segunda-feira, 26 de junho de 2023

25.197 Firmino Pereira e a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto

 
Desde a sua fundação, em 1882, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) teve várias moradas até se fixar, finalmente, na actual, numa rua que tem o nome de um distinto jornalista – Rodrigues Sampaio.
Os seus estatutos foram redigidos em 1885, por Sampaio Bruno.
 
 
 

Percurso encetado pela Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, até se instalar na morada que hoje ocupa - Fonte: revista "O Tripeiro, série VIª, 2º Ano, pag. 43




A Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto foi, então, constituída a partir de uma reunião de jornalistas, a convite dos redactores de O Comércio do Porto, realizada na noite de 20 de Setembro de 1882, na Sociedade de Geografia Comercial, na Rua Formosa, no Porto. Nessa reunião, foram aprovadas duas propostas: uma, destinada a nomear uma comissão para “promover uma condigna manifestação de sentimento pela morte do ilustre jornalista António Rodrigues Sampaio e que promova uma subscrição para se instituir um prémio que, na escola de instrução primária de S. Bartolomeu do Mar, seja anualmente conferido ao aluno que mais se distinguir na mesma aula”; outra, a sugerir que, na sequência da comemoração da morte “do ilustre decano da imprensa portugueza, se lancem as bases de uma Associação de Jornalistas, que tenha por um dos seus fins principais a creação de um montepio destinado a socorrer as famílias dos jornalistas que faleçam em circunstâncias precárias”.
Menos de um mês decorrido sobre a referida reunião, mais precisamente no dia 13 de Outubro de 1882, no salão nobre do Teatro Príncipe Real, decorreu a instalação solene da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, tendo-se registado, desde logo, a inscrição de 35 sócios. Durante a cerimónia, foram registados vários apoios, entre os quais se destaca: o do dr. Soares Franco, a oferecer os seus serviços médicos aos membros da Associação; e do jornalista e professor António José da Silva Reis, a oferecer-se para ministrar, gratuitamente, o ensino das línguas francesa e inglesa aos filhos dos associados. “Foi assim que, para honrar a memória de António Rodrigues Sampaio, insigne jornalista portuguez, benemérito da pátria e da liberdade, se instituiu no Porto, no trigésimo dia do seu passamento, a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto”.


 
 
 

Palacete do conde da Trindade, ao centro, c. 1919, na Praça Carlos Alberto, onde esteve (1896 a 1906) a AJHLP, dividindo instalações alugadas com o Centro Comercial do Porto
 
 
 

Para lá dos Grandes Armazéns do Chiado (exibindo as bandeiras), já em plena Praça Santa Teresa, o prédio no qual a AJHLP dividia instalações com o Centro Comercial do Porto


 
Firmino Pereira (Porto ??? – Porto, 17 Março de 1918), um reputado jornalista, exerceria, durante alguns anos, o cargo de primeiro secretário da Direcção da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Firmino Pereira deixou-nos uma obra de leitura obrigatória para quem se interessa pela história da cidade do Porto, tendo sido, ainda, para além de escritor, jornalista, crítico de arte e teatrólogo. Usou o pseudónimo F. P..
Como escritor Firmino Pereira escreveu “O Cerco do Porto”, “A Glória de Portugal”, “A Primeira Nuvem”, mas a sua obra emblemática é aquela em que traça uma panorâmica do Porto da 2ª metade do século XIX – O Porto d’outros tempos”.






A quinzenal folha portuense “O Bombeiro Portuguez”, de 1 de Fevereiro de 1882, dá conta da actividade teatróloga de Firmino Pereira, durante um espectáculo oferecido por amadores aos sócios da Associação dos Bombeiros Voluntários do Porto, que teve lugar no fim do mês de Janeiro, daquele ano, no Teatro Gil Vicente, ao Palácio de Cristal.

 
 


 
 
Cerca de dois anos antes, a mesma revista, “O Bombeiro Portuguez”, de 1 de Setembro de 1880, informava sobre as comemorações do primeiro lustro da existência da Real Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto, entre os dias 25 e 29 de Agosto de 1880.
Para narrar o sarau acontecido no dia 27 de Agosto, no Teatro Gil Vicente, do Palácio de Cristal, socorria-se, para o efeito, do material publicado no jornal “A Actualidade”, no qual era feita referência à peça exibida, da autoria de Firmino Pereira, intitulada “ A Primeira Nuvem”.
A festa começou com a execução do hino dos bombeiros voluntários.
 
“Às 8 horas e meia a orchestra da sociedade dramática de amadores Luz e Caridade, que generosamente se prestou a abrilhantar a festa, executou o hymno dos bombeiros voluntários, composição do sr. Douwens, inteligente director da banda de infantaria 10”.
In jornal “A Actualidade”

 
Sobre aquela peça teatral, dizia a referida revista “O Bombeiro Portuguez”:

 
 
In revista “O Bombeiro Portuguez”, de 1 de Setembro de 1880  (Cit. jornal “A Actualidade”)




A foto abaixo (tirada no Bom Jesus do Monte, em Braga) apresenta Firmino Pereira na qualidade de repórter, durante uma visita do rei Luís I ao norte de Portugal, estando também representados os enviados de diversos jornais de Lisboa e Porto que cobriram o acontecimento.



 
 
A meio, de pé, Firmino Pereira
 
 

A seguir, se dá conta de uma notícia publicada no nº 3 do jornal semanário "O Imparcial", sobre uma reunião, na qual Firmino Pereira desempenhou o cargo de secretário, acontecida na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, no mês de Outubro de 1899, em plena pandemia de peste bubónica vivida na cidade.









O semanário “O Imparcial”, que teve uma existência breve, tinha a sua administração e redacção na Praça D. Pedro, nº 95, em instalações contíguas às do "Restaurante Porto", cujo chão é hoje ocupado pela agência do Banco de Portugal.
Na qualidade de jornalista, Firmino Pereira exerceu a actividade no “Commercio Portuguez”, n’ “A Actualidade” e n’ “A Lucta”.
O “Commercio Portuguez” estaria nas bancas entre 1876 e 1890, “ A Actualidade” entre 1874 e 1891 e “A Lucta”, entre 1874 e 1890.
 
 
 
«Com efeito, a Actualidade, apesar de ter um carácter independente, “serviu mais ou menos a política regeneradora”. O primeiro número saiu a 1 de Fevereiro de 1874, sendo seu director e proprietário Anselmo Evaristo de Moraes Sarmento e tendo como redactores Elvino José de Sousa, Alfredo de Matos Angra, José Caldas, Júlio Caná, Firmino Pereira e “outros jornalistas da velha guarda”. Era considerado “um dos melhores jornais diários que o Porto tem possuído”, tendo cessado a sua publicação em 31 de Julho de 1891, e sido substituído pelo Ideia Nova. Refira-se igualmente que os números deste jornal, por nós consultados e respeitantes aos anos de 1890 e 1891, não manifestam qualquer hostilidade para com Alves da Veiga e os restantes revoltosos do 31 de Janeiro, facto a que não será alheia a pretérita colaboração do izedense neste periódico portuense.
Vide a este respeito, «Jornais da minha terra; subsídios para uma História do jornalismo portuense”, O Tripeiro, 2ª Série, n.º2, Porto, 15 de Janeiro de 1919, p.41».
Cortesia de Guilherme Martins Rodrigues Sampaio (Tese de mestrado da U.L. Departamento de História – 2009)



 
Capa d’ “O Sorvete” (revista humorística), Nº 312, 7º Ano, Porto, 4 de Maio de 1884. Firmino Pereira anuncia a sua saída do jornal “A Lucta”, diz: - A chronica? Morreu! Sahí da “Lucta”



 
No fim do ano de 1897, Firmino Pereira viria a tornar-se um funcionário público.
Assim, em 23 de Outubro de 1897, foi nomeado para exercer interinamente o cargo de secretário da Administração do 1º Bairro do Porto, cargo que, pouco depois, se tornou definitivo.
O Decreto de 21 de Outubro de 1868 modificou a divisão geográfica e administrativa do concelho do Porto, sendo criados o Bairro Oriental (1.º Bairro) e o Bairro Ocidental (2.º Bairro).
O Bairro Oriental ou 1º Bairro compreendia as freguesias do Bonfim, Campanhã, Santo Ildefonso, Paranhos e Sé.
Faziam parte do Bairro Ocidental (2.º Bairro) as freguesias de Cedofeita, Foz do Douro, Lordelo do Ouro, Massarelos, Miragaia, São Nicolau e Vitória. A partir de 1895, as freguesias de Aldoar, Nevogilde e Ramalde, anexadas ao concelho do Porto, passam a integrar o Bairro Ocidental, de acordo com o decreto de 21 de Novembro desse ano.
A Lei n.º 8/81, de 15 de Junho de 1981, extinguiu as administrações dos bairros, passando a Câmara Municipal do Porto a assumir as suas competências. O Município do Porto criou para o efeito a Repartição Administrativa Oriental, no seguimento da Ordem de Serviço da Presidência nº 438/82.

 
 

Firmino Pereira, c. 1898 – Ed. Foto Guedes; Fonte: AHMP

 
 
 Na época natalícia do ano de 1914, no jornal “O Primeiro de Janeiro”, nos dias 24, 25, 27 e 30 de Dezembro, Firmino Pereira publica uns artigos sob o título «O Natal na Igreja, no Teatro e na Rua».
O texto que se segue é de um seu amigo, Emídio de Oliveira, constituindo um elogio fúnebre ao Firmino Pereira, que terá partido, sem o amparo dos seus.



 
 
Jornal “República” de 30 de Março de 1918
 
 
 
Voltando à história da AJHLP, era costume todos os anos a AJHLP levar a cabo um festival num dos teatros da cidade. Foi o caso do acontecido em 1902, a seguir narrado.
 
 
 
In jornal “A Voz Pública” de 28 Fevereiro de 1902, pag. 2
 
 
 
 
Durante os anos que se seguiram foram várias as acções para recolha de fundos que permitissem o levantamento do edifício próprio da AJHLP.





Sarau de ópera a favor da AJHLP, em 8 Fevereiro de 1907
 
 
 
Finalmente, em 1916, o Presidente da República, Bernardino Machado lançava a primeira pedra para o novo edifício da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP).

 
 
 

Lançamento da 1ª pedra da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, em 1916, com a presença do chefe do Estado Bernardino Machado, acompanhado por Afonso Costa, António Loureiro Dias e José Barros Júnior



No dia 13 de Outubro de 1921, a Associação assinalou 39 anos de existência, e foi então que um grupo, auto denominado “Velhada do Jornalismo Tripeiro”, decidiu conjugar esforços para reconstituir quase meio século da vida portuense, no que aos jornais e jornalistas diz respeito. Reconstituição que culminou na publicação, em 1925, da obra “Os Jornalistas do Porto e a sua Associação”, compilada por Luiz Ferreira Gomes, quatro anos após ter sido lançada a ideia de reunir testemunhos de reconhecida idoneidade, como: Alfredo de Matos Angra, Catão Simões, José António de Souza Moreira, António Maria Lopes Teixeira, Marcos da Silva Nunes Guedes, Alberto Bessa, Júlio de Oliveira e Henrique António Guedes de Oliveira. E é com base nestes preciosos testemunhos que é descrito, com grande minúcia, “como eram feitos os jornaes há cincoenta anos” (finais do séc. XIX e início do séc. XX), desde os tempos de predomínio de O Primeiro de Janeiro (1871) e O Comércio do Porto até ao aparecimento do Jornal de Notícias (1879), após uma fracassada experiência como título de uma gazeta que durou pouco mais de um ano. Eram os três jornais diários da cidade do Porto que tinham as suas posições consolidadas.
No ano de publicação daquela obra falecia, no Porto, o jornalista Marcos Guedes, um dos mais entusiastas servidores da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
 
 
“Marcos da Silva Nunes Guedes (Poiares da Régua, 30/4/1858-Porto, 1925). Poeta, director literário d’O Sorvete, jornalista, redator d’ O Primeiro de Janeiro – durante 29 anos; colaborador d’O Século; com Guedes de Oliveira fundou a Tipografia Guedes. Correspondente do Correio da Manhã do Rio de Janeiro – cf. Cor­reio da Manhã. Ano IV, n.º 1.125. Rio de Janeiro: 12 de Julho de 1904, p. 3, col.as 1 e 2). O Sorvete. N.º 108, 14.º Ano. Porto: 22 de Maio, 1892 (centrais) (a suspirar pela sua amada a atriz Geraldine); O Sorvete. N.º 82, 22º Ano, 2.ª Série. Porto: 8 de Janeiro de 1899 (capa) (este conjuntamente com Sanhudo vêm agradecer a todos aqueles que lhes deram os parabéns pela passagem do 21.º aniversário d’O Sorvete)”.
Cortesia de Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão); In “Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra (20/2/1851-17/8/1901)”
 
 
 
“Marcos Guedes foi um verdadeiro Artista e um devoto trabalhador em prol de todas as causas Nobres e humanitárias. Foi um dos mais apaixonados servidores da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto e foi também um dos mais típicos e respeitáveis intelectuais portuenses. Prestou valioso concurso a diferentes instituições culturais e era sócio benemérito do Ateneu Comercial do Porto, tendo sido director desta florescente colectividade quando ela ainda se denominava Sociedade Nova Euterpe”.
Fonte: Revista “O Tripeiro” Nº 12, Abril 1958, V Série, Ano XIII


 
 

Marcos Guedes em fotografia resultante de trabalho de estúdio – Foto Guedes
 
 
 
Marcos Guedes versejava como poucos do seu tempo. São dele as quadras que se seguem escritas no álbum de D. Celeste Gonçalves e publicadas no Almanaque de “O Primeiro de Janeiro” para 1917:
 
 
É tanta a sua beleza,
Tão rara e tão singular,
Que foi feita, com certeza,
Dum pedaço de luar.
 
A sua voz é tão doce
Que a virgem mão se pudesse,
Queria que ela fosse
A que seu filho tivesse.
 
A sinfonia divina
Que se forma do seu riso
É a mesma que Deus ensina
Aos anjos no Paraíso.
 
 
Por volta de 1930, a nova sede da associação estava pronta, na Rua Rodrigues Sampaio, topónimo que homenageava um jornalista, à data, já desaparecido.



“António Rodrigues Sampaio (São Bartolomeu do Mar, Esposende, 25 de Julho de 1806 — Sintra, 13 de Setembro de 1882) foi um jornalista e político português que, entre outras funções, foi deputado, par do Reino, ministro e presidente do Conselho (chefe de governo).
Rodrigues Sampaio foi um dos maiores vultos do liberalismo português de oitocentos, jornalista ímpar e parlamentar de excepção. Personalidade controversa, polémica, mesmo revolucionária, mas sempre coerente e fiel aos seus princípios e desígnios, foi um agitador de renome nacional, o que lhe valeria a alcunha de o Sampaio da Revolução, já que se notabilizou como redactor principal do periódico “A Revolução de Setembro”. Era um jornalista de causas, não de notícias, como aliás era o jornalismo do século XIX. Apesar da violência verbal e da forma assertiva que sempre utilizou nos seus ataques políticos, Rodrigues Sampaio nunca promoveu o ataque ad hominem. Mesmo quando os seus correligionários lhe pediram que pusesse em causa a dignidade e honradez de D. Maria II e da Corte, negou-se terminantemente, escrevendo que um antro de corrupção política não faria da Corte um lugar de devassidão moral. Foi esta postura de grande escrúpulo, associado a um incansável labor na defesa dos valores pelos quais pugnava, que lhe concedeu um lugar cimeiro no jornalismo político português.
Era membro importante da Maçonaria.
Fonte: “pt.wikipedia.org”
 
 
 
Firmino Pereira sobre António Rodrigues Sampaio, contava o seguinte episódio:
 
“Um dia, numa polémica com um jornal de Lisboa, disse umas verdades amargas ao seu adversário, e este, em lugar de se confessar vencido, declarou que bem conhecia a mão que o queria aniquilar. Sampaio, no dia seguinte, respondia triunfantemente:
 – Ora ainda bem que o animal conhece pelas esporadas que leva no lombo quem é o cavalheiro que o monta”!
 


 No dia 12 de Outubro de 2022, nas comemorações dos 140 anos da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, foi descerrado junto da sede da AJHLP um busto de António Rodrigues Sampaio, da autoria de José Joaquim Teixeira Lopes (1837-1918), escultor que ficaria conhecido por Teixeira Lopes (pai) e, ainda, por ser o autor da estátua de D. Pedro V, localizada na Praça da Batalha.


 

Busto de António Rodrigues Sampaio



 
O edifício da AJHLP, com os seus cinco pisos, sito na Rua Rodrigues Sampaio, esquina com a Rua do Bonjardim, seria alvo de várias intervenções ao longo dos anos.
Os dois últimos andares destinam-se à instalação da Biblioteca/Hemeroteca, Sala de Leitura, e do Auditório Multiusos com capacidade para cem lugares. No terceiro piso, fica o bar/ café-concerto. O restante espaço destina-se aos serviços da AJHLP, depósito de espólio, arquivos e ateliers de criação.


 
 

À esquerda, o edifício da AJHLP, em 1948, quando decorriam as demolições para abertura do espaço onde iria surgir a Praça D. João I
 
 
 
 
Em 1974, perante alguns sinais de degradação que o edifício já anunciava, a associação tenta alguns apoios financeiros para a sua conservação e construção de mais dois pisos, sendo o projecto da autoria dos arquitectos António Portugal e Fernando Lanhas. As obras são iniciadas, mas por falta de verbas, são interrompidas e o edifício fica votado à degradação até 2009.
Finalmente, o último projecto é reformulado pelos arquitectos Emílio Teixeira Lopes e Pedro Gomes e, hoje, o edifício está completamente recuperado.

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