segunda-feira, 12 de junho de 2023

25.194 Alguns arboricultores, floricultores e horticultores importantes com actividade na cidade do Porto

 
Segundo alguns autores, terá sido, o bispo de Viseu, D. Miguel da Silva, quem introduziu no reino a prática de embelezar os jardins com plantas ornamentais, entre os anos de 1527 e 1540.
Na construção dos jardins, para além dos elementos vegetais, muitos deles de natureza exótica, trazidos pelos navegadores envolvidos nos descobrimentos, empregavam-se também uma série de outros recursos arquitectónicos.
Os mosteiros estão na primeira linha de exibição daqueles jardins.
É exemplo maior, o de Vale da Piedade, antes, Vale de Amores, de cujos jardins o próprio Almeida Garrett fez eco.
No entanto, as actividades agrícolas, ligadas à jardinagem, desenvolveram-se, sobremaneira, após a vinda para o Porto do arquitecto paisagista alemão, Émille David, encarregado do levantamento dos jardins do Palácio de Cristal, inaugurado em 1865.
Dotado de conhecimentos técnicos, que hoje atribuímos aos arquitectos paisagistas, Emille David introduziu e divulgou, também, entre nós, o traçado do jardim romântico.
Na sua concepção, Émille David privilegiava o uso da pedra, com a qual elaborava grutas artificiais (com ares de naturais), caminhos sinuosos ou alamedas ladeadas de árvores de grande porte, muitos pontos de água correndo em bicas, chafarizes e fontes ou brotando simplesmente e escorrendo sobre paredes. E, sempre que possível, lagos com ilhotas, idealmente, com barcos a remos sulcando as suas águas.
Uma burguesia endinheirada, alguma dela constituída por brasileiros de torna-viagem, vai aderir à moda instalada e dotar a área envolvente aos seus palacetes com belos jardins desenhados por técnicos competentes e bem informados, sobre o que se fazia no sector por essa Europa fora.
Assim, para além do muito conhecido José Marques Loureiro, outras personalidades desenvolveram os seus negócios, no Porto, tendo-se tornado, em sequência, conhecidos em todo o País, nesta importante actividade económica.
São os casos de Jerónimo Monteiro da Costa, Alfredo Moreira da Silva, Jacinto Matos e Aurélio da Paz dos Reis, entre muitos outros.
 
 
 
José Marques Loureiro
 
 
A quinta anexa ao Solar do Capitão Meireles, localizado na Rua dos Fogueteiros (Rua Azevedo Albuquerque), também chamado de palacete da casa da Quinta das Virtudes, seria transformada num horto (algures, dentro das primeiras décadas do século XIX), o horto de Pedro Marques Rodrigues, o “Pedro das Virtudes”.
Mais tarde, aquele horto prosperaria, em resultado do aproveita­mento que o horticultor Marques Loureiro fez dele, a partir de 1844, depois de o ter adquirido ao Pedro Rodrigues em troca do pagamento de um estipêndio (espécie de salário com isenção de trabalho) diário.
O "Jardim do Senhor Loureiro" passa, então, em 1849, a “Horto das Virtudes”.
 
 
 

Parque da Quinta das Virtudes – Fonte: “visitporto.travel”

 
 

Parque da Quinta das Virtudes
 
 
 
 
José Marques Loureiro (1830-1898) seria nomeado fornecedor da Casa Real em 1865, e nos anos de 1869 e 1870, associa-se ao arquitecto paisagista Émile David (Berlim, 1839 – Porto, 1873) com quem divide a direcção do Horto das Virtudes.
Émile David  iniciara o seu percurso na cidade do Porto em 1864, ano em que foi convidado para o planeamento e a direcção dos jardins do Palácio de Cristal, cargo que ocupa até 1869. É, durante este mandato, em 1865, que executa em paralelo os planos para o Jardim da Cordoaria e para o Jardim do Passeio Alegre e, ainda, os jardins do Palacete da baronesa do Seixo, na Rua de Cedofeita.
Após 1870, Émile David abre um gabinete próprio junto à Rua de Santa Catarina, onde projecta jardins — sobretudo para residências privadas — e se dedica ao comércio de plantas, sobretudo exóticas.
Entretanto, José Marques Loureiro lançaria, também, o Jornal de Horticultura Prática, que foi publicado mensalmente, ao longo de 23 anos, entre 1870 e 1892.
Reunidos em 23 volumes, cada um deles, correspondente a um ano de publicação do Jornal de Horticultura Prática, possui cerca de 240 páginas de texto (algumas delas com gravuras), descrevendo uma série de espécies vegetais, as inovações das ferramentas de auxílio à agricultura e algumas intervenções notáveis, como foi o Palácio de Cristal, entre muitos outros assuntos.
 
 
 

Jornal de Horticultura Prática
 
 
 
 
Devido a doença, o “Jardineiro das Virtudes”, como gostava que lhe chamassem, afastou-se do negócio, criando com outros sócios a “Real Companhia Horticolo-Agricola Portuense”, que continuou a publicar os costumados catálogos e para a posteridade ficaria o mérito de ter publicado catálogos de flores e frutos, facto inédito naqueles tempos, tendo obtido grande sucesso e fama em todo o país.

 
 

Viveiros da Companhia Hortícola – Publ. em 1959, In “Plant explorations: ornamentals in Italy, southern France, Spain, Portugal, England, and Scotland” de Frederick Meyer (1917-2006); Foto (fig.45) de Teófilo Rego
 
 
 
 
Assim, em 1890, o Horto da Quinta das Virtudes viria a chamar-se “Real Companhia Horticolo-Agricola Portuense”, passando a estar a cargo de Jerónimo Monteiro da Costa, que se tinha associado a José Marques Loureiro.
Então, na sequência daquela parceria, uma outra área afecta ao mesmo sector de actividade haveria de ser utilizada, em terrenos que haveriam de ser também ocupados pelo F. C. Porto - o Campo da Rainha, na Rua da Rainha.
 
 
 

"Horto das Virtudes" e lá, bem no alto, o Mercado do Peixe 



 

Catálogo de Sementes da “Real Companhia Horticolo-Agricola Portuense”
 
 
 
 
José Marques Loureiro faleceu em 14/7/1898, aos 68 anos.
Em homenagem a José Marques Loureiro seria erguida uma estátua, em bronze, denominada “A Flora”, da autoria de Teixeira Lopes (filho) foi inaugurada em 20 de Agosto de 1904, no Jardim João Chagas, na Cordoaria.

 
 

“A Flora” do escultor Teixeira Lopes (filho) – Ed. ManuelaDLRamos

 
 
Na foto acima, à esquerda, destaca-se o tronco da sequóia gigante (Sequoiadendron giganteum) da Cordoaria e, ao fundo a Araucaria bidwilli recentemente classificada como árvore de interesse público (ambas plantadas em 1867).
 
 
 
“Ainda está na memoria de todos os grandes serviços que Marques Loureiro prestou á horticultura portugueza, da qual foi, por assim dizer, o seu creador. Ainda não se pensava em todo o paiz no que ella era e poderia vir a ser, quando esse homem corajoso e apaixonado por Flora, lançava os primeiros alicerces para o vasto e sumptuoso templo que lhe elevou no Porto. É gloria para esta terra! Foi d’aqui que se propagaram todas as especies e variedades que embellezam e enriquecem o paiz; como foi aqui que se realisaram os mais brilhantes torneios floraes, graças ao seu enthusiastico apoio.
É assim que elle tem direito ao reconhecimento de todos quantos, mais ou menos, são apaixonados pelo mundo vegetal, que ainda hoje seria, provavelmente, o que era ha meio seculo, se um Marques Loureiro não houvera apparecido entre nós.”
Jornal Horticola-Agricola, Dezembro de 1899
 
 
 
A Quinta das Virtudes passaria, em 1965, a fazer parte do património da Câmara Municipal do Porto.
Hoje, o solar alberga a Cooperativa Árvore e a quinta é o Parque Municipal das Virtudes.
 
 
 
 
 
 
A icónica “Ginkgo Biloba” da Quinta das Virtudes




Jerónimo Monteiro da Costa
 
 
Para além da sua actividade profissional, Jerónimo Monteiro da Costa ficaria conhecido por ser pai de José Monteiro da Costa, o presidente do Grupo do Destino, que seria o embrião do F. C. Porto e, ainda, porque seria em terrenos de que fazia parte a sua firma hortícola, situados na Rua da Rainha (Rua Antero de Quental) que, por amabilidade sua, haveria de surgir, por cedência, numa pequena porção de terreno afecto ao mesmo, o primeiro campo de futebol do F. C. do Porto. Estava-se no ano de 1906.
Jerónimo Monteiro da Costa havia estado associado a José Marques Loureiro (1830-1898), uma das maiores referências no sector hortícola destacando-se, como resultado daquela sociedade, a construção do Parque de Vizela, junto das suas antiquíssimas termas.
 
 
 
“Localizado no centro da cidade, o Parque das Termas foi construído entre 1885 e 1886, tendo sido delineado e plantado pelo distinto floricultor e horticultor José Marques Loureiro, proprietário do Horto das Virtudes, e pelo jardineiro paisagista Jerónimo Monteiro da Costa, autor dos jardins de Arca D'Água, do Carregal e de outros históricos jardins do Porto. Este espaço é considerado como sendo o “pulmão” de Vizela, devido à sua vasta vegetação, distinguindo-se aqui inúmeras espécies de árvores, algumas delas centenárias. Com uma vasta área de densa vegetação, este é o local ideal para passear, descansar, fazer desporto (nomeadamente ténis) ou simplesmente desfrutar da natureza no salão.”
Fonte: A Nossa Terra – Minho em mil sugestões
 
 
O desempenho de Jerónimo Monteiro da Costa vai, de facto, ser decisivo, no avanço do projecto do Jardim do Passeio Alegre.

 
 

Local onde seria instalado o Jardim do Passeio Alegre, c. 1860

 
 
Pela observação da foto acima pode concluir-se que a icónica casa do Maia, com as duas torres, começada a construir em 1855, já está acabada.
Alguns factos conhecidos como seja o pedido de licença para a construção do que veio a ser chamado de “Chalet do Carneiro”, em 1873 e, ainda, a notícia de terem sido derrubados alguns bancos e árvores no Passeio Alegre, em 18 de Março de 1875, levam a concluir que um pequeno jardim já existiria naquela data.
Antes, em 1869, já tinha por aqui sido implantado o chafariz comprado há três anos atrás, vindo do convento de S. Francisco, mas que do qual a água só brotaria, no ano seguinte.
Tudo isto nos leva a concluir que um primitivo Jardim do Passeio Alegre teve existência nesses tempos.
Aliás, a foto que se segue é ilustrativa deste raciocínio.
 
 
 

No areal, à esquerda, haveria de nascer o Jardim do Passeio Alegre – Ed. Emílio Biel, c. 1880; Fonte: gallica.bnf.fr, Bibliothèque nationale de France

 
 
Por ampliação da foto anterior, parece que o Chalet do Carneiro já existe, em destaque pela elipse, na foto seguinte.
 
 
 



Como se pode observar, na foto acima, parte da área que seria afecta ao actual jardim, ainda era uma enseada e podemos ainda constatar o que parecem ser os carris do “americano”, transporte inaugurado em 1872.
Junto da estrada, que segue em frente, em área em que parece divisar-se, tenuemente, o Chalet do Carneiro, parece existir uma faixa de terreno triangular ajardinado.
Segundo as orientações do arquitecto paisagista Jerónimo Monteiro da Costa, entre 1888 e 1892, decorreria a implantação do Jardim do Passeio Alegre, cujo projecto inicial tinha sido encomendado em 1870, pela Comissão de Banhistas, ao arquitecto paisagista alemão, Emílio David e que, entretanto, já tinha falecido.
Em Dezembro de 1888 seria, finalmente, entregue à Câmara, por portaria, os terrenos do Passeio Alegre, cedendo o Ministério de Obras Públicas quaisquer direitos que sobre eles tivesse.
Acontece, então, a conclusão dos aterros iniciais e são plantadas as árvores, que vêm de Hamburgo.
Em 1893, finalmente, são adjudicadas as obras para conclusão dos aterros de toda a área.
O jardim irá crescer, então, para as dimensões actuais.
 
 
 

Jardim do Passeio Alegre, c. 1900
 
 
 
 

Perspectiva do Jardim do Passeio Alegre, c. 1940
 
 
 
Jerónimo Monteiro da Costa seria, em 1897, já na qualidade de Director dos Jardins Municipais do Porto, ainda, o responsável pelo projecto de concepção e a respectiva execução dos Jardins do Carregal ou Jardim de Carrilho Videira.
Mais tarde, já em pleno século XX, em 1928, seria inaugurado o Jardim de Arca D'Água, na Praça 9 de Abril, também projectado por Jerónimo Monteiro da Costa e caracterizado pelos seus 22.000 m2 onde, entre diversas árvores frondosas, se destacam um magnífico conjunto de magnólias que envolvem o seu coreto.
 
 
 
 
 
Alfredo Moreira da Silva
 
 
Alfredo Moreira da Silva (Grijó, 1859 – 1932) começou a trabalhar na Quinta das Virtudes, no Porto, sob orientação de José Marques Loureiro. Já na posse dos conhecimentos que pensou serem necessários para se abalançar num negócio próprio, aluga em Grijó, em 1894, no Largo da Senhora da Graça (lugar de Corveiros), uma quinta, para aí construir um viveiro, expandindo o seu negócio para a cidade do Porto, logo no ano seguinte, onde se estabelece num pequeno estabelecimento.
O crescimento do negócio vai permitir que arrende, em 1911, a Quinta da Pena, em Perosinho e, mais tarde, a Quinta da Revolta, em Campanhã, passando então a deter um dos maiores hortos agrícolas da Península Ibérica.
À pequena loja primitiva, situada em Cedofeita, próximo de onde haveria de ser implantada, muitos anos mais tarde, a igreja paroquial de Cedofeita, em virtude dos primeiros trabalhos para a construção daquele templo, foi mudada para instalações, em 1899, passando a ocupar um estabelecimento mais moderno, com um horto anexo, na Rua do Triunfo, hoje D. Manuel II, mesmo em frente ao Palácio dos Carrancas (Museu Soares dos Reis).
No fim do dia 8 de Novembro de 1908, após a chegada à cidade para uma visita de alguns dias, o rei acenou da varanda do Paço dos Carrancas aos milhares de pessoas.
À noite, chovia a cântaros, mas a multidão assistiu ao espectacular fogo-de-artifício lançado do horto de Alfredo Moreira da Silva.
 
 
 

Entrada do horto de Alfredo Moreira da Silva
 
 
 

Interior do horto de Alfredo Moreira da Silva
 
 
 
O Jardim do Morro é uma obra atribuída a Alfredo Moreira da Silva.

 
 

Jardim do morro, junto da saída superior da ponte Luís I, em V. N. de Gaia
 
 
 
Os jardins do Parque da Quinta das Devesas, uma referência no cultivo e exibição de camélias, apresentam uma variedade criada por Alfredo Moreira da Silva (1902-1971), neste caso, um neto do iniciador do negócio, com o mesmo nome do seu conhecido avô, que acabou, assim, por imortalizar.
 
 
 

Placa identificativa referente à firma Alfredo Moreira da Silva & Filhos, existente no Jardim das Camélias do Parque da Quinta das Devesas

 
 

Camélia Maria Manuela – Fonte: Placa identificativa referente à firma Alfredo Moreira da Silva & Filhos, existente no Jardim das Camélias do Parque da Quinta das Devesas


 
Alfredo Moreira da Silva não poderia sonhar que, passado mais de um século, a sua empresa existiria ainda nas mãos dos seus descendentes.
Assim, o negócio de Alfredo Moreira da Silva seria continuado com sucesso pela família até aos dias de hoje. A empresa “Viveiros Alfredo Moreira da Silva & Filhos Lda.” continua a deter os hortos da Quinta da Revolta e de Grijó, assim como outros nos concelhos de Mira e Coimbra, mantendo a conhecida divisa da empresa, "Plantai as nossas árvores e colhereis os melhores frutos."


(Continua)

 

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