sábado, 22 de junho de 2019

(Conclusão) - Actualização em 06/11/2020


Naqueles tempos, tão bem descritos nos textos anteriores, o Concessionário e o Banheiro tinham um papel fundamental.
Por vezes, eram papéis desempenhados pela mesma personagem.
O concessionário era então entendido, como alguém a quem o espaço da praia tinha sido concessionado e que tinha mandato, geralmente renovável, e algumas regras próprias respeitantes à época balnear, que compreendia, praticamente, os meses de Verão.
Era o zelador da ordem e da limpeza do areal; tinha funções de socorro e salva-vidas; cuidava da gestão do acantonamento de barracas e era, ainda, o guardião dos pertences dos veraneantes habituais.
Nesta última função guardavam, de um dia para o seguinte, toda a tralha que acompanhava todos aqueles que alugavam as barracas para seu resguardo, sejam, toalhas, mantas, baldinhos e pás para trabalhar a areia, etc, que era acondicionada em sacos de lona, propriedade de cada um.
Tornou-se usual o concessionário contratar para funções específicas o banheiro (a).
Pela manhã, o banheiro instalava os toldos das barracas que durante a noite tinham sido recolhidos e, em cada uma delas, o respectivo saco. Sem um engano.
O banheiro (a) era também uma figura típica descrita no texto seguinte, cuja acção estava ligada a costumes ancestrais de tratamento de medos através da imersão na água.
Em meados do século XIX, já Ramalho Ortigão fazia referência às banheiras da Foz do Douro.

“…de madrugada, ao armar das barracas, quando ellas, accordadas com os primeiros massaricos prateados que debicam a salsugem da maré, entôam em côro de sopranos uma das muitas barcarolas locaes, uma aguda palpitação de poesia festival e triumphadora preenche o ar…”

No começo do século XX, já o banheiro(a) tinha o seu papel interventor nas praias, durante a época balnear.


Banheira (S. João da Foz do Douro) – Cortesia de “trajesdeportugal.blogspot.com”


“Banheiros e Banheiras, com os trajos profissionaes, largas toalhas aos hombros e bilhas com água nas mãos, crusam-se pelos arruamentos formados entre os quadrados das barracas.”
In jornal “O imparcial da Foz”, de 18 de Setembro de 1904 - Domingo

 “…o banheiro, um velho lobo do mar, vestido de negro, sem perder de vista a boia de salvação que se pendura n´um varão de ferro cravado na areia, vela cuidadosamente pelos banhistas mais temerarios que tentam afastar-se da praia, e reprehende-os com benigna severidade.”
In o periódico ” O Progresso da Foz”, de 29 de Setembro de 1907 – Domingo



A Banheira da Foz do Douro,

Desde madrugada, metidas na água até à cintura, pegavam crianças e adultos e mergulhavam-nos. Ofício muito duro, pois estavam no mar sete ou oito horas por dia. Era costume os veraneantes chegarem à praia, inclinarem-se e a banheira despejava-lhes a água na cabeça, com a gamela que está a seus pés. Também nós experimentámos este suplício quando éramos pequenos. Era o momento mais desagradável da época balnear. O banheiro apertava-nos o nariz antes de nos mergulhar.”
Cortesia de Rui Cunha do blogue “portoarc.blogspot.com”



Praia do Molhe c. 1940


Na foto acima, na Praia do Molhe, da esquerda para a direita, divisam-se os nomes dos Banheiros (Concessionários): Henrique Valente, Alzira Valente, António Teixeira e José Allen.
Passadas algumas décadas, ainda era possível apreciar o colorido que distinguia os equipamentos dos diversos concessionários, estabelecidos desde há longos anos e cujos apelidos se mantinham em parte: o branco da Laura Valente; o verde do António Teixeira; o vermelho da Maria Teixeira; o azul do José Allen.
Mais para a foz do rio Douro, pela praia do Caneiro, como nos contam alguns, eram conhecidos os banheiros Maria da Luz, Paulino e Leão e pela praia do Ourigo, o banheiro Claudino e o Joaquim Perfeito.



Barraca de exibição de robertos (fantoches), em primeiro plano, na  praia do Ourigo (Banheiro Claudino), no início do século XX



O texto seguinte dá-nos conta dos concessionários e banheiros que, pelos anos 40, pontificavam na Praia da Conceição ou Praia da Corda, hoje a nossa Praia de Gondarém.


“Eram concessionários da «Praia da Conceição», também conhecida por «Praia de Gondarém», o sr. António Magalhães e o sr. Francisco Sousa Costa Arruda, que guardavam as barracas nas actuais instalações da Esplanada da Praia de Gondarém. Era banheiro do sr. Magalhães, o Joaquim Silva, por alcunha o «Quim Lavadeira»,(…)”.
Cortesia de Damião Velloso Ferreira, In “Nevogilde há 50 anos” – 1999


A construção do Porto de Leixões viria a implicar que as praias adjacentes à foz do rio Leça tivessem um fim, e os banheiros e concessionários que as exploravam ocupassem novos territórios, exteriores à área, que passou a ser afecta ao Porto de Abrigo, entre molhes.
Os banheiros de Matosinhos transferiram-se em 1890, para a Praia D. Carlos, e os de Leça para a Praia do Sinal, depois Príncipe da Beira, em 1892.


Vista panorâmica de Matosinhos e do extenso areal de praias que seria transformado em cais - Ed. Illustração Portugueza (17 Agosto 1908)


No fim do séc. XIX, eram onze os banheiros do lado de Matosinhos:
Alberto Pinguinhas; António Aroso; Filomena; Carolina; Joaquina da Rosa; José Martins: José do Ello; Rosa do Bento; Rosa Miquelina; Rosa Ruiva e Viúva Cham.


Banheiro “Pinguinhas”


Praia de Matosinhos – Fonte: Ilustração Portuguesa, em 01/09/1913 



Em Matosinhos, à entrada das concessões, ainda não há muitos anos, encontrávamos os dísticos com os nomes das banheiras Carolina, Eugénia, Barbosa e Adelaide, junto do paredão a Sul do Porto de Leixões.
Entre o Castelo do Queijo e aquele paredão tínhamos a Praia Internacional e a Praia Moderna.




Banheira Adelaide, em Matosinhos, próximo ao paredão


“Praia Moderna” e o Castelo do Queijo, ao fundo


“Praia Moderna” e o paredão Sul, ao fundo


Banheiros da Praia de Matosinhos - Cortesia de Vítor Monteiro




Com a reestruturação da ocupação do espaço balnear em virtude da construção do Porto de Abrigo de Leixões, os concessionários de praias que passaram para território de Leça da Palmeira, foram:
Ana Filipa; Ana R. das Neves; Ana Virtuosa; António da Costa Neves; Carolina da Eufrásia; Josefina do Padrão; Maria da Rocha; Maria Rita; Maria Teresa e Vitória da Rocha.



Esplanada da Praia de Leça (Bar Atlântico) no começo do século XX


Praia de Leça em 1950


Banheiros na Praia de Leça da Palmeira, na década de 1960 - Cortesia Vítor Monteiro




Praia do Cabo do Mundo




 Evolução da indumentária usada nas praias


A D. Albertina Marinho dos Santos descreve as suas memórias dos primeiros anos do passado século, no que à indumentária balnear dizia respeito, no texto que se segue.



“ Naquele tempo as pessoas antes de iniciar a época balnear, iam, primeiro ao médico para se certificar do seu estado de saúde, isto é, se estavam em condições de poder tomar banhos de mar. Os médicos eram todos unânimes em receitar, antes de mais, um laxativo, que geralmente era óleo de rícino, um dia de cama com grande dieta e, obrigava a estar 8 dias em casa para não apanhar ar nem sol. Era assim que procediam os médicos tais como o Dr. Caldas, Dr. Forbes Costa, Dr. Maia Mendes, etc… Passados 15 dias já se podia, então, ir tomar banhos de mar. Para tomar o banho, as senhoras vestiam os seus fatos de banho, compostos de calças até aos tornozelos e um vestido até abaixo do joelho e meia manga. Os homens com calças até ao joelho e umas blusas. Os fatos de banho, tanto das senhoras como dos homens, eram pretos e guarnecidos de fitas brancas.”
Em “O Tripeiro”, Série VI, Ano X


Praia do Ourigo em 1900


“Estender a toalha e apanhar sol é um ritual que tinha apenas fins terapêuticos no fim dos anos 1880 – e, em público, o corpo tinha de estar completamente tapado. Os fatos de banho eram como vestidos e quem ia ao mar tinha de o fazer em traje de passeio e sombrinha. Muda-se de século e até aos anos 1920 os banhos de sol eram uma espécie de fruto proibido. “O tom bronzeado era associado às classes mais baixas”.
(…) Mas muita coisa iria mudar nessa década de prosperidade pós-guerra, de jazz e rádio.
(…) O bronzeado passava a ser associado “ao luxo de poder viajar para lugares distantes com sol ou à prática de desportos de luxo ao ar livre”.
Declaração de Maria João Mota Veiga, a Inês Garcia, In Jornal Público 2014


Em 1946, quando chegávamos à praia, íamos a um balneário trocar a roupa normal, para uns fatos de banho.
Os homens, na praia, devidamente equipados, tinham uns calções até debaixo do joelho e uma camisola de meia manga.
Quanto às mulheres, noutro balneário, vestiam um género de macacão inteiro.
Com o passar dos anos, as senhoras veem crescer os decotes, as cavas aumentam e os saiotes de praia diminuem.
O fato de banho evolui para o chamado maillot, tanto usado por homens como por mulheres.


Regulamento para o uso dos fatos de Banho em 1941


Em Junho de 1946, o francês Jacques Heim lançou o fato de banho “mais pequeno do mundo”, de duas peças – um soutien de dois triângulos unidos por cordões e cuecas –, mas ninguém se atreveu a vesti-lo, muito menos as mulheres portuguesas.
As duas peças só cá chegariam nos anos sessenta e a moda entrou devagarinho.
No que aos homens diz respeito, em 1957, no “Regulamento dos Fatos de Banho”, foi permitido o tronco nú aos homens que, até aí, usavam o chamado “maillot”, com alças.


O nadador João da Silva Marques envergando em 1943, um maillot – Capa de Setembro da revista “Stadium”


Alguns fatos de banho femininos deixam as suas portadoras expor, mesmo, a parte superior da barriga.
A execução da regulamentação do traje balnear, tinha a vigilância da autoridade marítima, o famoso Cabo do Mar.
Quanto ao "topless", nas mulheres, só foi possível assistir a essa moda, por cá, já nos anos 80 do século passado.

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