sábado, 29 de outubro de 2016

4. Toponímia


“Foi a seguir à vitória do Liberalismo que, no Porto, se verificaram as mais profundas alterações na toponímia portuense, com a criação de novos arruamentos e a mudança de nomes de muitos outros, mas as alterações são de todas as épocas.
Assim, em sessão camarária de 15 de Julho de 1875 foram dados novos nomes a várias ruas da cidade.
Por exemplo ao Lugar da Póvoa, ou Póvoa de Cima, foi dado o nome de Largo de S. Jerónimo, actual Praça da Rainha D. Amélia.
Fora daquela zona procedeu-se às seguintes alterações deliberadas na mesma reunião: deu-se o nome de Travessa de Fernandes Tomás à antiga Travessa do Barbosa que também era conhecida por Viela da Tia Rosa, hoje, a Rua Comandante Rodolfo de Araújo; à Travessa da Feiticeira, na zona das Eirinhas, foi dado o nome de Travessa do Campo de 24 de Agosto; ao chamado Caminho do Padrão de Campanhã, que anteriormente se chamou somente Padrão passou a Rua do Prado e acabou em Rua do Heroísmo; a Rua das Eirinhas, por sua vez, substituiu a antiga Travessa da Prata, transversa à Rua da Prata.
A vereação de 1883 procedeu à seguinte alteração: a Rua do Barão de S. Cosme substituiu a antiga Viela da Nora.
A Praça de Liège sucedeu a partir de 1914 ao Largo do Monte da Luz e ainda nesse ano a actual Rua Jorge de Viterbo Ferreira era a Rua nova do Palácio de Cristal, etc.
Por exemplo, a Rua Alegre, na Foz, antes de 1891, chamou-se Rua Nova dos Prazeres. Não se sabe explicar a origem da antiga denominação mas também não se tem nenhuma justificação para a troca dos nomes.
A Rua de Cedofeita, que todo o portuense bem conhece, é uma artéria relativamente recente, tal como agora a conhecemos como grande centro comercial citadino e aglomerado urbano.
Em 1777 chamava-se Rua da Estrada, mas em 1781, já era Rua direita de Cedofeita.
A Rua de Cedofeita ia desde os Ferradores até à Ramada Alta. A partir de determinada altura, ao troço entre a igreja de Cedofeita e a Ramada Alta foi-lhe dado o nome Rua da Cruz.
Ao findar o século XVI, toda a área por onde hoje corre a Rua de Cedofeita era ainda um sítio ermo de características tipicamente rurais e que ficava muito longe da vetusta Porta do Olival aberta na muralha fernandina. No século XVIII andava a abrir-se por entre campos de cultivo e quintas uma estrada, para utilização dos viandantes que, saindo da Porta do Olival, pretendessem dirigir-se a Vila do Conde, Barcelos e Santiago de Compostela. Por esse motivo é que, em 1777, aparece num registo da Colegiada designada por Rua da Estrada. A artéria foi rasgada, como atrás se referiu, pelo meio de campos e quintas. Uma destas propriedades era a do Cruz e foi daí que veio a designação de Rua da Cruz.
Quando a esse troço foi dado o nome de Barão de Forrester (Joseph James Forrester) já a rua ia outra vez de Carlos Alberto à Ramada Alta.
Um outro enigma é o do antigo nome da actual Rua Bela da Fontinha, empinada a subir até ao Alto da Fontinha, espécie de miradouro arcaico de todo o bairro. Em tempos idos, isto, por aqui, estuava de vida e de movimento quando ainda laborava a Fábrica Social ainda agarrada ao sítio através da toponímia. Passavam as vendedeiras cantantes, entre o formigueiro de operários chapeleiros, das gentes das oficinas das Carvalheiras, no alarido estríduo dos pregões. Pois esta Rua Bela da Fontinha teve, nos tempos, velhos, a designação de Rua de Trás de Deus.
Na riquíssima e muito variada toponímia portuense houve ainda designações que nem sempre eram muito do agrado dos moradores locais. Atente-se nestes dois exemplos Travessa da Feiticeira ou, como por vezes também aparece escrito, Monte das Feiticeiras, foi a designação da actual Travessa do Campo de 24 de Agosto; e o Beco do Campo, que sucedeu a uma rua e já foi uma travessa, ali para as bandas de Azevedo de Campanhã, chamou-se Viela dos Ladrões. Há mudanças perfeitamente compreensíveis...
Mais três ou quatro exemplos. Houve um tempo em que os artífices de determinados ofícios procuravam estar o mais perto possível uns dos outros e, em certas circunstâncias, ter as oficinas ou bancas na mesma artéria. É o caso dos caldeireiros que estavam fixados na rua que ainda hoje tem a designação do ofício, apesar de, já por lá não haver caldeireiros; os bainheiros que viviam e trabalhavam na Rua da Bainharia (o to­pónimo Bainharia tem a ver com a fabrica­ção das bainhas para as espadas e assim, os bainheiros, tinham as suas oficinas e vi­viam nessa rua) é outra artéria medieval que chegou até aos nossos dias mas já sem as oficinas dos bainheiros e que no século XVIII se chamava Rua dos Violeiros, por razões óbvias; os homens que trabalhavam o ouro e a prata, e que ocupavam a Rua da Ourivesaria, infelizmente já desaparecida, etc. etc.
Os tintureiros possuíam as suas tinas na actual Travessa do Bonjardim que, por essa razão, se chamava Viela dos Tintureiros, perfeitamente identificada num registo paroquial da freguesia de Santo Ildefonso que a localiza "… defronte da Cancela Velha…".
Houve casos em que a designação de certas artérias tinha a ver com actividades que por ali perto se desenvolviam. Foi o caso da actual Rua de Álvaro Castelões que anteriormente teve o nome de Rua da Lealdade tirado, naturalmente, da Fábrica de Tabaco "A Lealdade" que funcionou por ali perto, na Rua de Costa Cabral.

Edifício da antiga fábrica de tabaco “ A Lealdade”


Acerca da Rua Chã, a explicação mais vezes usada para justificar essa designação é a de que tem este nome por ser plana. Sabemos todos os que procuramos saber um pouco mais sobre a história do Porto que também foi conhecida por Rua Chã das Eiras ou só Rua das Eiras por ser por ali que secavam os cereais do Cabido. Agora o que julgamos ser uma novidade é o que vem registado num Roteiro da Cidade do Porto, elaborado para servir de guia aos visitantes da Exposição Industrial de 1891. Na referência que lá vem à Rua Chã, diz-se que anteriormente se chamara Rua das Lyras, assim mesmo com y grego.
Quem quer que pretenda saber um pouco mais acerca da antiga toponímia do Porto dificilmente conseguirá atingir os seus objectivos se dispensar a leitura dos roteiros, insertos em velhos almanaques dos finais do século XIX, guias e elucidários, por exemplo, o “Elucidário do Viajante no Porto", publicado em 1864, que para a zona da Praça dos Poveiros e imediações nos confronta com nomes de artérias que nos trazem à memória o ambiente de ruralidade que deve ter caracterizado aqueles sítios em tempos idos: Arrabalde e Campinho, por exemplo.
Lê-se sobre esta zona uma curiosa descrição "… a estrada que da cidade do Porto conduzia, pelo lugar de Valongo, até Penafiel e Vila Real, principiava na Rua de Entre-Muros ou de Entre- Paredes, a qual ainda conserva esse nome, seguia pelo Campinho, Largo do Arrabalde, devesal do Caramujo, no ponto do Padrão, passava no Largo de Mijavelhas (actual Campo de 24 de Agosto) e indo pelo Chão dos Olivais (Rua do Bonfim) passava ao lado do monte de Godim…"
O devesal do Caramujo (lugar abundante em árvore e pastos) desapareceu quando se rasgou a Rua da Alegria. Ao certo não se sabe qual é a origem desse nome, mas o mais provável é que tenha origem no apelido de um dos dois mais importantes proprietários locais: André Gonçalves, o Caramujo, que vivia em Miragaia; e o licenciado João Alvares Caramujo. Com a designação de Caramujo houve uma rua e uma viela, que são já, coisa do passado.
A propósito do "Chão dos Olivais", nome antigo dado à actual Rua do Bonfim, era por esse "chão" que, no tempo da Quaresma, passava uma imponente Via Sacra que tinha o seu começo junto da capela de Nossa Senhora da Batalha, à entrada da Rua de Cima de Vila, e que terminava no alto do Monte de Godim, onde se construiu a igreja paroquial do Bonfim.
A actual Rua de Santo Ildefonso, antiga Rua Direita, ainda não existia como artéria, quando se deu início ao culto da Via Sacra.
A rua, que também teve o nome de 23 de Julho, em memória do combate da Ponte de Ferreira, em Valongo, travado entre liberais e absolutistas durante a guerra civil (1832/33), foi rasgada ao longo de terrenos que faziam parte do Campo dos Trapeiros, no lugar da Pocinha, e daí que a sua primeira designação tivesse sido a de Rua dos Trapeiros.
Tomando como ponto de partida a Praça da Batalha, ao tempo em que ainda lá existia a Capela de Nossa Senhora da Batalha, quem, ainda no século XVIII, se dirigisse na direcção do Norte tinha obrigatoriamente que meter por uma estreita artéria chamada Viela dos Matos, posteriormente crismada de Viela do Adro (do adro da igreja de Santo Ildefonso) que dava acesso à actual Rua de Santa Catarina.
Por aqueles tempos, os terrenos compreendidos entre as actuais ruas de 31 de Janeiro e de Santa Catarina ainda não estavam totalmente urbanizados. Faziam parte de quintas ou eram terrenos de cultivo e lavradio. A dona das mais importantes parcelas era a D. Antónia Adelaide Ferreira, a célebre Ferreirinha da Régua.
Onde foi construído o edifício do actual Grande Hotel do Porto havia a Viela das Pombas, que é hoje uma rua com o nome de António Pedro. Em tempos idos, esta artéria tinha ligação com a desaparecida Viela da Neta, que foi substituída, em parte, pela moderna Rua de Sá da Bandeira. A Viela da Neta tinha também ligação com a actual Rua Formosa, numa altura em que a esta artéria se dava a popular designação de Rua do Enforcado. Esta denominação andava ligada a um triste episódio que ocorreu por ali e teve como protagonistas um galego e a sua ama. Aquele assassinou a patroa para a roubar. Não tardou a ser preso e a forca, onde foi condenado a morrer, levantou-se em frente à casa da ama. Depois da execução, a cabeça e as mãos do galego ficaram pregadas na forca por muito tempo…”.
Nas imediações do Campo 24 de Agosto, a Rua Cidália Meireles, foi Viela do Preto e depois Rua do Castanheiro aparecendo em 1843 como Travessa do Castanheiro e dois anos depois como Viela do Castanheiro.
A leitura de um pequeno opúsculo, impresso nos finais do século XVIII, em que se relata a passagem pelo Porto de um arcebispo de Braga, dá-nos conta de alguns topónimos antigos interessantes.
O arcebispo era D. Gaspar, filho natural de D. João V, um dos "meninos da Palhavã" por conjuntamente com mais dois irmãos naturais, D. António e D. José terem habitado um palácio que ficava no sítio da Palhavã, em Lisboa.
Como é geralmente conhecido, por aquele tempo, a altas dignidades, civis ou religiosas, que se dirigissem ao Porto, ou por aqui passassem, entravam na cidade pela Porta Nova ou Nobre, como também era conhecida.
Com D. Gaspar foi isso o que aconteceu mas de uma forma diferente do habitual. O arcebispo eleito de Braga começou por atravessar o rio em frente ao antigo Largo do Terreiro do Trigo, actual Largo do Terreiro onde se recolheu na capela de Nossa Senhora da Piedade, vulgarmente conhecida por capela da Senhora do Ó, onde previamente havia sido colocado pelo Vigário Geral da Sé portucalense, "cadeira, coxim e alcatifa". Ao fim de algum tempo de repouso e oração D. Gaspar, depois de ter deixado sobre o altar da pequena ermida "uma avultada esmola à santa imagem" entrou num baixel adornado de "primorosa talha dourada" e rumou à Porta Nobre para, então aí, fazer a entrada solene na cidade.
Consta do referido opúsculo que D. Gaspar após transpor aquela porta prosseguiu pela "Tanoaria da Fonte da Rata". Trata-se de uma fonte que ficava ao fim da Rua da Arménia também conhecida por Fonte da Tanoaria por o seu tanque ser utilizado pelos tanoeiros que ali tinham as suas oficinas, para amolecerem as aduelas com que construíam as pipas. Muito perto daquela fonte havia outra chamada Fonte dos Banhos ou do Sargento dos Banhos. Este epíteto tinha origem numa figura esculpida em pedra representando um militar com aquela patente.
Passada a Fonte da Rata, o cortejo episcopal prosseguiu pelas já desaparecidas Rua dos Banhos e Rua da Ourivesaria, junto a S. Nicolau.
Esta última em 1860 daria lugar à Rua de S. Nicolau já desaparecida. Perto destas duas artérias ficava o famoso Postigo de Álvaro Gonçalves da Maia, que foi uma importante figura do seu tempo tendo desempenhado, entre outros, o importante cargo de vedor da Fazenda Real e o Postigo de João Pais. Julga-se que aquele Postigo de Álvaro Gonçalves da Maia, situado num ponto estratégico da urbe ribeirinha, onde se desenvolvia uma intensa actividade fluvial ligada ao comércio, foi o primeiro local da toponímia portuense a receber o nome de uma importante figura da cidade.
Aquela Rua dos Banhos anterior­mente teria tido a curiosa designação de Rua das Boas Mulheres dos Mesteres
Dizem as crónicas que o cortejo subiu pelas Congostas, sítio pedregoso e empinado, muito citado por Camilo nos seus romances, que ficava (próximo) onde depois se rasgou a moderna Rua de Sousa Viterbo. Havia por aqui uma famosa fonte que tomou o nome do lugar e que foi demolida entre 1882 e 1883, quando se começou a abrir a Rua de Mouzinho da Silveira.
O séquito de D. Gaspar passou, a seguir, pelos Arcos de S. Domingos, que é como quem diz, diante da frontaria do extinto mosteiro da Ordem que tinha aquele santo como padroeiro, e onde estavam os famosos arcos, e atravessou a Praça de Santa Catarina que era o actual Largo de S. Domingos.
A designação de Santa Catarina, dada ao largo em referência, era reforçada pela existência de uma imagem daquela padroeira colocada num nicho aberto na fachada de um prédio já desaparecido. A imagem ainda existe. Está no interior do estabelecimento da papelaria Araújo & Sobrinho. Recorda-se que a actual Rua das Flores começou por se chamar, por causa da veneração daquela santa, pelo bispo que então habitava a Sé, aquando da abertura daquela rua, Rua de Santa Catarina das Flores.
A descrição do itinerário do arcebispo já dentro dos muros da cidade refere outros curiosos topónimos entretanto e lamentavelmente desaparecidos.
Por exemplo: Vale de Pegas, uma zona que ficaria entre a entrada das já mencionadas Congostas, junto à Rua Nova, actual Rua do Infante D. Henrique, e a beira-rio (actual Rua de S. Nicolau); a Rua do Reguinho, actual Rua de S. Francisco (onde nasceu o escritor Júlio Dinis), perto da qual havia outra fonte famosa, a Fonte do Touro; e as Ruas da Almeia e da Munhota; a do Calca Frades e a da Revolta.
Todos estes arruamentos desapareceram quando se abriu a Rua Nova da Alfândega.
Muitos outros topómimos da cidade despertam curiosidade: Rua do Nogueira, actual Padre José Pacheco do Monte; Rua da Costibela (Martim Moniz, para as bandas da Vilarinha); Viela do Espartete que foi também Rua Nova dos Prazeres (Rua Alegre, na Foz velha); Beco do Preto junto à Alfândega; Viela da Galinha (Calçada da Boa-Viagem; Rua do Olho-Vivo (Antero de Quental), etc.
Na freguesia de Paranhos, podem observar-se algumas curiosidades toponímicas a Rua do Visconde de Setúbal teve, antigamente, a designação de Viela dos Espinheiros; a Rua do Almirante Leote do Rego era a Rua Nova do Monte Louro; Rua da Bica Velha era como se chamava a actual Rua de Nove de Abril; a Rua de Ribeiro de Sousa foi a Rua do Paiol e Viela da Palha (Viela da Palha foi também a Rua do Amparo na freguesia do Bonfim); em 1932 a Calçada do Campo Lindo passou a ter a designação de Rua do Dr. Pedro Dias; dois nomes diferentes, teve a Rua do Dr. Carlos Ramos que começou por se chamar Viela do Amial e, depois disso, foi Rua do Sport Progresso; ligada ao topónimo Currais anda a actual Rua da Diamantina que anteriormente se chamou Travessa de Currais; a conhecida Rua do Alto teve em tempos idos a curiosa designação de Rua do Alta da Rabeca e a Viela do Covelo foi a partir de 1930 a Rua do Bolama, adjacente à Quinta do Covelo.
Como topónimos mais antigos teremos: Lueda a Noeda dos nossos dias; Petras Fixilis nas Antas, na Avenida dos Combatentes; Paramos que é Paranhos; Barrosam as Barrocas, lugar de Paranhos; Petram Furatam, Pedra Furada, actual lugar do Regado.
Muitos são os casos de topónimos desaparecidos: Rua da Senhora do Ferro, na Sé; Rua da Pamparona, na Foz e Rua da Rosa, em S. Nicolau. Ainda nesta freguesia ficava a Travessa da Estrela.
E havia a Rua dos Coutos para as bandas do Campo Alegre; o Sítio do Agueto, no Amial e no Ouro ficava a Calçada do Gás. A Travessa da Donatária era em Cedofeita.
A todas estas verdadeiras delícias juntem-se, agora, os nomes de algumas vielas: Viela do Cadavais, na Sé e Viela das Panelas em S. Nicolau”.
Com a devida vénia a Germano Silva

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