sexta-feira, 21 de junho de 2019

(Continuação)


Caminhando pela marginal do oceano, vindos da freguesia da Foz do Douro, a Rua de Rui Barbosa (sem saída), antiga Rua do Ribeirinho que ligava, então, a Viela dos Abraços a Carreiros  estabelece, a Sul, a entrada na freguesia de Nevogilde.
Estamos nas praias de Gondarém e do Molhe.
Foram os ingleses que em meados do século XIX implementaram a moda da ida à praia, primeiro nas praias da Foz do Douro e, posteriormente, essa actividade do lazer estender-se-ia mais para Norte, entrando em Nevogilde.
Entretanto, iam chegando as últimas novidades que o progresso e as exigências do quotidiano reclamavam.


“ Os moradores das ruas de Gondarém, Marechal Saldanha e Monte do Crasto, na Foz, projectam amanhã, Domingo, 4 de Agosto, ruidosos festejos, em virtude das referidas ruas terem sido iluminadas a gaz, melhoramento este que se torna de bastante utilidade para os seus habitantes.
As ruas já anteontem, 1 de Agosto, estiveram iluminadas, devendo os festejos constar de música, foguetório e embandeiramento, queimando-se à tarde, no Monte Crasto, um bonito fogo de bonecos.”
In “A Palavra”, de 3 de Agosto de 1895 - Sábado


Na primeira metade do século XX, eram importantes em Nevogilde a colónia inglesa e ainda a colónia alemã.
Destacavam-se das famílias inglesas, segundo o Dr. Damião Velloso Ferreira, “Chambers, Grant, Cobb, Arnsby, Reid, Mitchell, Blackett, Tait, Wricht, Wall, Irving, Comber, Combe Martin, Rumsey, Haynes e Sanbey e entre a comunidade alemã, Burmesters, Lichtenberg, Bartosh, Durrer, Vincke, Höfle, Kath, Rasfish, Fürbringer, Thumann, Dahl, Stüve, Venn, Buss, Bock, Kiefe, Simon e Georgi.”
O complexo habitacional, por sua vez, compreendia, há algumas dezenas de anos, para além das casas mais modestas da classe trabalhadora, as características casas de praia (de 2 águas), que só se abriam na época estival, as casas de gente muito abastada, com os seus palacetes e chalets e, por último, as casas de lavradores e de quem por aqui morava há gerações.
Esta última classe social habitava de preferência alguns solares em volta da igreja de Nevogilde.
A gente abastada tinha a sua grande montra na Avenida Montevideu, com palacetes que tinham também entrada pela Rua de Gondarém e, assim, grandes jardins. Presentemente, estão a ser destinados à hotelaria e a condomínios privados.




Casas de praia, à Rua de Gondarém



Caminhando pela Avenida de Montevideu, no sentido do Castelo do Queijo, encontrávamos alguns palacetes daquelas famílias abastadas que a seguir se destacam.




Casa do Barão de Fermil que seria, mais tarde, também, residência da sua filha Delminda Sampaio Machado, casada com Dr. Francisco da Cunha Freitas Mourão de Sotomaior
 
 
 
Na casa da foto, anterior, viveu e aí faleceu Manuel Guilherme Alves Machado (Celorico de Basto, Veade, 25.10.1873; Porto, Nevogilde, 05.06.1943), 1º Barão de Fermil, casado, em 1900, com Maria Augusta Sampaio de Brito que, desde 1898, era proprietária do chamado Palacete dos Barroso Pereira, à Praça de Santa Teresa (actual Praça Guilherme Gomes Fernandes).
Em 1956, a sua filha D. Delminda Sampaio Machado e o seu genro, o Dr. Francisco da Cunha Freitas Mourão de Sotomaior, haveriam de receber a propriedade da Praça Guilherme Gomes Fernandes por doacção.






Casa do Barão de Fermil, actualmente – Ed. Graça Correia




Casa de Alfredo Soares Carneiro, depois da família Jervell




Casa de Alfredo Soares Carneiro, actualmente – Ed. Graça Correia




Palacete Andresen ou família Moreira




Casa da família Cálen




Casa da família Cálen, actualmente – Ed. Graça Correia



Palacete do "Rosas", depois o Restaurante D. Manoel




O carro eléctrico vindo do Castelo do Queijo pela Avenida de Montevideu (onde se situavam os palacetes), entrando na Avenida Brasil



Na foto acima, a Rua do Molhe, à direita, faz a separação das avenidas Brasil e de Montevideu. Na esquina mais próxima, divisa-se um portão de acesso a uma vivenda que, em 1919, foi colocada à venda.
 
 

In jornal “O Comércio do Porto” de 18 de Setembro de 1919

 
 

Área, em destaque, correspondente à vivenda relacionada com o anúncio anterior – Fonte: Planta de Telles Ferreira de 1892




Voltando ao tema das praias, temos hoje, ao entrar na freguesia de Nevogilde, vindos da Foz do Douro, a de Gondarém e a do Molhe.
Naqueles tempos, da 1ª metade de século XX, encontrávamos a praia da Conceição, que derivava do nome da sua banheira mais famosa e a eterna praia do Molhe.
A praia da Conceição, também era chamada de praia da Corda, por ter uma corda estendida até um ferro cravado num rochedo pela qual deslizavam agarrados os banhistas. É a nossa praia de Gondarém.



Praia do Molhe de Carreiros no século XIX


Praia de Carreiros em 1907


Praia do Molhe em 1910


Passeio de barco (normalmente a Matosinhos) na Praia do Molhe, na primeira metade do século XX


Praia do Molhe e a Esplanada 28 de Maio


Praia do Molhe c. 1945


Praia do Molhe com o seu aglomerado de barracas e com a Pérgula já visível



“Frequentei a praia do Molhe nos anos 40 do passado século.
É com muita saudade que recordo esse tempo, porque era sempre um mês de divertimento e contacto com amigos e famílias que só lá encontrávamos ano após ano. Pareceu-me interessante acrescentar algumas recordações que me ficaram desses felizes anos da Foz. 
Todos os verões os meus pais alugavam uma casa na R. de Gondarém (esquina com a R. do Crasto), onde hoje se encontra um prédio, em cuja cave funcionou, durante uns anos, a capela dos frades Carmelitas e depois um minimercado. Descíamos a R. do Crasto, atravessando a Av. Brasil, chegávamos à pérgola e descendo as escadas estávamos na praia. 
Das memórias que tenho quereria destacar algumas que mais me marcaram. Não posso deixar de falar, em primeiro lugar do mar: 
Era límpido e cheio de vida. Os rochedos estavam cobertos de lapas, anémonas, tintureiros, mexilhões, estrelas-do-mar, ouriços, percebes, búzios, peixes e camarões nas poças, bodelhas, alface-do-mar, sargaço, enfim, toda uma fauna e flora que hoje desapareceu e não podemos mostrar aos nossos netos. Na areia encontrávamos muitas conchas, caramujos de diversas cores e beijinhos. Estes, mais raros, eram os da nossa predilecção. 
Que felicidade tínhamos ao mergulhar das escadas de ferro do molhe! 
Só os “homens” eram capazes de tal! Não podia haver praia sem o jogo do prego; era o jogo por excelência, pois em mais lado nenhum o podíamos jogar. Eram campeonatos aguerridos, em que na maior parte das vezes eram as meninas que ganhavam. Fazíamos grandes covas, túneis, castelos, com e sem decoração de conchas e algas, muros de areia para “segurar” o mar, enfim toda uma variedade de brincadeiras que nos faziam felizes no mês de Agosto. E as guloseimas que só na praia nos era permitido gozar! 
Passava o “barquilheiro” e logo corríamos a pedir uns tostões para jogar a roleta. Passava o homem de língua da sogra e todos íamos pedir à Mãe para comprar. Passava a mulher dos bolos com uma caixa de folha-de-flandres à cabeça, e logo a água nos escorria da boca. E os caramilos? Que delícia! 
De vez em quando passava o vendedor de “vira-ventos” que nós seguíamos durante largos metros a cobiçá-los, e com ioiós revestidos de estanho dos maços de tabaco, fazendo-os subir e descer. Mas, o melhor, eram, à saída da praia, os sorvetes Águia. Era o verdadeiro manjar dos deuses. O sorveteiro, no seu característico triciclo em forma de proa de barco, era a atracção máxima! Havia-os de 1 tostão, 2, 5 e 10 tostões. Os de 1 e 2 tostões eram em forma de barco e o de 5 de copo com colher de madeira. 
Não tínhamos esperança de ter mais de 5 tostões. Assim eu preferia comprar, em 3 vezes sucessivas, dois de 2 tostões e um de 1 tostão, pois “rendia” mais tempo o prazer. De longe a longe apareciam os “Robertos”. Que excitação! Todos os miúdos (e graúdos) ficavam presos ao desenrolar do drama, com pancadaria (quanta mais melhor!), berros estridentes e mortos e feridos... Aquela moca andava sempre numa roda-viva.
Enfim, recordar é viver, e sobretudo é uma deliciosa diversão.” 
Cortesia de Rui Cunha do blogue “portoarc.blogspot.com”


O jogo do prego


Saltos para a água no paredão da praia do Molhe


Praia do Castelo do Queijo


(Continua)

8 comentários:

  1. Caros Américo Conceição e Simão Gomes, permitam-me esclarecer de que a rua que estabelece, a sul, o limite de freguesia da Foz do Doutro é a Rua de Rui Barbosa (antiga Rua do Ribeirinho, que se estendia desde a Viela dos Abraços até Carreiros)e não a Rua do Padrão como acima descrito. A Rua de Rui Barbosa (sem saída) é anterior (sentido Foz /Matosinhos) e paralela à Rua do Padrão.

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    1. Agradeço o reparo e informo de que já foi feita a respectiva correcção.
      Espero que continue a seguir o blogue e estaremos sempre ao dispor para repor a verdade.
      Com os melhores cumprimentos

      Américo Conceição

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    2. Apraz-me verificar a rapidez de resposta e respectiva rectificação da minha chamada de atenção sobre o limite geográfico da freguesia da Foz do Douro. Continuarei a seguir o Vosso blogue com o maior prazer e interesse, dado que vou aprendendo sempre algo mais. Sou um Fozeiro interessado na minha freguesia, tanto que escrevi um livro sobre a Minha Foz, em 2017, com duas edições esgotadas em cerca de 8 meses. Sempre que notar, no Vosso blogue, algo que mereça uma eventual rectificação alertá-los-ei. Muito Obrigado pela Vossa partilha.

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    3. Agradeço as suas amáveis palavras. Já, agora, podia identificar-me as obras da qual é autor, pois terei todo o gosto em lê-las? De momento, estou no começo da leitura da obra de Dorothy Wordsworth, que foi escrita após uma sua visita, nomeadamente à Foz, em 1845. Dentro de 2 dias farei referência ao seu desembarque no Porto de Carreiros, no lançamento de 22 de Julho de 2019, como uma actualização ao mesmo.
      Cumprimentos

      Américo Conceição

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  2. Boa Tarde. Sou apenas um apaixonado por tudo que à Foz do Douro diga respeito dado que aqui cresci vivi desde a nascença até aos meus 28 anos de idade. Morei e trabalhei na Ourivesaria Sousa, desde os 10 anos de idade, na Rua Senhora da Luz. Esta rua, a oficina de Ourivesaria e a Praia do Ourigo, principalmente, foram os locais do meu desenvolvimento. Portanto foi natural o meu interesse por esta zona da Foz do Douro. Assim, entre sensivelmente 2012 e 2017, escrevi um livro de memórias. Um pouco autobiográfico e monográfico.
    A edição, em 18 de Março de 2017, coube, por aproximação, ao Progresso da Foz, na pessoa do Dr. Joaquim Pinto da Silva. Foram feitas duas edições esgotadas em pouco mais de 8 meses. Mas não foi o único livro. Em 2020 acabei de escrever um outro livro e Crónicas de viagens (Norte e Centro do País), mas deste apenas se fez uma edição para os intervenientes nessas viagens (10 livros). Actualmente estou a escrever um outro livro sobre a Foz (o tema não se esgota) mas com publicação provável apenas para fins de 2022 ou principio de 2023. Vamos ver. Creio ser possível conseguir um exemplar de "A Minha Foz...e Eu". Vamos contactando. Cumprimentos.

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    1. Desejo-lhe as maiores felicidades na elaboração da obra que tem em mãos.
      De facto, como diz, "vamos contactando", mas quando pretender, pode fazê-lo, através do endereço de e-mail deste blogue.
      Cumprimentos

      Américo Conceição

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    2. Obrigado e desejos de saúde. Se for necessário fá-lo-ei

      Inácio Sousa

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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