quinta-feira, 12 de julho de 2018

(Continuação 10)


Revolta durante o funeral do bispo D. Manuel de Santa Inês


“Em 24 de janeiro de 1840 faleceu D. Manoel de Santa Ignez, governador do Porto e seu bispo desde 1832. Separava-o dos outros bispos a forma como chegara ao cargo: por escolha régia. Na verdade, este bispo nunca foi confirmado pelo papa e, claro, foi eleito por D. Pedro IV por ser um caso raro: um eclesiástico afecto à causa liberal! Data de 18 de Julho a sua nomeação, assinada por José Xavier Mouzinho da Silveira que refere: «Tendo-se verificado por inquirição de testemunhas que o bispo do Porto desertara daquele rebanho de Jesus Cristo, que tinha sido confiado ao seu ministério (...): Hei por bem, em nome da rainha, nomear para fazer as vezes de bispo, na qualidade de Governador do mesmo bispado, a Frei Manuel de Santa Inês, da Ordem dos Religiosos de Santo Agostinho Descalços (...)». Assim vem publicado na Cronica Constitucional do Porto de 19 de Julho de 1832. Diga-se de passagem, que ao mesmo prelado foi entregue o arcebispado de Braga, que se encontrava em Sede Vacante pelo mesmo motivo: fuga.
O bispo ausente era D. João de Magalhães e Avelar, que sempre se mostrara contra o liberalismo (ironia das ironias, falecido logo em 1833, a sua valiosa biblioteca pessoal veio a constituir o núcleo inicial da Biblioteca Pública Municipal do Porto, fundada por D. Pedro IV no mesmo ano!).”
Com o devido crédito a Nuno Cruz, Adm. do Blogue “A Porta Nobre”



Busto do bispo D. Manuel Santa Inês no Largo de S. Brás, Baguim do Monte – Fonte: Wikipédia

 

Dom Manuel de Santa Inês parece ter sido um bispo algo proscrito pelo Cabido, pois a sua nomeação nunca teve confirmação papal. 
Nascido em 2 de Dezembro de 1762, em Baguim do Monte, teve por secretário, durante o seu bispado, Henrique Duarte e Sousa Reis, mais conhecido por ter escrito os Apontamentos para a verdadeira história antiga e moderna da cidade do Porto, 
O bispado portuense, só ganharia uma nova cabeça passível de ostentar a mitra episcopal três anos depois da morte deste prelado, que fora - não se pode negar - escolhido pelo "regente em nome da rainha"...
A imprensa da época, aquando da sua morte, referia que, logo no dia 25, teve lugar na Sé «o ofício solene de defuntos, pelo repouso da alma do Exmo. bispo eleito». A missa foi cantada pelo Chantre Tomás da Rocha Pinho «e tanto este senhor como os seus companheiros, que estava no seu coro baixo, de batina e capa, só figuravam como particulares, e não como cabido.»
Um jornal prosseguia com uma pequena descrição das autoridades e militares presentes, dizendo também que o General Barão de Alcobaça «tinha mandado dar tiros de artilharia de espaço a espaço, e ele mesmo se postou à testa de toda a tropa de pret e voluntários móveis, fixos, e provisórios, tanto da cidade, como dos subúrbios, que chegava desde a porta da Sé até ao meio da rua Chã».
Quando o finado bispo eleito se sacramentou, tinha pedido ao cabido que o sepultassem numa sepultura do claustro, por ser naquele lugar que, por norma, se sepultavam os cónegos.
O cabido mandou, no entanto, abrir a campa, não no claustro, debaixo dos arcos, mas sim num lugar descoberto, que fica circundado pelo claustro.
Acabado o ofício, na continuação das cerimónias fúnebres,
“quando se tirava da eça o caixão para se conduzir à sepultura, principiou um grande alarido, pedindo uns que o cadáver fosse conduzido para a real capela da Lapa, e outros, que fosse sepultado no jazigo dos Srs. bispos; crescia cada vez mais o tumulto, e o povo ameaçava os cónegos, e lhes exprobrava não fazerem as devidas honras ao bispo (…).
Estando as cousas nesta desordem o Exmo. Sr. Barão de Alcobaça e o Exmo. Sr. Administrador Geral trataram de acomodar o túmulo (sic), do melhor modo possível: o Ilmo. cabido assustado já oferecia, que o cadáver fosse sepultado na capela de S. Vicente, jazigo dos Srs. bispos; um momento pareceu o povo deliberar, mas as vozes se ouviram: à Lapa à Lapa, porque podem desenterrar o corpo e leva-lo para outra parte: estas vozes foram seguidas, e o caixão tornou-se a por na eça, havendo a circunstância, que algum cuidado deu, de se queimar um bocado do bambolim, que servia de ornato à eça.
Decidido, que o cadáver fosse sepultar à Lapa, deram-se todas as providências para esse fim.
 A irmandade da Lapa, mandou à pressa armar de preto os altares, da sua ampla, e majestosa igreja. O concurso foi imenso à porta da Sé, e ruas contiguas; e apesar de estar uma noite escura, e chuvosa, o acompanhamento, e concurso das ruas do trânsito, era grande.
Seriam 8 horas quando chegou à Lapa o carro da morte, puxado a duas parelhas.
O caixão foi recebido à porta da igreja, aonde se lhe entoou um responso, cantando a oração o Ilmo. Sr. Cónego Luís de Santa Rita Araújo, especial amigo de sua Ex.ª.
Com o devido crédito a Nuno Cruz, adm. do blogue “A Porta Nobre”



Mais tarde, a 31 de Janeiro de 1840, o governo que era à data chefiado por Costa Cabral, incumbiu o Conselheiro Presidente da Relação do Porto que o informasse «do modo porque teve lugar aquela desagradável ocorrência; declarando se ela foi puramente fortuita, ou se foi provocada, por quem, com que motivos, e para que fins prováveis», dado ter informações de que, por alturas do funeral do bispo, o sossego público da cidade do Porto estivera, por momentos, a ser seriamente alterado.  



Mausoléu no cemitério da Lapa do bispo Santa Inês – Ed. Nuno Cruz


No túmulo de D. Manoel de Sancta Ignez, no cemitério da Lapa, pode ler-se gravado na pedra:




Entretanto, em 2020, o Largo de S. Brás, em Baguim do Monte, seria sujeito a remodelações e o busto do bispo Manuel de Santa Inês foi deslocada alguns metros.
 
 
Busto do bispo D. Manuel de Santa Inês, no seu novo local



Sobre a vida deste bispo existe um manuscrito inédito na Biblioteca Pública Municipal do Porto, de Henrique Duarte e Sousa Reis, que foi seu secretário. 
Por sua vez, Henrique Duarte de Sousa e Reis, nasceu na Póvoa de Varzim, em 26 de Outubro de 1810, vindo a trabalhar, mais tarde, na Biblioteca Pública do Porto, de 7 de Janeiro de 1842 a 1848, escrevendo, posteriormente (entre 1863 e 1872), os 7 volumes manuscritos de “Apontamentos para a cidade do Porto”.
Henrique Duarte de Sousa Reis descendia de uma família de comerciantes, com posses, que, devido a diversas vicissitudes, teria ido à falência.


 

Texto extraído da biografia de Henrique Duarte de Sousa Reis da autoria de Carlos de Passos – Fonte:  “Revista de Guimarães”, nº 42 (1932), p. 52-60
 
 
 
 
Henrique Duarte de Sousa Reis acabaria por não concluir os estudos preparatórios para ingressar na Universidade de Coimbra, em parte fruto da situação económica dos pais, resolvendo, então, rumar, em busca da fortuna, a terras do Brasil, por onde andou entre 1827 e 1831, quando, na sequência da revolução de 7 de Abril de 1831, decidiu voltar à pátria, onde enveredou pela vida eclesiástica, mas cujos estudos interrompeu ao ser nomeado pelo Bispo Manuel de Santa Inês para seu secretário.
Seria, em 1834, chanceler do bispado e, em 1836, distribuidor da Mitra, cargos que exerceu até à morte do bispo em 1840.
Em 7 de Janeiro de 1842 passou a ser guarda-sala da Biblioteca Municipal, apesar de o seu amigo Costa Cabral lhe ter prometido o de 2º bibliotecário.
Faleceu em Outubro de 1876, depois de um casamento com Joana Izabel Dias, falecida em 1859, e de quem teve cinco filhos.

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