terça-feira, 10 de julho de 2018

(Continuação 9)



Revolta contra o bispo Martinho Rodrigues

Em 1209 os cidadãos do Porto revoltaram-se contra o seu bispo Martinho Rodrigues que os sufocava com impostos.

“Vale a pena recordar esta contenda que a cidade travou com o seu bispo. Foi há quase 800 anos. Completam-se em 2009. E o palco dessa luta foi o bairro da Sé. Onde, como escreveu Firmino Pereira, " em cada uma das suas pedras se inscreve uma façanha heróica, porque foi precisamente nessa parte do burgo que mais energicamente se afirmaram as energias da raça na defesa dos seus direitos e dos seus foros tantas vezes afrontados pela cobiça dos bispos".
Um desses bispos foi D. Martinho Rodrigues que governou a diocese do Porto de 1191 a 1235. Por esse tempo o burgo portucalense não ia além do morro da Pena Ventosa em cujo cume se situava a Catedral e a residência do prelado. O senhorio da cidade, como tantas vezes aqui se tem dito, pertencia ao bispo da diocese desde os remotos tempos de D. Hugo. Os cidadãos do Porto, em especial, mas os moradores da cidade, em geral, eram considerados vassalos do bispo. E D. Martinho Rodrigues, especialmente este, era um prelado ambicioso. Como senhor da cidade, arrecadava os impostos sobre todos os géneros e mercadorias que entravam ou saíam no burgo. E lançava cada vez mais impostos sobre o povo que, naturalmente descontente, protestava. Pinho Leal escreveu no seu "Portugal Antigo e Moderno" que a certa altura, o povo, cansado de protestar baldadamente contra as prepotências do bispo, "… amotinou-se e, furioso, acometeu contra o paço episcopal arrombando as suas portas e invadindo-o; e chegados aos aposentos do bispo lançaram-lhe em rosto os vexames de que eram vitimas após o que o prenderam no próprio paço onde ficou pelo espaço de cinco meses..." Passou-se isto em 1209. Há quase 800 anos. É da história que D. Martinho Rodrigues conseguiu, ao fim de cinco meses de encarceramento, fugir da prisão, de noite, e dirigir-se a Roma onde "chegou em miserável estado". Na cadeira de S. Pedro sentava-se por essa altura Inocêncio III a quem o bispo pediu que fulminasse com a pena de excomunhão os chefes do levantamento popular indicando especialmente dois cidadãos João Alvo e Pedro Feudo Tirou (tirou o feudo ou vassalagem). Mas foram apenas dois os burgueses do Porto que participaram no levantamento? Claro que não. 
Os cabeças do motim, se assim se pode dizer, eram ao todo vinte. E estão devidamente identificados João Alvo e seu irmão, Mendo Guilherme; Vicente Mendes, genro de João Alvo; Afonso Gondom das Eiras; Tirou Martins Pires e Vicente, ambos genros de Pedro Feio (Petri Fedi) ; Pedro Soares, filho de Soeiro Monis; João Vai-Vai; Fernando Monis; Gonçalo Godinho; Pedro Mouro; Pirro das Eiras; Pedro Feio (Petrum Fedum); Paio Martins; Mendo Bicas; Soeiro Gulherme; João Ferreira do Monte; João Surdo; Reinaldo Agulheiro; e Miguel Meigenga. Todos estes "cidadãos portucalenses" ficaram sujeitos à sentença canónica que os considerou "infames" e por isso foram excomungados. Só que, quando a sentença chegou ao Porto os cidadãos do burgo, incluindo os directamente atingidos, encolheram os ombros e "altivamente afrontaram a censura eclesiástica" com um simples desabafo: "excomunhão não brita osso" que é como quem diz, "não interessa…" ou seja não é para levar a sério. Sabe-se que os "condenados" se alhearam por completo da sentença e da causa que lhe deu origem. Foram, por isso, julgados à revelia pelos juízes apostólicos e a pena que lhes foi aplicada só podia ser levantada se eles dessem "uma satisfação conveniente" ao bispo e implorassem a Roma a absolvição. Nada disso aconteceu e foi o próprio D. Martinho Rodrigues, anos mais tarde, quando regressou ao Porto, que solicitou de Inocêncio III a absolvição dos excomungados. Consta do "Censual do Cabido da Sé do Porto" que o bispo D. Pedro Salvadores, que sucedeu a Martinho Rodrigues, quando morreu, em 24 de Junho de 1247, contemplou, no seu testamento, Pedro Feio com quatro morabitinos e João Alvo com dois. O que pode significar que havia então bom entendimento entre a Mitra e os homens da cidade”. 
In JN, 31 Dezembro 2006



Os arcos que se veem agora na Rua de S. Sebastião, na Sé, foram encontrados bem perto na Calçada de Vandoma



Revolta contra D. Vasco Martins


Uma outra revolta que ficou contada aconteceu quando os burgueses da cidade afrontaram D. Vasco Martins, 18.º Bispo do Porto (1327/1342).
Este bispo nunca foi do agrado do rei D. Afonso IV.
A situação agudizava-se pelo facto do prelado viver praticamente na Curia Romana junto do Papa João XXII, razão pela qual a sua igreja se encontrava na opinião do monarca ao abandono.
Quando no ano de Cristo de 1334, Benedito XII substitui João XXII, por morte deste, foi dada ordem para que todos os bispos que o apoiavam voltassem às suas igrejas.
Chegou o bispo e viu que todos os réditos do bispado tinham sido embargados pelo rei.
Exigências daqui e, dali, invasões de exércitos galegos, disputas por coutos e pedaços de territórios, a paz tardava a reinar entre este bispo, os burgueses da cidade e o rei.
Numa dada ocasião, em consequência do exercício de certos privilégios que o bispo dizia possuir sobre coutos, caso de Crestuma, por exemplo, que lhe permitiriam a nomeação de juízes, para administração da justiça, e que não tinham a anuência da Câmara da cidade, o conflito agudizou-se.

«Também no "Catálogo dos bispos do Porto", escrito em 1623 pelo prelado D. Rodrigo da Cunha (bispo da diocese portucalense entre 1619 e 1627), se abordam as questões que aconteceram entre o austero bispo D. Vasco Martins e os homens do Senado (leia-se Câmara) que tanto agitaram a cidade aí por 1341. Escreveu D. Rodrigo:
"chegou o negócio (os acontecimentos) a termos tais, que em certo alvoroço se juntaram alguns do povo e com mão armada se foram ao paço do bispo apostados em o afrontarem e maltratarem, mas ele, que soube do motim primeiro que os conjurados chegassem à Sé em que assistia a um ofício fúnebre de certa pessoa nobre, se recolheu ao castelo que era a fortaleza da Igreja do Porto".»
Fonte: Germano Silva

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