Naqueles tempos, tão bem descritos nos textos anteriores, o Concessionário
e o Banheiro
tinham um papel fundamental.
Por vezes, eram papéis desempenhados pela mesma personagem.
O concessionário era então entendido, como alguém a quem o
espaço da praia tinha sido concessionado e que tinha mandato, geralmente
renovável, e algumas regras próprias respeitantes à época balnear, que
compreendia, praticamente, os meses de Verão.
Era o zelador da ordem e da limpeza do areal; tinha funções
de socorro e salva-vidas; cuidava da gestão do acantonamento de barracas e era,
ainda, o guardião dos pertences dos veraneantes habituais.
Nesta última função guardavam, de um dia para o seguinte,
toda a tralha que acompanhava todos aqueles que alugavam as barracas para seu
resguardo, sejam, toalhas, mantas, baldinhos e pás para trabalhar a areia, etc,
que era acondicionada em sacos de lona, propriedade de cada um.
Tornou-se usual o concessionário contratar para funções
específicas o banheiro (a).
Pela manhã, o banheiro instalava os toldos das barracas que
durante a noite tinham sido recolhidos e, em cada uma delas, o respectivo saco.
Sem um engano.
O banheiro (a) era também uma figura típica descrita no
texto seguinte, cuja acção estava ligada a costumes ancestrais de tratamento de
medos através da imersão na água.
Em meados do século XIX, já Ramalho Ortigão fazia referência às
banheiras da Foz do Douro.
“…de madrugada,
ao armar das barracas, quando ellas, accordadas com os primeiros massaricos
prateados que debicam a salsugem da maré, entôam em côro de sopranos uma das
muitas barcarolas locaes, uma aguda palpitação de poesia festival e
triumphadora preenche o ar…”
No começo do século XX, já o banheiro(a) tinha o seu papel interventor
nas praias, durante a época balnear.
Banheira (S. João da Foz do Douro) – Cortesia de “trajesdeportugal.blogspot.com”
“Banheiros e Banheiras, com os trajos
profissionaes, largas toalhas aos hombros e bilhas com água nas mãos, crusam-se
pelos arruamentos formados entre os quadrados das barracas.”
In jornal “O imparcial da Foz”, de 18 de Setembro de 1904 - Domingo
“…o banheiro, um velho lobo do mar, vestido de
negro, sem perder de vista a boia de salvação que se pendura n´um varão de
ferro cravado na areia, vela cuidadosamente pelos banhistas mais temerarios que
tentam afastar-se da praia, e reprehende-os com benigna severidade.”
In o periódico ” O Progresso da Foz”, de 29 de Setembro de 1907 –
Domingo
A Banheira da Foz do Douro,
“Desde madrugada, metidas na água até à cintura, pegavam crianças e
adultos e mergulhavam-nos. Ofício muito duro, pois estavam no mar sete ou oito
horas por dia. Era costume os veraneantes chegarem à praia, inclinarem-se e a
banheira despejava-lhes a água na cabeça, com a gamela que está a seus pés.
Também nós experimentámos este suplício quando éramos pequenos. Era o momento
mais desagradável da época balnear. O banheiro apertava-nos o nariz antes de
nos mergulhar.”
Cortesia de Rui
Cunha do blogue “portoarc.blogspot.com”
Praia do Molhe c. 1940
Na foto acima, na Praia do Molhe, da esquerda para a
direita, divisam-se os nomes dos Banheiros (Concessionários): Henrique Valente,
Alzira Valente, António Teixeira e José Allen.
Passadas algumas décadas, ainda era possível apreciar o
colorido que distinguia os equipamentos dos diversos concessionários,
estabelecidos desde há longos anos e cujos apelidos se mantinham em parte: o
branco da Laura Valente; o verde do António Teixeira; o vermelho da Maria
Teixeira; o azul do José Allen.
Mais para a foz do rio Douro, pela praia do Caneiro, como
nos contam alguns, eram conhecidos os banheiros Maria da Luz, Paulino e Leão e
pela praia do Ourigo, o banheiro Claudino e o Joaquim Perfeito.
Barraca de exibição de robertos (fantoches), em primeiro plano, na praia do Ourigo (Banheiro Claudino), no início do século XX
O texto seguinte
dá-nos conta dos concessionários e banheiros que, pelos anos 40, pontificavam na
Praia da Conceição ou Praia da Corda, hoje a nossa Praia de Gondarém.
“Eram concessionários da «Praia da
Conceição», também conhecida por «Praia de Gondarém», o sr. António Magalhães e
o sr. Francisco Sousa Costa Arruda, que guardavam as barracas nas actuais
instalações da Esplanada da Praia de Gondarém. Era banheiro do sr. Magalhães, o
Joaquim Silva, por alcunha o «Quim Lavadeira»,(…)”.
Cortesia de Damião
Velloso Ferreira, In “Nevogilde há 50 anos” – 1999
A construção do Porto de Leixões viria a implicar que as
praias adjacentes à foz do rio Leça tivessem um fim, e os banheiros e
concessionários que as exploravam ocupassem novos territórios, exteriores à
área, que passou a ser afecta ao Porto de Abrigo, entre molhes.
Os banheiros de Matosinhos transferiram-se em 1890, para a Praia
D. Carlos, e os de Leça para a Praia do Sinal, depois Príncipe da Beira, em
1892.
Vista panorâmica de Matosinhos e do extenso areal de praias
que seria transformado em cais - Ed. Illustração Portugueza (17 Agosto 1908)
No fim do séc. XIX, eram onze os banheiros do lado de
Matosinhos:
Alberto Pinguinhas; António Aroso; Filomena; Carolina; Joaquina
da Rosa; José Martins: José do Ello; Rosa do Bento; Rosa Miquelina; Rosa Ruiva
e Viúva Cham.
Banheiro “Pinguinhas”
Praia de Matosinhos
– Fonte: Ilustração Portuguesa, em 01/09/1913
Em Matosinhos, à entrada das concessões, ainda não há muitos
anos, encontrávamos os dísticos com os nomes das banheiras Carolina, Eugénia,
Barbosa e Adelaide, junto do paredão a Sul do Porto de Leixões.
Entre o Castelo do Queijo e aquele paredão tínhamos a Praia
Internacional e a Praia Moderna.
Banheira Adelaide, em Matosinhos, próximo ao paredão
“Praia Moderna” e o Castelo do Queijo, ao fundo
“Praia Moderna” e o paredão Sul, ao fundo
Com a reestruturação da ocupação do espaço balnear em virtude da
construção do Porto de Abrigo de Leixões, os concessionários de praias que
passaram para território de Leça da Palmeira, foram:
Ana Filipa; Ana R. das Neves; Ana Virtuosa; António da Costa
Neves; Carolina da Eufrásia; Josefina do Padrão; Maria da Rocha; Maria Rita; Maria
Teresa e Vitória da Rocha.
Esplanada da Praia
de Leça (Bar Atlântico) no começo do século XX
Praia de Leça em
1950
Praia do Cabo do Mundo
A D. Albertina
Marinho dos Santos descreve as suas memórias dos primeiros anos do passado
século, no que à indumentária balnear dizia respeito, no texto que se segue.
“ Naquele tempo
as pessoas antes de iniciar a época balnear, iam, primeiro ao médico para se
certificar do seu estado de saúde, isto é, se estavam em condições de poder
tomar banhos de mar. Os médicos eram todos unânimes em receitar, antes de mais,
um laxativo, que geralmente era óleo de rícino, um dia de cama com grande dieta
e, obrigava a estar 8 dias em casa para não apanhar ar nem sol. Era assim que
procediam os médicos tais como o Dr. Caldas, Dr. Forbes Costa, Dr. Maia Mendes,
etc… Passados 15 dias já se podia, então, ir tomar banhos de mar. Para tomar o
banho, as senhoras vestiam os seus fatos de banho, compostos de calças até aos
tornozelos e um vestido até abaixo do joelho e meia manga. Os homens com calças
até ao joelho e umas blusas. Os fatos de banho, tanto das senhoras como dos
homens, eram pretos e guarnecidos de fitas brancas.”
Em “O Tripeiro”,
Série VI, Ano X
Praia do Ourigo em 1900
“Estender a toalha e
apanhar sol é um ritual que tinha apenas fins terapêuticos no fim dos anos 1880
– e, em público, o corpo tinha de estar completamente tapado. Os fatos de banho
eram como vestidos e quem ia ao mar tinha de o fazer em traje de passeio e
sombrinha. Muda-se de século e até aos anos 1920 os banhos de sol eram uma
espécie de fruto proibido. “O tom bronzeado era associado às classes mais
baixas”.
(…) Mas muita coisa
iria mudar nessa década de prosperidade pós-guerra, de jazz e rádio.
(…) O bronzeado
passava a ser associado “ao luxo de poder viajar para lugares
distantes com sol ou à prática de desportos de luxo ao ar livre”.
Declaração de Maria João Mota Veiga, a Inês Garcia, In
Jornal Público 2014
Em 1946, quando chegávamos à praia, íamos a um balneário trocar
a roupa normal, para uns fatos de banho.
Os homens, na praia, devidamente equipados, tinham uns
calções até debaixo do joelho e uma camisola de meia manga.
Quanto às mulheres, noutro balneário, vestiam um género de
macacão inteiro.
Com o passar dos anos, as senhoras veem crescer os decotes, as
cavas aumentam e os saiotes de praia diminuem.
O fato de banho evolui para o chamado maillot, tanto usado
por homens como por mulheres.
Regulamento para o uso dos fatos de Banho em 1941
Em Junho de 1946, o francês Jacques Heim lançou o fato de
banho “mais pequeno do mundo”, de duas peças – um soutien de
dois triângulos unidos por cordões e cuecas –, mas ninguém se atreveu a
vesti-lo, muito menos as mulheres portuguesas.
As duas peças só cá chegariam nos anos sessenta e a moda
entrou devagarinho.
No que aos homens diz respeito, em 1957, no “Regulamento dos
Fatos de Banho”, foi permitido o tronco nú aos homens que, até aí, usavam o
chamado “maillot”, com alças.
O nadador João da Silva Marques envergando em 1943, um
maillot – Capa de Setembro da revista “Stadium”
Alguns fatos de banho femininos deixam as suas portadoras
expor, mesmo, a parte superior da barriga.
A execução da regulamentação do traje balnear, tinha a
vigilância da autoridade marítima, o famoso Cabo do Mar.
Quanto ao "topless", nas mulheres, só foi possível assistir a
essa moda, por cá, já nos anos 80 do século passado.
Sem comentários:
Enviar um comentário