo dia de função suburbana Tavares pôs na rua três carroções novos, de cores extraordinárias, maiores do que os de Manel Zé e aperfeiçoados com o apenso festival de uma bandeira. Estes três carroções chamavam-se o Rápido, o Veloz e o Ligeiro.”


Ao carroção sucederia o “Ónibus” ou “Omnibus” , que terá sido introduzido na cidade, em 1839, aquando da constituição da Companhia de Transportes União que, para o efeito, importou quatro coches. Era movimentado por quatro muares, mais tarde substituídos por quatro cavalos, tomando, então, o nome de Char-à-Bancs.
O Ónibus era, como o carroção, uma grande caixa com 4 rodas.
Tinha 6 janelas e, sobre o tecto, um assento que se chamava varanda.
Existiram duas carreiras de Char-à-Bancs, com bastante movimento, tendo por destino a Foz do Douro: uma, partia do Largo do Carmo para a Foz do Douro, a 6 vinténs; outra, com o mesmo destino, saía da Porta Nova, a 4 vinténs.
Cada passageiro podia fazer-se acompanhar de 7 quilos de bagagem, no máximo.
Uma estação de Char-à-Bancs, situada no começo da Rua do Bonjardim e da igreja dos Congregados, fazia ligações à estação ferroviária das Devesas e, por isso, tinha um movimento desusado.



A estação de Char-à-Bancs ficava na rua em frente (Rua do Bonjardim, antes de 1916). À direita, é a Rua de 31 de Janeiro e, à esquerda, encoberta, estará a igreja dos Congregados



Char-à-Bancs


Também havia o serviço de carreiras, em caleches, entre o Porto, Foz do Douro e Leça da Palmeira.
Para a Foz do Douro, da Porta Nova (Miragaia), o preço era 80 réis; do Carmo, 120 réis.
De Cedofeita para Matosinhos e Leça, cada viagem custava 240 réis.



Caleche aberta na dianteira, com 4 rodas e 2 assentos



Quem não pretendesse utilizar os carros das carreiras ordinárias, alugava carruagens, pois, no Porto, em 1860, não faltavam alquilarias e alugadores de trens. Bem conhecidas ficaram as seguintes:


- Barros & Amorim, na Praça da Batalha;
- Carneiro & Marinhas, na Rua do Bonjardim (Pátio do Paraíso);
- Joaquim Gomes Rodrigues, no Largo do Carmo;
- Raimundo dos Santos Natividade, na Rua Formosa;
- Viúva de Miguel Sá Pacheco, no Laranjal;
- José Galiza, na Rua do Laranjal;
- Albano, na Rua D. Pedro;
- Companhia de Viação Portuense, na Rua de S. Lázaro.



A Companhia de Viação Portuense ocupou na Rua de S. Lázaro, as instalações, à direita. Em 1905, ainda ostentava na fachada, a informação do aluguer de carruagens e era a garagem “Albino Moura” – Ed. Aurélio Paz dos Reis



Alquilaria do José Galiza, na Rua do Laranjal


Por outro lado, era norma, os hotéis providenciarem aos seus clientes, um serviço de ligação entre as suas instalações e as estações de caminho-de-ferro.
Em 1880, era esse o caso do Hotel Paris, situado na Rua da Fábrica, que o levava à prática, através de um “soberbo omnibus”.
Para além dos meios de transporte, já referidos, existiam ainda os Trens de Praça, que poderiam ser considerados os táxis da época, já que, se fixavam nos principais pontos da cidade, para aí tomarem os seus clientes e as suas bagagens.



Trens de Praça na Rua do Infante D. Henrique – Fonte: AHMP


Pormenor da foto anterior – Ed. Nuno Cruz (administrador de “aportanobre.blogs.sapo.pt”)



Trens de Praça estacionados na Praça da Batalha


O Hotel Universal (à direita na foto anterior), situado na Praça da Batalha, disponibilizava aos seus clientes, trens para ligação, em exclusivo, com a "estação central" (S. Bento) dos caminhos-de-ferro.



Trens de Praça estacionados na Praça dos Voluntários da Rainha (Praça dos Leões)


Trens de Praça estacionados (à direita) na Praça Carlos Alberto



Trens de Praça estacionados na Praça D. Pedro


(Continua)

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